Você está na página 1de 1

Acórdãos TRC Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra

Processo: 7497/17.8T8CBR.C1
Nº Convencional:
JTRC
Relator:
JORGE MANUEL LOUREIRO
Descritores:
LITISPENDÊNCIA
FINALIDADE
REQUISITOS
Data do Acordão:
18/01/2019
Votação:
UNANIMIDADE
Tribunal Recurso:
TRIBUNAL JUDICIAL DA COMARCA DE COIMBRA – JUIZO DO
TRABALHO DE COIMBRA
Texto Integral:
S
Meio Processual:
APELAÇÃO
Decisão:
REVOGADA
Legislação Nacional:
ARTº 581º, Nº 1 DO NCPC.
Sumário:
I – A finalidadeda litispendência é a de obviar a que o
afirmado pelo tribunal numa ação seja reproduzido ou
contrariado pelo que se venha a afirmar pelo mesmo ou por
outro tribunal noutra ação, sendo este um critério a utilizar
para efeitos de aferir de uma situação de litispendência, para
lá mesmo do critério formal da tríplice identidade enunciada
no art. 581º/1 do NCPC.
II - A litispendência pode ocorrer em situações em que se
registe uma identidade material de objecto entre a questão
fundamental de uma e outra de outra, apesar de inexistir uma
rigorosa identidade formal do pedido feito nas duas ações.
III - Ainda assim, do que a excepção de litispendência não
prescinde é que em duas ações distintas tenham sido
deduzidos pedidos de que resulte a identidade material de
objecto supra referida.
Decisão Texto Integral:

Acordam na 6.ª secção social do Tribunal da Relação de


Coimbra
I – Relatório
A autora propôs contra a ré a presente acção com a forma de
processo comum e emergente de contrato de trabalho, deduzindo
o pedido seguidamente transcrito: “Nestes termos, e nos melhores
de Direito, que V. Exa. doutamente suprirá, deverá a presente
acção ser julgada totalmente procedente, por provada, e, em
consequência, ser a ré condenada no pagamento à autora do
montante total de 54.652,94€ (cinquenta e quatro mil seiscentos e
cinquenta e dois euros e noventa e quatro cêntimos),
correspondente aos créditos laborais em dívida melhor descritos
no articulado, e ainda no pagamento dos juros vincendos, desde
a data da citação até à data do seu efectivo e integral
cumprimento.”.
Alegou, como fundamento da sua pretensão, que: foi trabalhadora
subordinada da ré entre 4/10/2011 e 22/10/2016; esteve de
licença sem vencimento, pelo período de 48 meses, com termo
inicial em 1/11/2012; apesar disso, a ré sempre exigiu à autora
que continuasse a prestar a sua actividade como até então
sucedia, continuando a autora a prestar o seu trabalho à ré, por
exigência desta, conforme até então tinha prestado,
desempenhando exactamente as mesmas funções que até então
desempenhou; a ré não lhe pagou o salário, subsídio de
alimentação subsídios de férias e de Natal correspondentes ao
trabalho prestado por exigência da ré entre 1/11/2012 e
22/10/2016, em período de licença sem vencimento, tudo no
valor global de 54.652,94€; as únicas quantias pagas pela ré nesse
período eram referentes exclusivamente à bolsa do programa de
doutoramento em empresa devida no âmbito de um Contrato de
Bolsa de Doutoramento em Empresa no qual outorgaram a ré, a
autora e a FCT, num valor inicial de 490,00€ e que a partir de
13/5/2014 a ré decidiu majorar em 200,00.
A ré contestou sustentando, em resumo e com relevo para esta
decisão, que ocorria uma situação de litispendência entre esta
acção e aquela que no tribunal recorrido correu termos sob o nº ...
O tribunal recorrido proferiu decisão julgando procedente essa
excepção de litispendência e absolveu a ré da instância.
Não se conformando com o assim decidido, apelou a autora,
rematando as suas alegações com as conclusões seguidamente
transcritas:
...
Não foram apresentadas contra-alegações.
Nesta Relação, o Exmo. Procurador-Geral Adjunto emitiu parecer
no sentido da procedência do recurso.
Dispensados os vistos legais, importa decidir.
II - Principais questões a decidir
Sendo pelas conclusões que se delimita o objecto do recurso
(artigos 635º/4 e 639º/1/2 do Código de Processo Civil aprovado
pela Lei 41/2013, de 26/6 – NCPC – aplicável “ex-vi” do art.
87º/1 do Código de Processo do Trabalho – CPT), integrado
também pelas que são de conhecimento oficioso e que ainda não
tenham sido decididas com trânsito em julgado, são as seguintes
as questões a decidir:
1ª) se ocorre a excepção de litispendência afirmada pelo tribunal
recorrido;
2ª) se são inconstitucionais os arts. 580.º e 581.º do NCPC na
interpretação que deles foi feita pelo tribunal recorrido.
III – Fundamentação
A) De facto
Dão-se aqui por reproduzidos os factos enunciados no relatório
deste acórdão.
No processo ... a aqui ré (empregadora) pediu a condenação da
aqui autora (trabalhadora) a pagar-lhe o montante de
€29.322,80, acrescido dos juros de mora vencidos até integral
pagamento e ainda custas e demais despesas, bem como a quantia
que se vier a liquidar em sede de execução de sentença relativa ao
investimento total realizado no âmbito do doutoramento.
Alegou, em síntese e na parte com relevo para esta decisão,
que: foi empregadora da trabalhadora, sendo que ambas
outorgaram com a Fundação ... num Contrato de Bolsa de
Doutoramento em Empresa, com aprovação do respectivo
programa e do seu financiamento através de bolsa a ser suportada
em partes iguais pela empregadora e pela F...; empregadora e
trabalhadora acordaram, no âmbito desse programa de
doutoramento, em que a trabalhadora ficaria em licença sem
vencimento por um período de 48 meses a partir de 1/11/2012, na
condição acordada entre ambas de a trabalhadora voltar à
empresa da empregadora após o termo do doutoramento e por um
período mínimo de 5 anos, sob a cominação da trabalhadora
indemnizar a empregadora no valor proporcional ao investimento
realizado no âmbito do programa de doutoramento; a
trabalhadora violou aquele pacto de permanência, pois denunciou
o contrato de trabalho com efeitos reportados a 22/10/2016; o
investimento suportado pela empregadora a título de bolsa e do
qual deve ser indemnizada pela trabalhadora importou num valor
não inferior a €28.520,00, correspondendo a 48 meses de bolsa
suportados pela empregadora que inicialmente era no valor
mensal de €490,00, tendo esta decidido posteriormente, como
forma de incentivo, efectuar uma majoração dessa bolsa num
valor mensal de €200,00; a violação desse pacto de permanência
provocou na empregadora outros danos cuja indemnização deve
ser quantificada em ulterior liquidação.
A trabalhadora contestou a acção, concluindo assim: “Nestes
termos, e nos melhores de direito, que V. Exa. doutamente
suprirá:
I – Deverá a presente acção ser julgada totalmente improcedente,
por não provada e, em consequência, ser a ré totalmente
absolvida do pedido;
II – Ser a autora condenada como litigante de má-fé, no
pagamento de uma multa e de uma indemnização à ré, no
montante que o Tribunal julgar mais adequado.”.
Alegou, em resumo e na parte que releva para efeitos desta
decisão, que: é verdade ter celebrado o Contrato de Bolsa de
Doutoramento em Empresa e o acordo de licença sem
vencimento alegados pela empregadora; não foi outorgado entre
ambas qualquer pacto de permanência, nem qualquer
indemnização pela sua violação; é verdade que denunciou o
contrato de trabalho nos termos relatados pela empregadora;
apesar de se encontrar em licença de vencimento, por exigência
da empregadora, continuou a trabalhar para a mesma, cumprindo
os mesmos horários e realizando os mesmos trabalhos que até
então realizava, em prejuízo do desenrolar dos trabalhos do seu
doutoramento, tendo-lhe a ré pago, apenas, a bolsa de formação
devida no âmbito do programa de doutoramento, inicialmente no
valor de €490,00, posteriormente acrescida da bonificação de
€200,00 referida pela empregadora; despendeu no programa de
doutoramento valores que eram da responsabilidade da
empregadora e que esta se recusa a suportar; outorgou com a
empregadora e a Universidade do ... num outro contrato, do qual
resultou para a empregadora a propriedade intelectual de uma
ferramenta com um valor que ultrapassa largamente aquele que a
empregadora exige na acção, além de que a empregadora se
recusa a cumprir o acordado nesse contrato em termos de
repartição dos lucros decorrentes da exploração daquele direito
de propriedade intelectual; a empregadora litiga de má-fé.
A acção viria a ser julgada por sentença de cujo dispositivo
consta o seguinte: “Julgo parcialmente procedente, por
parcialmente provada a presente acção, e, consequentemente,
condeno a Ré:
- a pagar à Autora, a quantia global de €23.520,00 - vinte e três
mil, quinhentos e vinte euros - correspondente ao montante que
esta investiu de €490,00/mês, durante 48 meses, a título da sua
quota parte, na Bolsa da Ré, para realização do Doutoramento
em Empresa.
- a que acrescem os juros moratórios, à taxa legal, vencidos e
vincendos, desde a data de citação, como peticionado e até
efectivo e integral pagamento - artigo 609º nº1 do Código de
Processo Civil.”
Absolvo a Ré dos demais pedidos formulados pela Autora”.
Para fundamento do assim decidido, discorreu-se,
designadamente, assim:
“Em função do que vem de dizer-se afigura-se-nos resultar
provado que as partes tinham a condição por aceite, logo,
incumprida esta, haverá que, como também se tem por aceite
pelas partes, devolver o investimento feito.
Aliás, o mesmo decorre do disposto no artigo 137º do C.T.,
chamado até á colação pela própria Ré, cujo, no seu artigo nº 1
estatui que “ As partes podem convencionar que o trabalhador se
obriga a não denunciar o contrato de trabalho, por um período
não superior a três anos, como compensação ao empregador por
despesas avultadas feitas com a sua formação profissional.”
E no nº 2 estatui que “O trabalhador pode desobrigar-se do
cumprimento do acordo previsto no número anterior mediante
pagamento do montante correspondente às despesas nele
referidas”
Não obstante a conclusão supra e com vista a decidir da questão
em apreço - (se é devida à Autora a quantia que peticiona da Ré
– importa ainda apurar qual o efectivo e concreto montante, que
a Autora despendeu, que se possa então considerar a título de
investimento, na Formação Profissional da Ré.
Da carta a que supra se alude (junta a folhas 15) consta então
que “ …Caso seja vontade da A... sair antes do período
estipulado anteriormente, a empresa terá de ser indemnizada no
valor proporcional ao investimento realizado no âmbito do
Doutoramento em empresa….”; e resulta daquela outra junta a
folhas 21 que, “… procedemos à liquidação da indemnização
devida pela não observância da condição de permanência na
empresa, no valor de €28.520,00. Mais informamos que no
cálculo do referido valor apenas foi considerado o investimento
suportado a título de bolsa, mantendo a nossa disponibilidade e
colaboração para a conclusão da tese no âmbito do programa de
doutoramento em empresa…”;
Resulta da matéria dada por provada que, “O investimento
suportado pela Autora, a título de bolsa, importou no valor de
€28.520,00” - vd. artigo 23 - e que “A Autora pagava à Ré, uma
bolsa de inicialmente €490,00, que veio a ser majorada em mais
€200,00, para compensação da disponibilidade da Ré, no
desempenho das funções a que se alude a 31) em conjunto com
outros €490,00, estes, pagos pela Fundação ...” – vd. artigo 33.
Ora, se é certo que entendemos ser devido à Autora, o reembolso
das despesas inerentes ao investimento feito com a Formação
Profissional da Ré, e sendo que, aquando da concessão da
licença e portanto da aceitação pelas partes, das condições a ter
em conta, a sua quota-parte, na Bolsa da Ré, era no montante de
€490,00, e que a majoração da mesma em mais €200,00, não se
deveu a maiores custos daquela formação profissional, antes se
deveu, a uma compensação que a Autora entendeu ser devida à
Ré, por esta se disponibilizar a exercer algumas funções
laborais, a partir de certa altura (não obstante o seu contrato de
trabalho estar suspenso mercê da licença sem vencimento).
Assim entendemos que no cálculo a considerar, serão apenas
devidos os €490,00/mês, durante todo o período da licença sem
vencimento - 48 meses – ou seja, num total de €23.520,00.”.
Para se fundamentar a decisão ora recorrida que decretou a
procedência da excepção de litispendência, discorreu-se,
designadamente, assim:
“No caso vertente, temos que, no outro processo anteriormente
pendente entre as mesmas partes, a aí A. veio pedir o pagamento
da “indemnização pelo investimento suportado” com a bolsa que
pagou à aí R. enquanto esta esteve numa situação de licença sem
vencimento, que se defendeu ao referir que se manteve sempre a
trabalhar para a aí A., que lhe pagava a bolsa “acrescida de
uma bonificação de 200,00€” em virtude desse trabalho e que
vem agora pretender que a aqui R. lhe pague todos os créditos
laborais que lhe serão devidos em virtude das funções laborais
que terá continuado a exercer durante o seu período de licença
sem vencimento.
Assim, não obstante a aqui A. não ter deduzido qualquer
reconvenção contra a R. nesse outro processo, a verdade é que se
defendeu com base nos mesmos factos que agora fundam o seu
pedido principal, que foram devidamente apreciados nesse outro
processo, em que foi já entendido que os € 200 pagos
adicionalmente pela aqui R. correspondiam à sua retribuição
pelo exercício dessas funções, não tendo a aqui A. sido
condenada no seu pagamento à aqui R..
E, cumpre precisar que se adota uma noção ampla de
litispendência (e também, claro, do caso julgado, que apenas se
distingue da litispendência em virtude da fase em que se encontra
a outra ação com as mesmas partes), tal como defendida por
TEIXEIRA DE SOUSA, ob. cit., p. 578, considerando que “o
caso julgado incide sobre a decisão como conclusão de certos
fundamentos e atinge esses fundamentos enquanto pressupostos
daquela decisão”, pois não se pode isolar a decisão dos seus
fundamentos, uma vez que é o resultado do silogismo judiciário
operado com base nesses mesmos fundamentos.
Assim, e continuando a citar TEIXEIRA DE SOUSA, ob. cit., p.
579, “O caso julgado da decisão também possui um valor
enunciativo: essa eficácia de caso julgado exclui toda a situação
contraditória ou incompatível com aquela que ficou definida na
decisão transitada. Excluída está, desde logo, a situação
contraditória: se, por exemplo, o autor é reconhecido como
proprietário, então não o é o demandado; se o autor é
reconhecido como herdeiro, o réu não pode instaurar uma ação
de apreciação negativa desta mesma qualidade” (nosso
destacado).
E, no presente processo sub judicio, a A. pretende agora que a R.
seja condenada a pagar-lhe mais do que os €200 que já recebeu
mensalmente, quando, na anterior ação, nada referiu a esse
respeito e foi decidido que esses € 200 lhe eram devidos como
retribuição do seu trabalho, não tendo a aqui A. direito a manter
na sua posse as restantes quantias que lhe foram pagas pela aqui
R., levando o Tribunal a contradizer, diretamente, o já
anteriormente decidido na sentença objeto de recurso.
A A. pretende, assim, que o Tribunal desdiga o que disse
anteriormente (ou, se ação improceder, repita a decisão
anterior), considerando que a aqui A. tinha direito ao pagamento
de uma retribuição superior, quando já invocou esse meio de
defesa na anterior ação, tendo o mesmo sido devidamente
atendido na sentença aí proferida, que decidiu, em virtude do
alegado pela aí R., que esta não seria obrigada a restituir os já
mencionados €200.
E como resulta do já exposto, o tríplice critério formal supra
referido para a existência de caso julgado/litispendência não é o
único, devendo atender-se “também à diretriz substancial
traçada no n.º 2 do artigo 497º, onde se afirma que exceção de
litispendência (tal como a do caso julgado) tem por fim evitar
que o tribunal seja colocado na alternativa de contradizer ou de
reproduzir uma decisão anterior” – ANTUNES
VARELA/MIGUEL BEZERRA/SAMPAIO E NORA, Manual de
Processo Civil, 2.º Edição, Coimbra, 1985, p. 302.
É que, como conclui CALVÃO DA SILVA, «Caso Julgado
Material e Resolução do Contrato-Promessa» in Estudos de
Direito Civil e Processo Civil (Pareceres), Coimbra, 1999 p. 234,
itálico do autor, “não obstante a inexistência de rigorosa
identidade formal do pedido feito nas duas ações, é inegável a
identidade material de objeto entre a questão fundamental de
uma e outra ação. Tanto basta para que se deva ter por
irrecusável o caso julgado material, vista a identidade do pedido,
não em função do escopo final de uma e outra ação, mas do
objeto fundamental de que dependa o êxito de cada uma delas”
(cfr., em idêntico sentido, ANTUNES VARELA/MIGUEL
BEZERRA/SAMPAIO E NORA, ob. cit., p. 714, nota 2).
De resto, temos que o que a A. visa obter com a presente ação é,
tão somente, uma decisão que contradiga a anterior
(pretendendo que “entre pela janela”, com esta ação, o que já
“saiu pela porta” face à procedência da ação que anteriormente
lhe foi movida pela R., em que se sempre se poderia ter defendido
alegando que teria direito a mais do que os € 200 que lhe eram
pagos mensalmente), apesar de terem por objeto os mesmos
factos concretos (a mesma específica parcela da realidade,
dizendo respeito ao que sucedeu entre A. e R. enquanto a
trabalhadora esteve na situação de licença sem vencimento), que
já foram apreciados anteriormente.
Não se compreenderia como poderia o Tribunal, num volte face
em relação à decisão anterior, vir declarar que, afinal e apesar
de tudo o já decidido, a aqui A. teria direito ao pagamento de
uma retribuição superior aos € 200 já pagos pela aqui R.,
contradizendo a sentença anterior, que decidiu que só esses € 200
(e não as outras quantias já pagas pela R.) seriam devidos à aqui
A. e poderiam ficar na sua posse.”.
B) De direito
Primeira questão: se ocorre a excepção de litispendência
afirmada pelo tribunal recorrido.
A excepção de litispendência pressupõe a repetição de uma causa
(art. 580º/1 do NCPC), se a repetição se verifica antes de a
primeira causa ter sido decidida por sentença que já não admite
recurso ordinário, sendo que a causa se repete quando se propõe
uma acção idêntica a outra quanto aos sujeitos, ao pedido e à
causa de pedir (art. 581º/1 do NCPC).
A excepção em questão deve ser aferida, quanto à identidade da
causa de pedir e do pedido, em face do alegado pelas partes como
fundamento fáctico das pretensões sujeitas à apreciação e decisão
jurisdicionais e do que concretamente se peticiona com base
naquele fundamento.
Como fui do que acima se deixou enunciado, na primeira acção
que a empregadora propôs contra a trabalhadora, aquela alegou
que esta violou um pacto de permanência entre ambas celebrado,
razão pela qual esta deveria restituir-lhe, designadamente,
28.520,00 € que lhe pagou a título de bolsa de doutoramento, nos
quais se incluía a majoração mensal dessa bolsa que a partir de
certa altura decidiu pagar à trabalhadora, no valor mensal de €
200,00 (arts. 43º, 44º e 45º da petição inicial).
Perante tal pretensão da empregadora e da fundamentação fáctica
para tanto aduzida, a trabalhadora pugnou pela improcedência da
acção, não deduziu reconvenção e peticionou a condenação da
primeira como litigante de má-fé, tudo nos termos exactos que
supra se deixaram transcritos.
O pedido correspondente à litigância de má-fé não releva para os
efeitos que estão em análise, pois que na presente acção tal
pretensão não vem renovada pela trabalhadora, inexistindo a esse
respeito a repetição do pedido que a excepção de litispendência
pressupõe.
Assim sendo e na ausência de qualquer outra pretensão que a
trabalhadora tenha ali deduzido na contestação afigura-se-nos
impossível divisar-se uma repetição de pedidos que a declaração
da litispendência pressupõe.
Na decisão recorrida sustenta-se, contudo, que um dos
fundamentos em que a trabalhadora assentou a defesa ali
apresentada é exactamente o mesmo que agora se convoca para
fundamento da pretensão condenatória deduzida no âmbito desta
acção, a saber: apesar da trabalhadora se encontrar de licença sem
vencimento, o certo é que a empregadora continuou a exigir-lhe a
prestação do trabalho nos exactos termos em que o exigia antes
dessa licença, pagando-lhe como contrapartida do trabalho assim
prestado uma bonificação de 200 euros mensais com que majorou
a bolsa de formação devida pela empregadora à trabalhadora.
Neste enquadramento, ao pretender através desta acção obter a
condenação da empregadora a pagar-lhe todos os créditos
laborais devidos por causa da prestação efectiva de trabalho
durante o seu período de licença sem vencimento, a trabalhadora
coloca o tribunal na contingência de contradizer ou repetir a
decisão proferida na primeira acção em que se reconheceu que a
trabalhadora apenas prestou algum trabalho – que não todo o
trabalho – daquele que prestava antes da licença, correspondendo
aqueles 200 euros à retribuição paga por essa prestação parcial de
trabalho em período de licença sem vencimento.
Por isso, sustenta o tribunal recorrido estar-se perante uma
situação de litispendência que, justamente, pretende obviar a tais
riscos de contradição ou repetição.
Comece por dizer-se que não acompanhamos a decisão recorrida
quanto à identidade de fundamentos – da defesa naquele processo
e da acção neste processo - afirmada na decisão recorrida.
Com efeito, na defesa daquele processo jamais a trabalhadora
sustentou que a aludida bonificação de 200 euros constituía
remuneração de trabalho prestado à empregadora durante a
licença sem vencimento.
Os referidos 200 euros sempre foram encarados pela
trabalhadora, na primeira acção, como um acréscimo à bolsa de
formação (art. 51º da contestação), na senda, aliás, do ali
igualmente sustentado pela empregadora (art. 44º da petição).
Não se regista, assim, a identidade de fundamentos de que a
decisão recorrida parte para afirmar a litispendência.
Num segundo plano, admite-se, até por imposição legal (art.
580º/2 do NCPC), que a finalidade da litispendência seja a de
obviar a que o afirmado pelo tribunal numa acção seja
reproduzido ou contrariado pelo que se venha a afirmar pelo
mesmo ou por outro tribunal noutra acção, sendo este um critério
a utilizar para efeitos de aferir de uma situação de litispendência,
para lá mesmo do critério formal da tríplice identidade enunciada
no art. 581º/1 do NCPC – Antunes Varela e outros, Manual de
Processo Civil, 2.ª edição, p. 302.
Assim como se admite que o litispendência possa ocorrer em
situações em que se registe uma identidade material de objecto
entre a questão fundamental de uma e outra de outra, apesar de
inexistir uma rigorosa identidade formal do pedido feito nas duas
acções – Calvão da Silva, Caso Julgado Material e Resolução do
Contrato-Promessa, in Estudos de Direito Civil e Processo Civil
(Pareceres), Coimbra, 1999 p. 234.
Ainda assim, do que a excepção de litispendência não prescinde

Você também pode gostar