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TRIBUNAL DE JUSTIÇA

PODER JUDICIÁRIO
São Paulo

Registro: 2022.0000505999

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos estes autos do Apelação Cível nº


1016696-03.2014.8.26.0100, da Comarca de São Paulo, em que é apelante MARIA
CRISTINA RODRIGUES VIANNA, é apelado JOSE DA COSTA SILVA.

ACORDAM, em 29ª Câmara de Direito Privado do Tribunal de


Justiça de São Paulo, proferir a seguinte decisão: "Deram provimento em parte ao
recurso. V. U.", de conformidade com o voto do Relator, que integra este acórdão.

O julgamento teve a participação dos Exmos. Desembargadores


SILVIA ROCHA (Presidente sem voto), CARLOS HENRIQUE MIGUEL
TREVISAN E MÁRIO DACCACHE.

São Paulo, 29 de junho de 2022

Themístocles NETO BARBOSA FERREIRA


RELATOR
Assinatura Eletrônica
TRIBUNAL DE JUSTIÇA
PODER JUDICIÁRIO
São Paulo

Comarca: São Paulo – Foro Central – 16ª. Vara Cível


APTE.: Maria Cristina Rodrigues Vianna
APDS.: José da Costa Silva
JUIZ : Leandro de Paula Martins Constant
29ª. Câmara de Direito Privado

VOTO Nº 11.741

Ementa: Ação de cobrança de honorários advocatícios


contratuais julgada parcialmente procedente Apelo da
autora - Restou incontroverso nos autos que a autora, por
força de contrato de prestação de serviços advocatícios
celebrado com o réu, ajuizou, em nome deste último, ação
trabalhista, tendo acompanhado a demanda durante toda
a fase de conhecimento, bem como de parte da execução.
Incontroverso, outrossim, que o réu em 12 de fevereiro de
2014 revogou a procuração outorgada à autora, nos autos
da ação trabalhista em questão e nada pagou à suplicante
a título de honorários. Destarte, dúvida não há de que a
autora deve receber pelos serviços contratados, sob pena
de enriquecimento ilícito do réu. Todavia, a discussão
armada acerca da necessidade de observância da cláusula
contratual que estipulou honorários não colhe êxito.
Realmente, porque referida disposição deve ser analisada
e interpretada em conformidade com o princípio da boa-
fé objetiva, previsto no art. 422, do CC. Com efeito, a boa-
fé é condição necessária à tutela da comutatividade
contratual. De fato, o princípio da boa-fé objetiva,
adotado pelo Código Civil em vigor, conferiu novo caráter
aos princípios contratuais erigidos pelo princípio da
autonomia da vontade, dentre os quais encontra-se o
pacta sunt servanda. Este princípio, que define força
obrigatória às convenções livremente pactuadas, restou
relativizado pelo legislador civil, não vigorando mais em
sua forma absoluta. Em verdade, atualmente, como vem
se manifestando a jurisprudência, a boa-fé atua como
modelo de comportamento, que impõe deveres acessórios
de conduta aos sujeitos da relação contratual,
desempenhando a função de limite ao exercício de
direitos subjetivos, enquanto exercício desequilibrado de
direitos. Além do princípio da boa-fé objetiva, na análise
do contrato e da cláusula em questão, há que se
considerar, em acréscimo, o princípio da função social do
contrato, estabelecido no art. 421 do Estatuto Civil.
Ambos os princípios se consistem em verdadeiras
cláusulas gerais, regentes das relações jurídicas privadas.

Apelação Cível nº 1016696-03.2014.8.26.0100 - São Paulo -VOTO Nº - 2/12


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Portanto, forçoso convir que o Juízo a quo em absoluto


estava vinculado à cláusula contratual à qual se apega a
apelante, podendo, na verdade, relativizá-la, posto que os
serviços contratados não foram integralmente prestados.
De fato, como acima observado, a autora efetivamente
prestou serviços ao réu, tendo atuado não só na fase de
conhecimento da reclamação trabalhista na qual obteve
parcial ganho de causa, mas, também, na fase de
execução até a homologação dos cálculos periciais,
ocasião em que ocorreu a rescisão do contrato, com
revogação da procuração. Logo, a pretensão consistente
na observância irrestrita da cláusula que fixou os
honorários fere os princípios da boa-fé objetiva e da
função social do contrato, pelo que não pode ser acolhida.
Lado outro não tem razão de ser a alegação de que a
observância da aludida cláusula se faz necessária em
virtude da rescisão ter sido unilateral, sem que houvesse
motivo para tanto. Com efeito, na medida em que é direito
potestativo do mandante a revogação do mandato, em
contrapartida ao direito do advogado de renunciar ao
mandato a qualquer tempo (art. 112, caput, CPC).
Outrossim, o contrato de prestação de serviços
advocatícios é firmado intuitu personae, ou seja, é
pautado pela confiança entre as partes contratantes. Uma
vez quebrada a relação de confiança, não é lícita a
exigência de que qualquer uma das partes permaneça
presa ao pacto. No tocante aos honorários propriamente
ditos, irrecusável o raciocínio da I. Julgadora de Primeiro
Grau, que acolheu o quanto observado pelo perito.
Destarte, tem-se por adequada fixação da honorária “em
25% dos créditos propiciados e consolidados em favor do
réu” (sic). O crédito consolidado a favor do réu conforme
decisão homologatória proferida pelo Juízo Trabalhista
foi do montante de R$ 17.641,52. Isso em 01/03/2008.
Destarte, os honorários cabentes à autora, perfazem,
como posto na r. sentença, a quantia de R$ 4.410,38 (R$
16.641,52 * 25% = R$ 4.410,38). A correção monetária
sobre o valor fixado, deve incidir a partir da data da
homologação do crédito, qual seja, 01/03/2008. A
discussão armada pela autora acerca da aplicação à
espécie da Lei no. 8.177/91, art. 39, “caput” e § 1º., não
tem fomento jurídico. Com efeito tal dispositivo cuida de
incidência de correção monetária e juros de mora, sobre o
valor do débito trabalhista propriamente dito, ou seja,
crédito pertencente ao autor, o que por óbvio não se
confunde com a honorária advocatícia. A bem da
verdade, a autora está a pretender que sua honorária seja
corrigida e acrescida de juros de mora, com base em
normativo estabelecido em caráter exclusivo em favor do
trabalhador, credor trabalhista e não de seu advogado. In
casu, já houve fixação do crédito cabente ao réu. Logo é

Apelação Cível nº 1016696-03.2014.8.26.0100 - São Paulo -VOTO Nº - 3/12


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sobre ele que incide a verba honorária, devidamente


corrigida a partir da data fixação pelo Juízo do Trabalho.
Relativamente aos juros de mora, devem incidir mesmo a
partir da data da citação para este feito, o que foi feita por
edital em 28/07/2016 (fls. 117 publicação) e não
20/07/2016, data da elaboração da minuta do edital. Por
fim, assiste razão à autora no tocante às verbas
sucumbenciais. Com efeito, sua sucumbência foi mesmo
mínima. Logo, a aplicação à espécie do dispositivo
contido no art. 86, § único do CPC, é medida que se
impõe. Recurso parcialmente provido.

Vistos.

O Juízo a quo pela r. sentença de fls. 302/305, cujo relatório adoto,


julgou parcialmente procedente a ação de cobrança de honorários advocatícios,
movida por Maria Cristina Rodrigues Vianna em face de José da Costa Silva.

Em consequência, condenou o réu a pagar ao autor, a título de


honorários advocatícios, a quantia de R$ 4.410,38, devidamente atualizados a partir
de 01/03/2008 e acrescidos de juros de mora, estes contados da citação
(18/09/2017).

Em razão da sucumbência recíproca, distribuiu os consectários legais


aos percentuais de 30% para a autora e 70% para o réu, arbitrados os honorários
advocatícios em 15% sobre o valor da condenação, a serem rateados entre as partes
na mesma proporção da sucumbência (“70% para a advogada do autor e 30% para
advogada do réu” sic fls. 305).

Com efeito, considerou o MM. Juízo a quo que “a requerente trouxe da


prova da contratação e prestação de serviços advocatícios em proveito do
requerido.
Por sua vez, a parte ré não debate esta questão, apenas pleiteia a
redução do valor em razão da desídia da parte na prestação dos serviços.
Neste aspecto, até o momento, também é incontroverso que a autora não
percebeu qualquer remuneração pelos serviços supramencionados, de modo que é
de rigor o arbitramento de honorários por decisão judicial, avaliando também as
convenções previamente estabelecida entre as partes.
Com efeito, o Estatuto da Advocacia, em seu artigo 22, § 2º, prevê:
"Art. 22. A prestação de serviço profissional assegura aos inscritos na
OAB o direito aos honorários convencionados, aos fixados por arbitramento
judicial e aos de sucumbência.
§ 2º Na falta de estipulação ou de acordo, os honorários são fixados por
arbitramento judicial, em remuneração compatível com o trabalho e o valor
econômico da questão, não podendo ser inferiores aos estabelecidos na tabela

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organizada pelo Conselho Seccional da OAB".


Com efeito, a fim de determinar o valor dos honorários, foi determinada
a produção de prova pericial, em consonância com a jurisprudência do E. TJSP.
Frise-se que o percentual de 30% buscado pela autora é exagerado em
razão da não finalização do serviço, na medida que foi necessário outro
profissional na fase final do processo e 10% também se demonstra irrisório para
correta remuneração pelos serviços prestados.
Neste sentido, atento à complexidade da causa, o tempo de tramitação,
a garantia de penhora de boa parte do débito almejado, acolho a sugestão pericial
de 25% dos créditos propiciados e consolidados em favor do réu.
Contudo, no tocante à base de cálculo, imprescindível que se utilize
aquela sugerida na própria petição inicial, correspondente ao valor homologado
em Juízo em 16/09/2008, no montante de R$17.641,52 para 01/03/2008, sob pena
de incorrer em sentença ultra petita, culminando em R$4.410,38.
Quanto aos consectários legais, a correção monetária deverá incidir
desde a data em que o aludido valor foi encontrado e os juros de mora a partir do
comparecimento voluntário do réu no processo (18/09/2017).”

Inconformada, apelou a autora (fl. 307/314).

Após relato dos fatos e fundamentos da lide, assevera que foi contratada
pelo réu para o patrocínio de Reclamação Trabalhista em 10/02/2005.

Outrossim, quando tal demanda já se encontrava em fase de execução, o


réu revogou os poderes que lhe foram concedidos, sem qualquer justificativa para
tanto, deixando de pagar os honorários pactuados.

Nesse sentido, alega que o contrato celebrado entre as partes foi por
demais claro acerca da remuneração pactuada.

Com efeito, restou deliberado que o réu pagaria à autora “30% sobre o
montante bruto que na ação for apurado referida cláusula n.º 1, inclusive, sobre o
FGTS + 40% e encargos previdenciários e fiscais” (sic fls. 311).

Prossegue dizendo que “mesmo que o aludido contrato estivesse


condicionado ao êxito na ação, não há que se falar em arbitramento dos
honorários, visto que o mesmo trouxe de forma expressa e, dentro dos parâmetros
estabelecidos na tabela de honorários da OAB, o percentual para remuneração da
apelante” (sic fls. 311).

Pontua que “cumpriu com o contratado, obtendo êxito na Reclamação


Trabalhista proposta, inclusive na satisfação parcial do crédito, fazendo jus aos
honorários advocatícios ajustados” (sic fls. 312).

Como asseverado pelo perito, o pacto foi rompido imotivada e


unilateralmente pelo réu, não havendo nos autos nada que desabone sua conduta.

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Destarte, observa que “não há que se falar em arbitramento de


honorários, quando este já se encontrava expressamente definido entre as partes,
frise-se, 30% sobre o montante bruto auferido em favor do apelado, razão pela qual
deverá ser reformada a sentença atacada” (sic fls. 312).

No mais, afirma que valor levado em conta pelo Juízo a quo para base de
cálculo deve ser corrigido e acrescidos de juros de mora a partir da data do
ajuizamento da reclamação trabalhista.

Definido o valor devido nos termos em que postos no parágrafo


imediatamente anterior, este deve ser acrescido de juros de mora, a partir da citação
que se deu por edital em 20/07/2016, e não na data do comparecimento espontâneo
nos autos, ou seja, em 18/09/2017.

Entende por fim que diante da sucumbência mínima de seu pedido


inicial os consectários legais devem ser integralmente carreados ao réu, pleiteando
ainda a diminuição dos honorários periciais.

Recurso tempestivo e preparado regularmente.

Contrarrazões a fls. 325/328.

É o relatório.

Preenchidos os requisitos intrínsecos e extrínsecos de admissibilidade,


de rigor o conhecimento do recurso.

Dúvida não há de que as partes celebraram contrato de prestação de


serviços advocatícios, como se vê a fls. 29.

Outrossim, restou incontroverso nos autos que a autora por força de


contrato de prestação de serviços advocatícios celebrado com o réu, ajuizou, em
nome deste último, ação trabalhista, tendo acompanhado a demanda durante toda a
fase de conhecimento, bem como de parte da execução.

A propósito confira-se fls. 08/26.

Incontroverso, outrossim, que o réu em 12 de fevereiro de 2014 revogou


a procuração outorgada à autora, nos autos da ação trabalhista em questão e nada
pagou à suplicante a título de honorários.

Insiste a autora embasada em cláusula contratual (fls. 29) que faz jus à
remuneração estabelecida, qual seja, “30% sobre o montante bruto que na ação for
apurado referida cláusula n.º 1, inclusive, sobre o FGTS + 40% e encargos
previdenciários e fiscais”.

Com efeito, tendo em conta que a rescisão foi desmotivada, sendo certo,

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outrossim, que na cláusula 4 do contrato de honorários restou definido que no caso


de “revogação do mandato conferido e de qualquer outro ato do constituinte que
importe na revogação do mandato ou desistência referida, violando o presente
contrato, tornar-se-á este vendido e exigido imediatamente o total dos honorários
no percentual constates da cláusula 2ª. e sobre o valor bruto de desistência ou do
valor apurado, estimado no caso acordado, inclusive, sobre o FGTS + 40%, que o
constituinte se obriga a pagar a constituída” (sic - fls. 29).

Processada a ação, inclusive com realização de perícia, a I. Julgadora de


Primeiro Grau, “o percentual de 30% buscado pela autora é exagerado em razão da
não finalização do serviço, na medida que foi necessário outro profissional na fase
final do processo e 10% também se demonstra irrisório para correta remuneração
pelos serviços prestados”.

Destarte, e atenta “à complexidade da causa, o tempo de tramitação, a


garantia de penhora de boa parte do débito almejado, acolho a sugestão pericial de
25% dos créditos propiciados e consolidados em favor do réu”.

Pois bem.

Dúvida não há de que a autora deve receber pelos serviços contratados,


sob pena de enriquecimento ilícito do réu.

Todavia, a discussão armada acerca da necessidade de observância da


cláusula contratual que estipulou honorários não colhe êxito.

Realmente, a uma porque referida disposição deve ser analisada e


interpretada em conformidade com o princípio da boa-fé objetiva, previsto no art.
422, do CC.

Com efeito, a boa-fé é condição necessária à tutela da comutatividade


contratual.

Realmente, o princípio da boa-fé objetiva, adotado pelo Código Civil em


vigor, conferiu novo caráter aos princípios contratuais erigidos pelo princípio da
autonomia da vontade, dentre os quais encontra-se o pacta sunt servanda. Este
princípio, que define força obrigatória às convenções livremente pactuadas, restou
relativizado pelo legislador civil, não vigorando mais em sua forma absoluta.

Em verdade, atualmente, como vem se manifestando a jurisprudência, a


boa-fé atua como modelo de comportamento, que impõe deveres acessórios de
conduta aos sujeitos da relação contratual, desempenhando a função de limite ao
exercício de direitos subjetivos, enquanto exercício desequilibrado de direitos, no
qual o titular exerce um direito, dentro do âmbito de permissão conferida pela norma
jurídica. Há nisto, o despropósito entre o exercício do direito e os efeitos que dele
derivam, gerando um desequilíbrio entre as partes. A propósito, veja-se: TAPR, Ap.
186.102-9, Ac. 155.973, 2a CC, Rel. Juíza Rosana Fachin, v.u., j. 30.10.2002, DJ

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14.11.2002.

No mesmo sentido se manifestam os ilustres doutrinadores Nelson Nery


Junior e Rosa Maria de Andrade Nery:

“A boa-fé objetiva impõe ao contratante um padrão de conduta, de


modo que deve agir como um ser humano reto, vale dizer, com probidade e
lealdade. Assim, reputa-se celebrado o contrato com todos esses atributos que
decorrem da boa-fé objetiva. Daí a razão pela qual o juiz, ao julgar a demanda na
qual se discuta a relação contratual, deve dar por pressuposta a regra jurídica (lei,
fonte de direito, regra jurígena criadora de direito e obrigações) de agir com
retidão, nos padrões do homem comum, atendidas as peculiaridades dos usos e
costumes do lugar. A boa-fé é, essencialmente, fidelidade e empenho de cooperação
(v. Betti. Negozio giuridico, ns. 8 e 45, pp. 111 e 357/358). A boa-fé objetiva abre
espaço para que a finalidade ética e econômica do contrato se entrelacem
(Hedemann. Schuldercht, § 2º III b, p. 12).” (in Código Civil Comentado, 10ª ed.,
São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2013, p. 640, item 14.).

Além do princípio da boa-fé objetiva, na análise do contrato e da


cláusula em questão, há que se considerar, em acréscimo, o princípio da função
social do contrato, estabelecido no art. 421 do Estatuto Civil.

Ambos se consistem em verdadeiras cláusulas gerais, regentes das


relações jurídicas privadas, como ensinam Nelson Nery Junior e Rosa Maria de
Andrade Nery:

“Pela cláusula geral da função social do contrato o juiz pode revisar e


modificar cláusula contratual que implique em desequilíbrio entre as partes. Essa
atividade integrativa do juiz (Richterrecht) assume o caráter de direito positivo
vinculante, em nome da legitimação democrática do direito e do princípio da
divisão dos poderes (Luigi Lombardi Vallauri. Apresentação do livro de Giovanni
Ortù, Richeterrecht, Giuffrè, Milano, 1983, p. VII). A decisão do juiz torna-se
norma jurídica, isto é, lei entre as partes, porque o magistrado, com a
concretização da cláusula geral de função social do contrato, passa a integrar o
negócio jurídico contratual.” (in Código Civil Comentado, 10ª ed., São Paulo:
Editora Revista dos Tribunais, 2013, p. 634, item 19).

Ante o exposto, forçoso convir que o Juízo a quo em absoluto estava


vinculado à cláusula contratual à qual se apega a apelante, podendo, na verdade,
relativizá-la, posto que os serviços contratados não foram integralmente prestados.

De fato, como acima observado, a autora efetivamente prestou serviços


ao réu, tendo atuado não só na fase de conhecimento da reclamação trabalhista na
qual obteve parcial ganho de causa (fls. 18/21), mas, também, na fase de execução
até a homologação dos cálculos periciais (fls. 25/26), ocasião em que ocorreu a
rescisão do contrato, com revogação da procuração.

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Logo, a pretensão consistente na observância irrestrita da cláusula que


fixou os honorários fere os princípios da boa-fé objetiva e da função social do
contrato, pelo que não pode ser acolhida.

Lado outro não tem razão de ser a alegação de que a observância da


aludida cláusula se faz necessária em virtude da rescisão ter sido unilateral, sem que
houvesse motivo para tanto.

Com efeito, na medida em que é direito potestativo do mandante a


revogação do mandato, em contrapartida ao direito do advogado de renunciar ao
mandato a qualquer tempo (art. 112, caput, CPC).

Outrossim, o contrato de prestação de serviços advocatícios é firmado


intuitu personae, ou seja, é pautado pela confiança entre as partes contratantes. Uma
vez quebrada a relação de confiança, não é lícita a exigência de que qualquer uma
das partes permaneça presa ao pacto.

Nesse sentido, já decidiu o C. STJ.

Veja-se:

“RECURSO ESPECIAL. CONTRATO DE PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS


ADVOCATÍCIOS. RESCISÃO UNILATERAL. PRETENSÃO DE INCIDÊNCIA
DA CLÁUSULA PENAL. PREVISÃO CONTRATUAL DA MULTA EM CASO
DE REVOGAÇÃO DO MANDATO. IMPOSSIBILIDADE. DIREITO
POTESTATIVO DO CLIENTE, ASSIM COMO É DO ADVOGADO, DE
RENUNCIAR AO MANDATO. ESTATUTO DA OAB E CÓDIGO DE ÉTICA DOS
ADVOGADOS. RELAÇÃO JURÍDICA INTUITU PERSONAE, LASTREADA NA
EXTREMA CONFIANÇA. QUEBRA DA FIDÚCIA. DIREITO DE
REVOGAÇÃO/RENÚNCIA SEM ÔNUS PARA OS CONTRATANTES.
1. Em razão do papel fundamental do advogado, por ser indispensável à
administração da Justiça, prevê o Estatuto da OAB normas deontológicas, que
devem nortear o exercício do profissional, inclusive na relação advogado/cliente,
remetendo a regulação para o Código de Ética e Disciplina.
2. Justamente em razão da relação de confiança entre advogado e
cliente, por se tratar de contrato personalíssimo (intuitu personae), dispõe o Código
de Ética, no tocante ao advogado, que "a renúncia ao patrocínio deve ser feita sem
menção do motivo que a determinou" (art. 16).
3. Trata-se, portanto, de direito potestativo do advogado em renunciar
ao mandato e, ao mesmo tempo, do cliente em revogá-lo, sendo anverso e reverso
da mesma moeda, do qual não pode se opor nem mandante nem mandatário.
Deveras, se é lícito ao advogado, por imperativo da norma, a qualquer momento e
sem necessidade de declinar as razões, renunciar ao mandato que lhe foi conferido
pela parte, respeitado o prazo de 10 dias seguintes, também é da essência do
mandato a potestade do cliente de revogar o patrocínio ad nutum.
4. A cláusula penal é pacto acessório, por meio do qual as partes
determinam previamente uma sanção de natureza civil - cujo escopo é garantir o

Apelação Cível nº 1016696-03.2014.8.26.0100 - São Paulo -VOTO Nº - 9/12


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cumprimento da obrigação principal -, além de estipular perdas e danos em caso de


inadimplemento parcial ou total de um dever assumido, podendo ser compensatória
ou moratória, a depender do cumprimento total ou parcial da obrigação.
5. No contrato de prestação de serviços advocatícios, em razão do
mister do advogado, só há falar em cláusula penal para as situações de mora e/ou
inadimplemento e desde que os valores sejam fixados com razoabilidade, sob pena
de redução (CC, arts. 412/413).
6. Não é possível a estipulação de multa no contrato de honorários para
as hipóteses de renúncia ou revogação unilateral do mandato do advogado,
independentemente de motivação, respeitado o direito de recebimento dos
honorários proporcionais ao serviço prestado.
7. Recurso especial não provido.” (REsp 1346171/PR, Rel. Ministro
LUIS FELIPE SALOMÃO, QUARTA TURMA, julgado em 11/10/2016, DJe
07/11/2016) g.n.

No mesmo sentido, vem decidindo este Eg. Tribunal.

Confira-se:

“APELAÇÃO CÍVEL Interposição contra sentença que julgou


parcialmente procedente ação de arbitramento de honorários. Fixação dos
honorários com base no contrato firmado entre as partes. Descabimento de
imposição de cláusula penal pela resilição unilateral por parte do cliente.
Abusividade. Multa inaplicável. Sucumbência recíproca corretamente fixada pelo
Juízo. Sentença mantida.” (TJSP; Apelação Cível 1008493-10.2019.8.26.0704;
Relator (a): Mario A. Silveira; Órgão Julgador: 33ª Câmara de Direito Privado; Foro
Regional XI - Pinheiros - 3ª Vara Cível; Data do Julgamento: 14/05/2021; Data de
Registro: 14/05/2021).

“Apelação. Embargos à execução. Mandato. Contrato de prestação de


serviços advocatícios. Rescisão do contrato pelo embargante. Descabimento de
imposição de cláusula penal pela resilição unilateral por parte do cliente. Devida
apenas a contraprestação pelo serviço prestado, mas não a cláusula penal que
acabaria por ir de encontro ao direito potestativo de resilição. Instrumento
contratual que se reveste dos requisitos de certeza, liquidez e exigibilidade. Valor
acordado a título de honorários deve prevalecer em atenção ao princípio do “pacta
sunt servanda” Ausência de indícios de qualquer vício da vontade no momento da
formação do contrato Recurso parcialmente provido” (Apelação Cível n.º
1011192-83.2019.8.26.0506, Rel. Des. Hugo Crepaldi, 25ª Câmara de Direito
Privado, j. 15/4/21, v.u.).

Portanto, inadmissível a pretensão da apelante de exigência do


cumprimento integral da cláusula contratual que estabeleceu os honorários.

Não se nega que a revogação do mandato possa ter sido açodada, tendo
em conta o trabalho profícuo realizado pela autora.

Apelação Cível nº 1016696-03.2014.8.26.0100 - São Paulo -VOTO Nº - 1 0/12


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Todavia, tal fato, por si só, não impede o exercício de regular direito
pelo réu, ao revogar do mandato constituído em nome da apelante.

Prosseguindo, no tocante aos honorários propriamente ditos, irrecusável


o raciocínio da I. Julgadora de Primeiro Grau, que acolheu o quanto observado pelo
perito.

Com efeito, asseverado pelo expert, “houve o préstimo de serviços pela


autora, o que se deu desde o início do processo judicial (em 2005), até a fase de
cumprimento de sentença (extrato de fls. 199/213), garantindo penhora de grande
parte do débito almejado. Como já visto, a causídica atuou durante toda a fase
instrutória, recursal e por grande parte da fase de execução, que se deu por um
período de 09 (nove) anos” (sic fls. 262).

Destarte, tem-se por adequada fixação da honorária “em 25% dos


créditos propiciados e consolidados em favor do réu” (fls. 304).

O crédito consolidado a favor do réu conforme decisão homologatória


acostada a fls. 25, proferida pelo Juízo Trabalhista foi do montante de R$ 17.641,52,
isso em 01/03/2008.

Destarte, os honorários cabentes à autora, perfazem a quantia de R$


4.410,38 (R$ 16.641,52 * 25% = R$ 4.410,38).

A correção monetária sobre o valor ora fixado, deve incidir a partir da


data da homologação do crédito, qual seja, 01/03/2008.

A discussão armada pela autora acerca da aplicação à espécie da Lei no.


8.177/91, art. 39, “caput” e § 1º., não tem fomento jurídico.

Com efeito tal dispositivo cuida de incidência de correção monetária e


juros de mora, sobre o valor do débito trabalhista propriamente dito, ou seja, crédito
pertencente ao autor, o que por óbvio não se confunde com a honorária advocatícia.

A bem da verdade, a autora está a pretender que sua honorária seja


corrigida e acrescida de juros de mora, com base em normativo estabelecido em
caráter exclusivo em favor do trabalhador, credor trabalhista e não de seu advogado.

In casu já houve fixação do crédito cabente ao réu. Logo é sobre ele que
incide a verba honorária, devidamente corrigida a partir da data fixação pelo Juízo
do Trabalho.

Relativamente aos juros de mora, devem incidir mesmo a partir da data


da citação para este feito, o que foi feita por edital em 28/07/2016 (fls. 117
publicação) e não 20/07/2016, data da elaboração da minuta do edital (fls. 108).

Por fim, assiste razão à autora no tocante às verbas sucumbenciais.

Apelação Cível nº 1016696-03.2014.8.26.0100 - São Paulo -VOTO Nº - 1 1/12


TRIBUNAL DE JUSTIÇA
PODER JUDICIÁRIO
São Paulo

Com efeito, como se vê pelo exposto, sua sucumbência foi mesmo


mínima.

De fato, dos 30% requeridos a título de honorários, o ganho foi de 25%,


ou seja, seu ganho de causa correspondeu a 83.3% do pedido.

Destarte, de rigor a conclusão de que sua sucumbência foi mesmo


mínima.

Logo, a aplicação à espécie do dispositivo contido no art. 86, § único do


CPC, é medida que se impõe.

Bem por isso, o réu arcará com as custas do processo, o que abrange os
honorários periciais, e honorários advocatícios que fixo amparado nas balizas
impostas pelo art. 85, § 2º., do CPC, em 15% do valor da condenação.

Com tais considerações, pelo meu voto, dou parcial provimento ao


recurso.

NETO BARBOSA FERREIRA


Relator

Apelação Cível nº 1016696-03.2014.8.26.0100 - São Paulo -VOTO Nº - 1 2/12

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