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Luciano Figueiredo

Roberto Figueiredo
m
DIREITO CIVIL
CONTRATOS

coleção·•
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põíà concursos r .

1~);I JúsPODIVM
EDITORA
www.editorajuspodivm.com.br
coordenação
LEONARDO DE MEDEIROS GARCIA
l~);I JmPODIVM
EDITORA
www.editorajuspodivm.com.br

Rua Mato Grosso, 175 - Pltuba, CEP: 41830-151 - Salvador - Bahia Te!: (71) 33€3-8617 I Fax:
(71) 3363-5050 • E-mail: fale@editorajuspodivm.com.br

Copyright: Edições JusPODIVM

Conselho Editorial: Dirley da Cunha Jr., Leonardo de Medeiros Garcia, Fredie C·idier Jr,,
José Henrique Mouta, José Marcelo Vigliar, Marcos Ehrhardt Júnior, Nestor Távora, Robério
Nunes Filho, Roberval Rocha Ferreira Filho, Rodolfo Pamplona Filho, Rodrigo Reis Mazzei e
Rogério Sanches Cunha.

Diagramação: Linotec (www.linotec.com.br)

Capa: Ana Caquetti

Todos os direitos desta edição reservados à Edições JusPODIVM.


É terminantemente proibida a reprodução total ou parcial desta obra, por qualquer
melo ou processo, sem a expressa autorização do autor e da Edições JusPODIVM. A
violação dos direitos autorais caracteriza crime descrito t1ô legislação em vigor, sem
prejuízo das sanções civis cabíveis.
Coleção Sinopses
para Concursos
A Coleção Sinopses para Concursos tem por finalidade a prepara-
ção para concursos públicos de modo prático, sistematizado e
objetivo.
Foram separadas as principais matérias constantes nos editais e
chamados professores especializados em preparação de concursos
a fim de elaborarem, de forma didática, o material necessário para
a aprovação em concursos.
Diferentemente de outras sinopses/resumos, preocupamos em
apresentar ao leitor o entendimento do STF e do STJ sobre os prin-
cipais pontos, além de abordar temas tratados em manuais e livros
mais densos. Assim, ao mesmo tempo em que o leitor encontrará
um livro sistematizado e objetivo, também terá acesso a temas
atuais e entendimentos jurisprudenciais.
Dentro da metodologia que entendemos ser a mais apropriada
para a preparação nas provas, demos destaques (em outra cor) às
palavras-chaves, de modo a facilitar não somente a visualização,
mas, sobretudo, à compreensão do que é mais importante dentro
de cada matéria.
Quadros sinóticos, tabelas comparativas, esquemas e gráficos
são uma constante da coleção, aumentando a compreensão e a
memorização do leitor.
Contemplamos também questões das principais organizadoras
de concursos do país, como forma de mostrar ao leitor como o
assunto foi cobrado em provas. Atualmente, essa "casadinha" é
fundamental: conhecimento sistematizado da matéria e como foi a
sua abordagem nos concursos.
Esperamos que goste de mais esta inovação que a Editora Jus-
podivm apresenta.
6 Direito Civil - Vol. 13 • tuciano Figueiredo e Roberto Figueiredo

Nosso objetivo é sempre o mesmo: otimizar o estudo para que


você consiga a aprovação desejada.
Bons estudos!

Leonardo de Medeiros Garcia


leonardo@leonardogarcia.com.br
www.leonardogarcia.com.br
Nota dos Autores
à 1ª edição
"O homem com palavra é o homem da verdade, é requisito
básico da personalidade, não importa a idade, a cidade ou a
nação, respeito é herança da civilização. A taxa é zero, o juro
é alto, vamos conversar. Ressarcimento, pagamento, vamos
negociar [ ... ] aquela dívida, de uns anos atrás, está vencida,
você não lembra mais.[ ... ]"
(CROCCO, Tonho; ULTRAMAN. Intérpretes: O Rappa e Ultrarnan.
Dívida. ln: Acústico Bandas Gaúchas. Sony-BMG, 2005. CD. Fai-
xa i2).

Queridos Colegas,
EntJsiasticamente anunciamos a nossa Primeira Edição do volu-
me dedicado aos Contratos.
O trabalho foi árduo. A diária consulta aos principais autores
sobre o tema, a busca de verticalização ainda maior nos assuntos
preferenciais de prova, pesquisa de questões, julgados, enuncia-
dos ... O segundo semestre do ano que passou (2015), em boa parte,
foi divídido com a companhia desta obra.
O resultado, confessamos, foi mais do que satisfatório. O tempo,
parece-nos, vem nos dando a mais precisa dimensão de como au-
mentar a utilidade das obras. Além dos já conhecidos quadros de
atenção e c1..:idados nas provas, notícias das decisões dos Tribunais
Superiores, -eferências aos Enunciados do Conselho da Justiça Fe-
deral, das Jornadas Permanentes de Processo Civil e questões das
mais variadas bancas e concursos, este volume já conta com aná-
lise dos assuntos sobre os olhos do Novo Código de Processo Civil.
Geneticamente concebido sob os influxos da nova Codificação
Processualista, a obra segue sua premissa de conferir ao leitor me-
nos por mais. Com conteúdo conciso, passeia o volume por teorias
8 Direito Civil - Vol. 13 • Luciano figueiredo e Roberto figueiredo

nacionais e de direito comparado, não olvidando de tratar dos


temas mais ásperos da ciência contratual.
Revisitar uma cadeira tão cara ao Direito Civil, com a qual temos
contato diário na advocacia e docência, foi mais do que prazero-
so. Desejamos, do fundo dos nossos corações, que vocês gostem
do produto final. Que ele sirva ao seu real intento: promover uma
maior maturação e aprendizado de um direito civil repersonifica-
do, no qual os contratos sejam funcionalizados e pautados em va-
lores dignos e éticos.
E que aquela dívida, de uns anos atrás, seja paga; afinal, o ho-
mem com palavra é o homem da verdade, é requisito básico da per-
sonalidade, não importa a idade, a cidade ou a nação, respeito he-
rança da civilização.
Aproveitem a leitura!

Guarajuba, Litoral Norte Baiano, em 31 de dezembro de 2015


(véspera do ano novo que se avizinha).
Guia de leitura
da Coleção
A Coleção foi elaborada com a metodologia que entendemos
ser a mais apropriada para a preparação de concursos.
Neste contexto, a Coleção contempla:

• DOUTRINA OTIMIZADA PARA CONCURSOS


Além de cada autor abordar, de maneira sistematizada, os as-
suntos triviais sobre cada matéria, são contemplados temas atuais,
de suma importância para uma boa preparação para as provas.

Muitos dos conceitos do nosso Direito Administrativo foram


concebidos ainda no período do Estado liberal. Outra parte desse
ramo jurídico foi concebida durante o Estado Social. A concepção
democrática, hoje pretendida, exige a acomodação dos concei-
tos e normas tradicionais ao novo paradigm~ constitucional (Es-
tado Democrático de Direito), impondo uma Noutra qualidade de
Estado".
Perceber essa mutação no direito administrativo é um diferen-
cial que auxilia no estudo da matéria e no desenvolvimento do ju-
rista, sendo importante para a compreensão de algumas questões
objetivas, além de essencial para questões suscitadas em provas
subjetivas e orais, pelas melhores bancas.

• ENTENDIMENTOS DO STF E STJ SOBRE OS PRINCIPAIS PONTOS

Segundo precedente do STF, é campatível com o princípio da


impessoalidade, dispositivo de constituição Estadual que vede ao
Estado e aos Municípios atribuir nome de pessoa viva a avenida,
praça, rua, logradouro, ponte, reservatório de água, viaduto, pra-
ça de esporte, biblioteca, hospital, maternidade, edifício público,
auditórios, cidades e salas de aula (STF, ADI 307/CE, rei. Min. Eros
Grau, i3.2.2008).
10 Direito Civil - Vol. 13 • tuclano Figueiredo e Roberto Figueiredo

• PALAVRAS-CHAVES EM OUTRA COR


As palavras mais importantes (palavras-chaves) são colocadas em ou-
tra cor para que o leitor consiga visualizá-la e memorizá-la mais facilmente.

cargo é o local criado por lei dentro do serviço público que


possui atribuições, nomenclatura e remuneração próprias.
o cargo público, por sua vez, subdivide-se em cargo eletivo e
em comissão.

• QUADROS, TABELAS COMPARATIVAS, ESQUEMAS E DESENHOS


Com esta técnica, o leitor sintetiza e memoriza mais facilmente
os principais assuntos tratados no livro.

Ofg. SOdais

OSCIP

UPF

• QUESTÕES DE CONCURSOS NO DECORRER DO TEXTO


Através da seção "Como esse assunto foi cobrado em concurso?"
é apresentado ao leitor como as principais organizadoras de con-
curso do país cobram o assunto nas provas.

.. Como esse assuntofOl~IJtâd~'~.tf,~nc~rS~ . .·•


No. f()ncllrso qara proyi~~nt9, .• ,. ·. ,•' '·•·z~~9,i~~~d?:~·~"~ ~s-
tádo.. do . ceará· 2008, foi consi · ·.· '.ª ~~g,umte ,as-
se!iva. Ao. çriar um11 (lytarqlJ!q; :~:,e~~ll!!:aé apen.a:s
transfere a ela a exectiçlíÓ·~e . ·.. ·... ··· ...··· ·.· · Mça ~~.bltco, pe'r,
manec.endo com à titularldadê..deS.$e·s~tv
''i','"'",,',,,·,,--/,
. iço;
Sumário

Parte 1
TEORIA GERAL DOS CONTRATOS

Capítulo 1 I> O UNIVERSO DOS CONTRATOS............................................... 19


1. A Importância dos Contratos e a sua Evolução Histórica............... 19
2. Conceito e a Natureza Jurídica dos Contratos. o Diálogo das
Fontes............................................................................................... 25
3. Distinções Terminológicas................................................................ 31
4. A Visão Geral dos Contratos no Código Civil................................... 32
5. A Forma e a Prova dos Contratos................................................... 33
Capítulo 2 I> OS PRINCÍPIOS CONTRATUAIS............................................... 37
i. Introdução: o Estado Principiológico............................................... 37
2. Princípio da Autonomia. Da Autonomia da Vontade à Autonomia
Privada............................................................................................. 40
3. Princípio do Relativismo ou da Relatividade dos Efeitos do Contrato.. 54
3.i. Estipulação em Favor de Terceiros ou Contrato em Favor
de Terceiro.............................................................................. 57
3.2. Promessa de Fato de Terceiro, Contrato por Terceiro ou
Contrato por Outrem............................................................... 64
3.3. Contrato com Pessoa a Declarar ou a Nomear...................... 69
3.4. Contrato com Eficácia Protetiva para Terceiros e Teoria do
Contrato Social........................................................................ 75
4. Princípio da Força Obrigatória, Intangibilidade ou Força Vincu-
lante dos Contratos. o Pacta Sunt Servanda................................... 76
4.1. Teoria da Imprevisão.............................................................. 78
5. Princípio da Boa-Fé.......................................................................... 96
5.i. Conceitos Parcelares da Boa-Fé Objetiva............................... 113
5.Ll. Nemo Potest Venire Contra Factum Proprium.
A Proibição do Comportamento Contraditório........... 114
5.i.2. Supressio e Surrectio .................................................. 118
5.i.3. Tu Quoque .................................................................... 122
5.i.4. Exceptio doli ................................................................ 125
5.i.5. Cláusula de Stoppel ou de Estoppel........................... 125
5.i.6. Duty to Mitigate the Own Loss..................................... 126
6. Princípio da Função Social dos Contratos. A Tutela Interna e
Externa do Crédito........................................................................... 128
7. Princípio da Equivalência Material ou da Justiça Contratual.......... 139
12 Direito Civil - Vol. 23 • Luciano figueiredo e Roberto Figueiredo

Capítulo 3 I> FORMAÇÃO DOS CONTRATOS ............................................... . 141


1. A Importância dos Contratos e a sua Evolução Histórica .............. . 141
2. Tratativas, Negociações Preliminares ou Fase de Pontuação
(Pontuazione) .................................................................................. 143
3. Proposta, Oferta ou Policitação ....................................................... 149
4. Aceitação ou Oblação ...................................................................... 164

Capítulo 4 1> A INTERPRETAÇÃO DOS CONTRATOS ................. - .................. . 175


i. Noções Introdutórias ....................................................................... 175
2. Regras de Interpretação .............................................•.................... 177
3. A Interpretação dos Contratos de Adesão .................................... . 187

Capítulo 5 I> CONTRATO PRELIMINAR ...................................................... . 191


1. Introdução, Conceito e Natureza Jurídica ....................................... 191
2. Disciplina Jurídica no Vigente Código Civil .........................•............ 195
3. Classificação do Contrato Preliminar ............................................. . 201
4. É Possível a Promessa de Doação ................................................... 205
5. A Promessa de Compra e venda de Imóveis e o Direito Real de
Aquisição .......................................................................................... 210

Capítulo 6 I> VÍCIOS REDIBITÓRIOS ............................................................ 227


1. Conceito e Elementos Caracterizadores ........................................ . 227
2. Tutela Jurídica do Lesado ..........................................., ................... . 234

Capítulo 7 I> EVICÇÃO ······························································ .. ········· ... . 251


i. Conceito, Fundamento e Personagens ............................................ 251
2. Requisitos Configuradores da Evicção ............................................ 254
3. Direitos do Evicto ............................................................................ . 265
4. Como Exercitar a Prerrogativa da Evicção? .................................... . 275

Capítulo 8 I> A EXCEÇÃO DO CONTRATO NÃO CUMPRIDO (EXCEPTIO NON


ADIMPLETI CONTRACTUS) ......................................................................... 283
1. Introdução, Conceito e Natureza Jurídica ...................................... . 283
2. Elementos Caracterizadores ............................................................ 291
3. Restrição da Aplicação do Instituto ................................................. 292
4. Exceção de Reforço de Garantia .................................................... . 295
5. Adimplemento Substancial .............................................................. 299
Capítulo 9 I> EXTINÇÃO DOS CONTRATOS .................................................. 303
1. Introdução ........................................................................................ 303
2. Sistematização do Tema .................................................................. 305
3. Extinção Natural (Normal) dos Contratos ........................................ 305
4. Extinção Anormal dos Contratos .................................................... 307
4.1. Extinção Anormal por Causa Anterior ou Contemporânea à
Formação do Contrato ............................................................
Sumário 13

4.2. Extinção Anormal por Causa Superveniente à Formação


dos Contratos ...................•...............................•...................... 315
4.2.i. Resilição ....................................................................... 316
4.2.2. Resolução .................................................................. 327
4.2.3. Rescisão ....................................................................... 341
Capítulo 10 I> O DIREITO INTERTEMPORAL E OS CONTRATOS ..................... . 345
Parte li
CONTRATOS EM ESPÉCIE
Capítulo l I> COMPRA E VENDA ...............................................................
1. Nota Introdutória: Conceito e Natureza Jurídica ............................ .
2. Elementos da Compra e Venda ...................•...................................
2.i. Consentimento ........................................................................
2.1.i. Venda de Ascendente para Descendente .................. .
2.1.2. Venda de Imóvel por Pessoa Casada: Outorga Con-
jugal .............................................................................
2.i.3. Venda entre cônjuges ................................................. .
2.1.4. Venda de Bem Condominial e Venda de Fração
Ideal de Condomínio .................................................. .
2.1.5. Nulidade da Venda Realizada por Administrador
de Bens Alheios ........................................................... 389
2.2. Preço .......................................................................................
392
2.3. Coisa ........................................................................................ 397
3. Efeitos Principais da Compra e Venda ........................................... . 400
3.1. Vícios Redibitórios .................................................................. . 402
3.2. Perda ou Deterioração da Coisa ........................................... . 402
3.3. Despesas com a Tradição e com o Registro Civil .................. . 404
4. Situações Especiais de Compra e Venda ........................................ 406
4.i. Venda por Amostras ............................................................... 406
4.2. Venda ad corpus e Venda ad mensuram ............................... . 408
5. Cláusulas Especiais (Adjetas) na Compra e Venda ........................ . 412
5.i. Retrovenda
412
5.2. Venda à Co~-~~-~-;~-~-~~~d·~··5~j~i~~-·à··p-~~~~·::::::::::::::::::::::::::: 416
5.3. Preempção ou Preferência Convencional.. ............................. 418
5.4. Venda com Reserva de Domínio ................................................
419
5.5. Venda sobre Documentos ....................................................... 421
5.6. Venda de Coisas Conjuntas .................................................... . 421
6. Venda de Bens Públicos ........................................................................
422
Capítulo 2 I> DOAÇÃO .............................................................................. 425
i. Nota Introdutória: Conceito e Natureza Jurídica ............................ . 425
i.1. O Problema da Aceitação ........................................................ 428
14 Direito Civil - Vol. 13 • Luciano Figueiredo e Roberto Figueiredo

2. Objeto da Doação............................................................................ 431


3. Promessa de Doação....................................................................... 432
4. Espécies de Doação......................................................................... 434
5. Restrições Legais ............................................................................. 454
6. Da Extinção do Contrato de Doação: Hipóteses Gerais e Hipóte-
ses Específicas ................................................................................. 456
6.1. Revogação por Descumprimento de Encargo......................... 457
6.2. Revogação Por Ingratidão do Donatário ................................ 459

Capítulo 3 .. LOCAÇÃO OE COISAS............................................................ 463


i. Nota Introdutória: Conceito, Elementos e Natureza Jurídica.......... 463
2. Obrigações do Locador.................................................................... 466
3. Obrigações do Locatário.................................................................. 473
4. Locação por Tempo Determinado................................................... 475
5. A Alienação do Bem Durante a Locação.......................................... 479
6. A Morte dos Contratantes............................................................... 482
7. Legislação Extravagante: Locação de Imóveis Urbanos.................. 483
7.1. Incidência da Norma ............................................................... 483
7.2. A Solidariedadé e a Sublocação............................................. 485
7.3. O Prazo de Vigência do Contrato e a Vênia Conjugal ............ 485
7.4. As Hipóteses de Desfazimento do Contrato e as Situações
em que o Contrato Não Será Extinto...................................... 485
7.5. O Aluguel.................................................................................. 487
7.6. Obrigações do Locador........................................................... 488
7.7. Obrigações do Locatário......................................................... 489
7.8. Direito de Preferência............................................................. 493
7.9. As Benfeitorias........................................................................ 496
7.10. Garantias Locatícias................................................................. 497
7.11. Penalidades Criminais e Civis................................................. 499
7.12. Locação Residencial................................................................ 500
7.13. Locação Para Temporada........................................................ 502
7.14. Locação Não Residencial. A Renovação Compulsória............. 503
7.15. Aspectos Processuais.............................................................. 506
8. Extinção da Locação........................................................................ 515

Capítulo 4 .. PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS..................................................... 519


i. Nota Introdutória: Direito do Trabalho x Direito Civil. O Art. 114
da CF e o Art. 593 do cc. Conceito e Natureza Jurídica da Pres-
tação de Serviço.............................................................................. 519
2. o Objeto da Prestação de Serviço................................................... 522
3. A Forma e a Assinatura a Rogo....................................................... 524
4. A Retribuição (Remuneração, Preço, Honorários, Soldadas ou
Salário): Fixação e Momento do Pagamento. ................................. 527
Sumário 15

5. A Duração do Contrato e a Possibilidade de Renovação .............. . 531


6. A Ext1nção do Contrato ................................................................... . 532
Capítulo 5 .. EMPREITADA ...................................................................... . 541
1. Nota Introdutória. Conceito, Sujeitos e Natureza Jurídica da
Empreitada ..................................................................................... . 541
2. Modalidades de Empreitada ......................................................... ..
546
2.i. Empreitada de Lavor ............................................................. . 547
2.2. Empreitada Mista ou de Materiais ........................................ . 550
2.3. Empreitada por Administração ............................................. .. 551
2.4. Engineering ............................................................................ .. 551
3. A Conclusão da Obra e a Responsabilidade Civil .......................... . 552
4. Do Preço da Empreitada ................................................................ . 556
5. Extinção da Empreitada .................................................................. . 563
Capítulo 6 .. MANDATO ......................................................................... .. 565
1. Nota Introdutória: Conceito, Natureza Jurídica e Diferença entre
Mandato e Procuração .................................................................. .. 565
2. Mandato Expresso x Mandato Tácito ............................................. .
569
3. Classificação ................................................................................... .. 570
3.i. Quanto à Origem: Mandato Legal, Judicial e Convencional.. .. 571
3.2. Quanto à Remuneração .......................................................... . 572
3.3. Quanto aos Sujeitos ............................................................... . 573
3.4. Quanto à Forma ...................................................................... . 574
3.5. Quanto aos Poderes: Geral e Especial. .................................. . 575
4. O Mandato no Plano da Eficácia ..................................................... . 577
4.i. Atos Praticados por quem não Tenha Mandato .................... . 577
4.2. :>s Atos Praticados pelo Mandatário em Nome Próprio (e
não em Nome do Mandante) ................................................. . 578
4.3. ::> Direito de Retenção ............................................................ . 579
4.4. ::> Exercício em Excesso dos Poderes do Mandato ................ . 580
4.5. A Legitimação para Celebrar Mandato .................................. . 580
4.6. Substabelecimento ................................................................. . 581
5. Mandato Judicial ............................................................................ .. 581
6. Das Obrigações do Mandatário ...................................................... . 585
7. Das Obrigações do Mandante ....................................................... .. 588
8. Irrevogabilidade do Mandato ....................................................... .. 590
8.1. A Irrevogabilidade Relativa ou Mitigada pela Autonomia
0
rivada ................................................................................... . 591
8.2. A Irrevogabilidade Absoluta ou Imposta por Norma de
Ordem Pública ........................................................................ . 591
9. Da Extinção do Mandato ................................................................. . 593
Capítulo 7 .. EMPRÉSTIMO ..................................................................... . 597
1. Nota \ntrodutória: Conceito e Natureza Jurídica ............................ . 597
16 Direito Civil - Vol. 13 • Luciano figueiredo e Roberto figueiredo

2. Do Comodato e seu Regime Jurídico............................................... 599


2.1. Caracteres do Contrato de Comodato ................................... 607
2.2. Dos Direitos e Deveres do Comodatário ................................ 609
2.3. Dos Direitos e Deveres do Comodante .................................. 613
2.4. Extinção do Comodato............................................................ 613
3. Do Mútuo e do seu Regime Jurídico................................................ 613
3.1. Mútuo Feneratício (Oneroso).................................................. 616
3.2. Extinção do Mútuo.................................................................. 617
Parte

TEORIA GERAL DOS CONTRATOS


Capítulo i ~ O Universo dos Contratos
Capítulo 2 ~ Princípios Contratuais
Capítulo 3 ~ Formação dos Contratos
Capítulo 4 ~ Interpretação dos Contratos
Capítulo s ~ Contrato Preliminar
Capítulo 6 ~ Vícios Redibitórios
Capítulo 7 ~ Evicção
Capítulo 8 ~ Exceção do Contrato Não Cumprido
Capítulo 9 ~ Extinção dos Contratos
Capítulo io ~ O Direito lntertemporal e os Contratos
Capítulo
--------

OUniverso dos Contratos

1. A IMPORTÂNCIA DOS CONTRATOS E A SUA EVOLUÇÃO HISTÓRICA


Nas sábias palavras de PrnRo B1AL 1, se quisermos entender os con-
tratos, devemos sair do isolamento intelectual que nos impusemos.
Claro, afinal, o contrato é um fato social, inerente à figura humana.
Desde que o ser é humano, ele contrata. Assim o é porque o con-
trato é um instrumento de conciliação de interesses, através do qual
são alinhados desejos, com vistas à pacificação social, vencimento
das dificuldades e desenvolvimento econômico. Assim, afirma FLAv10
TARTUCE2 , a própria palavra sociedade traz consigo a noção de contrato.
É impossível passar um dia sem contratar. Ao acordar, se dirigir
até o banheiro, ligar a luz e abrir a torneira, já se está, ao menos,
executando dois contratos: um de fornecimento de luz e outro de
água. Ao passar na padaria, realiza-se uma compra e venda. Ao
pegar uma carona, se faz um contrato de transporte.
Compondo o contrato diferentes vontades, em diferentes senti-
dos e segundo a sua autonomia, a contratualística é predominante
na vida em sociedade. Dessa maneira, consiste o contrato em um
instrumento apto a atender as necessidades da coletividade; dos
homens.
os rnntratos traduzem uma das mais importantes categorias de
negócios jurídicos. Para CARLOS ROBERTO GoNçALvEs 3, o contrato é a mais

i. Palavras ao Vento. Sabe o que é "contrato"? Você isso, eu aquilo, com assinaturas
embaixo.
2. Direito Civil. Teoria Geral dos Contratos e Contratos em Espécie. Vol. Ili. 3 Edição.
São Paulo: Método. 2008, p. 39.
3. Direito Civil Brasileiro. Contratos e Atos Unilaterais. Vol. Ili. 7 Edição. São Paulo:
Saraiva. 2010.
20 Direito Civil - Vol. 23 • LUciano Figueiredo e Roberto Figueiredo

importante fonte de obrigações. Como advertem PAsLo Srom GAGUANo


ERoDoLFo PAMPLONA FtLHo 4, os contratos são a força motriz das engrena-
gens socioeconômicas do mundo.
Analisando o fenômeno a lei e a economia (law and Economics),
observa-se que poucos institutos se adequaram tão bem as mudan-
ças sociais e as novas estruturas quanto o contrato. Lembra ARNOLD
WALDs que o contrato é um dos "poucos institutos que sobreviveram
por tanto tempo e se desenvolveram sob formas tão diversas, que
se c:idaptou a sociedades com estruturas e escala de valores tão
distintas quanto a que existiam na Antiguidade, na Idade Média, no
mundo capitalista e no próprio regime comunista".
Neste cenário é que bem se colocam os famosos ensinamentos
atribuídos a RtPERT, para quem o contrato não é uma ordem estável,
mas um eterno· vir a ser.
Obviamente, em cada nova moldura social, exige-se do contrato
uma nova conformação. No mundo capitalista, fulcrado no exclu-
sivismo proprietário, via-se um contrato individualista. Já em um
cenário socialista, travestia-se o contrato por um viés mais social,
estatizante.
E então, quando surgiu o contrato?
Historicamente, recordam PABLO Srom GAGUANo E Rooouo PAMPLONA F1-
LH06, não há como ser fixada uma específica data para o surgimento
dos contratos. O que é possível, e deve ser feito, é buscar iden-
tificar em qual período histórico houve uma nítida sistematização
jurídica do instituto.
Fazendo uma incursão por Roma, percebe-se que foi GA10 o
responsável por catalogar as fontes obrigacionais e inserir, entre
estas, o contrato. Entrementes, é apenas na época clássica ro-
mana que se vê uma concepção contratual atrelada ao seu viés
obrigacional.

4. Novo Curso de Direito Civil - Contratos: Teoria Geral. Vol. IV. 9 Edição. ""orno 1. São
Paulo: Saraiva. 2013, p. 27.
5. O Contrato: Passado, Presente e Futuro. Novo Curso de Direito Civil - Contratos:
Teoria Geral. Vol. IV. 9 Edição. Tomo 1. São Paulo: Saraiva. 2013, p. 39.
6. Op. Cit. p. 40.
Cap. i • o Universo dos Contratos 21

Roma, assim como ocorreu na França - esta em um período his-


tórico posterior-, enxergava o contrato e o pacto como espécies de
convenções, conforme as lições de S1Lv10 oo SALVO VeNosA7•
Apesar deste tratamento romano, para ORLANDO GoMes8, não se
deve atribuir à Roma a criação deste instituto jurídico. Isto, porque,
o contrato, como hoje é conhecido, remete a uma noção de indivi-
dualidade atinente ao sistema capitalista, a qual não dialoga clara-
mente com a história Romana. Nessa toada, é perceptível a grande
importância do iluminismo e do racionalismo francês em forjarem
o contrato nos moldes hoje conhecidos. Destarte, foi o movimento
revolucionário francês (1789) e o seu produto legislativo (Code de
France ou Código de Napoleão - 1804) os grandes responsáveis por
conferir ao contrato contornos próximos aos atuais.
Nessa linha de intelecção, é importante verificarmos como se
pensava este contrato na França revolucionária; afinal, é justamen-
te daí que advém a conformação atual do instituto. Como é con-
sabido, o movimento revolucionário francês tinha como pilares a
liberdade, a igualdade e a fraternidade.
O curioso, porém, é que olhando para trás, infere-se que o que
fora efetivamente implementado àquela época foi a liberdade, atra-
vés do fenômeno da apropriação privada. Com isto, foi necessário
o amadurecimento do instituto contratual, ao passo que este era o
único mecanismo de circulação proprietária. o contrato, neste perí-
odo, reduzia-se a uma forma automática de aquisição proprietária.
No que tange à igualdade revolucionária, esta fora implemen-
tada apenas sob o ponto de vista formal, perante a norma. Mate-
rialmente, todavia, os desprestigiados não tinham acesso à justiça
nem aos meios de impugnações, os quais eram para os ricos.
A fraternidade, igualmente, fora completamente esquecida,
deixada de lado, sem nenhum tipo de menção a um solidarismo
social ou a uma funcionalização dos institutos.
Dessa forma, o Code de France (1804) conectava o contrato,
a propriedade e a liberdade. Via-se um sistema de contratação

7. Direito Civil. Vol. Ili. P. 362.


8. Contratos. 14 ed. Rio de Janeiro: Forense, 1999, p. 6.
22 Direito Civil - Vol. 13 • Luciano Figueiredo e Roberto Figueiredo

francesa essencialmente individualista, proprietário e estruturado


no pilar da força obrigatória (pacta sunt servanda); imodificável e
absoluto. CRISTIANO CHAVES DE FARIAS E NELSON RosENVALD9 afirmam que este
modelo contratual francês era pautado em um monismo valorativo,
ao passo que possuía uma autonomia da vontade absoluta.
Esta tendência diagnosticada na França se agravou com o Código
Civil alemão (BGB), nos idos de 1900. Malgrado com uma organização
jurídica contratual diversa da francesa - pois na Alemanha via-se o con-
trato como negócio jurídico-, aqui também imperava a visão unidimen-
sional, sendo concebido um sistema jurídico que pensava a liberdade
contratual apenas como a liberdade de quem tinha o poder contratual.
Na Alemanha, porém, o contrato não era capaz de ocasionar a
imediata aquisição proprietária, sendo necessário um modo para
tanto, igualmente a como hoje sucede no Brasil, conforme as lições
de CARLos RoaERTo GoNÇALvEs'º.
O individualismo e absolutismo contratual, naturalmente, não
sobreviveram ao tempo. Até mesmo porque a força obrigatória dos
contratos, buscando a sua execução a qualquer custo, transformou
o contrato em um instrumento de prisão, ao revés de libertação. A
parte mais forte passou a impor as suas cláusulas, ficando o mais
fraco submetido a cumpri-las, sob pena de prática de ilicitude.
O direito não poderia se curvar a esta situação ...
D'outra banda, percebe-se que durante este percurso histórico
surgiu uma importante virada social: a revolução industrial. Esta,
sem dúvidas, foi responsável por ocasionar a (re)visitação de vá-
rios institutos jurídicos, dentre os quais se coloca o contrato.
A revolução industrial trouxe consigo o chamado princípio da
repetição. Através deste, o homem passou a produzir em série,
em ritmo industrial, ao revés de artesanal. Assim, precisou passar
a contratar, igualmente, em série; afinal, de nada basta produzir no
atacado e alienar no varejo.

9. Curso de Direito Civil. Contratos. Teoria Geral e Contratos em Espécie. Vol. IV. 3
Edição. Salvador: JusPodivm. 2013, p. 42.
10. Op. Cit. p. 23.
Cap. i • O Universo dos Contratos 23

O contrato, dantes paritário e concebido a partir de largas ne-


gociações, precisava ser mais prático, sintético, pré-concebido,
apto a escoar a produção em massa. Nasce a figura do contrato
de adesão ou de massa, o qual reduziu, por demais, o espaço da
autonomia.
Mas o que seria o contrato de adesão?
o contrato de adesão é um instrumento pré-formatado por
uma das partes (hipersuficiente), cabendo ao outro polo da rela-
ção contratual (hipossuficiente) aderir, ou não, ao bloco. Não há
espaço para negociações ou discussões de cláusulas. Ou adere-se,
ou recusa-se o contrato.
Aqui, mais do que nunca, o contrato passa a ser idealizado
como um instrumento de prisão. A parte mais forte da relação,
ao confeccionar o aludido contrato de adesão, o faz recheado de
cláusulas abusivas, aprisionadoras, impondo ao hipossuficiente um
plexo de obrigações excessivamente onerosas.
Contrata-se, por vezes, através de um pacto de adesão e de
maneira compulsória, sem deixar alternativa ao hipossufkiente. É
o que soe ocorrer, por exemplo, com os contratos de adesão rela-
tivos a serviços essenciais, a exemplo de luz e água. Nestes, ante a
completa ausência de concorrência, o consumidor se vê obrigado a
contratar, assinando o pacto consoante as cláusulas unilateralmen-
te impostas pelo hipersuficiente, que tem o monopólio de explora-
ção. São contratos compuls6rios, cogentes ou necessários.
O direito, repisa-se, não poderia assistir a esta situação de bra-
ços cruzados. O contragolpe estatal veio mediante intervenção: in-
tervir para regulamentar. Nasce o dirigismo estatal. O Estado passa
a intervir e impor a existência necessária de algumas cláusulas pré-
vias aos contratos; a obrigatoriedade do hipersuficiente de conferir
garantias de cumprimento da avença; o estabelecimento de res-
ponsabilidade objetiva do fornecedor; a possibilidade de revisão
contratual pelo Poder judiciário ...
Foi, então, que após a segunda metade do século XIX e ao longo
do século XX, vivenciou-se um processo de solidarização contra-
tual, sendo os negócios humanizados e funcionalizados, gravitan-
do em torno do ser. Reage-se à opressão do hipossuficiente e a
24 Direito Civil - Vol. 13 • Luciano Figueiredo e Roberto Figueiredo

completa ausência de proteção com respostas funcionais e promo-


cionais dos contratos, em busca da socialização.
A doutrina de P1ETR0 PERLINGIER1 11 enxerga aqui que se descortina o
fenômeno da repersonificação e despatrimonialização dos contra-
tos, pois passa o operador do direito a buscar a promoção do ser
humano digno (ser), ao revés de proteção da propriedade (ter).
Constrói-se um direito civil despatrimonializado e significado se-
gundo a lente da normatividade constitucional (constitucionalização
do direito civil e legalidade constitucional) 12 •
(Re)socializar os contratos, portanto, significa verificá-los con-
soante o ser humano digno, de maneira repersonificada e despa-
trimonializadora. É resgatar a fraternidade e igualdade material
esquecidas quando da revolução francesa, as incorporando no fe-
nômeno contratual. É voltar a enxergar nos contratos, inclusive de
adesão, um instrumento útil, mas norteado pela função social e
igualdade, e não pela opressão.
Caminhando neste sentido, segundo a doutrina de TEREZA NEGRE1-
Ros13, há de ser feita a materialização dos contratos. o pacto há de
ser visto segundo as realidades jurídicas de suas partes (hipossufi-
cente e hipersuficiente), buscando uma discriminação jurídica apta
a conferir tutela isonômica.
Soma-se a tudo o quanto aqui estudado, nas palavras de CLÃuD1A
L1MA MARQUEs'4 , a percepção de uma mudança histórica nos sujeitos e
no objeto contratual. Os contratos ganham um caráter transubjeti-
vo, ao atingir inúmeras pessoas, e os objetos passam a ser imate-
riais, a exemplo do conhecimento.
A sociedade se reinventa. O contrato, igualmente, se reinventa.
Adapta-se. Entende-se o contrato, mais do que nunca, de maneira
funcionalizada, em busca da dignidade e sendo um instrumento de
solução das dificuldades humanas.

11. PERLINGIERE, Pietro. Perfis do Direito Civil Constitucional. Introdução ao Direito


Civil Constitucional. 2. ed. São Paulo: Renovar, 2002.
12. Para aqueles que desejam se aprofundar no tema a constitucie>nalização do
direito civil, indica-se a consulta do tomo dedicado à parte geral.
13. Teoria do Contrato. P. 318 e ss.
14. O Novo Modelo de Direito Privado Brasileiro e os Contratos. ln A Nova Crise dos
Contratos. p. 24.
Cap. i • o Universo dos Contratos 25

2.CONCEITO E A NATUREZA JURÍDICA DOS CONTRATOS. O DIÁLOGO DAS


FONTES
Mas, afinal, o que é o contrato?
Assim corno o Código Civil de i916, o vigente de 2002 não tratou
de conceituar o contrato. Tal fato não é inédito no direito com-
parado. Ao revés, percebe-se que em outros países - a exemplo
da Alemanha, da Polônia, da Suíça e da antiga URSS - o legislador,
igualmente, não conceituava o instituto.
O curioso é que apesar do vigente Código Civil conceituar al-
gumas figuras dos contratos em espécie, não o faz com o gênero
contrato. Trata-se, em certa medida, um contrassenso.
Diante do dito, restou à doutrina a missão de conceituar os
contratos.
Nas palavras de CRISTIANO CHAVES DE FARIAS E NELSON ROSENVALD 15, o contra-
to é a veste jurídico-formal das operações econômicas.

Para PAaLo SroLZE GAGLIANo E RoDOLFo PAMPLONA F1LH0' 6, é um negócio


jurídico por meio do qual as partes declarantes, limitadas pelo
princípio da função social e da boa-fé objetiva, autodisciplinam os
efeitos patrimoniais que pretendem atingir, segundo a autonomia
de suas próprias vontades.
Segundo ANTôN10 JUNQUEIRA DE AzEVrno' 7, é um fato jurídico consisten-
te em declaração de vontade a que o ordenamento jurídico atri-
bui efeitos designados como queridos pelas partes, respeitados
os pressupostos de existência, validade e eficácia impostos sob o
sistema jurídico incidente.
Para FLÃv10 TARrucE' 8, é um negócio jurídico bilateral ou plurilateral
que visa à criação, modificação ou extinção de direitos e deve-
res com conteúdo patrimonial. Ainda segundo o aludido autor, tal
conceito se aproxima, bastante, daquele veiculado no Código Civil
italiano, especificamente no seu art. i.32i.

lS. Op. Cit. p. 59.


16. Op. Cit. p. 49.
17. Negócio Jurídico. p. 16.
i8. Op. Cit. p. 28.
26 Direito Civil - Vol. 13 • Luciano Figueiredo e Roberto Figueiredo

CA10 MÃR10 19 o enxerga como um acordo de vontades, na confor-


midade da lei e com a finalidade de adquirir, resguardar, transferir,
conservar, modificar ou extinguir direitos. De forma próxima, Ctôv1s
BEV1LÁQuA20 define-o como um acordo de vontades para o fim de ad-
quirir, resguardar, modificar ou extinguir direitos.
MARIA HELENA D1N1z 21 o traduz como uma espécie de negócio jurídico,
de natureza bilateral ou plurilateral, dependendo, para a sua forma-
ção, do encontro da vontade das partes, por ser ato regulamentador
de interesses privados. Para a Professora paulista, o seu fundamen-
to é a vontade humana, sendo o seu habitat o ordenamento jurídico.
Diante de todos estes conceitos, pensamos juridicamente o con-
trato como um encontro de vontades contrapostas com o escopo
de regulamentar interesses, visando criar, modificar, conservar ou
extinguir relações jurídicas. Entendemos a natureza jurídica do ins-
tituto como de negócio jurídico.
Como negócio jurídico 22 que o é, o epicentro do contrato é a
vontade humana, com observância à boa-fé objetiva e à função so-
cial, devendo atenção aos planos de existência, validade e eficácia.
Seguindo os ensinamentos de MARIA HELENA D1N1z 23 , percebemos
que nos contratos há dois elementos:
a) estrutural, o qual se traduz na alteridade, pois para ser
contrato exige-se bi ou plurilateralidade; e
b) funcional, que significa a composição de interesses contra-
postos, mas harmonizáveis entre as partes, constituindo,
modificando e solvendo direitos e obrigações na área eco-
nômica (função econômica social).

19. Instituições de Direito Civil. Volume Ili, p. 7.


20. Código Civil dos Estados Unidos do Brasil. Vol. IV, obs. 1 ao art. i.079.
21. Curso de Direito Civil Brasileiro. Teoria Geral das Obrigações Contratuais e
Extracontratuais. São Paulo: Saraiva, 2013. p. 31/32.
22. O tema negócios jurídicos foi amplamente estudado no volume dedicado à parte
geral. Naquela oportunidade foram visitados os planos de existência, validade e
eficácia dos negócios e seus desdobramentos. Em sendo o contrato um negócio
jurídico, os ensinamentos da parte geral devem ser aplicados aos contratos, em
sua integralidade.
23- Op. Cit., p. 32/34.
Cap. 1 • O Universo dos Contratos 27

Em um direito civil ressocializado, repersonalizado e despatri-


monializado, forjado na legalidade constitucional, o principal es-
copo do contrato é, sem dúvidas, atender aos interesses do ser
em busca da promoção da dignidade da pessoa humana. Eviden:
temente que não há de se olvidar ser adstrita aos contratos uma
visão econômica, de circulação de riquezas e atinente aos interes-
ses do mercado, mas isto de maneira secundária, acessória. Afinal,
segundo o direito civil-constitucional, quem contrata é o ser, e não
o objeto econômico do negócio.

Concentrando-se na natureza jurídica do instituto, CR1sr1ANO CHAVES


DE FARIAS E NEl.50N RosENVALD 24, bem como FLÁv10 TARruces, percebem que o
contrato, além de um negócio jurídico, é um ato jurídico. De fato,
conforme o estudado no volume da Parte Geral, o negócio jurídi-
co é uma modalidade de ato jurídico, tendo o contrato este duplo
enquadramento.

0RLANoo GoMEs 26 afirma que o enquadramento jurídico brasileiro


do contrato como um negócio jurídico deflui do acolhimento da
tese voluntatista, estampada no atual art. 112 do Código Civil, cópia
fiel do revogado art. 85 do Código Civil de 1916. Assim é, que hoje,
no Brasil, nas declarações de vontade, se atenderá mais a intenção
do que ao sentido literal da linguagem.
Justo por isto, para CA10 MÃR1027 , em clara atenção à tese volunta-
rista, o fundamento ético do contrato é a vontade humana, a qual
há de atuar em conformidade com a ordem jurídica.
Mas, afinal, o contrato está em crise? É possível falarmos em
uma crise contratual?

Obtempera FLÁv10 TARrucE 28 que o contrato, entendido como seu


modelo advindo do racionalismo e iluminismo francês, está em cri-
se. Crise, porém, que deve ser entendida não como um caminho de
extinção, mas sim de modificação.

24. Op. Cit., p. 59.


25. Op. Cit., p. 28.
26. Introdução ao Direito Civil. 10 ed. Rio de Janeiro: Forense, i993. p. 280.
27. Instituições de Direito Civil. Volume Ili, p. 7.
28. Op. Cit., p. 30/32.
28 Direito Civil - Vol. 13 • Luciano Figueiredo e Roberto Figueiredo

Com a revolução industrial, a figura do contrato de adesão e as


novas estruturas, há uma saudável alteração contratual; uma adap-
tação aos novos tempos. Como visto, quando da abertura deste ca-
pítulo, o contrato, como um vírus, tem em sua gênese a capacidade
de se adaptar, se modificar, mutar. Estamos, tão somente, em mais
um destes períodos de mudança.
Longe, portanto, está o contrato do seu declínio. Ao contrário,
o contrato está mais em voga do que nunca, atingindo, novamente,
o seu apogeu, sendo uma das principais figuras do direito privado.
Atualmente o contrato vence as barreiras das divisões jurídicas,
sendo interdisciplinar. Propugna confluências entre o direito civil,
do consumidor, empresarial, do trabalho ... Vence as barreiras do
materialismo, sendo muitas vezes digital. Vence as barreiras dos
países, sendo, em várias situações, internacional...
Este novo contrato, por conseguinte, exige do operador do direi-
to uma ampla visão da ciência jurídica, em busca de um verdadeiro
diálogo das fontes, apto a resolução dos problemas. Tal se dá,
por exemplo, de maneira muito clara na relação de complemen-
taridade e inclusão estabelecida entre o vigente Código Civil e o
Código de Defesa do Consumidor. Fala-se aqui, em um diálogo de
complementariedade.
Diga-se que o próprio CDC, atento às novas influências, permite
tal diálogo, ao informar, no seu art. 7º, que a legislação de consumo
não impede a adoção, pelo operador do direito, de outras normas
mais protetivas. Veicula-se, portanto, o princípio do não retrocesso
social, funcionando o Código de Defesa do Consumidor como uma
pauta mínima de direitos, a qual pode ser melhorada por outros
diplomas, como o Código Civil, o Estatuto do Torcedor...
Diante de um pluralismo de fontes legislativas sobre o mesmo
fato, cabe ao operador do direito a confluência dos diplomas, em
um consenso de valores e princípios, sempre em busca da promo-
ção do ser humano digno.
Neste sentido, afirma o Enunciado 267 do CoNsELHO oA JusnçA FEDERAL
que "com o advento do Código Civil de 2002, houve forte aproxi-
mação principiológica entre esse Código e o Código de Defesa do
Consumidor, no que respeita à regulação contratual, uma vez que
Cap. i • O Universo dos Contratos 29

ambos são incorporadores de uma nova teoria geral dos contra-


tos". Esta aproximação é forte na percepção de que tanto o Código
Civil, como o Código de Defesa do Consumidor, tratam do conteúdo
dos contratos, versando sobre boa-fé objetiva, equivalência mate-
rial das prestações e função social, conectando o direito infracons-
titucional com o constitucional.
Também percebendo este diálogo das fontes, pontua CLAuD1A LIMA
MARQUEs29 que tanto o Código Civil, como o Código de Defesa do
Consumidor, norteiam o seu direito obrigacional na confiança, vul-
nerabilidade, boa-fé e equilíbrio contratual. Hoje, infere-se que tais
princípios são correntes na teoria geral do direito privado, extra-
polando as bailas dos microssistemas.
Ainda seguindo com os ensinamentos de CLAuo1A LIMA MARQUEs 3º,
vê-se, entre o Código Civil e o Código de Defesa do Consumidor,
um verdadeiro diálogo das fontes, a partir de algumas zonas de
convergência. São elas:
a) Diálogo Sistemático de Coerência, o qual se verifica quando
há aplicação simultânea de duas leis, servindo uma de base
conceituai para a outra. Exemplifica-se com uma relação de
consumo em virtude de um contrato de seguro, sendo o
conceito desta figura extraído do Código Civil, enquanto as
normas protetivas do Código de Defesa do Consumidor;
b) Diálogo de Complementaridade e de Subsidiariedade. No
primeiro (complementaridade), há um complemento direto
entre as normas; enquanto no segundo (subsidiariedade), é
indireto. O exemplo diz respeito às cláusulas abusivas em con-
tratos de adesão de consumo, as quais podem ser invalida-
das tanto com base no art. 424 do CC, como no art. 51 do CDC;
c) Diálogo de Influências Recíprocas Sistemáticas, para o qual
os conceitos estruturais de uma determinada norma sofrem
influência de outra. Por exemplo, o conceito de lesão de
consumo (art. 6, V do CDC) pode sofrer influência da lesão
como vício de consentimento (art. 157 do CC); e vice versa.

29. Op. Cit.


30. Op. Cit.
30 Direito Civil - Vol. 13 • Luciano Figueiredo e Roberto Figueiredo

o mesmo ocorre na teoria da imprevisão (art. 478 do CC) e


onerosidade excessiva (art. 6, V do coe).
Registra-se que o Código Civil, como diploma geral que o é, dia-
loga com vários outros sistemas legislativos. Obviamente, o diálogo
mais claro é com o Código de Defesa do Consumidor. Todavia, há
outros, como o direito do trabalho, o qual se refere ao direito co-
mum (civil) como sua fonte subsidiária (CLT, art. 8).
É bem verdade que, no que tange ao direito do trabalho, em
muitos casos, funciona o direito civil como uma fonte direta, ante
a completa ausência de regramento juslaboral, a exemplo da res-
ponsabilidade civil indireta do empregador (art. 932 do CC), abuso
de direito (art. 187 do CC), conceito de contratos de prestação de
serviços e empreitada ...
Compulsando-se o Código Civil, inclusive, vê-se, em algumas
passagens, expressa referência legislativa a estes diálogos das for-
ças. Tal ocorre, por exemplo, no art. 593, ao afirmar o legislador
que a normatização codificada da prestação de serviços apenas
será aplicada quando não houver lei especial regulando o tema;
tendo o Código Civil, aqui, caráter residual. Já em outra passagem,
agora no art. 732, afirma o legislador civilista que ao contrato de
transporte aplica-se, no que couber e quando não contrariar as
disposições deste Código, as normas especiais, a exemplo do Có-
digo de Defesa do Consumidor. Aqui há um caráter subsidiário ao
Código de Defesa do Consumidor.

Em verdade, o que se percebe aqui é tão somente a aplicação


das diretrizes da LINDB, em especial do seu artigo segundo, pará-
grafo segundo, para o qual lei nova, que estabeleça disposições
Cap. l • o Universo dos Contratos 31

gerais ou especiais ao lado de norma anterior, nem modifica e nem


revoga a lei anterior. Logo, se complementam, dialogam!
Durante nossa jornada, neste volume de contratos, muitas das
vezes estas correlações serão realizadas, em busca de soluções
para as situações da vida e concursais, buscando um completo
aprendizado.

3. DISTINÇÕES TERMINOLÓGICAS
Em uma obra que se inicia é sempre bom, nas suas primeiras
linhas, serem fincadas algumas importantes premissas terminológi-
cas, para que impropriedades não sejam cometidas.
Na seara dos contratos, a primeira relevante distinção, nas li-
ções de PABLO S7 om GAGLIANo E RoootFo PAMPLONA F1tH0 31 , é a diferenciação
entre o contrato e o instrumento contratual. Enquanto aquele (o
contrato) é o negócio jurídico propriamente, significado por um
encontro de vontades, este (o instrumento contratual) é a docu-
mentação do negócio, o seu substrato escrito no qual as cláusulas
são explicitadas.
ORLANDO GoMEs32, com a maestria de sempre, vaticina que o instru-
mento contratual costuma ser composto por um preâmbulo, de-
dicado à qualificação das partes, descrição do objeto e razões da
contratação, e um contexto, onde há, propriamente, as cláusulas
contratuais.
Seguindo nas diferenciações doutrinárias, há quem distinga o
contrato de uma convenção. Esta seria o gênero, contemplando
acordos de vontades em geral, muitos desprovidos de interesses
econômicos. Exemplifica-se com um acordo de vontades versan-
do sobre regime de visitas em um divórcio, o qual é uma mera
convenção.
Ademais, não se deve confundir contratos com pactos. Estes são
ajustes de vontade acessórios, adjetos ao contrato, a exemplo do
pacto de retrovenda, pacto antenupcial...

31. Op. Cit., p. 6o/61


32. Op. Cit., p. 17.
32 Direito Civil - Vol. 23 • LUciano figueiredo e Roberto figueiredo

Desta forma, pode-se dizer que a convenção é um gênero, cujas


espécies são os contratos e os pactos.
Apesar do rigor técnico, o fato é que, corriqueiramente, as ex-
pressões contratos, convenções e pactos são utilizadas como sinô-
nimas, sejam em arrazoados jurídicos ou de forma coloquial. Desta
maneira, apenas deverão ser distinguidas quando questionada as
suas diferenças.

4. A VISÃO GERAL DOS CONTRATOS NO CÓDIGO CIVIL


o vigente Código Civil de 2002 disciplinou os contratos em dois
títulos:
a) Título V - Dos contratos em Geral, subdividido em dois
Capítulos (Capítulo 1 - "Das Disposições Gerais" - e Capítulo
2 - "Da Extinção do Contrato"). Tais capítulos são estrutura-
dos em Seções, as quais versam sobre aspectos gerais da
matéria contratual;
b) Título VI - Das Várias Espécies de Contratos, subdividi-
do em vinte capítulos, compartimentados em várias outras
Seções, cuidando de vinte e três espécies de contratos
nominados.
O presente livro objetiva visitar estes dois títulos, de maneira
sistematizada, clara e concisa, visando promover a clara inteligên-
cia dos institutos.
Fazendo um comparativo com o Código Civil anterior, de 1916,
nota-se que o legislador inovou na seara contratual, ao tratar de
temas dantes não regulados, a exemplo do contrato preliminar, do
contrato com pessoa a declarar, da resolução por imprev'são, da
venda com reserva de domínio, da venda sobre documentos e do
contrato estimatório ...
Ademais, inovou ao trazer novas figuras contratuais, como a co-
missão, a agência/distribuição, a corretagem e o contrato de trans-
porte. Além disso, deixou de fazer referência a outros institutos,
outrora regulados, como, por exemplo, a cláusula comissária na
compra e venda (art. i.163 do CC-16).
Comparando a legislação passada com a atual, o avanço foi níti-
do. Todavia, sempre há o que se criticar. Dentre as críticas, as mais
Cap. i • O Universo dos Contratos 33

sentidas foi ter perdido o legislador a oportunidade de regular im-


portantes modalidades contratuais, de uso diário, como o leasing,
o franchising, o factoring, o consórcio, os contratos bancários, os
contratos eletrônicos, os contratos de hospedagem ...
Apesar de tais críticas, no geral, o trabalho do codificador na
seara contratual foi muito bem desempenhado, sobretudo por con-
ceder uma visão mais funcionalizada (função social) e ética (boa-fé)
ao instituto.

5. A FORMA E A PROVA DOS CONTRATOS


Como negócio jurídico que o é, no que tange à forma, o contrato
seguirá a teoria geral do Código Civil. Vamos recordá-la!
Nos negócios jurídicos vigora o princípio da Liberdade de For-
mas, previsto no art. 107 do Código Civil. Todavia, o princípio em
comento não é absoluto, haja vista afirmar o aludido artigo que "A
validade da declaração de vontade não dependerá de forma espe-
cial, senão quando a lei expressamente exigir".
Nessa ordem de ideias, tem-se como possível que a norma, ex-
cepcionalmente, exija uma forma vinculada, também chamada de
única ou especial. Tal se dá, por exemplo, na redação do art. io8 do
mesmo Código, ao verberar que, não dispondo a lei em contrário,
a escritura pública será essencial à validade dos negócios jurídi-
cos que visem à constituição, à transferência, à modificação ou à
renúncia de direitos reais sobre imóveis de valor superior a trinta
vezes o maior salário mínimo vigente no País.
Registra-se que nas pegadas do Enunciado 289 do Conselho da
justiça Federal "O valor de 30 salários mínimos constante no artigo 108
do Código Civil brasileiro, em referência à forma pública ou particular
dos negócios jurídicos que envolvam bens imóveis, é o atribuído pelas
partes contratantes e não qualquer outro valor arbitrado pela Admi-
nistração Pública com finalidade tributária".
Outrossim, é possível que haja, ainda, vinculação de forma em
decorrência da vontade humana, a teor do art. 109 do Código Civil.
Nessa esteira é possível que em um contrato preliminar fique ajus-
tado que o contrato principal haverá de ser celebrado por escritu-
ra pública, vinculando uma forma.
34 Direito Civil - Vol. 13 • Luciano Figueiredo e Roberto Figueiredo

O desrespeito à forma vinculada acarretará a nulidade absolu-


ta do negócio jurídico, a teor do art. 166 do mesmo diploma.

._ Atenção!
Um importante lembrete reside para o contrato de compra e venda
pelo Sistema fi!'lancelro Imobiliário, que pode ser feito mediante ins-
trumento particular, na forma do art. 38 da Lei Federal 9.514/97.
Também não exigirá forma especial alguma a promessa de compra e
venda geradora do direito real de aquisição, a ser firmada mediante
instrumento particular, como permite o art. i.417 do Código Civil e o
art. 462 do mesmo diploma.

Recorda-se, ainda, que quando a forma for livre e o instrumen-


to inválido, este não irá gerar a invalidade do ato, pois se estará
diante de uma situação na qual a forma é uma mera questão de
prova (forma ad probationem), e não de substância (ad substan-
cione ou solemnitatem), tudo consoante a redação do art. 183 do
Código Civil. Logo, plenamente possível comprovar o contrato de
outra maneira.
Caso, porém, como visto, seja exigida uma forma, por força da
lei ou da vontade, este passa a ser da substância do ato, sendo o
seu desrespeito casuística de nulidade absoluta.

Recorda-se, ainda, que por força dos arts. 227 do CC, a prova
exclusivamente testemunhal apenas será admitida em contratos
cujo valor não ultrapasse o décuplo do maior salario mínimo vigen-
te no país, ao tempo da celebração.

I> Atenção!
Há quem distinga na doutrina os conceitos de solenidade e forma.
Assim, a forma é interna ao ato, enquanto que a solenidade é externa.
A forma, por exemplo, é escrita ou verbal, já a solenidade pode ser a
exigência de inscrição do registro de imóveis.
Nesse diapasão, verifica-se possível que o ato seja informal, mas solene.
É o exemplo do contrato preliminar, cuja forma é livre - pois deve ter
todos os requisitos do contrato principal, à exceção da forma -, mas
deverá respeitar a solenidade de ser levado ao registro respectivo (art.
462 e 463 do CC).
Cap. 1 • O Universo dos Contratos 35

I> E na hora da prova?


Ano: 2.013 Banca: FGV Órgão: TJ-AM Prova: Analista Judiciário - Direito
A respeito dos contratos, analise as afirmativas a seguir.
1._o direito positivo brasileiro prevê a liberdade de forma para realiza-
çao dos contratos, por expressa previsão legal.
li: Nos neg~cios jurídicos ad probationem, a forma é considerada requi-
sito de validade, podendo o negócio ser considerado inválido.
Ili. A regra da liberdade de forma só admite exceções expressamente
previstas em lei.
Assinale:
a) se somente a afirmativa Ili estiver correta.
b) se somente as afirmativas 1 e Ili estiverem corretas.
c) se somente a afirmativa li estiver correta.
d) se somente as afirmativas li e Ili estiverem corretas.
e) se somente a afirmativa 1 estiver correta.
Gabarito: b

~ E na hora da prova?
Ano: 2005 Bancas: CESPE Órgão: TRT - 16• REGIÃO (MA) Prova: Analista
Judiciário - Área Judiciária
No referente aos contratos, julgue os itens a seguir.
A liberdade contratual está limitada ao fim social do contrato.
Gabarito: Correto
Capítulo
-----------

Os Princípios Contratuais

l. INTRODUÇÃO: O ESTADO PRINCIPIOLÓGICO


Hodiernamente é lugar comum a afirmação nos manuais dedica-
dos ao Direito Privado de que as normas são um grande gênero,
dentro dos quais os princípios e as regras estão contidos.
O batizado Estado Prlncipiol6gico inaugurado pela Constituição Fe-
deral de i988 acabou por colocar, como ordem do dia, a discussão
acerca da eficácia dos princípios jurídicos, seu conteúdo e aplicação.
cristalizou-se a noção de que as legislações devem ser dotadas de
poros aptos a permitir sua diuturna atualização, em face das galo-
pantes alterações sociais. Uma destas válvulas está na principiologia,
típica do atual cenário pós-positivista.
Com tudo isto, é trazida à baila a valoração dos princípios: ali-
cerce sobre o qual é erguida a legalidade constitucional. Aproxima-se
o direito da ética, bem como se confere centralidade aos direitos
fundamentais. Princípios ganham força normativa, com aplicação di-
reta aos casos concretos e ponderação, acaso diante de colisões. Os
modelos de compreensão dos princípios do norte-americano RoNALD
DwoRK1N e do alemão RoBERT ALEXY ganham ainda mais espaço.

~ Atenção!
Para aqueles que não se recordam dos modelos de Dworkin e Alexy,
usualmente lembrados em toda a seara do direito, segue um breve
quadro distintivo:
o Modelo Dworkiano o Modelo de Alexy
Dworkin demonstra a importân- Alexy enxerga o direito em três
cia dos princípios defendendó níveis: Princípios, Regras e Procedi-
consistir em padrões existentes mentos. Preocupa-se sobremanei-
ao lado das regras, subdividin- ra com o direito no caso concreto:
do-os em: fenômeno da aplicação.
38 Direito Civil - Vol. 13 • Luciano Figueiredo e Roberto Figueiredo

o· IVlod~lo. Dworkiano o. Modelo de Alexy


a) Potftlêàs- diretrizes ou metas de Alexy enxerga o direito em três
rri~ltiÕria social ou econômica; níveis: Princípios, Regras e Procedi-
b) Princípios em ~~ntido Estrito. - mentos. Preocupa"se sobremanei-
ra.com.o direito nô caso concreto:
padtãQif~làtf,otiâçlo à eX:ig~ncia
de justiça,· moral e equidade, fenômeno da· áplicação. segundo
Alexy, a ponderação, assim como
aplicável em casos concretos.
a matemática, é sinônima da ra-
A5 regras são aplicadas segun- zão. Ponderar, ao revés de enfra-
do o ditame do "tudo ou nada" quecer os direitos fundamentais,
(all-or-nothing), sendo que, acaso possibilita a sua ·maior eficácia.
preenchida a hipótese de incidên-
Os princípios seriam mandamen-
cia, a regra é válida e aplicável.
Em não sendo preenchida a hi- tos amplos que permeiam todo
o. ordenamento jurídico, possibi-
pótese de incidência, tratar-se-á
de regra inválida. As regras têm litando a otimização dos direitos
fundamentais. São mandamentos
aplicação segundo o fenômeno da
de otimização ponderados pela
subsunção.
proporcionalidade, .com o escopo
os princípios conferem fundamen- de maximizar os direitos funda-
tos à decisão, tendo uma dimén· mentais no caso concreto, segun-
são de peso (diínension of weigth). do possibilidades normativas e tá-
ticas. A proporcionalidade, através
dos seus• pilares da necessidade,
adequação e proporcionalidade,
em sentido estrito ganha relevo.
Não há de falar-se em fundamento A colisão entre princípios não é
de validade no campo de colisão capaz de gerar. a total preponde~
de princípios, havendo pondera- râncla de um sóbre o outro, sendo
ção, sobrepondo-se o princípio de que a· prevalência é determinada
maior peso, sem redução daquele na pond~ração, que ocorre no
de menor peso a nada (à invalida· caso cencreto, analisando-se a di-
de). Os princípios são aplicados de m~n.s~o·de peso de cada princípio
forma gradual, de mais ou menos, (te~r,em;~Jff.l colisiio).
e não na ótica do tudo ou nada. Alexy. ·ext~rna ser o modelo de
oworkin .demasiadamente sim-
plóri(), posto qu.e não considera o
valor variável dos princípios, con-
ferirido . um .valor prima facie. Ao
revés do qt.íe pensa oworkin, ele
entende que. as cláusulas de ex-
ceções inseridas nas normas não
Cap. 2 • Os Princípios Contratuais 39

O Modelo Dworkiano O Modelo de Alexy


podem ser restritas, sendo inúme-
ras. Isto. retil<I •a possibilidade de
uma nwra já ser no1neada conten-
do no seu bojo .todas as exceções.

Destarte, o estudo de Dworkin e Alexy revela uma distinção qualitativa


entre princípios e regras, também nomeada de estrutural. Tal distin-
ção ganhóu especial atenção na doutrina e vem sendo amplamente
divulgada.

Não se olvida sobre a existência de autores que permeiam o


ideal da distinção quantitativa, a exemplo de Josef Esser, Karl La-
renz e Canaris. A tese quantitativa defende que os princípios são
mais abstratos, gerais do que as regras.
Todo este Estado Principiológico contaminou o Direito Civil,
através da chamada Constitucionalização do Direito Civil'. Não foi
diferente com a seara contratual, desde o apogeu dos contratos -
quando da Revolução Francesa-, até os dias de hoje. Nessa senda,
tem-se no Direito Contratual Princípios Liberais, da época revolu-
cionária, e Princípios Sociais, acrescidos modernamente, em nítido
diálogo e aplicação direta a casos concretos, com carga normativa
e aptidão para solução de problemas. São os princípios:

: Autonomia
1
Princípios liberais i
-+-
ou individuais '
' _,,..~ !
1
1
Força Obrigatória

i. Para aqueles que desejam se dedicar ao tema constitucionalização do direito


civil, indica-se a leitura do tópico específico da parte geral.
40 Direito Civil - Vol. 13 • Luciano Figueiredo e Roberto Figueiredo

Recorda FLÁv10 TARTUcE2, que o aludido Estado Principiológico aca-


bou por promover aproximação entre os diversos braços do di-
reito, em um nítido diálogo das fontes ou das forças. Assim, os
princípios sociais - função social, equivalência material e boa-fé -
passaram a transitar, atentos as nuances de cada ramo do direito.
Nasce uma nova e fecunda teoria geral dos contratos, como bem
pontua o Enunciado i67 do CoNsELHo DA JusnÇA FEDERAL "com o advento
do Código Civil de 2002, houve forte aproximação principio/ógica entre
esse Código e o Código de Defesa do Consumidor, uma vez que ambos
são incorporadores de uma nova teoria geral dos contratos".
Justamente sobre tais Princípios Contratuais que se passará a falar,
em tópicos apartados, propugnando sua releitura consoante os valores
repensonificados e despatrimonilizados do Direito Civil hoje vigente.
De pronto, porém, não se olvida que para além dos princípios
específicos da seara contratual, há outros, ditos constitucionais,
que possuem aplicação direta aos casos concretos e são aptos à
solução de conflitos. Exemplifica-se com a dignidade da pessoa hu-
mana, isonomia e solidarismo. Diante, todavia, do recorte metodo-
lógico proposto, este capítulo dedicar-se-á ao seu centro: Princípios
Contratuais. Data venia, como obra dedicada à seara contratual do
Direito Civil, entendemos ser esta a melhor opção.

2. PRINCÍPIO DA AUTONOMIA. DA AUTONOMIA DA VONTADE À AUTONOMIA


PRIVADA
Como fenômeno voluntarista que o é, não há contrato, a priori,
sem exercício da autonomia (liberdade). PABLO STOl.ZE GAGLIANO E RODOLFO

2. Manual de Direito Civil - Volume Único. 4• edição. São Paulo: Método. 2014, p. 562.
Cap. 2 • Os Princípios Contratuais 41

PAMPLONA FiLHo3 ensinam que contrato sem vontade não é contrato.


Pode ser tudo. Até tirania. Menos contrato.
Logo, o estudo da autonomia - liberdade contratual - é o primei-
ro tópico de destaque para aqueles que desejam se aprofundar na
seara dos contratos, uma das principais espécies de negócio jurídico.
Lembra ÉRICO oE P1NA CABRAL4 que o vocábulo autonomia vem do
grego (auto + nomos) e significa independência, autodeterminação,
o que é regido por leis próprias. No D100NÁR10 HouA1ss5, autonomia
significa "capacidade de se autogovemar; [ ... ] direito de reger-se se-
gundo leis próprias".
HELDísA HELENA BARBDSA6 aponta que este conceito grego, na sua
origem, referia-se "à coletividade, precisamente ao seu poder autár-
quico, consistente na capacidade de a polis grega instituir os meios
de seus poderes legítimos e fazê-los respeitados pelos cidadãos". So-
mente a partir do século XVIII é que o conceito de autonomia se
aplica aos indivíduos.
Autonomia, na lição de CARLos ALBERTO oA MorA P1NT0 7, é a ideia fun-
damental do Direito Civil, devendo ser compreendida: i. quer no
aspecto da liberdade de exercer ou não os poderes ou faculdades
de que se é titular, ii. quer no aspecto mais completo, da possibili-
dade de conformar e compor, conjuntamente ou por ato unilateral,
os interesses próprios.
No domínio dos contratos, a doutrina da autonomia da vontade
surge a partir do século XVI, com o Humanismo e com a Reforma.
Mas é com a Escola Jusnaturalista que toma corpo doutrinal. Nas

3. Direito Civil. Teoria Geral dos Contratos e contratos em Espécie. Vol. Ili. 11
Edição. São Paulo: Método. 2015, p. 72.
4. CABRAL, Érico de Pina. A "Autonomia" no Direito Privado. Revista de Direito
Privado, a. 5, n. 19, jut./set., 2004, p. 84.
5. HOUAISS, Antônio; VILLAR, Mauro de Salles. Dicionário Houaiss da Língua Portuguesa.
Rio de Janeiro: Objetiva, 2001, p. 351.
6. BARBOZA, Heloisa Helena. Reflexões sobre a autonomia negocial. ln: TEPEDINO,
Gustavo; FACHIN, Luiz Edson. (coord.). O direito e o tempo: embates jurídicos e
utopias contemporâneas. Rio de Janeiro: Renovar, 2008, p. 408.
7. PINTO, Carlos Alberto da Mota. Teoria gera/ do Direito Civil. 3. ed. Coimbra:
Coimbra Editora, i999, p. 42.
42 Direito Civil - Vol. 13 • Luciano Figueiredo e Roberto Figueiredo

lições de JottN G1ussEN8 , a Escola Jusnaturalista racional, no século XVII,


constituiu fator importante de laicização do direito, da concepção
racional. Para os jusnaturalistas, o direito regia a sociedade civil
e a vontade era soberana. O livre arbítrio era o princípio base de
todo o direito natural.
Com a evolução dessa noção, no século XVIII, a autonomia da
vontade passa a ser interpretada como fonte e fim de todo o di-
reito. Os ideais da Revolução Francesa balizaram a organização
jurídica no consenso das partes. o consensualismo eleva o contrato
à força de lei, afirma MARIA ANGÉLICA BENm1 ARAúJo 9 •
Nessa época, a vontade chegou ao extremo de ser elevada à
categoria de dogma. A vontade revela-se a expressão da liberdade
humana. Ninguém poderia se obrigar, senão por vontade livre e
espontânea. Os contratos possuíam um caráter justo e intangível
(pacto sunt servanda), devendo ser executados de acordo com o
quanto disposto pelas partes.
Com o Código Civil de Napoleão - primeiro corpo legislativo a
adotar em toda a sua extensão o dogma da autonomia da vontade
-, as partes envolvidas nas relações jurídicas eram consideradas
igualmente capazes, ainda que existisse desigualdade econômico-
-social entre elas. Os contratos e as leis tinham a mesma força,
inexistindo hierarquia entre eles (art. i.134). A força obrigatória
dos contratos servia de pano de fundo para a doutrina da justiça,
sendo intolerável a intervenção estatal. A vontade não era vista
apenas como um elemento psicológico, interno, mas, sobretudo,
possuía uma força real e ativa, que levava ao nascimento e desen-
volvimento das relações jurídicas.
o voluntarismo ganha ainda mais força. Tinha-se uma leitura da
autonomia da vontade de forma ampla, apta a conclamar a liber-
dade de contratar e a liberdade contratual. A liberdade de contra-
tar, entendida como faculdade de realizar, ou não, determinado

8. GIUSSEN, John. Introdução Histórica ao Direito. 3. ed. Tradução de A. M. Hespanha


e L.M. Macaísta Malheiros. Lisbca: Fundação Calouste Gulbenkian, 2001, p.
737-738.
9. ARAÚJO, Maria Angélica Benetti. Autonomia da vontade no direito contratual.
Revista de Direito Privado, n. 27, a. 7, jul./set., 2006, p. 288.
Cap. 2 • Os Princípios Contra tua is 43

contrato com a pessoa que desejasse. Já a liberdade contratual


vista como a possibilidade de estabelecer o conteúdo do contrato;
suas cláusulas e tipo de contrato, tanto típico, como atípico.
Aquela (ltberdade de contratar) ligada ao aspecto da volunta-
riedade em celebrar, ou não, o contrato. Esta (liberdade contratu-
al), afeta à liberdade de regramento do conteúdo contratual. Li-
berdade de contratar e liberdade contratual eram verso e reverso
de uma mesma moeda, significada como liberdade ampla, plena:
autonomia da vontade.
No voluntarismo, dissertam CR1sr1AN0 CHAVES DE FARIAS e NELSON RosrnvAw'º,
o contrato se qualificava como a expressão de submissão à vontade
espontânea em três momentos: (i) Liberdade contratual, na esfera
positiva de livre escolha do parceiro e da estipulação do conteúdo
do contrato e, ainda, em seu sentido negativo, de liberdade de não
contratar (freedom from contract); (ii) Intangibilidade do pactuado
(pacto sunt servanda) e impossibilidade de intervenção estatal e (iii)
Relatividade contratual, vinculando o contrato apenas as partes en-
volvidas, não tocando terceiros estranhos ao ajuste.
Diante do individualismo, pouco importava a finalidade e os
objetivos do contrato. As razões das partes não era o centro. o que
imperava era a vontade.
Todavia, após a Revolução Industrial, com o aprimoramento do
princípio da repetição - produção em série -, e a decorrente mas-
sificação dos contratos - através da desigual figura do pacto por
adesão - a doutrina da vontade livre, que antes libertava, passou
a aprisionar. A classe burguesa, valendo-se de sua condição econo-
micamente mais forte, redigia os contratos de maneira unilateral,
submetendo a contraparte (mais fraca) apenas a sua adesão. Tais
pactos eram recheados de cláusulas abusivas. o contrato, antes
visto como instrumento de libertação, transmuda-se em um meio
de exploração.
O Estado não mais poderia permanecer inerte ao poderio eco-
nômico e social da classe burguesa. Surgem críticas ao princípio da

lo. FARIAS, Crist~zno Chaves. ROSENVALD, Nelson. Contratos. Teoria Geral dos Contratos
e Contratos em Espécie. Vol. IV. Sª edição. São Paulo: Atlas. 2015, p. 117.
44 Direito Civil - Vol. 13 • Luciano Figueiredo e Reberro Figueiredo

autonomia da vontade, alicerce do liberalismo econômico. Em meio


à desigualdade socioeconômica, a liberdade plena da autonomia
da vontade importava em desequilíbrio contratual".
o contragolpe do Estado veio mediante a intervenção, a qual
fora ampliada para coibir os desmandos e controlar a desigual-
dade tática existente nos tratos negociais. Oelineia-se uma nova
ordem. No século XX, portanto, os negócios jurídicos não mais se
pautavam "na causa psíquica representada pela vontade, mas nas
regras extraídas de interesses socialmente relevantes", anota ÉR1co oE
PtNA (ABRAL' 2 • Vivencia-se a crise do voluntarismo' 3•
Com força nos ensinamentos de NORBERTO Bosst0 14, passa o estu-
do do direito da estrutura à função, devendo ser observada a
finalidade do exercício do direito subjetivo, abrindo-se o sistema
jurídico a percepção de outros importantes valores. Contratos
são funcionalizados. Ética, sociabilidade e dignidade passam a ser
considerados.

11. Manifesta-se, nesse sentido, Aline Arquette Leite Novais, ao analisar os contratos:
"na verdade, as transformações sociais sempre influenciaram sobremaneira o
mundo jurídico. Assim, o contrato vem sofrendo mudanças significativas, que
iniciaram, de maneira mais intensa, no período pós-g1Jerra. [ ... ]A partir de então,
a sociedade começou a passar por processos como o aumento da população
mundial, o que deu margem a novas relações jurídicas, massificadas ou coletivas;
acarretando, também, um grande desequílíbrio social. [ ... ] Posteriormente, com
a segunda grande guerra, foram aprofundadas as transformações, levando o
Estado a assumir novas posturas, sempre a caminllo do Estado social, onde
a preocupação, no âmbito do direito dos contratos, passou a ser mais com
o coletivo, com o interesse da sociedade, deixando de lado a concepção do
contrato como instrumento de realização meramente individual". (2001, p. 18).
12. CABRAL, Érico de Pina. A "Autonomia" no Direito Privado. Revista de Direito
Privado, a. 5, n. 19, jul./set., 2004, p. 91.
i3. Na lição de Érica de Pina Cabral (2004, p. 90), "a crise do volun:arismo não
desconstituiu, entretanto, o caráter originário do poder dos particulares de
estabelecerem regras entre si, mas fez entrar em cena uma outra linguagem
jurídica: 'ordem de interesses', 'auto-regulamento', 'autonomia privada' etc.
Esta nova ordem delineou um novo caráter de objetividade para os negócios
jurídicos, agora não mais fundado na causa psíquica representada pela vontade,
mas nas regras extraídas dos interesses socialmente relevantes. A interpretação
dos negócios jurídicos ganhou maior escora na teoria da declaração e a vontade
ficou reduzida ao foro interno das partes. A vontade perdeu o seu status de
valor em si, auto-suficiente a produzir efeitos jurídic::is."
i4. BOBBIO, Norberto. Da/la strutura ala funzione. p. 8.
Cap. 2 • os Princípios Contratuais 45

A autonomia, dantes da vontade, toma nova feição, intitulando-


-se de privada 1s. No plano da moldura legal estabelecida, segundo
PAULO NAuN'6, os sujeitos atuam mediante o exercício de certa autono-
mia privada. A vontade é um suporte tático, o qual deve ser acres-
cido à regulamentação legal, com o escopo de tutela dos direitos.
Mas, afinal, o que seria a autonomia privada?
É uma liberdade assistida. Os particulares, enquanto sujeitos
dos direitos individuais da liberdade, possuem o poder de autorre-
gulação, desde que dentro das fronteiras demarcadas pelo legisla-
dor, em respeito aos princípios sociais e normas de ordem pública.
A esse poder de autorregulação, limitado pelo ordenamento jurídi-
co, dá-se o nome de autonomia privada.
ANTóN10 MENEZES CoRoE1Ro' 7 defende que a autonomia privada tem,
no direito, dupla utilização. Em termos amplos, equivale ao espaço
de liberdade de cada um dentro da ordem jurídica - ou seja, en-
globa tudo que as pessoas podem fazer sob o prisma material ou
jurídico - e, em termos restritos, corresponde ao espaço de liber-
dade jurígena, isto é, "à área reservada na qual as pessoas podem
desenvolver as actividades jurídicas que entenderem".
Para P1Erno PERUNGIER1 18 a autonomia privada não se identifica so-
mente com a iniciativa econômica, nem com a autonomia contratual

15. A distinção aqui realizada, porém, não é uníssona na doutrina. Discordado dos
autores que serão citados no corpo deste trabalho, cita-se a importante dou-
trina de Marcos Bernardes de Mello (2007, p. 168), quem trata as expressões
"autonomia da vontade" e "autonomia privada" indistintamente. Isso porque,
na visão do autor, em ambas predomina um voluntarismo semelhante. O fato é
que há o predomínio de qualquer das expressões para designar o poder de ma-
nifestar a vontade no sentido de "autorregulamentação" ou autodisciplina dos
imeresses próprios. Também discorda da necessidade de distinção Pontes de
Miranda (1983, p. 55-56), utilizando a expressão "autorregramento" da vontade
como gênero apto a ser aplicado a todo o direito.
16. NALIN, Paulo. A autonomia privada na legalidade constitucional. ln: _ _ .
(coord.). Contrato e Sociedade: a autonomia privada na legalidade constitucional.
Curitiba: Juruá, 2006, v. 2, p. 29.
17. CORDEIRO, António Menezes. Tratado de Direito Civil Português. Parte Geral. 3ª ed.
Coimbra: Livraria Almedina, 2007, t. 1, p. 391.
18. PERLINGll'RI, Pietro. Perfis de Direito Civil. Tradução de Maria Cristina de Cicco. 2•
ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2002, p. 277.
46 Direito Civil - Vol. 13 • tuciano Figueiredo e Roberto Figueiredo

em sentido estrito. Ela não é um valor em si mesmo. O poder de au-


tonomia, nas suas variadas manifestações, "é submetido aos juízos
de licitude e de valor, através do quais se determina a compatibilida-
de entre o ato e atividade de um lado, e o ordenamento globalmente
considerado, do outro".
Nessa ótica, como bem proposto por FERNANDO NoR0NttA19, autono-
mia da vontade não se confunde com autonomia privada. Arremata
o Autor "A expressão 'autonomia da vontade' tem uma conotação
subjetiva, psicológica, enquanto a autonomia privada marca o poder
da vontade no direito de um modo objetivo, concreto e real".
Autonomia da vontade remete a uma vontade interna, subjeti-
va, a qual é marcante nos Séculos XIX e XX. Já a autonomia privada
conecta-se com a exteriorização, dialogando com a teoria da de-
claração, objetiva, com nítido amparo em função social e boa-fé,
marcante na transição dos Séculos XX para o XXI. Autonomia da
vontade é um retrato do estado liberal; enquanto a autonomia
privada é um retrato do estado social.
Logo, enquanto a autonomia da vontade não se submetia a ne-
nhum limite, a não ser o subjetivismo humano; a privada é emol-
durada, havendo de curvar-se às questões de ordem pública do
ordenamento jurídico nacional. Vaticinam CR1sr1AN0 CttAVEs DE FARIAS e
NELSON RosENVAL0 2 º que a definição de autonomia privada não é um
dado abstrato, mas uma construção correlata a um dado ordena-
mento jurídico.
As leis, antes completamente abstencionistas, passaram a in-
tervir nas relações privadas, com o fito de promover a igualdade
substancial no fiel da balança. A tutela d.e hipossuficiente se impôs,
com sistemas como o Código de Defesa do Consumidor, Estatuto
do Torcedor, Consolidação das Leis do Trabalho ... O contrato passa
a ser privado e social, de maneira concomitante, sendo que as
normas cogentes não mais são vistas como mera limitação à auto-
nomia, mas sim como conteúdo dos contratos.

i9. NORONHA, Fernando. O direito dos contratos e seus princípios fundamentais:


autonomia privada, boa-fé, justiça contratual. São Paulo: Saraiva, 1994, p. 113.
20. FARIAS, Cristiano Chaves. ROSENVALD, Nelson. Contratos. Teoria Geral dos Contratos
e Contratos em Espécie. Vol. IV. 5• edição. São Paulo: Atlas. 2015, p. 124.
Cap. 2 • Os Princípios Contratuais 47

Essa noção, registra-se, decorre da própria legalidade constitu-


cional. Com efeito, como direito e garantia fundamental que o é,
o direito à autorregulamentação encontra assento na Constituição
Federal, submetendo-se, assim como os princípios em geral, à pon-
deração de interesses, encontrando especiais limites na lei e na
ordem pública; pondera DANIEL SARMENT0 21 •
Nessa senda, apenas há de se falar em redução do campo de
liberdade particular, quando houver relevante interesse público
justificador da intervenção estatal, como promoção da função so-
cial, ética, boa-fé, dignidade, moral ou ordem pública. A suprema-
cia do interesse público é prerrogativa de atuação estatal, cogente
e interventiva, ensina MARIA ANc~ucA BENm1 ARAú10 22 • Conclui-se que será
o interesse público que vai legitimar tais limitações à liberdade.
Mas o que seria o interesse público?
Para CELSo ANrôN10 BANDEIRA DE Mmo23, "interesse público é uma faceta
dos interesses individuais, sua faceta coletiva, e, pois, que é, também,
indiscutivelmente, um interesse dos vários membros do corpo social".
Nesse sentido, o princípio garantidor da segurança jurídica seria
um poder concedido ao Estado por toda a sociedade - socieda-
de essa que estaria renegando seu direito de autonomia -, como
forma de possibilitar que a segurança jurídica fosse resguardada
através da atuação estatal.
Observar-se que a legitimação da atuação estatal dar-se-á
segundo o interesse público primário, promovendo os seus fins

2i. SARMENTO, Daniel. Os princípios constitucionais da liberdade e da autonomia


privada. ln: PEIXINHO, Manoel Messias et. ai. (coord.). os princípios da constituição
de 1988. 2• ed. Rio de Janeiro: Lúmen Júris, 2006, p. 77.
22. ARAÜJO, Maria Angélica Benetti. Autonomia da vontade no direito contratual.
~evtsta de Direito Privado, n. 27, a. 7, jul./set., 2006, p. 285.
23. MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Curso de Direito Administrativo. São Paulo:
Malneiros, 2009. p. 61.
Por cportuno, registra-se que não é a missão desse artigo aprofundar o conceito
de irteresse público, tão pouco verificar se ele consiste na soma de interesses
individuais, ou traduz interesse diverso. Com efeito, o aprofundamento do
terra há de ser feito na análise de obras dedicadas ao direito administrativo.
O que se busca aqui é, tão somente, fincar a premissa que intervenção estatal
na autonomia privada há de ser justificada na busca de um interesse público
supremo, primário, sobre pena de se estar diante de uma intervenção indevida.
48 Direito Civil - Vol. 23 • Luciano Figueiredo e Roberto Figueiredo

precípuos de justiça, segurança e bem-estar. Caso não haja tal inte-


resse, estar-se-á diante de intervenção indevida e ilegal, devendo
ser prontamente rechaçada.
Mas e o Código Civil, é partidário de uma autonomia da vontade
ou privada?
Voltando-se os olhos ao Código Civil vigente, percebe-se a ado-
ção do ideal de autonomia privada. Isto, porque, em diversas pas-
sagens há notícias sobre a relativização da autonomia por questões
de ordem pública.
A mais nítida passagem sobre o assunto encontra-se no art. 421,
o qual firma que "a liberdade de contratar será exercida em razão e
nos limites da função social do contrato". A redação legal, malgrado
curta, é elucidativa, no momento em que possibilita o exercício da
autonomia, mas nos limites da função social.

.• ~· AteriçiÍh!
Parte da. doutrina, a ex~rllplo ·de ;M~RIA HmNÂ D1íi1z.~,.~i:itka a redação do
art. 421 do Código Ci.vil/pois se referé ão termo ·':'.liberdade de contra-
tar". De fato, a liberdade de contratar- celebrar contratos -
é inerente
a todos aqueles que possuem capaeidàde negocial. .Melhor seria o
artigo falar em "liberdade contratual", referindo-se especificamente às
cláusulas do contrato. Além disso, a expressão "em razão" deveria ser
suprimida, ao passo que a liberdade está limitada pela função sotial,
mas não é a sua razão de ser.
Sufragando o dito, há, inclusive, Projeto de Lei (PL n. 276/2007), su-
gerindo as modificações postas'. Tal proposta foi encaminhada pelos
festejados Antônio Junqueira de Azevedo e Álvaro Villaça de Azevedo.

Malgrado a limitação da autonomia, não há sua extinção. Eluci-


dativa a redação do Enunciado 23 do CONSELHO DA JUSTIÇA FEDERAL; "A fun-
ção social do contrato, prevista no art. 421 do novo Código Civil, não
elimina o princípio da autonomia contratual, mas atenua ou reduz o
alcance desse princípio, quando presentes interesses metaindividuais
ou interesse individual relativo à dignidade da pessoa humana".

24. DINIZ, Maria Helena. Curso de Direito Civil Brasileiro. Teoria das Obrigações Con-
tratuais e Extracontratuais. 27 Edição. São Paulo: Saraiva. 2011, p. 42.
Cap. 2 • Os Princípios Contratuais 49

A autonomia persiste, desde que exercida em correspondência a


uma função socialmente útil considerada pelo ordenamento jurídico.

~ E na hora da prova?
Ano: 2015. Banca: CESGRANRIO órgão: Petrobras Prova.: Adv()g~do Júnior
Sr. X e. ~ra. K pretendem encetar uma relação contrat~al e,
para akan-
çar o seu objetivo, procuram um advogad~. o a(ivggado lhes apresenta
várias possibilidades e alerta que o Código Civll•Biasileiro; c<>mo Umi-:
tador da liberdade de contratar, estabelece, dentre outras; a necessi-
dade de se observar a· · · · · ·
a) igualdade absoluta
b) ambiguidade clausular
e) conexão externa
d) renúncia antecipada
e) função social
Gabarito: e

Em outra passagem, prestigiando a autonomia, vaticina o Códi-


go Civil a liberdade dotada às partes de realizar contratos atípicos,
desde que respeitada a teoria geral dos contratos (CC, art. 425). É
a percepção de que há, mesmo dentro da moldura da autonomia
privada, espaço de exercício da liberdade.

~ E na hora da prova?
Em concurso público realizado em 2014, para o provimento do cargo
de Agente Administrativo da AGU, a banca IDECAN considerou incorreta
a seguinte alternativa: "É ilícito às partes estipular contratos atípicos,
ainda que observadas as normas gerais fixadas no Código Civil pátrio".
Seguindo na linha da autonomia, o Enunciado 582 do CoNSELHo oA Jusr1ÇA
FEDERAL firma que "com suporte na liberdade contratual e, portanto, em
concretizaçao da autonomia privada, as partes podem pactuar garantias
contratuais atípicas". Trata-se de mais urna expressão da liberdade nas
relações negociais, atingindo, especificamente, as garantias contratuais.
Ainda na linha da liberdade, tem-se como viável às partes elegerem
foro contratual por ato de vontade - é o chamado foro de eleição ou
domicílio especial do contrato (CC, art. 78, art. 63 do NCPC e Súmula
335 do STF).
50 Direito Civil - Vol. 13 • LUciano Figueiredo e Roberto Figueiredo

~ Atençã,o!
Seria possível a fixação de foro de eleição em qualquer tipo de
contrato?
A. résposta ·é negativa.
Perceb~~~é que nas relações paritárias, como fruto da autonomia, tec-
nicamente possível~ como expressão da liberdade, a fixação de foro de
eleiÇão: Erii cóntratos, porém, nos quais não há igualdade, a exemplo
do de consumo e trabalhista, a conduta sofre restrições.
Na seara de consumo~ majoritariamente, infere-se a abusividade e
consequente invalidade da cláusula de fixação de foro. Os argumentos
para tanto são:
• o art. 51, IV, do coe afirma ser ilegal a cláusula contratual que esta-
belece o foro de eleição em benefício do fornecedor do produto ou
serviço, em prejuízo do consumidor.
• O art. 101 do coe veicula foro privilegiado ao consumidor, quando
afirma que ele pode propor a ação no local em que for domiciUado.
Trata-se de norma de ordem pública, sendo inviável o seu afasta-
mento por mero ato de vontade das partes.
• O art. 424 do cc aduz ser nula a renúncia antecipada a direito em
contrato de adesão, sendo inconcebível, portanto,. que consumidor
renuncie ao foro privilegiado e um contrato de consumo, o qual soe
ser por adesão.
Por tudo isso, mesmo que seja dada prévia ciência da cláusula ao
consumidor, o sistema protetivo nacional, em busca de igualdade ma-
terial e justiça contratual, proíbe que o fornecedor se beneficie de
tal prerrogativa, especialmente em se consich~rando que nos contra-
tos de adesão a liberdade negdcialdo consumidor é extremamente
restrita •.
Diga-se que o raciocínio. explicitado no parágrafo anterior é aquele
que melhor condiz com o princípio da e9ulva:ISncia material oú justiça
contratual, o qual impõe ao cdntràto trocas úteis e justas (Enunciado
22 do CJF). Ademais, liga-se ao ideal çta eficácia interna do princípio da
função social dos contratos, como afirma o Enunciado 360 do CJF.

~ Como esse assunto foi cobrado em concurso?


Na prova para Procurador do Estado - AC/FMP/2012 foi considerada in-
correta a seguinte afirmativa: O foro de eleição, previsto em contrato
escrito, é válido entre as partes, e pode, conforme o caso, afastar a
aplicabilidade de normas de ordem pública.
Cap. 2 • Os Princípios Contratuais 51

Esse racioc1nio é igualmente aplicável à seara trabalhista, es-


pecificamente nas relações de emprego subordinadas, impossibili-
tando-se, nos dizeres de AMAURI MASCARO NASCIMENTO, a eleição de foro
nessa modalidade contratual. Caso realizada, a hipótese é de frau-
de e de sua desconsideração 25 •
Ainda nas expressões da autonomia, infere-se que o Novo Có-
digo de Processo Civil, em seu art. 190, autoriza a celebração do
denominado negócio jurídico processual, admitindo o autorregra-
mento do processo pelas partes. Trata-se de interessante abertu-
ra de autorregramento de vontade em sede processual.
Nessa toada, contratos poderão ir além das questões mera-
mente materiais, ingressando em temas procedimentais. Exem-
plifica-se com os pactos antenupciais, os quais servem, a priori,
para eleição do regime de bens (CC, art. 1639). Com os negócios
jurídicos processuais servirão, ainda, para o estabelecimento de
regras sobre eventual processo de dissolução matrimonial, veicu-
lando, por exemplo, a possibilidade jurídica do divórcio liminar,
prazos processuais diferenciados, calendarização do processo,
impossibilidade de uso de certos recursos ... O mesmo valerá, mu-
tatis mutandis, para o contrato de convivência na união estável.
Posto isto, infere-se que diuturnamente a autonomia permane-
ce, como um dos princípios contratuais e seu fato gerador. Entre-
mentes, tal autonomia não mais é ilimitada como outrora. Não mais
deve ser batizada como autonomia da vontade. Tem balizamentos,
transmudando-se do conceito de autonomia da vontade para pri-
vada, em uma mo!dura resignificada e revalorada.

~ E o que significa a expressão autorregramento da vontade?


Esta expressão foi cunhada por flóNTES oE MtRANDA, sendo P(lra este culto
jurista signo mais preciso do que autonomia da vontade e privada.
Citam-se os dizeres de PAuto Lõao sobre o assunto:
uA expressão mais difundida e antiga é autonomia da vontade, especialmente
nos sistemas que sofreram influência do direito francês, que expressa a impor·
tância atribuída à vontade individual, na sua dimensão psicológica. A opção

2 5. MASCARO NASCIME"ITO, Amauri. Curso de Direito Processual do Trabalho. 17• ed.


São Paulo: Saraiva, i997, p. 214.
52 Direito Civil - Vol. 13 • Luciano Figueiredo e Roberto Figueiredo

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Este aútorregrajjJel'lto ~à vol1tàae foi· cóncébidó por ~õms DE MIRANoA corno
alternativa. ao pi:iíú:í~io. trcidlçl(lnal (ia aQtó11omià'1da'i:yontade1·como o es-
paço• que o •direttó~~esi:ii:ia às.pe5soé!-S',•d~otrg:d(ls·t;mit~~ J?:reflxados, .para
tornar. juridicos atos human(ls e, pois; conf!gurar réJàl;~es iurfdicas e obter
eflcáda jurídica.· .. < ••. e;;.·:·• ..' .•. ;. ; ••. ·, ..· ..•.•.. '•'· •l,l~:c: . '... ·.· '•'. . .,

Para finalizar o tópico dedicado à liberdade de contratar, uma


pergunta se impõe: será que, nos dias de hoje, efetivamente, ainda
há autonomia?
Cotidianamente verificamos contratos nos quais a desigualdade
econômica faculta ao polo mais forte da relação (hipersuficiente)
ditar, unilateralmente, as regras, impondo ao mais fraco (hipos-
suficiente) cláusulas pré-moldadas, em um contrato standart, de
adesão. Vivenciamos a era dos contratos modelos, sendo reduzida
a autonomia, muitas vezes, a um sim ou não (tak.e it ou leave it).
Soma-se a isto a verificação de que atualmente há importantes
restrições legais à liberdade atinente aos contratos, como já pon-
tuado neste tópico.
Por tudo isto, o tripé de liberdade contratual vem sendo, pro-
gressivamente, reduzido, pois:
a) Liberdade de contratar - Hodiernamente não mais há plena
liberdade de estar, ou não, em alguns contratos. Há contratos
cuja celebração à automática. Exemplifica-se com transporte,
compra de alimentos, serviços públicos essenciais (luz, água,
telefonia), seguro obrigatório de veículos (DPVAT) ...
b) Liberdade de escolha do contratado - Nem sempre é viável
a escolha do contratado, como nos contratos essenciais nos
Cap. 2 • Os Princípios Contratuais 53

quais há monopólio da atividade. Exemplos usuais, no territó·


rio nacional, são os contatos de fornecimento de luz e água.
c) Liberdade de escolha das cláusulas (conteúdo) do contrato -
Nos dias de hoje há cláusulas que são impostas, automáticas
nos contratos, pois cogentes. Exemplifica-se com respeito à
boa-fé, função social, vícios redibitórios nos contratos one-
rosos ... Há, ainda, searas em que os tipos de contratos são
impostos, como os contratos de licença, concessão ou cessão,
no campo da Lei de Direitos Autorais, bem como os contratos
de parceria e arrendamento, no campo do Direito Agrário.
A liberdade é cada vez mais diminuta.
Diante deste cenário surgem os chamados contratos coativos
ou necessários, entendidos como pactos que trazem consigo o má-
ximo de dirigismo contratual. Há uma verdadeira imposição de ce-
lebração do contrato, adverte S1Lv10 oo SALVO VENOSA26 •
Os clássicos exemplos remetem às concessionárias de serviços
públicos e serviços essenciais, os quais são explorados com mono-
pólio, a exemplo de luz e água. Nestes a concessionária não pode
negar-se a ser contratada pelo usuário que cumpra com os requisi-
tos mínimos para tanto, pois está a ofertar o serviço no mercado.
Enquanto que o usuário não tem como não contratar - à exceção
da escolha de viver sem fornecimento estatal de luz e água, a qual
não há como ser considerada, na média.
Por conta do contrato necessano, a figura será de um pacto
de adesão, com cláusulas predispostas, em um fenômeno de um
contrato imposto.
Profícua a discussão na doutrina se a figura em apreço seria
contratual. Para o já citado S1Lv10 Do SALvo VENosA 27 , não seria, pois se
tem apenas a aparência de um contrato. Já para PABLO STOLZE GAGUANo E
RoooLFo PAMPLONA F1rno 28 , a figura é contratual, pois há manifestação de
vontade, ainda que diminuta, quando da adesão ao pacto.

26. VENOSA, Silvio do Salvo. Direito Civil. Teoria Geral das Obrigações e Teoria Geral
dos Contratos. 10 Edição. São Paulo: Atlas. 2010, p. 397.
27. VENOSA, Silvio do Salvo. Direito Civil. Teoria Geral das Obrigações e Teoria Geral
dos Contratos. 10 Edição. São Paulo: Atlas. 2010, p. 497.
28. Direito Civil. Teoria Genl dos Contratos e Contratos em Espécie. Vol. Ili. 11
Edição. São Paulo: Método. 2015, p. 72.
54 Direito Civil - Vol. 13 • Luciano Figueiredo e Roberto Figueiredo

As Casas Judiciais Nacionais percebem o fenômeno como con-


trato, sendo guiado como relação de consumo - aplicação do art.
22 do coe 29 - e normatização protetiva. Cita-se julgado do SUPERIOR
TRIBUNAL DE JUSTIÇA sobre o tema:
PROCESSUAL CIVIL E ADMINISTRATIVO. MAJORAÇÃO DAS TARIFAS DE
ENERGIA ELÉTRICA. VIOLAÇÃO DO ART. 333, 1, DO CPC. AUSÊNCIA
DE PREQUESTIONAMENTO. SÚMULA 282/STF. INVERSÃO DO ÔNUS
DA PROVA. RELAÇÃO DE CONSUMO. REEXAME DE MATÉRIA FÁTICA.
IMPOSSIBILIDADE. INCIDÊNCIA DA SÚMULA 7/STJ. 1. A alegação da
agravante sobre ofensa ao art. 333, 1, do CPC não foi aprecia-
da pelo acórdão recorrido; tampouco se opuseram Embargos
de Declaração para suprir a alegada omissão. Dessa forma,
não se observou o requisito do prequestionamento quanto
ao ponto. Incidência, por analogia, da Súmula 282/STF. 2. Hi-
pótese em que o Tribunal de origem consignou, com base
no contexto fático-probatório dos autos, a hipossuficiência
do consumidor na relação de consumo formada com a ora
agravante, inclusive no que toca à obtenção de informações
técnicas relativas à metodologia para o cálculo da tarifa co-
brada (fl. 154, e-STJ). A revisão desse entendimento implica
reexame de fatos e provas, obstado pelo teor da Súmula 7/
STJ. 3. Agravo Regimental não provido.
(STJ - AgRg no AREsp: 463478 RS 2014/0014845-3, Relator: Mi-
nistro HERMAN BENJAMIN, Data de Julgamento: 01/04/2014, T2
- SEGUNDA TURMA, Data de Publicação: OJe 15/04/2014)
Uma vez vencido o princípio da autonomia, é hora de avançar ao
segundo princípio: Relativismo ou Relatividade dos Efeitos do Contrato.

3. PRINCÍPIO DO RELATIVISMO OU DA RELATIVIDADE DOS EFEITOS DO CONTRATO.

o princípio do relativismo, ou da relatividade dos efeitos, pro-


pugna que os contratos apenas produzem efeitos entre as partes,

29. Art. 22. Os órgãos públicos, por si ou suas empresas, concessionárias,


permissionárias ou sob qualquer outra forma de empreendimento, são
obrigados a fornecer serviços adequados, eficientes, seguros e, quanto aos
essenciais, contínuos.
Parágrafo único. Nos casos de descumprimento, total ou parcial, das obrigações
referidas neste artigo, serão as pessoas jurídicas compelidas a cumpri-las e a
reparar os danos causa cios, na forma prevista neste código.
Cap. 2 • Os Princípios Contratuais 55

não se talando em oponibilidade em face de terceiros. Assim, o


contrato firmado entre Matheus e David não poderá, em linha de
princípio, atingir a Thiago. O contrato é res inter alios acta, allis ne-
que nocet neque potest.

Adverte CARLOS ROBERTO GoNÇALVEs3º que o relativismo remete ao mo-


delo contratual clássico, geneticamente concebido para satisfação
de desejos exclusivamente individuais, mediante acordo de vonta-
des. Aduz PAuLO Lfü30 31 que fincado no ordenamento jurídico francês,
a noção de relativismo se relaciona ao ideário da autodetermina-
ção individual.

O ordenamento jurídico nacional, imbuído de influência france-


sa, dedicou artigo expresso no Código Civil anterior ao princípio
do relativismo (CC/16, art. 928). O atual, porém, não o fez. Isto não
quer dizer que o relativismo não mais seja princípio contratual. Ao
revés, ele persiste na principiologia contratual, mas sem contornos
absolutos.

~ E na hora da prova?
Ano: 2015 Banca: FCC Órgão: TCEcCE Prova: Analista de Controle Externo-
·Atividade Jurídica
Os contratos
a) consensuais dependem da entrega da coisa para sua formação.
b) aleatórios são vedados pelo ordenamento jurídico.
e) são, em regra, formais, dependendo da forma escrita para produ-
zirem efeitos.
d) são regidos, em regra, pelo princípio da relatividade.
e) produzem, em regra, efeitos erga omnes.
Gabarito: d

A própria noção de que os pactos devem ocasionar ganhos para


a sociedade (função social), carrega consigo uma bandeira de mi-
tigação ao relativismo cego de outrora. Terceiros hão de respeitar

30. GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito Civil Brasileiro. Contratos e Atos Unilaterais.
Vol. Ili. 7" edição. São Paulo: Saraiva. 2010, p. 47.
31. LÔBO, Paulo. Direito Civil. Contratos. São Paulo: Saraiva. 2011, p. 64.
56 Direito Civil - Vol. 13 • Luciano figueiredo e Roberto Figueired!l

contratos, como também haverão de ter seus interesses preserva-


dos, não sendo prejudicados por pactos alheios.
Seguindo tais premissas, verbera o Enunciado 21 do CoNsELro DA
JusnçA FEDERAL que "a função social do contrato, prevista no art. 421 do
novo Código Civil, constitui cláusula geral a impor a revisão do prin-
cípio da relatividade dos efeitos do contrato em relação a terce[ros,
implicando a tutela externa do crédito".
No mesmo diapasão da doutrina posta, é possível verificarmos
alguns interessantes posicionamentos jurisprudenciais sobre o as-
sunto, sumulados pelo próprio SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA:
a) Súmula 529: "no seguro de responsabilidade civil facultarivo,
não cabe o ajuizamento de ação pelo terceiro prejudicado
direta e exclusivamente em face da seguradora do apontado
causador do dano".
Segue a súmula entendimento doutrinário posto no Enunciado
544 do CONSELHO DA JUSTIÇA FEDERAL, para o qual "o seguro de responsabi-
lidade civil facultativo garante dois interesses, o do segurado contra
os efeitos patrimoniais da imputação de responsabilidade e o da ví-
tima à indenização, ambos destinatários da garantia, com pretensão
própria e independente contra a seguradora". Entrementes, condi-
cionou o TRIBUNAL DA CIDADANIA a necessidade da demanda do terceiro
ofendido ser capitaneada em face da seguradora e do segurado,
ao passo que para a responsabilidade daquela (seguradora), há de
ser analisada a conduta deste (segurado).
Exemplifica-se, para clarificar o dito. Se João colidir com o carro de
Caio, causando danos a este, e negar-se a acionar o seguro, Caio po-
derá ajuizar ação diretamente em face da seguradora de João, desde
que inclua João no polo passivo da lide. Afinal, como terceiro ofendido,
Caio há de ser indenizado. Todavia, para que haja responsabilidade
civil da seguradora, a conduta de João há de ser comprovada.
Clarividente a mitigação ao relativismo e benefício de Caio (ter-
ceiro lesado) pelo contrato entabulado entre João e a seguradora.
b) Súmula 308: "a hipoteca firmada entre a construtora e o
agente financeiro, anterior ou posterior à celebração da
promessa de compra e venda, não tem eficácia perante
os adquirentes do imóvel".
Cap. 2 • Os Princípios Contratuais 57

Percebe-se aqui que o adquirente do imóvel não pode ser pre-


judicado pelo contrato de financiamento entabulado entre a cons-
trutora e o agente financeiro. Com efeito, o adquirente é terceiro
e, como tal, não pode ser prejudicado contrato que não fez parte,
merecendo tutela externa do crédito. Mitiga-se o direito real (hipo-
teca) em face da tutela externa do crédito.

~·E na hora da prova?


Em concurso público realizado em 2013, para o provimento. do cargo
de Juiz do TJ-SC, a banca examinadora do referido órgão julgou correta
a seguinte alternativa: "A hipoteca firmada entre. a construtora e o
agente financeiro, anterior ou posterior à celebração da promessa de
compra e venda, não tem eficácia perante os adquirentes do imóvel".

A própria noção de transmissão dos contratos impessoais que-


bra, em certa medida, o relativismo. Interessante exemplo verifica-
-se na seara das locações. Tanto a Lei do Inquilinato - Lei 8.245/91,
art. u -, como o Código Civil - art. 577 - firmam que a morte do
locador, ou do locatário, não gerará, automaticamente, a extinção
do contrato. Este seguirá com os seus respectivos sucessores. Ade-
mais, a alienação da coisa não gerará a extinção do contrato, ha-
vendo o adquirente de respeitá-lo, caso haja termo certo e cláusu-
la de vigência - Lei 8.245/91, art. 8 e Código Civil, art. 576.
Persistindo na análise da parte geral do Código Civil, percebe-se que
há regramento expresso sobre institutos que, claramente, significam mi-
tigações ao relativismo. São eles a Estipulação em Favor de Terceiros; a
Promessa de Fato de Terceiro e o Contrato com Pessoa a Declarar.

., E na hora da prova?
Em concurso público realizado em 2014, para o provimento do cargo de
promotor de justiça substituto do MPE-GO, a banca examinadora do referido
órgão considerou correta a seguinte alternativa: "A estipulação em favor de
terceiros é uma exceção ao princípio da relatividade dos contratos".

3.1. Estipulação em Favor de Terceiros ou Contrato em Favor de


Terceiro
Na estipulação em favor de terceiros, o contratante (estipulan-
te) convenciona com o contratado (promitente), que este deverá
58 Direito Civil - Vol. 13 • Luciano Figueiredo e Roberto Figueiredo

realizar determinada prestação em benefício de outrem (estipula-


do), terceiro estranho a relação jurídica obrigacional. Tem-se um
verdadeiro contrato em favor de um terceiro.
Diante da força do relativismo, originariamente, tanto em Roma,
como na França, a estipulação em favor de terceiros não gozava de
grande prestígio. Foi com a evolução do direito romano e, poste-
riormente, francês, que notícias passaram a habitar sobre o institu-
to. No Brasil, o Código Civil de 1916 já o contemplava, fato que fora
reproduzido no vigente, dentre os arts. 436 usque 438.
Em termos didáticos, na estipulação em favor de terceiro há
três sujeitos reunidos:
Estipulante: é o contratante, sendo aquele que estabelece a
contratação;
Promitente ou Devedor: é o contratado, consistindo naquele
que se compromete a realizar a obrigação;
Estipulado, Terceiro ou Beneficiário: um estranho ao contra-
to base, destinatário final da obrigação pactuada.
O estipulante contrata com o promitente uma determinada van-
tagem ao beneficiário. Os contratantes celebram um contrato em
nome próprio, visando benefício a um terceiro, estranho ao negó-
cio.Tem-se uma exceção ao relativismo, pois terceiro, estranho ao
contrato, será tocado pelo pacto.
Obviamente, lembra CARLOS Rosrnro GoNÇALVEs32, que o beneficiário
haverá de concordar com a benesse, quando do recebimento. A
ninguém é dado ser obrigado por mero ato de vontade de ter-
ceiro. Tal benefício há de ser gratuito, não sendo crível falar-se
em estipulação em favor cte terceiro onerosa. Ensina ORLANDO GoMEsn
que eventual onerosidade dessa atribuição patrimonial invalidará
a estipulação. Na mesma linha coloca-se a doutrina de PAuLo Lõso 34.

32. GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito Civil Brasileiro. Contratos e Atos Unilaterais.
Vol. Ili. 7• edição. São Paulo: Saraiva. 2010, p. 117.
33. Contratos. Op. Cit. p. 166-167.
34. LÔBO, Paulo. Direito Civil. Contratos. São Paulo: Saraiva. 2011, p. 144.
Cap. 2 • Os Princípios Contratuais 59

~A~e:~~p!;···:;, ..:.:1·;,.1:: ..< .. :. ::1, . . . • :·.::.::> ;,., ,> .,


Calo M.árJo..<:Ja.~!lv~ P.~reJ@~·~ ,mi.ngfit(lriCl..IT!e(lte~ . r:êaU# ..dlstil'!~~Q.; e!J.tr:~
a estipí.d<\Ção em fav~r de' terceifôs gratülfa ê. onerosa~ be ácor(1'o C:t>ní .
o Autor, na gratuita a alterãção dô beneficiário poderá ser feita.a qual-
quer. tempo, Já nci. O?e~osa, arremata, .a liberaUda(je dó estipulante
encontri\ c.;b~táçul~tho lrtte.r:e.sse .do .b~neficiãri~; Logo, emµma·estipu-
lação feltaparacompensarti,m débito do.estipulante, que desse.modo
obtém qµit~ção ~obçnefjciã,rio, rés]ará não equânime a possibiÍidcicle
de liberàçãó úhilà~eral. · ·
ca!Tlinhà.rtdo erl1 lh~h~slmilar,MARtAHeleNAÔ!Ntz36 ensina que o terceiro be-
neficiário poderá ter uma vantagem gratuitaí ou não. O que se deman-
da é que a estipulação não seja contra, mas sim a favor do terceiro;
seja ela gratuita ou onerosa.

Majoritariamente, recorda CARLos Rosrnro GoNÇALves37, entende a


doutrina a estipulação em favor de terceiro como um contrato, cuja
existência e validade dependem apenas das partes originárias. So-
mente a eficácia restará adstrita à aceitação do terceiro. Trata-se
de pensamento que teve como um de seus grandes defensores,
no Brasil,. CLóv1s BEv1LÁQUA. O terceiro não necessita ter vontade, co-
nhecimento ou capacidade negocial, para a perfeição do contrato
originário.
A forma do contrato é livre, sendo uma figura consensual. Nada
impede que o terceiro seja determinável, como a prole eventual,
contemplada em testamento e que será concebida após o faleci-
mento do de cujus (CC, art. i.799 e i.800).
o exemplo clássico que soe ser ventilado nos manuais, sobre
a estipulação em favor de terceiro, é o contrato de seguro de
vida. Neste tem-se o segurado (estipulante), a seguradora (pro-
mitente) e o beneficiário (terceiro). Assim, uma vez implementado
o risco (sinistro), a seguradora pagará ao beneficiário o montante

35. Direitc CiviL Teoria Geral dos Contratos e Contratos em Espécie. Vol. Ili. Op. Cit.
p. 97.
36. DINIZ, Maria Helena. Curso de Direito Civil Brasileiro. Teoria das Obrigações Con-
tratuais e E~tracontratuais. 27 Edição. São Paulo: Saraiva. 2011, p. 129.
37. GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito Civil Brasileiro. Contratos e Atos Unilaterais.
Vol. llL 7• edição. São Paulo: Saraiva. 2010, p. 120.
60 Direito Civil - Vol. 23 • Luciano Figueiredo e Roberto Figueiredo

indenizatório. Se Caio realiza seguro de vida com a empresa vai


com Deus, e elege Joana como sua beneficiária, na hipótese de
sinistro (morte de Caio), a empresa Vai com Deus haverá de inde-
nizar Joana.

Trazendo exemplo diverso, obtempera ÁLVARo Viu.AÇA AzEVrno3ª que


igualmente há estipulação em favor de terceiro quando um pai
(estipulante) determina que uma empresa (promitente) pague os
dividendos correspondentes a suas ações a seu filho (beneficiário),
à época que forem devidos.
Ainda nos exemplos, CARLos RoaERTO GoNÇALVEs 39 recorda-se das Con-
venções Coletivas de Trabalho, as quais são feitas entre sindicatos
e beneficiam toda uma classe; dos acordos de divórcio, nos quais
é usual a disciplina de transferência de bens à prole, com cláusula
de usufruto vitalício aos genitores; das doações onerosas com en-
cargos em favor de terceiro, quando o donatário obriga-se com 0
doador a executar encargo a benefício de pessoa determinada ou
determinável e das constituições de renda, pela qual o promitente
recebe do estipulante um capital e obriga-se a pagar a terceiro
renda por tempo certo ou pela vida toda.
Tem-se, ainda, estipulação em favor de terceiro no depósito no
interesse de terceiro (CC, art. 632), quando o depositário haverá de
entrega o bem a um terceiro designado pelo deposi:ante. Ainda ilus-
trando o tema, recorda PAuLo Lôao4 º da casuística de um pai, que faz a
assinatura de uma revista em nome de seu filho. Segue MARIA HELENA D1-
N1z•1 com o exemplo do contrato de transporte, celebrado entre contra-
tante e transportadora, para que o bem seja entregue a um terceiro.
Uma vez diante de uma estipulação em face de terceiros, três
efeitos principais hão de ser observados:
a) A obrigação poderá ser exigida tanto pelo estipulante, como pelo
beneficiário. Uma vez anuindo o beneficiário, expressamente,

38. Teoria Geral dos Contratos Típicos e Atípicos. São Paulo: Atlas, 2002 , p. 105 .
39. GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito Civil Brasileiro. Contratos e Atos unilaterais.
V?I. llL 7ª edição. São Paulo: Saraiva. 2010, p. 47.
40. LOBO, Paul~. Direito Civil. Contratos. São Paulo: Saraiva. 2011, p. 143 .
4L DINIZ, Ma:1a Helena. Curso de Direito Civil Brasileiro. Teoria das Obrigações
Contratuais e Extracontratuais. 27 Edição. São Paulo: saraiva. 2011, p. 57 .
Cap. 2 • Os Princípios Contratuais 61

com as condições e normas do contrato, restará incorporado


ao seu patrimônio o direito de exigir a prestação. Logo, tanto o
beneficiário como o estipulante poderão constranger o devedor
ao cumprimento obrigacional (CC, art. 436).
"·:,> .. -;. >:,·<,,.·,.-,/;.·;'.'..-,>- ;·'.l_ . .. '~-" ,, ·;-·:·.·... '". __ .:.:· ... '', -: )'' .. " "!'.' . :
.,. ·.coína:o~SuéERi:óii.fítisuNÁl:;1>E J~ç;\.~.manifeSto1.1 so"'ná.Pt®l..?
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L1f·""·~A;rlcta;~u~·:·Q.•
2. í>la,m{ dê.: sat)cie· ·. seJa ... ~.ont~ta~~· pijr.• tntefmédiô·. de
·térteifbi l{fiJe!~ o··· éstipulantê,'; ()<benéfiêlát'iêf'.~I o1"d,~Stin~tári()> finaf ·do·
serviço,. se~do. eort~r:ito, parte. legítim~ par:;,1.,fig~râr]'!P.~P()lo;,ati.vir d~
ação QÍJe' QUsquê .discutfr a vâlidade das clal.ÍsJÍJa$,: d.o;contr;at<k ) < ··.
3,, Pes~e ni()ddr;c:Cín_sidera:ndo qµe na·. é•.t~P.i,al~.ção;~Jii f~v~rcí(; ~~rcêi­
.ro, tanto o estipµlante quanto o beneficiário J>Od~ltt é)ciglr <!?.rleV,edor
o cumprimento da obrigação (CC, art. 436, parágrafo iirdco), .não h.á
que se falar, nó caso, na necessidade de sus1>ensão .d.o presentefeito
atê o julgamento final da ação proposta pela estipulante em .nome .de
todos os contratados. · ··' ·· · · · ·
(AgRg no REsp i336758/RS, Rei. Min. Sldfiei Béneti, 3ª Turma~ ·oJe
04~i2~20,12).· \,

., Atenção!
o que seria a estipulação em favor de terceiro impr6prio?
Traduz hipótese na qual o terceiro, estipulado, não possui legitimidade
para requisitar a execução do contrato, por disposição expressa de
vontade apta a excepcionar o art 436 do Código Civil. Neste contexto,
o único credor será o estipulante, sendo apenas este indenizado na hi-
pótese de descumprimento do pacto. Há clara exceção aos caracteres
da estipulàção em favor de terceiro, como bem advogam CR1sr1AN0 CHAVES
oE FARIAS e NELSON RosENVALD 42 •

b) Caso o terceiro tenha o direito de reclamar a execução do


contrato, não poderá o estipulante exonerar o devedor (CC,
art. 437).
c) O estipulante poderá, a qualquer tempo, alterar o beneficiá-
rio, unilateralmente, independentemente da anuência deste

42. FARIAS, Cristiano Chaves. ROSENVALD, Nelson. Contratos. Teoria Geral dos Contra·
tos e Contratos em Espécie. Vol. IV. S" edição. São Paulo: Atlas. 2015, p. 445.
62 Direito Civil - Vol. 13 • Luciano Figueiredo e Roberto Figueiredo

ou de terceiro, desde que se reserve tal direito no próprio


contrato. Tal alteração pode ser feita por ato inter vivos, ou
mortis causas (CC, art. 438). A possibilidade de modificação
é regra prática, desde que haja comunicação ao terceiro.
Consiste em conduta muito usual no contrato de seguro de
vida (CC, art. 791). Todavia, há de acontecer, obviamente,
antes da aceitação do beneficiário. Caso a aceitação já tenha
acontecido, concordamos com CRISTIANO CHAVES DE FARIAS e NELSON
RosrnvAL0 43 sobre a impossibilidade de alteração do estipula-
do, pois as condições do contrato já passaram a integrar a
esfera de direitos do beneficiário. Outrossim, igualmente im-
possível a alteração do beneficiário quando esta estipulação
decorrer de uma contraprestação preteritamente assumida,
como bem pontua o SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA.

., E na hora da prova?
Em concurso público realizado em 2013, para o provimento do cargo
de Juiz do TJ-SC, a banca examinadora do referido órgão julgou cor-
reta a seguinte alternativa: "Na estipulação contratual em favor de
terceiro, pode o estipulante reservar-se o direito de substituir o ter-
ceiro designado no contrato independentemente da anuência do outro
contratante".

.- Como se manifestou o SUPERIOR TRIBUNAL oE JuSTIÇA sobre o tema?


1. Ação de anulação de nomeação de beneficiário de contrato de segu-
ro de vida fun.dada em. descumprimento de acordo de separação ho-
mologado judicialmente em que o segurado se obrigou a indicar como
beneficiários outras pessoas (filhos do primeiro casamento).
[_]
4. No contrato de seguro de vida há uma espécie de estipulação em
favor de terceiro, visto que a nomeação do beneficiário é, a princípio,
livre, podendo o segurado promover a substituição a qualquer tempo,
mesmo em ato de última vontade, até a ocorrência do sinistro, a me-
nos que a indicação esteja atrelada à garantia de alguma obrigação
(art. r.473 do CC/16, correspondente ao art. 791 do CC/2002).

43. FARIAS, Cristiano Chaves. ROSENVALD, Nelson. Contratos. Teoria Geral dos Contratos
e Contratos em Espécie. Vai. IV. 5• edição. São Paulo: Atlas. 2015, p. 444.
Cap. 2 • os Princípios Contratuais 63

a
5. Se indicação do beneficiário' não f6r a título gratuito, ·qeverâ. ele
permanecer o mesmo duf.!nte toda a ~igência do contràfo:tlé''següro
de vida, p9is não é detentor. de .mera expectativa de. direit<), màs, sim,
possuidor do direito condicional de rece.ber o capital contrataclo, que
se concretizará sobrevindo a morte do segurado. Todavia, se a obri-
gação garantida for satisfeita antes de ocôrrldo o sinistro; esse direito
desaparecerá, tornando insubsistente a indicação.
6. t nula a alteração de beneficiário em .contrato de seguró de vida
feita por. segurado. que se obrigou, ein aêor.do de separ:ação homo-
logado judicialmente, a indicar a prole. do primeiro casamento, não
tendo desaparec1do. a ca11sa da. garan~~a.
(REsp n97476/BA. Rei. Min. Ricardo Villas Bôas Cueva. 3• Turma. DJe
10.10.2014).

Interessante d1.Jvida diz respeito à (im)possibilidade de estipulação


cujo conteúdo seja unicamente dotar o terceiro da titularidade de uma
pretensão, alheia a qualquer prestação a seu favor. É possível?
GusrAvo TEPEDINO, HELofsA HELENA BARBOSA e MARIA CEL1NA BornN DE MoRAEs 44 enten-
dem que sim, veiculando exemplo sobre o tema: "um acordo de acio-
nistas que disponha sobre voto. Neste caso, o terceiro não é propriamen-
te o destinatário da prestação, mas, por força de uma estipulação ao seu
favor, passou a ter legitimidade para exigir o cumprimento de um acordo
do qual não é parte. A situação é anômala, mas nem por isso parece ser
incompatível com a disciplina da estipulação em favor de terceiro".

., Atenção!
A estipulação em favor de terceiro não se confunde com a representa-
ção. Nesta o representante não titulariza direitos, mas apenas repre-
senta o representado, quem se obriga no contrato.
Outrossim, não se confunde estipulação em favor de terceiro com sub-
contrato. Neste há uma duplicidade de negócios jurídicos, a exemplo
da empreitada e da subempreitada. Já na estipulação em favor de ter-
ceiro o negócio é uno. Ademais, o beneficiário não é parte, enquanto
que o subcontratado o é.

44, TEPEOINO, Gustavo. BARBOZA, Heloisa Helena. MORAES, Maria Celina Bodin ele.
Código Civil Interpretado. Vol. li. Op. Cit. p. 53.
64 Direito Civil - Vol. 13 • LUciano Figueiredo e Robeno Figueiredo

3.2. Promessa de Fato de Terceiro, Contrato por Terceiro ou Con-


trato por Outrem
o Código Civil anterior dedicava-se ao tema na seara obrigacio-
nal, enquanto o vigente deslocou o assunto para os contratos.
Trata-se de obrigação assumida por uma parte no contrato, de
obter a prestação de um terceiro, no interesse da outra e da con-
secução do fim contratual. Assim, consoante o Código Civil de 2002,
é viável que seja estabelecida uma declaração de vontade para
que um determinado ato seja realizado por um terceiro, estranho
à relação jurídica. Tal percepção deixa clara mais uma exceção ao
ideal do relativismo 45 •
Vaticinam PABLO SrnLzE GAGUANo E RoDoLrn PAMPLONA F1LH046 tratar-se de
um negócio jurídico submetido a um fator eficacial. Há um elemen-
to acidental que limita não o debitum (obrigação, em si), mas a
obligation (responsabilidade). o terceiro é tão somente objeto da
prestação, ensina S1Lv10 Do SALVO VENOSA 47 •
Exemplifica-se, para clarificar o pensamento. Imagine que Caio
promete, a Rede de Rádio, que João, importante cantor, em um
determinado dia e horário, conferirá uma entrevista na aludida
emissora. Obviamente que em sendo João terceiro estranho ao
contrato, não terá obrigação de cumpri-lo. Entrementes, negócio
jurídico há - existente, válido e eficaz -, entre a Rede de Rádio e
Caio. Negócio este, inclusive, com obrigação de fazer e de resul-
tado, imposta a Caio, apta a gerar responsabilidade civil objetiva.

45. No particular discordamos de Cristiano Chaves de Farias e Nelson Rosenvald


(Op. Cit. p. 448), para quem a promessa de fato de terceiro não consiste em
exceção ao relativismo. Para tais autores, como o terceiro não se obriga no
pacto, o relativismo continuaria a reinar. Data venia, a exceção não reside aí,
mas sim na percepção de que o terceiro será tocado pelo pacto, normente
quando aceitar a avença e der cumprimento. Outrossim, seguindo o argumento
dos doutos doutrinadores levaria a crer que a estipulação em favor de terceiro
também não seria exceção ao relativismo, pois o es:ipulado, igualmente, não é
parte no contrato e nem está obrigado a aceitar a avença. Ainda assim, como
consabido, estipulação é um das mais veiculadas ex:eções ao relativismo.
46. Direito Civil. Teoria Geral dos Contratos e Contratos em Espécie. Vol. Ili. iia
edição. São Paulo: Método. 2015, p. 78.
47. VENOSA, Sílvio do Salvo. Direito Civil. Teoria Geral da> Obrigações e Teoria Geral
dos Contratos. 10 Edição. São Paulo: Atlas. 2010, p. 503.
Cap. 2 • Os Princípios Contratuais 65

Caso descumprido o pacto, responderá Caio, mesmo que tenha


encetado todos os esforços para levar João até lá (CC, art. 439).
Nessa toada, segundo CARLOS Rosrnro GoNçALVEs48, o promitente fun-
ciona como uma espécie de fiador, assegurando a obrigação pro-
metida. Mas seria possível ao contrato, expressamente, afastar a
obrigação de resultado e imputar uma responsabilidade civil por
obrigação de meio na promessa de fato de terceiro?
Seguramente que sim. Em claro exercício da autonomia privada,
entendemos viável que a própria obrigação, de forma expressa,
afaste a obrigação de resultado, fazendo incidir uma de meio. Con-
cordamos, no particular, com CRISTIANO CHAVES DE FARIAS e NELSON RosENVALD 49 •
A promessa de fato de terceiro trás consigo uma obrigação in-
fungível; afinal, o desejo é que o próprio terceiro realize o cumpri-
mento do acordado. Por consequência, na hipótese de descumpri-
mento do terceiro, não será viável que outrem cumpra a obrigação
em seu lugar. o caminho será o pleito de perdas e danos, em face
do contratado, porquanto este estar obrigado no vínculo base (CC,
art. 439).
E seria possível o afastamento da noção de infungibilidade da
promessa de fato de terceiro?
Mais uma vez a resposta é positiva, em atenção à autonomia
privada. Não se olvida que os contratantes originários pactuem
uma obrigação alternativa, já havendo, desde o nascedouro obri-
gacional, uma alternância de objetos pactuados (CC, art. 252 e ss.).
Igualmente viável que seja pactuada uma obrigação facultativa, res-
tando ao promitente a possibilidade de alteração do terceiro cum-
pridor da avença. Todos estes são desdobramentos da autonomia
privada, possíveis e que pedem vontade expressa.
Outro exemplo corriqueiro de promessa de fato de terceiro
relaciona-se ao pacote turístico, no qual a operadora e a agência

48. GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito Civil Brasileiro. Contratos e Atos Unilaterais.
Vol. Ili. 7• edição. São Paulo: Saraiva. 2010, p. i24.
49. FARIAS, Cristiano Chaves. ROSENVALD, Nelson. Contratos. Teoria Geral dos
Contratos e Contratos em Espécie. Vol. IV. s• edição. São Paulo: Atlas. 2015,
p. 449.
66 Direito Civil - Vol. 13 • lUciano Figueiredo e Roberto Figueiredo

de viagens se obrigam a hospedar turista em hotel determinado,


com características informadas. Caso o turista seja acomodado em
hotel diverso, em condições inferiores, há claro descumprimento
da obrigação de fazer e de resultado atinente à promessa de fato
de terceiro.

~ Como se pronµnclc;m o. S.uPallOR TRJBUNAI. .ÍlE Ju~ÇA sobre o tema?


DIREITO CIVIL. SHOPPING CENTER. INSTALAÇÃO DE LOJA. PROPAGANDA DO EM-
PREENDIMENTO QUE INDICAVA A PRESENÇA DE TR~S LOJAS-ÂNCORAS. DES-
CUMPRIMENTO DESSE COMPROMISSO. PEDIDO DE RESCISÃO DO CONTRATO.
i. Conqúanto a relação entre lojistas e administradores de Shopping
Center não seja regulada pelo coe, é possível ao Poder Judiciário re-
conhecer a abusividade em cláusula inserida no contrato de adesão
que regula a locação de espaço no estabelecimento, especialmente na
hipótese de cláusula que isente a administradora de responsabilidade
pela indenização de danos causados ao lojista.
2. A promessa, feita durante a construção do Shopping Center a poten-
ciais lojistas, de que algumas lojas-âncoras de grande renome seriam
instaladas no estabelecimento para incrementar a frequência de públi-
co, consubstancia promessa de fato de terceiro cujo inadimplemento
pode justificar a rescisão do contrato de locação, notadamente se tal
promessa assumir a condição de causa determinante do contrato e se
não estiver comprovada a plena comunicação aos lojistas sobre a de-
sistência de. referidas lojas, durante a construção do estabelecimento.
3, Recurso especial conhecido e improvido.
(REsp. 1259210/RJ. Rei. p/ acórdão Min. Nancy Andrighi, 3ª Turma, DJe
07 .08.2012).
CONJRA.TOS. •TELEVISÃO• .JOGOS.
A confederação que engloba os times de certa atividade desportiva
firmou contrato fom a empresa de televisão a cabo, pelo qual lhe
cedia, com exclusividade, os direitos de transmissão ao vivo dos jogos
em tod.o o território nacional, referentes à determinada temporada.
sucede que 16 timés, em conjunto com a associação que formaram, e
outra empresa de televisão também firmaram contratos com o mesmo
obj~tivo. Daí a interposição dos recursos especiais. Pela análise do
contexto, conclui-se que, apesar de figurar no primeiro contrato como
cedente e detentora dos direitos em questão, a confederação firmou,
em verdade, promessa de fato de terceiro: a prestação de fato a ser
cumprido por outra pessoa (no caso, os times), cabendo ao devedor
Cap. 2 • Os Princípios Contratuais 67

(confederação) obt.er a anuência dela quanto a isso, tratando-se, pois,


de .uma obrig~Ção.de.·re~ut~~d~~ Pel:ile.i ~igente. à época(art. 2.{da
lei n: 8,672/1993), soinerite os times detinham o clireito de autorizar a
transmissão de seus jogos~ Assim, vist() .que a confederação nã.o detém
o direito· de transmissão, cumpriria a ela. obter a anuência dos times
ao contrato que firmou, obrigação que constava de cláusula contratual
expressa. o esvâziamento desse intento~ tal como atesta notificação
posta nos autos realizada pela própria confederação, de. que não con-
seguiu a anuência d.os clubes, enseja.a resolução (extinção) desse con-
trato e sua responsabilização por perdas e danos (art. 929 do CC/1916,
hoje art. 439 .do CC/2002). C:ontudo, não se fala em nulidade ou ineficá-
cia, pois, houve, sim, a inexecuào (inadimplemento) de contrato váli-
do, tal como concluiu o tribunal a quo. Tampouco há falar em respon-
sabilidade solidária dos times. porque, em relação ao contrato firmado
pela confederação, são terceiros estranhos à relação jurídica, pois só
se vinculariam a ele se cumprida a aludida obrigação que incumbia ao
promitente, o que, como dito, não se realizou. Já a associação, mesmo
que tenha anuído a esse contrato, não pode ser responsabilizada jun-
tamente com a confederação: não há previsão contratual nesse sentido
e pesa o fato de que a obrigação de obter a aceitação incumbia apenas
à confederação,. quanto mais se a execução dependia unicamente dos
times, que têm personalidades jurídicas distintas da associação que
participam e são os verdadeiros titula.res do direito. Com esse e outros
fundamentos, a Turma negou provimento aos especiais.
(REsp 249.008-RJ, Rei. Min. Vasco Delta Giustina (Desembargador convo-
cado do TJ·RS), julgado em 24/8/2010).

~ Atenção!
o Código Civil vigente, inovando alegislação .pretérita, firma hipótese le-
gal de exclusão da responsabilidade civil do estipulante. Tal se dará se o
terceiro for cônjuge do promitente, dependente de suá anuência para o
ato que será praticado e, em virtude do regime de bens, a indenização,
de algum modo, venha a recair sobre os seus bens (CC, art. 439).
Trata-se da casuística em cjue João, promete a Roberto, que sua esposa
(de João), com quem é unido matrimonialmente no regime de comu-
nhão universal de bens, irá permiti-lo transferir um imóvel para Rober-
to. Caso a esposa de João descumpra, não conferindo a vênia conjugal,
a responsabilidade civil de joão recairia também sobre o patrimônio
dela, que não faz parte da relação jurídica obrigacional.
68 Direito Civil - Vol. 13 • Luciano Figueiredo e Roberto figueL-edo

Em outra situação recorda-se. do marido que promete obter a vênia


conjugal da esposa para que ele seja fiador de outrem, e não a conse-
gue (CC, arts. i647 e i649, bem como Súmula 332 do Superior Tribunal
de Justiça). Neste caso, a ausência de cumprim~nto da promessa, a
depender do regime de bens, não ocasionará <t. responsabilidade civil
do promitente, a qual, em última ratio, atingiria o cônjuge.
A disposição legal tem por escopo evitar prejuízos ao c{)Ôjuge, pelas
condutas equivocadas do outro, rião gerando responsabilidade civil do
cônjuge por negócio· que não consentiu. ·
caso o patrimônio do cônjuge seja i.ndevidamente atingido, o caminho será
o ajuizamento de embargos de terceiros, na forma da lei processual vigente.

Situação diversa haverá se o próprio terceiro, pessoalmente,


comprometeu-se. Nessa toada, não mais haverá prestação de fato
de terceiro, falando-se em obrigação em nome próprio e respon-
sabilidade civil do próprio terceiro, diante de eventual inadimple-
mento (CC, art. 440). Aqui, em tendo concordância do terceiro, por
razões óbvias, o promitente estará liberado da obrigação.
Por fim, nada impede que seja pactuada responsabilidade entre
o terceiro e o promitente, de forma solidária e em fu'lção da von-
tade. Descortina-se uma solidariedade convencional, plenamente
aceitável diante da redação do art. 265 do Código Civil.

• Atenção!
Não confunda promessa de fato de terceiro com mandato.• fiança, ges-
tão de negócio e estipulação em favor de terceiro.
Infere-se que a promessa de fato de terceiro não se aproxima do
mandato, contrato no qual hâ poderes de representação pré-estabele-
cidos, obrigando-se em nome de outrem.
Igualmente não se confunde com a fiança, que retrata cc·ntrato aces-
sório, enquanto a promessa de fato de terceiro é principal. A fiança é
uma obrigação de garantia, acessória. A promessa de fato de terceiro
é garantia de resultado na obrigação principal.
Não é sinônimo da gestão de negócios, quando o promitente se coloca
na posição da defesa dos interesses de terceiros; o que não é o caso.
Não se confunde com a estipulação em favor de terceiros; Nessa o ter-
ceiro é apenas beneficiado pela conduta de outrem (estipulante e pro-
mitente). Jâ na promessa de fato de terceiro, o terceiro será o executor.
Cap. 2 • Os Princípios Contratuais 69

• E na hora da prova? ..· .


Ano: 2014 Banc;a: VIJNESP órgão: TJ~SP Prova: Juiz
Com relação à promessa de fato de terceiro, assinale a opção incorreta.
a) Havendo concordância, .aquele. que prometeu o fato de terceiro
ficará ~xorierado do cumprimento da obrigação, exceção feita aos
casos de aquisição da solidariedade.
b) Notificado; o terceiro" deve tlétlarar se concorda ou não em inte-
grar o vínc1Jlo, na condição de deved.or de uma obrigação d.e fazer.
c) Com a integração no vínculo e a não realização da obrigação, o
terceiro deverá responder por perdas e danos, uma· vez que o
promitente já se exonerou da relação jurídica, salvo se a obrigação
subsistiu em caráter de solidariedade.
d) O promitente continua obrigado mesmo sem assumir solidariedade
e tendo o terceiro se comprometido no seu lugar.
Gabarito: d

3.3. Contrato com Pessoa a Declarar ou a Nomear


Desconhecido do direito romano e de origem medieval, o insti-
tuto do contrato com pessoa a declarar tinha por intuito esconder
a participação de nobres na venda judicial de bens, com o fito de
evitar constrangimentos. Com o passar dos anos, o instituto se apri-
morou e merece destaque nas codificações ocidentais.
O Código Civil Nacional dedica-se ao tema nos arts. 467 a 471,
como o fez o italiano e o português. Trata-se, nos dizeres de PAsLO
SroLzE GAGUANo E RoooLrn PAMPLONA F1LH0 5º, de uma verdadeira promessa
de fato de terceiro, que também titularizará os diretos e obriga-
ções decorrentes do negócio, caso aceite a indicação realizada. A
indicação terá efeitos retro-operantes, ex tunc (CC, art. 469).
Ensina ORLANDO GoMEs 5' que no contrato com pessoa a declarar há
uma cláusula especial pro amico elegendo, electo amici ou pro
amico electo (pessoa a nomear), através da qual uma das partes

50. Direito Civil. Teoria Geral dos Contratos e Contratos em Espécie. Vol. Ili. iia
Edição. São Paulo: Método. 2015, p. 78.
5i. Contratos. Op. Cit. p. i66-167.
70 Direito Civil - Vol. 13 • Luciano Figueiredo e Roberto Figueiredo

(stipulans) reserva-se o direito de nomear terceiro (electus ou ami-


cus), quem assuma a posição do contratante. O nomeado, aceitan-
do a nomeação, tomará a posição daquele que o nomeou, como se
ele mesmo houvesse realizado o contrato, sendo avisado o outro
contratante (promittens). Sintetiza o Autor baiano que "em suma, o
contratante in proprio nomeia terceiro titular do contrato".
Têm-se, então, nesta figura contratual, três sujeitos:
Promitente - que assume o compromisso de reconhecer o
amicus ou eligendo;
Estipulante - que pactua em seu favor a cláusula que admite
a sua substituição, tendo a prerrogativa de nomeação do
terceiro;
Electus (elegido) - que é validamente nomeado e aceita sua
indicação, a qual é comunicada ao promitente.
o modelo contratual em análise tem como centro um ato uni-
lateral e receptício de nomeação, o qual demanda aceitação da
contraparte e tem eficácia retroativa (ex tunc). Todos os envolvidos
hão de ser capazes para a prática dos atos da vida civil. Infere-se
um negócio jurídico bilateral, o qual se aperfeiçoa com o consenti-
mento dos contraentes, que são conhecidos.
As partes envolvidas são previamente conhecidas e determina-
das, restando a uma delas a faculdade de indicar pessoa que as-
sumirá as obrigações e adquirirá os respectivos direitos, no futuro,
ocupando o local do sujeito primitivo da relação jurídica. A decla-
ração acabará por fulminar a temporária indeterminação subjetiva,
como ensina PAuLo Lôsos 2 •
A nomeação há de ser pura e simples, não se falando em condi-
ção ou termo imposto ao terceiro para que a aceite.
Malgrado as divergências sobre o tema, concordamos com CR1s-
TIANO CHAVES DE FARIAS e NELSON RDSENVALD 53 no sentido de que a teoria que
melhor explica a dinâmica do contrato em análise é a da condição.

52. LÔBO, Paulo. Direito Civil. Contratos. São Paulo: Saraiva. 2011, p. 150.
53. FARIAS, Cristiano Chaves. ROSENVALD, Nelson. Contratos. Teoria Geral dos
Contratos e Contratos em Espécie. Vol. IV. 5ª Edição. São Paulo: Atlas. 2015, p. 453.
Cap. 2 • Os Princípios Contratuais 71

Com efeito, o negocio originário fica sob condição, esta vista sob
dupla face: a) resolutiva, pois o negócio, desde logo, já produzirá
efeitos entre as partes originárias (CC, art. 127) e b) suspensiva, ao
passo que o terceiro assume o negócio com efeitos retroativos, sen-
do desfeitos eventuais atos contrários praticados entre a assinatura
do contrato e a assunção da posição pelo nomeado (CC, art. 126).
CARLOS RosERTo GoNÇALVEs 54 verbera que há duas fases no contrato
com pessoa a declarar:
a) Na primeira o estipulante comparece em caráter provisório,
ao lado do contratante previamente acertado, até a aceita-
ção do nomeado;
b) Na segunda, com a nomeação e aceitação do nomeado (con-
traente in eligendo), este passa a figurar no negócio, atuan-
do como parte e substituindo o estipulante, quem sairá do
contrato.
o prazo legal para a nomeação do declarado é de cinco dias,
salvo se outro lapso restou estipulado (CC, art. 468). Trata-se o
prazo de cinco dias, por conseguinte, de regra supletiva, sendo
plenamente viável ao contrato eleger prazo diverso.
A natureza jurídica do prazo é decadencial convencional, tratan-
do-se a nomeação de direito potestativo. A aceitação do terceiro
nomeado há de ser feita na forma do contrato para nomeação.
Assim, em sendo a nomeação, segundo o contrato, por escrito, a
aceitação, igualmente, há de ser por escrito.
A forma da aceitação, segundo PAuLo Lõso 55 , não é condição de
validade, mas sim de eficácia. Caso a aceitação seja feita de forma
diversa da nomeação, o contrato persistirá válido e com eficácia
entre as partes originárias. Demanda-se que a nomeação seja co-
municada a contraparte, como dever anexo de conduta.
Nada impede que a escolha seja feito por terceiro já designado
no contrato. É o que batiza a doutrina de e/ectio per relationem.

54. GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito Civil Brasileiro. Contratos e Atos Unilaterais.
Vol. Ili. r edição. São Paulo: Saraiva. 2010, p. 171.
55. LÕBO, Paulo. Direito. Civil. Contratos. São Paulo: Saraiva. 2011, p. 56.
72 Direito Civil - Vol. 13 • Luciano Figueiredo e Roberto Figueiredo

Desde que a dinâmica esteja prevista no pacto, em respeito à au-


tonomia privada, a conduta é plenamente aceitável.
o que fazer se a nomeação não operar-se como o esperado?
Caso haja algum outro problema com a nomeação, esta será
ineficaz, persistindo o negócio eficaz entre as partes contratantes.
Logo, o contrato será eficaz entre as partes originárias caso (CC,
arts. 470 e 471):
a) Não haja indicação da pessoa, ou se o nomeado se recusar
a aceitá-la;
b) Se o nomeado era insolvente e outra pessoa o desconhecia
no momento da aceitação;
c) Se a pessoa a nomear era incapaz ou insolvente no momen-
to da nomeação.

E na hora da prova?
Ano: 2015 Banca: CONSULPLAN órgão: TJ-MG Prova: Titular de Serviços de
Notas e de Registro
Sobre o contrato com pessoa a declarar, marque a alternativa correta:
a) A indicação da pessoa que irá adquirir os direitos e assumir obriga-
ções deve ser comunicada à outra parte no momento da conclusão
do contrato.
b) Se a pessoa a nomear era incapaz ou insolvente no momento da
nomeação, o contrato produzirá seus efeitos entre os contratantes
originários.
c) A aceitação da pessoa nomeada não necessita revestir-se da mes-
ma forma que as partes usaram para o contrato.
d) A pessoa nomeada adquire os direitos e assume as obrigações
decorrentes do contrato a partir da aceitação.
Gabarito: b

Nessas hipóteses, o contrato que seria transitório, pois figuraria


um terceiro nomeado, passará a ser definitivo, sendo válido e efi-
caz entre as partes originárias.
Malgrado raro, o contrato com pessoa declarar costuma habitar
algumas negociações imobiliárias, nas quais há receio de que a
Cap. 2 • Os Princípios Contratuais 73

manifestação de interesse de compra por um determinado sujeito,


valorize o preço do imóvel. É a casuística de um famoso, que de-
seja comprar um imóvel, mas não quer aparece no início das nego-
ciações, sequer representado por outrem através de procuração,
para que o mercado não seja inflacionado. Assim, por vezes, em
compromissos de compras e vendas o compromissário comprador
reserva-se a opção de receber a escritura definitiva ou indicar ter-
ceiro para nela figurar como adquirente.
Em outra situação usual, infere-se a presença do contrato com
pessoa a nomear em revendedoras de automóveis, que adquirem
veículos usados para revenda. Não desejando fazer dois atos de
aquisição, a loja compra nas mãos do vendedor com uma cláusula
de pessoa a nomear, indicando o comprador futuro posteriormen-
te, quem assume a posição do contrato.
Fato que, apesar da prática demonstrar a incidência desse tipo
de contrato nas promessas de compras e vendas, nada impede sua
aplicação outras figuras, desde que compatíveis. Outro exemplo
corriqueiro se dá nos condomínios, quando condôminos se utilizam
do instituto para aumentar sua propriedade exclusiva, visando con-
solidar a propriedade plena, sem serem percebidos.
O que não é viável, todavia, é a aplicação do instituto em con-
tratos personalíssimos, diante, obviamente, da pessoalidade do
vínculo e impossibilidade de admissão de terceiro, ensina CARLOS
ROBERTO GoNÇALVEss 6 •

~ Atenção!
Não se deve confundir cessão de posição contratual com contrato com
pessoa a declarar. Apesar de ambas figurarem como mecanismo de su-
cessão contratual, possuem diferenças entre si. No contrato com pessoa
a declarar a faculdade de indicar terceiro já vem prevista no nascedouro
do contrato, sendo possível, inclusive, jamais ser exercitada. Tal substi-
tuição, no contrato com pessoa a declarar, tem efeitos ex tunc. Já a ces-
são de contrato é mecanismo não originariamente previsto no contrato,
demandando o seu exercício aceite da contraparte, com efeitos ex nunc.

56. GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito Civil Brasileiro. Contratos e Atos Unilaterais.
Vol. Ili. 7ª edição. São Paulo: Saraiva. 2010, p. 168.
74 Direito Civil - Vol. 13 • Luciano Figueiredo e Roberto Figueiredo

lgÜalment~ n.ã'9 $e .con~~ijçfe o contrato com p~s~oa a dedarar com


a ~stipulâi(;ãQ erri; hívof' de' terceiros:·. Nesta· (estipotação) os contra-
tantes Hrlgi.n~ffos·· ~~rrnariecem viriculadós~·sendo benefidado um
têrceiros,' 'qu~m'nã6 'rf:·pafté do contrato. Já naquela (contrato com
pes~oa a dedat";lr:~ o t,ontràtànte originário é substituído, após no-
meação eaceltáção <lô terceiro, qUem integrará o contrato com
efeitos ex tunc. . ·
Não se confunde contrato com pessoa a declàrar com a promessa de
fato de terceiro, a qUàl acarreta obrigação apenas ao promitente. O
terceiro, aqui, prestará um fato por ter o promitente se obrigado. Já
no contrato com pessoa declarar, o contratante promete algo em nome
próprio, mas eventualmente e alternativamente fato de outrem, va-
lidamente nomeado. Outrossim, em sendo válida a nomeação, não é
crível. que o nomeado negue-se a cumprir o contrato.
Diverge o contrato com pessoa a declarar da representação. Nesta, os
efeitos do negócio são manifestados entre representado e a contra-
parte; enquanto no contrato com 1Jessoa a nomear o nomeado apenas
terá efeitos conttatuais quando assumir sua declaração, com efeitos
ex tunc. Logo, se noméação não houver, o contrato apenas produzirá
efeitos entre as J)artés originárias.

~ E na hora da prova?
Ano: 20.13 Banca: PGE-GO órgão: PGE-GO Prova: Procurador do Estado
Nos contratos com pessoa a declarar, um dos contratantes afirma con-
tratar por terceiro. Esse contrato. produz efeitos somente entre os con-
tratantes originários. quando
a) a outra, parte contratante não respondeu formalmente no ato de
nome<l,ção dô terce.iro;
b) o nomea~o nM foi ~.omuniéa.do da. indicação ou não a aceitou na
forma do éôiitrato ·
c) a indfc~çãÔ não foi comuniéada à pàrte. no momento da conclusão
do contrato. ·
d) a insolvência do indicado era. conhecida pelas partes, no tempo da
indicação ..
e) 'uma das partes originárias era insolvente e esse fato era conheci-
do por todos.
Gabarito: b
Cap. 2 • Os Princípios Contratuais 75

3.4. Contrato com Eficácia Protetiva para Terceiros e Teoria do Con-


trato Social
Versando sobre temas que retratam mitigações ao relativismo
dos efeitos do contrato, PAuLo Lõeo 57 veicula as duas teoria ora ana-
lisadas, com espeque nos ensinamentos de KARL lARrnz e do SurREMo
TRIBUNAL FEDERAL ALEMÃO.
A jurisprudência alemã criou a chamada doutrina do contrato
com efeitos protetivos a terceiros, a partir da análise de um caso
concreto, no qual uma criança, que acompanhava sua mãe em um
supermercado. escorregou em uma folha de hortaliça e lesionou a
perna. O Supremo Tribunal Alemão, in casu, afastou a responsabi-
li~ade civil extracontratual e a enquadrou como contratual, pois a
criança lesada estava dentro da esfera de proteção da relação pré-
-contratual estabelecida entre a mãe e o dono do mercado.
KARL lARENl ensina sobre a teoria da responsabilidade pelo con-
trato social como uma relação de responsabilidade decorrente da
própria esfera jurídica ou de confiança manifestada. Tais fatos, alia-
dos ao dever de cuidado, anexo às relações privadas, impõem res-
ponsabilização, quando o dano disser respeito a uma negociação
contratual apta a ser fechada. Por conta deste pensamento, res-
ponderá o empresário por danos ocorridos com pessoas dentro do
seu estabelecimento, ainda que tais pessoas não estejam efetiva-
mente consumindo, naquele momento. Igualmente por conta desta
teoria que será responsabilizado o dono do estabelecimento por
furtos em veículos no seu estacionamento, mesmo que a guarda de
tais veículos não tenha sido expressamente assumida.
No Brasil, atento a estas situações, o Código de Defesa do Con-
sumidor firma, no seu art. 17, como uma das figuras do consumidor
por equiparação a vítima de um evento (fato do consumo). Para
tanto, não se exige que o consumidor esteja, efetivamente, consu-
mindo como destinatário final. Logo, se João comprar um veículo
e, ao sair da concessionária atropelar Ricardo por falha no sistema
de freios, Ricardo será considerado consumidor perante a conces-
sionária e fabricantes, por ter sido vítima do acidente de consumo.

57. LÔBO, Paulo. Direito Civil. Contratos. São Paulo: Saraiva. 2011, p. 56.
76 Direito Civil - Vol. 13 • Luciano figueiredo e Roberto Figueiredo

Trata-se de pensamento, até mesmo, afeto à tutela externa do


crédito, função social e teoria do terceiro ofendido, adiante anali-
sada quando do estudo do tema função social. De toda sorte, ao
ser tutelado terceiro estranho ao vínculo originário, infere-se nas
teorias em comento abrandamento à noção do relativismo contra-
tual, fato que justifica sua abordagem neste item.

4. PRINCÍPIO DA FORÇA OBRIGATÓRIA, INTANGIBILIDADE OU FORÇA VINCU-


LANTE DOS CONTRATOS. O PACTA SUNT SERVANDA
Desprestigiado seria o contrato se não fosse dotado de coer-
ção. Consistiria em uma mera carta de intenções, desprovido de
qualquer validade e eficácia jurídica. Perderia sua razão de ser,
ao passo que contratos nascem para ser cumpridos e, sem co-
erção, nenhuma medida poderia ser entabulada na hipótese de
inadimplemento.
Justo por isto, ensina ORLANDO GoMES 58 ser "essa força obrigatória,
atribuída pela lei aos contratos, a pedra angular da segurança do
comércio jurídico". Afirma MARIA HELENA D1N1z 59 que "o contrato, uma vez
concluído livremente, incorpora-se ao ordenamento jurídico, consti-
tuindo uma verdadeira norma de direito, autorizando, portanto, o
contratante a pedir a intervenção estatal para assegurar a execução
da obrigação por ventura não cumprida, segundo a vontade que a
constituiu".
o ideal da força obrigatória dos contratos, conclui-se, é salutar
ao direito. Segundo S1Lv10 Do SALVO VENosA 6º a ausência da força obriga-
tória aos contratos geraria o caos. Ensina PAuLo Lõso 61 que a tutela da
confiança, a segurança jurídica dos pactos, a utilidade social dos
contratos e a justiça contratual são alguns dos fatores, levantados
pela doutrina, como justificadores para que haja força vinculante
aos pactos.

58. Op. Cit. p. 36.


59. DINIZ, Maria Helena. Curso de Direito Civil Brasileiro. Teoria das Obrigações
Contratuais e Extracontratuais. 27 Edição. São Paulo: Saraiva. 2c 11, p. 48.
60. VENOSA, Silvio do Salvo. Direito Civil. Teoria Geral das Obrigaç5es e Teoria Geral
dos Contratos. 10 Edição. São Paulo: Atlas. 2010, p. 384.
61. LÔBO, Paulo. Direito Civil. Contratos. São Paulo: Saraiva. 2011, p. 62-63.
Cap. 2 • Os Princípios Contratuais 77

o contrato deve trazer estabilidade e previsibilidade. A vontade


geradora do contrato deve gerar a coercibilidade desta, em claro
diálogo entre os princípios da força obrigatória e da autonomia.
Durante a fase de predomínio das ideais liberais e individualis-
tas, tinha-se uma noção instransponível de igualdade entre as par-
tes e caráter cogente absoluto dos contratos. o dogma da vontade
elevou o contrato (produto da autonomia) à força de norma, imu-
tável e aplicável a qualquer custo. Falava-se, nas palavras de CA10
MÃR10 DA S1LvA PERE1RA62, na irreversibilidade da palavra dada. Nem as
partes, nem o juiz, poderiam alterar a base autônoma do contrato,
recorda CARLOS RoseRro GoNÇALves6 3.
Entrementes, com o avançar da história e maturação das ideias,
conclui-se que a força obrigatória não poderia ser significada de
forma absoluta.
Como visto no tópico destinado à autonomia, a evolução social
demonstrou que a suposta liberdade, passou a aprisionar. A igual-
dade entre as partes não era tão clara e os contratos se transfor-
maram em instrumentos de opressão, nos quais as partes mais
fortes, unilateralmente, redigam as cláusulas, cabendo às mais fra-
cas aderir ao bloco e sofrer abusos (contratos de adesão). Vive-
-se a era dos contratos-padrões, com conteúdo pré-estabelecido e
engessado.
Nessa linha evolutiva, assim como a autonomia precisou ser (re)
significada, a força obrigatória também o foi. O Estado passou a
intervir nas relações privadas, em busca de justiça contratual, atra-
vés do dirigismo contratual. Vozes propugnando pela possibilidade
de revisões contratuais ganharam eco e amadureceram institutos
aptos a tais revisões.
Dentre os principais institutos que propugnam a revisão dos
contratos, em clara mitigação à força obrigatória, coloca-se a teoria
da imprevisão. Sobre ela que passamos a abordar.

62. PEREIRA, Caio Mário da Silva. Instituições. Vol. Ili. p. 14-15.


63. GONÇALVES, carlos Roberto. Direito Civil Brasileiro. Contratos e Atos Unilaterais.
Vol. Ili. 7• edição. São Paulo: Saraiva. 2010, p. 49.
78 Direito Civil - Vol. 13 • Luciano Figueiredo e Roberto Figueiredo

., Ate~ção!
As mitigações ào ideal. de força vinculante do contrato não querem
significar a extinção desta.
Força vinculante per$iste, como princípio, mas não mais com a força de
outrora; da épocà do liberalismo. Assim como a autonomia, a força vin-
culante perdeu o seu caráter absoluto, mas ainda tem seu importante
espaço dentro da principiologia contratual.
Logo, o descumprimento do contrato, de ordinário, deverá ser penali-
zado, respondendo o inadimplente com perdas e danos, juros, atuali-
zação monetária e honorários advocatícios (CC, art. 389).
Nessa senda, apesar da ausência de dispositivo expresso sobre a força
obrigatória dos contratos, concordamos com FLÁv10 TARTUCE64 no sentido
de que os arts. 389 usque 391, ao tratarem do cumprimento obrigacio-
nal e das consequências do inadimplemento, deixam claro o ideal da
vinculação das partes aos contratos.

4.1. Teoria da Imprevisão


A primeira notícia histórica sobre a teoria da imprevisão remete
ao art. 48 do Código de Hammurabi, o qual propugnava a aplicação
da tese às colheitas. Assim, "se alguém tem um débito a juros, e uma
tempestade devasta o campo ou destrói a colheita, ou por falta de água
não cresce trigo no campo, ele não deverá nesse ano dar trigo ao credor;
deverá modificar sua tábua de contrato e não pagar juros por esse ano".
Aponta CARLOS Rosrnro GoNçALvEs65 os estudos de NERAnus, na Idade
Média, derredor da condictio causa data causa non secuta, as bases
da hodierna teoria da imprevisão. Segundo tais estudos, fatores
externos podem gerar, quando da execução da avença, situação
diversa da existente no momento da celebração do contrato, one-
rando por demais o devedor.
Aqui se percebe a famosa cláusula rebus sic stantlbus, no senti-
do de que contractus qui habent tractum succesivum et dependentiam

64. Manual de Direito Civil - Volume Único. 4• edição. São Paulo: Método. 2014, p.
580.
65. GONÇALVES, carlos Roberto. Direito Civil Brasileiro. Contratos e Atos Unilaterais.
vol. Ili. 7• edição. São Paulo: Saraiva. 2010, p. 51.
Cap. 2 • Os Princípios Contratuais 79

de futuro reous sic stantibus inte/liguntur. Assim, em claro diálogo


com os iceais do Direito Canônico, propugna a cláusula que apenas
há exigibilidade contratual caso as condições econômicas do tempo
de sua execução seja semelhantes as do tempo de sua celebração.
Tratava-se de ideal implícito aos contratos comutativos de trato
sucessivo.
Foi, porém, com a Primeira Guerra Mundial que o tema ganhou
ma;s espaço de debate. As nefastas consequências do conflito,
sentidas principalmente em solo europeu, atingiram fortemente os
contratos de execução continuada, celebrados antes da guerra e
cuja execução adentraram o período de combate.
Não era crível que contratos celebrados em uma atmosfera sem
guerra, não sofressem nenhuma modificação durante a guerra, em
atenção a uma aplicação míope da força obrigatória. o conflito,
obviamente, modificou os custos de execução contratual. A mão de
obra era escassa. Faltava matéria prima, rodovias foram destruí-
das, a estrutura desmoronou ...
Neste cenário nasceu na França a primeira norma a disciplinar
o tema: a lei Falliot, datada de 21 de maio de 1918, ensina Ruv RosA-
oo oE AGUIAR JiJ11110R66 • A lei foi necessária diante do embate ideológico
entre a Corte de Cassação Francesa - conta a imprevisão e a favor
da força obrigatória - e o Conselho de Estado Francês - contra a
força obrigatória e a favor da imprevisão. Trouxe a norma um re-
crudescimento da noção historicamente pretérita da cláusula rebus
sic stantibus, abraçando a teoria da imprevisão.
Há, obviamente, outras notícias de adoção de teses de equilí-
brio contratual no mundo, como a Frustration of Adventure, na In-
glaterra. O leading case inglês é o clássico caso da coroação do rei
inglês Eduardo VII (1901). Neste caso o demandante havia alugado
sua casa, sitJada em Londres, para o dia do desfile de Eduardo VII.
O imóvel situava-se no percurso do desfile, de maneira que o loca-
tário sublocou os postos nas janelas de suas casas. Entrementes,
o aesfile de coroação fora suspenso. Assim, entendeu o Tribunal a

66. ROSADO, Ruy. Extinção cios Contratos por Incumprimento do Devedor. 2• ed. Rio
de Janeiro: Aide, 2003, p. 144
80 Direito Civil - Vol. 13 • Luciano figueiredo e Roberto Figueireeo

impossibilidade de cobrança dos aluguéis, pois o sentido do con-


trato (substance of the contract) fora modificado, ante a ausência do
cortejo. Com a alteração da base objetiva do pacto, necessária sua
resolução. O ideal manteve-se até os dias de hoje e, desde então,
adota-se na Inglaterra a teoria da base objetiva do negócio.
Não se olvida que outras teorias também surgiram com o ob-
jetivo de contrapor-se ao ideal de força vinculante dos contratos e
busca da equivalência material das prestações. Exempl.ifica-se com
a teoria da pressuposição, de W1NosrnE10, segundo a qual o contra-
tante obrigou-se confiando na permanência de uma situação, sem
a qual não teria contratado. Não se mantendo esse pressuposto,
viável a resolução do contrato.
Ainda passeando por teses que visavam abrandar a noção de
pacta sunt servanda, vê-se a teoria da desaparição, fonnulada por
OrnrMANN e divulgada por LARrnz, consoante a qual no momento da for-
mação dos contratos, as partes consideram suas condições, como
valores, reposição, entrega ... estas hão de ser próximas quando da
execução do pacto, sob pena de desfazimento.
E no Brasil?
Em terras brasilis, abraçou-se a teoria imprevisão, aplicável
quando há um acontecimento novo, superveniente, imprevisível e
extraordinário, o qual atinge a base econômica de um contrato co-
mutativo e de duração, gerando onerosidade excessiva para uma
das partes e extrema vantagem para a outra, ocasionando a revi-
são ou resolução do contrato (CC, arts. 478 e 479).

"" E na hora da prova?


Ano: 2014 Banca: FCC órgão: TRT- 18ª Região (GO) Prova: Juiz do Trabalho
Em nosso direito civil, a teoria da imprevisão:
a) não tem previsão normativa em nenhuma situação, tratando-se
apenas de criação doutrinária, aceita pela jurisprudência em situa-
ções de onerosidade excessiva ao devedor e de imprevisibilidade
de fatos extraordinários posteriores à celebração do ccntrato.
b) é prevista, normativamente, podendo o devedor pleitear a reso-
lução do contrato e observado que os efeitos da sentença que a
decretar serão produzidos a partir de sua prolação.
Cap. 2 • Os Princípios Contratuais 81

c) n_ão tem previsão ríormativa, a não ser nas relações de consu-


mo;. bastando a ônerosld~de excessiva ao consumidor para sua
caracterização. . ·
d) te!TI. previsão normativ~ e, no Código Civil, é preciso· que a pres-
tação. de uma d.as partes se torne excessivamente onerosa, com
e?Ctrema vantagém para a outta, em virtude de acontecimentos ex-
traordinários e imprévisíveis, ocasião em que o devedor poderá
pleitear a resotuÇão·do contrato.
e). é prevista tanto nQ Códig9.Civil como.no CócUgo de pefesa do con-
sumidor, em ambos os diplomas legais exigindo os mesmos pressu-
postos para sua caracterização.
Gabarito: d

Percebe-se na teoria da imprevisão arcabouço teórico apto a


mitigar a noção do pacta sunt servanda, propugnando a revisão
ou resolução do contrato por mudança no seu cenário, durante a
execução, apta a ocasionar onerosidade excessiva para uma das
partes e extrema vantagem para a outra. Seu escopo é de manu-
tenção do equilíbrio contratual, de maneira que os benefícios per-
cebidos por cada contratante sejam proporcionais aos sacrifícios
assumidos.
O tema, há muito, é veiculado no direito brasileiro, datando a
primeira decisão sobre o assunto de 1930, do então juiz NmoN HuN-
GRIA. o SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL, por sua vez, acolheu de forma inédita a
tese em 1935, sinaliza PAuLo Lõso 67 •
A partir do conceito brasileiro legislado de imprevisão, verifica-
-se que sua ocorrência demanda a constatação de alguns requi-
sitos cumulativos. São eles: a) Contrato de duração; b) contrato
comutativo; d) Acontecimento de fato novo, superveniente, impre-
visível e extraordinário e d) Alteração da base econômica do con-
trato - também chamada de alteração da base objetiva - gerando
onerosidade excessiva para uma das partes e extrema vantagem
para a outra, quando em comparação com a base econômica ori-
ginária do contrato.

67. LÔBO, Paulo. Direito CiviL Contratos. São Paulo: Saraiva. 2011, p. 205.
82 Direito Civil - Vol. 13 • Luciano Fígueíredo e Roberto Fígueiredo

A partir de então, seguindo no tema teoria da imprevisão, ire-


mos abordar, analiticamente, requisito a requisito.
a) Contrato de duração.
A aplicação da teoria da imprevisão demanda a presença de um
contrato de duração.
Entende-se por contrato de duração aquele no qual há razoável
intervalo de tempo entre a sua celebração e a sua execução. Con-
trato de duração é um gênero, cujas espécies são: i. de execução
continuada, também chamado de trato sucessivo ou execução pe-
riódica e ii. execução diferida. Explica-se:
i. Contrato de execução continuada, periódica ou de trato
sucessivo - é aquele que se renova no tempo, durante pe-
ríodo determinado ou indeterminado. Exemplifica-se com
um contrato de locação. Este, de forma sucessiva, renova-
-se no tempo, sendo que, mês a mês, há o pagamento de
aluguéis.
ii. Contrato de execução diferida - entendido como aquele
protraído no tempo, no qual a execução dar-se-á de uma
única vez, porém em um momento posterior. É o exemplo
da compra de venda, celebrada no dia de hoje e na qual
resta acertado o pagamento e a entrega do produto em
trinta dias para frente, de maneira diferida (protraída) no
tempo.
Em ambas as situações (trato sucessivo ou diferido) é possí-
vel que haja um acontecimento novo, superveniente, imprevisível
e extraordinário que atinja a base econômica do contrato, oca-
sionando onerosidade excessiva para uma das partes e extrema
vantagem para a outra. Neste momento, há aplicação da tecria da
imprevisão.
Ressalta-se ser inviável a aplicação da teoria da imprevisão em
contratos de execução imediata, como uma compra e venda na
qual já há o pagamento do preço e a entrega do objeto. A explica-
ção é simples. Neste modelo contratual não há como se verificar
a incidência de um fato superveniente, pois quando da ocorrência
deste, o contrato já findou.
Cap. 2 • os Princípios Contratuais 83

., Atenção!
OE JUSTIÇA firma qu~ areriégoc;!aç~o. de
A Súmula 286 do SUPERIOR TRIBUNAL
contrato bancário ou a confissão de dívida não atas.ta .a possibilidáde
de revisão de contratos extintos.
Trata-se de excepcional hipótese de revisão.. de .contrato extinto~ iluto-
rizada jurisprudencialmente diante da relação de consumo e tutela do
hipossuficiente (Súmula 297 do STJ). · ··
De ordinário, um contrato extinto não pode ser revisado, pois apenas
é possível revisão daquilo que ainda existe (persiste).

b) Contrato comutativo.
Contrato comutativo é modalidade de contrato oneroso e bi-
lateral na qual, previamente, é possível ser verificado o custo x
benefício do pacto.
Exemplifica-se com a compra e venda. Nesta, em regra, o com-
prador verifica qual o item a ser adquirido e o seu preço, reali-
zando uma prévia equação financeira de custo x benefício. Ima-
gine uma pessoa, em uma loja, olhando o preço de uma camisa
e decidindo, diante do produto, se o custo x benefício compensa.
Casuística data de contrato comutativo.
Para CARLOS ROBERTO GoNÇALVEs68 contratos comutativos possuem uma
cláusula implícita impondo a obrigatoriedade de seu cumprimento,
desde que haja inalterabilidade da situação fática. Esta, acaso alte-
rada, modifica toda a base contratual (custo x benefício), impondo
sua revisão ou resolução. Justo por isto, são os contratos comutati-
vos o locus de aplicação da teoria da imprevisão.
Nessa toada, a priori não é possível a aplicação da teoria da
imprevisão em contratos aleatórios. Estes também traduzem mo-
dalidade de contrato oneroso e bilateral, mas, diferentemente dos
comutativos, possuem uma álea, entendida como um fator de sor-
te, de variação e imprevisibilidade. O contrato aleatório é geneti-
camente imprevisível.

68. GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito Civil Brasileiro. Contratos e Atos Unilaterais.
Vol. Ili. 7' edição. São Paulo: Saraiva. 2010, p. 51.
84 Direito Civil - Vol. 23 • Luciano figueiredo e Roberto figc1eiredo

Exemplifica-se com o contrato de seguro de automóveis, no qual


paga-se para assegurar a ocorrência de um risco, o qual nem sem-
pre é implementado. Com efeito, plenamente possível que haja o
pagamento do seguro e, durante todo o ano, não seja este acio-
nado. Igualmente possível que se pague o seguro e o veículo seja
roubado, recebendo o segurado indenização bem superior ao pa-
gamento do prêmio. Tudo dependerá do quê de imprevisibilidade;
de sorte.

~ Como o SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA se manifestou sobre o tema?


[._]
2. Nos contratos agrícolas de venda para entrega futura, o risco é ine-
rente ao negócio. Nele não se cogita a imprevisão.
(AgRg. no REsp 1210389/MS. Rei. Min. Nancy Andrighi. 3• Turma. DJe
27.09.13)

Mas seria possível, excepcionalmente, verificarmos a aplicação


da teoria da imprevisão em contratos aleatórios?
A resposta é positiva. Lembra Ruv RosADo DE Acu1AR Júr>10R69 que em
sendo a imprevisibilidade decorrente de fato estranho à álea do
contrato, plenamente viável a incidência da teoria da imprevisão
em sede de contrato aleatório. Assim sendo, tudo dependerá do
imprevisível estar, ou não, inserto na própria álea do contrato,
como bem adverte CA10 MÁRIO DA S1LvA PrnE1RA 7º.
Sintetizando o dito coloca-se o Enunciado 366 do CoNSELHo DA JusT1çA
FEDERAL, ao afirmar que "o fato extraordinário e imprevisível causador
de onerosidade excessiva é aquele que não está coberto objetivamen-
te pelos riscos próprios da contratação". Logo, arremata o Enunciado
440 do mesmo CONSELHO DA JusT1çA FEDERAL, "é possível a revisão ou resolu-
ção por excessiva onerosidade em contratos aleatórios, desde que o
evento superveniente, extraordinário e imprevisível não se relacione
à álea assumida no contrato".

69. ROSADO, Ruy. Extinção dos Contratos por Incumprimento do Deve::lor. 2• ed. Rio
de Janeiro: Aide, 2003, p. i57.
70. PEREIRA, Caio Mário. Instituições de Direito Civil. Vol. 111. p. i67.
Cap. 2 • Os Princípios Contratuais 85

E nos contratos unilaterais onerosos, seria possível a aplicação


da teoria da imprevisão?
Como visto, a imprevisão incidirá, no ordinário, em contratos
comutativos e, nos extraordinários, em contratos aleatórios. Ambos
- contratos comutativos e aleatórios - são bilaterais e onerosos.
Mas será que, excepcionalmente, seria viável aplicarmos a im-
previsão em contratos unilaterais e onerosos?
A resposta é positiva. O Código Civil dedica-se ao tema em seu
art. 480. Assim, nos contratos em que haja obrigações imposta a
apenas uma das partes (unilaterais), com o fito de ser evitada a
onerosidade excessiva, é viável que o devedor pugne pela redução
da prestação, ou pela modificação do modo de executá-la. A norma
tem um viés cautelar, pois o escopo é evitar onerosidade, condu-
zindo o contrato a níveis suportáveis de cumprimento.
Veicula-se um exemplo elucidativo. Imagine que João compro-
meteu-se a doar 100 kg de alimentos não perecíveis, a cada dois
meses, a uma comunidade isolada, cujos únicos acessos são uma
estrada de barro, ou embarcações. João comprometeu-se a levar
os alimentos, bimestralmente, de carro. Ocorre que, no inverno,
ficou inviável levar os alimentos. de carro, diante da precariedade
da estrada, acabada por conta das chuvas. João, então, opta por
enviar os alimentos em embarcações, durante todos os meses, em
quantias menores e sucessivas, para evitar a onerosidade excessi-
va. Infere-se clarividente aplicação do art. 480 do Código Civil.

~ Atenção!
Poderia o devedor em mora arguir a tese da teoria da imprevisão em
seu favor?
A resposta é negativa. Não é viável que aquele que esteja a violar urna
norma jurídica, venha a arguir a incidência da teoria da imprevisão, sob
pena de nítida configuração. de abuso de.direito, Seria um claro exemplo
de tu quoque, tema adiante estudado l}as figuras parcelares da boa-fé.
D'outra banda, uma vez configurada a mora haverá a perpetuação da
obrigação (perpetuation obligationes), respondendo o devedor mesmo
no caso fortuito e na força maior, salvo se comprovar isenção de culpa
ou que o dano sobreviria ainda que a obrigação tivesse sido oportuna-
mente desempenhada (CC, art. 399).
86 Direito Civil - Vol. 13 • Luciano Fígueiredo e Roberto Figueiredo

Exemplificando o dito, Cri.1sr1AN0 CHAVES oE FÂR1As e NmoN RosENVAL01 1 veiculam


a segúinte situação: imaginem que A faria. o transporte marítimo de
uma mercadoria do Brasil à Espanha. Todavia A estava em mora há
trinta dias; sendo que a prestação ainda era do interesse de B. Neste
interi.ITl . ecl.ode uma c;uerra, elevan.do o preço do combustível em 5oºk
(cinquenta por cento). Caso A solicite a aplicação da teoria da imprevi-
são, para revisão do pagamento do transporte por aúmento do preço
do combustível, a tese não deve ser acolhida. Isto, porque, A já estava
em mora quando do fato que gerou a excessiva onerosidade.
Seria um claro exemplo de tu quoque. Ademais, A, que já está e mora,
terá a obrigação perpetuada, respondendo pela perda mesmo que no
caso fortuito ou na força maior, salvo se comprovar isenção de culpa
ou que o dano sobreviria ainda que a obrigação tivesse sido oportuna-
mente desempenhada (CC, art. 399).

c) Acontecimento de fato novo, superveniente, imprevisível e


extraordinário.
Não será qualquer acontecimento apto a ocasionar imprevisão.
Vê-se pela própria evolução histórica do tema que a primeira nor-
matização sobre o assunto foi em decorrência de um evento im-
pensado até então: Primeira Guerra Mundial.
O acontecimento gerador da imprevisão, verbera PAULO Lôso1 2 , há de
ser exterior ao contrato, não tendo sido provocado pelas partes. Caso
uma das partes tenha sido causador da circunstância onerosa, haverá
de responder por sua conduta, não se falando em imprevisão.
O acontecimento é qualificado como extraordinário por ser
anormal e estranho ao vínculo contratual. Está fora dos riscos usu-
ais do negócio.

• Como o SUPERIOR TRIBUNAL DE JusrxÇA manifestou-se sobre o tema?


DIREITO .CML. NÃO CARACTERIZAÇÃO DA "FERRUGEM ASIÁTICA" COMO FATO
EXTRAORDINÁRIO E IMPREVISÍVEL PARA FINS DE RESOLUÇÃO DO CONTRATO.

7L FARIAS, Cristiano Chaves. ROSENVALD, Nelson. Contratos. Teoria Geral dos Contra-
t~s e Contratos em Espécie. Vol. IV. 5• Edição. São Paulo: Atlas. 2015, p. 565.
72. LOBO, Paulo. Direito Civil. Contratos. São Paulo: Saraiva. 2011, p. 202.
Cap. 2 • Os Princípios Contratuais 87

~ oc?rrê,ocia. ele .~t~rr1.,1ç~~ asiátif~:'. n~; ''~oijr,a . . ~~ ~~fli·nr •· ·


por si $\$~ a. ~e~ll.l~O de co,nu·a~o ~e cor1mr~ everr~.a. de s~f
em i'azão de onerosidadé eli~e~iva:ê lssõ. po~~í.te ó aCt~~nfâ·,a . .. Q~
ença em lavoura de soja não constitui o fato êxtraorcli~âtitr e trjipJeVi"
sível exigido pelo art; 47~ d.o cc/2002, q1Je disp9e sobre<ar~sofüção µó
contrato por onerosid.ade excesl)iva •. Precedente cltiiçlo;. ~~$P 97Nl07~
GO, Terceira Turma, OJe 2/12/2009. ·
(REsp 866.414-GO, Rei. Min. Nancy Andrighi, julgado em 20/6/2013).

Nessa toada, assim como causas comezinhas não devem ser


entendidas como imprevisíveis, não há como exigir acontecimentos
espetaculares e magnânimos, sob pena de ocaso teórico do institu-
to. Leva-se em conta na análise da imprevisibilidade, advoga FlÁv10
TARTUCE 73 , circunstâncias subjetivas das partes naquele determinado
negócio jurídico.
Todavia, não é possível, igualmente, ser admitido como fato
apto a ocasionar a imprevisão situações subjetivas exclusivamente
ligada às partes. Necessita-se, afirma S1Lv10 oo SALVO VENosA74, que o fato
diga respeito ao certa camada social.
d) Alteração da base econômica do contrato - também chama-
da de alteração da base objetiva - gerando onerosidade
excessiva para uma das partes e extrema vantagem para a
outra, quando em comparação com a base econômica origi-
nária do contrato.
o fato superveniente, imprevisível e extraordinário há de atingir
a base econômica ou objetiva do contrato, gerando onerosidade
excessiva para urna das partes e extrema vantagem para a outra.
A imprevisibilidade "deve ser interpretada não somente em re-
lação ao fato que gere o desequilíbrio, mas também em relação às
consequências que ele produz", como bem coloca o Enunciado 175
do CoNsELHIO oA Jusr1çA FEDERAL. Logo, pontua o Enunciado 17 do CoNSELHO

73. Manuel?. de Direito Civil - Volume único. 34 Edição. São Paulo: Método. 2014, p.
618.
74. VENOSA, Silvic do Salvo. Direito Civil. Teoria Geral das Obrigações e Teoria Geral
dos Contratos. 10 Edição. São Paulo: Atlas. 2010, p. 476.
88 Direito Civil - Vol. 13 • Luciano Figueiredo e Roberto Figueiredo

DA JusT1çA FEDERAL, "a interpretação da expressão 'motivos imprevisíveis',


constante do art. 317 do Código Civil, deve abarcar tanto causas de
desproporção não previsíveis como também causas previsíveis, mas
de resultados imprevisíveis".
Contrato é uma balança. o direito tenta equalizar o fiel da ba-
lança, gerando justiça contratual. O contrato deve gerar trocas úteis
e justas (Enunciado 22 do CONSELHO DA Jusr1çA FEDERAL). Nessa ótica, uma
vez desbalanceado o contrato, há de existir dirigismo contratual, in
casu, através da teoria da imprevisão. Logo, fatos mesmo que pre-
visíveis (greve, fome, guerra) podem se encaixar como excessiva-
mente onerosos e abrir caminho à aplicação da teoria, caso sejam
fatos capazes de gerar, no contrato, excessiva onerosidade a uma
das partes e extrema vantagem para a outra. A análise é casuística.
O fato há. de gerar uma lesão objetiva para uma das partes, que
assumiu o compromisso obrigacional. Nesse sentido, na forma do Enun-
ciado 365 do CoNSELHo DA JuSTIÇA FEDERAL, "a extrema vantagem do art. 478 deve
ser interpretada como elemento acidental da alteração de circunstâncias,
que comporta a incidência da resolução ou revisão do negócío por one-
rosidade excessiva, independentemente de sua demonstração plena".

.- Atenção!
A teoria da imprevisão não pressupõe, para sua configuração, enri-
quecimento de uma das partes em detrimento da outra. Como bem
ensinam Pablo Stolze Gagliano e Rodolfo Pamplooa Filho1s, a super-
veniência de circunstância inesperada poderá ocasionar onerosidade
excessiva para ambas as partes, sendo viável, inclusive neste cenário,
a aplicação da teoria.

Mas uma vez verificada a imprevisão, o que fazer?


Duas são as saídas positivadas no Código Civil: i. Revisão do
contrato e ii. Resolução do contrato.
i. Revisão do contrato.

Como visto no volume de parte geral, negócios jurídicos, sem-


pre que possível, devem ser conservados. Logo, vaticina o art. 479

75. Direito Civil. Teoria Geral dos Contratos e Contratos em Espécie. Vol. ill. 1 ia Edi-
ção. São Paulo: Método. 2015, p. 316.
Cap. 2 • Os Princípios Contratuais 89

do Código Civil ser viável evitar a resolução do contrato por impre-


visão, se o réu oferecer modificar, equitativamente, as condições
do contrato.
O réu é justamente aquele que percebeu a extrema vantagem
com o fato superveniente. Nessa esteira, poderá o réu evitar a re-
solução do contrato, o reenquadrando em bases razoáveis, sendo
reestabelecida a justiça contratual.
Obviamente que não é dado ao réu o poder de, ao seu alvitre,
decidir sobre as novas bases contratuais. Propugna o Enunciado
367 do CoNsELHo DA JusnÇA FEDERAL que "em observância ao princípio da
conservação do contrato, nas ações que tenham por objeto a reso-
lução do pacto por excessiva onerosidade, pode o juiz modificá-lo
equitativamente, desde que ouvida a parte autora, respeitada a sua
vontade e observado o contraditório".

.. E na hora da prova?
Ano: 2011 Banca: CESPE órgão: TRE-ES Prova: Analista Judiciário - Área
Judiciária
A respeito de prescrição e resolução de contratos, Íulgue o item
Subsequente.
Caso fornecedor ajuíze ação visando, com base na teoria da impre-
visão, a resolução de contrato de fornecimento de mercadorias do
qual é parte, o juiz pode alterar cláusula contratual a fim de evitar tal
resolução.
Gabarito: Errado

Mas a revisão apenas será possível na hipótese do réu se ofe-


recer para tanto?
Excelente debate. Pela literalidade do art. 479, sim. Todavia,
ensina MARIA HELENA D1N1z 76 que se é possível ao magistrado o mais
- resolver o contrato-, igualmente será possível o menos - revisá-
-lo -, em atenção ao princípio da conservação dos atos e devido
processo legal.

76. DINIZ, Maria Helena. Curso de Direito Civil Brasileiro. Teoria das Obrigações
Contratuais e Extracontratuais. 27 Edição. São Paulo: Saraiva. 2011, p. 48.
90 Direito Civil - Vol. 13 • Luciano Figueiredo e Roberto Figueiredo

Assim coloca-se o Enunciado 176 do CoNSELHo DA JusTtÇA FEDERAL, ao


afirmar que "em atenção ao princípio da conservação dos negócios
jurídicos, o art. 478 do Código Civil de 2002 deverá conduzir, sempre que
possível, a revisão judicial dos contratos e não à resolução contratual".
E poderia o réu (beneficiado pela imprevisão), ao revés de
aguardar ser demandado para propor a revisão, já ajuizar a ação
revisionai do contrato, tornando-se autor?
A resposta, mais uma vez, é positiva. Malgrado a norma fale na
possibilidade do réu pleitear a revisão do contrato, atento ao fato
de ser este aquele que está a gozar da extrema vantagem, nada
impede que haja antecipação, ajuizando-se ação de revisão do
contrato antes do prejudicado pleitear a incidência da imprevisão.
Neste cenário, quem seria futuro réu em uma ação de resolução
do contrato por imprevisão, torna-se autor em uma ação de revi-
são do pacto, con;io obtempera CARLOS RosERTo GoNÇALvEs 77 •
Outrossim, essa "revisão do contrato por onerosidade excessiva
fundada no Código Civil deve levar em conta a natureza do objeto
do contrato. Nas relações empresariais, observar-se-á a sofisticação
dos contratantes e a alocação de riscos por eles assumidas com o
contrato". Decerto, os riscos inerentes ao negócio, em cada caso
concreto, hão de ser considerados.
ii. Resolução contratual.
Não sendo viável a revisão, o caminho será a resolução do con-
trato, compreendida como sua extinção e retorno das partes ao
status quo ante.
Revisando ou resolvendo o contrato, nas pegadas do art. 478 do
Código Civil, a decisão retroagirá à data da citação.

~· E na hora da prova?
Ano: 2013 Banca: FCC órgão: TRT - lª REGIÃO (RJ) Prova: Juiz do Trabalho
Substituto

77. GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito Civil Brasileiro. Contratos e Atos Unilaterais.
Vol. Ili. 7" edição. São Paulo: Saraiva. 2010, p. 200.
Cap. 2 • Os Princípios Contratuais 91

segundo a teoria da irnpr~~iSãô ád'otadà n'?Códigô ~·ivil;•·.• .·


a) é precis() que, eRi cont['at8~ ~~ ex~:~ú~~~ cõnti~~a~·~'.}6~·::
i ';··;~~:
oéorra onerosidade excessi'va~. uma
das partes,. com'E!)(t ......•. · • .11-
tagem. para a outra,:em virtude; de accmtecirnent~Sl:extfa~r4i.nâ~
rios e imprevisíveis, hipótes~ em gµe poderá o<dE!V,~~of,P.~st~iar
a resolução do co11trato;, retroagindo qs efeitosd.da, séhfénça qµ~ a

::::~:~ !sé;e~:~õ:: d: ~b~:~~ci~:s;:;~~~Íias'à res~1a~ã~',}~:ntra-


1
b) .•. . ••
tua1. pôr imprevisão efll,Virtúde de 3,CO(\têéirriêtti()~;l;!~~ápf~iiléÍÍiO$
e imprevisíveis, não ·h~vendó lgüal rl.ormatizaçã~ 1\~ t6:~1gÓ•Clv,il. ·
c) é preciso apenas que haja,. em contra,tos· de .e~.efüç~~ .tóndnUad;ii
ou diferida! onerosidade excessiva a uma das partes, parague
possa ela, independentemente de outrosrequisitos,pleiteâraré-
solução do contrato,· retroagindo OS· efeitos da sentença:.quê. a de-
cretar à data da citação.
d) é preciso que, nos contratos de execução co~tinuadáô~diferida,
a prestação de uma das pártes torne- se excessivamênte onero-
sa, com extrema vantagem para a outra, em virtude'. de aconteci-
mentos extraordinários e imprevisíveis, hipótese em· que poderá o
devedor pedir a resolução dó c:óntrato, retroagindo os efeitos da
sentença que a decretar à. data da citação.
e) é preciso que, em contr:atos de execução imediata; continuada ou
diferida, ocorra onerosidade excessiva a uma das pa,rtes, com e.x-
trema vantagem para a outra; em virtude de aeont~Cir,ntinto~,e*tra~
ordinários e i!Tlprevisíve.is, oc~sião em que poder?oqe~eclor pos,-
tular a resolução do contrato, retroagindo os efeitosda' s'eiitençcl: à
época da citação. · ·
Gabarito: d

Teoria da imprevisão confunde-se com lesão?


A confusão feita por alguns, e vez por outra explorada em pro-
vas, reside no fato de que tanto a teoria da imprevisão, como a
lesão, tem uma circunstância em comum: a desproporção entre
as parcelas pactuadas. Assim, combatendo a desproporção, tanto
a lesão, como a imprevisão, são calcadas em um ideal de justiça
contratual.
Apesar da aproximação, os institutos em apreço são bem di-
ferentes. A lesão combate a desigualdade contratual genética,
92 Direito Civil - Vol. 13 • Luciano Figue:redo e Roberto Figueire::fo

manifestada no seu nascedouro; enquanto que a imprevisão vai ao


encontro da desigualdade contratual posterior, verificada por fato
superveniente.
Lesão relaciona-se aos defeitos do negócio jurídico, ligando-se
às invalidades (plano de validade do negócio). Para que seja confi-
gurada a lesão demandam-se dois requisitos:
a) Objetivo: caracterizado pela desproporção entre a pres-
tação e a contraprestação fixadas no negócio jurídico. Im-
portante observar que o Código Civil não indica o nível de
desproporção, o que é positivo, por prestigiar o princípio da
operabilidade, através de conceitos abertos que serão pre-
enchidos pelo Magistrado in casu, de acordo com a boa-fé e
os usos e costumes do lugar.
b) Subjetivo: Inexperiência ou premente necessidade de uma
das partes, a ser percebida de acordo com o caso concreto,
onde as condições pessoais do lesado serão verificadas ao
lado do elemento objetivo, ou seja, da desproporção en-
tre as parcelas. É possível que essa premente necessidade
transcenda o viés econômico, manifestando-se, por exem-
plo, para situações de cunho moral.
Há lesão, portanto, quando da verificação da desproporção en-
tre as parcelas pactuadas, no momento da celebração do negócio
jurídico, por inexperiência ou premente necessidade de uma das
partes. Tais requisitos, por dizerem respeito à validade, hão de ser
analisados no momento da celebração do negócio jurídico. A lesão
nasce com o negócio jurídico. A consequência da lesão será a revi-
são ou anulação do ato (CC, art. i57). O tema é tratado no volume
de parte geral.
Já a imprevisão está no campo da eficácia do negócio jurídico (pla-
no de eficácia), dialogando com seus efeitos. Na imprevisão há um
negócio jurídico válido, mas que fora atingido no seu plano eficacial,
por fato um superveniente que desequilibrou sua base econômica ou
objetiva. Na imprevisão verifica-se desproporção por fato superve-
niente. A consequência será a revisão ou resolução do negócio.
E no Código de Defesa do Consumidor, também haveria aplica-
ção da teoria da imprevisão?
Cap. 2 • Os Princípios Contratuais 93

O Código de Defesa do Consumidor afirma, dentre os direitos


básicos do consumidor, a revisão do contrato, em razão de fatos
supervenientes, que o torne excessivamente oneroso (CDC, art. 6, V).
Diferentemente do Código Civil, que demanda ser o fato im-
previsível, o Código de Defesa do Consumidor exige apenas a one-
rosidade excessiva. Logo, os universos são diferentes. Enquanto
o Código Civil adota a teoria da imprevisão, de base francesa, o
Código de Defesa do Consumidor acolhe a teoria da onerosidade
excessiva, também chamada de teoria da base objetiva do contra-
to ou teoria de equldade contratual, de base alemã.
A teoria da onerosidade excessiva não corresponde exatamen-
te à teoria da imprevisão. Aquela (onerosidade excessiva) está
mais focada na questão da desproporção, deixando ao largo a
imprevisibilidade.
Sinaliza PAULO Lôso 78 que o Código de Defesa do Consumidor é
o melhor sinal de situação na qual se afasta a teoria da impre-
visão e se adota a teoria da base objetiva do contrato, também
chamada de equidade contratual, muito bem desenvolvida pelos
alemães, em claro sinal de recuperação do ideál da cláusula rebus
sic stantibus.

~ Como o SUPERIOR TRIBUNAL DE Jusnça se manifestou acerca do tema?


DIREITO CIVIL E DO CONSUMIDOR. HIPÓTESE DE INAPLICABILIDADE DA TEORIA
DA BASE OBJETIVA OU DA BASE DO NEGÓCIO JURÍDICO.
A teoria da base objetiva ou da base do negócio jurídico tem sua apli-
cação restrita às relações jurídicas de consumo, não sendo aplicável
às contratuais puramente civis. (REsp i.321.614-SP, Rei. originário Min.
Paulo de Tarso Sanseverino, Rei. para acórdão Min. Ricardo Villas Bôas
Cueva, julgado em 16/12/2014, DJe 3/3/2015)

o clássico exemplo na jurisprudência nacional de aplicação


da teoria da onerosidade excessiva foi a revisão dos contratos
de arrendamento mercantil (leasing), em função do dólar, após a
transição do câmbio fixo para o móvel, nos idos de 1999. Com a

78. LÔBO, Paulo. Direito Civil. Contratos. São Paulo: Saraiva. 2011, p. 207.
94 Direito Civil - Vol. 13 • Luciano Figueiredo e Roberto Figueiredo

excessiva onerosidade aos consumidores, o SuPERIOR TRIBUNAL DE Jusn-


ÇA ordenou a revisão, independentemente da imprevisibilidade do
fato, com a consequente divisão do ônus entre as partes (arrendante
e arrendatário). Há inúmeros julgados nesta linha. No particular, data
vênia, registra-se dois estranhamentos: i. a tese da divisão do ônus,
mormente em uma relação de consumo, na qual há, nitidamente, um
hipossuficiente e ii. recente decisão do mesmo SUPERIOR TRIBUNAL DE Jus11ÇA
em sentido contrário a decisões históricas sobre o assunto. Cita-se:

~ Como o SuPERIOR TRIBUNAL oe JuSTiça se manifestou acerca do tema?


Maxidesvalorização do real em face do dólar americano e teorias da
imprevisão e da onerosidade excessiva.
Tratando-se de relação contratual paritária - a qual não é regida pelas
normas consumeristas - a maxidesvalorização do real em face do dólar
americano ocorrida a partir de janeiro de 1999 não autoriza a aplica-
ção da teoria da imprevisão ou da teoria da onerosidade excessiva,
com intuito de promover a revisão de cláusula de indexação ao dólar
americano.
(REsp i.321.614-SP, Ref. p/ ac. Min. Ricardo Villas Bôas Cueva, DJe 3.3.15.
3ª T. - lnfo STJ 556)

Ainda voltando os olhos ao Código de Defesa do Consumidor,


percebe-se que a consequência da onerosidade excessiva será a
revisão do contrato, ao revés de sua resolução.
Do dito, conclui-se que há atecnia no Código Civil Nacional no
momento em que intitula a sua Seção IV "Da Resolução do Contrato
por Onerosidade Excessiva" e disciplina, no art. 478, a teoria da im-
previsão, ao exigir a imprevisibilidade como requisito. o legislador
nacional, impropriamente, trata como sinônimos coisas que não o
são - imprevisão e onerosidade excessiva -, fato cristalino quando
do cotejo do Código Civil com o Código de Defesa do Consumidor.
Ainda nas dúvidas e debates sobre o tema, pergunta-se: é vi-
ável, através do exercício da autonomia privada, ser aposta cláu-
sula contratual expressa afastando a incidência do instituto da
imprevisão?
Na seara do consumo, seguramente a resposta é negativa, sen-
do nitidamente uma cláusula abusiva e, consequentemente nula,

L
Cap. 2 • os Princípios Contratuais 95

nas pegadas do art. 51 do coe. Nos contratos de adesão, igualmen-


te nula a disposição, por implicar na vedada renúncia antecipada
a direito (CC, art. 424).
E nos contratos paritários, seria possível a cláusula de exclusão?
Concordamos com PABLO S10LZE GAGUANo E RODOLFO PAMPLONA F1LH019 no
sentido de ser a imprevisão uma questão de ordem pública, impas-
sível de afastamento pela vontade das partes, pois relacionada à
função social e equivalência material das prestações (CC, art. 2.035
do Código Civil).
Ruv RosAoo DE Acu1AR JúNIORSo pontua que, em verdade, diante do
sistema de cláusulas gerais do Código Civil, é plenamente possível
a revisão ou extinção dos contratos pautada nos princípios da boa-
-fé e função social. Arremata o Autor, nessa linha de pensamento,
que imprevisão acaba sendo reduzida a um locus subsidiário, de
aplicação apenas em situações nas quais as revisões e extinções
não são viáveis pela teoria geral.
Seguindo este pensamento, é possível concluir pela inviabilida-
de de afastamento, por ato de vontade, da prerrogativa de revisão
ou extinção do contrato por desbalanceamento superveniente. o
próprio sistema principiológico contratual, mormente o ideal de
equivalência material das prestações, impõe a revisão ou resolu-
ção em casos como este.
Registra-se que o pensamento ora defendido não é uníssono da
doutrina, encontrando vozes dissonantes, como a de S1Lv10 DO SALVO
VENOSA81 • Segundo esse Autor, inviável seria apenas a cláusula geral
de renúncia à revisão dos contratos. A cláusula específica - como
aquela que impede revisão por imprevisão, em função de um novo
plano econômico - para o Autor é possível, coadunando-se com o
exercício da autonomia privada.

79. Direito Civil. Teoria Geral dos Contratos e Contratos em Espécie. Vol. Ili. lia
Edição. Sãc Paulo: Método. 2015, p. 326.
80. ROSADO, Ruy. Extinção dos Contratos por Incumprimento do Devedor. 2• ed. Rio
de Janeiro: Aide, 2003, p. 152.
81. VENOSA, Sílvio do Salvo. Direito Civil. Teoria Geral das Obrigações e Teoria Geral
dos Contratos. 10 Edição. São Paulo: Atlas. 2010, p. 482.
96 Direito Civil - Vol. 13 • Luciano Figueiredo e Roberto Figueiredo

~. A~nção!
o que é a cláusula haraship?
Hardship pode ser significada cómo adversl(fade, ·lnfonulto. Afeta ao
Direito Internacional, a cláusula''har'dShlP'. se ap~ka qt~andg du[<lnte a
execução do. contrato. há mucta.nÇas em circunstâncias eéon<)mica.s, po-
. l(ticas ou sociais capazes dé afü~rar o equilíbrio ecónômÍCo-fin·aHceiro
d~ pa,a,uàtJo.•.Nessa: tóa.da.;.a. ~~Renqer dá ~)<tensão ido~ ev~titos, os
c-0ntratantes réstarão tóltildos'éle' executar o contrato na forma origi"
nàriaménté,pactuadâ; · · ' · · ·· ' ·· · · · ·
A cláusula hardship demanda previsão 'expressa uo contrato, sigóÍficandÓ
uma espécie de aplicação dos ideais da imprevisão e de onerosidade
excessiva· à. seara internacional~ Sua previsão iem notfcia nós Prinçípjos
. relativos à Unicfioít. Uma vez Verífü:a~a a aqversidade, h~ um dever de
reáde,quàção co~tratual, àflrm.artl CRíSitANÓ ~AvEs be FARIAS é NEISON RoSENVALo82 •
Par;:i. . que reste configurada a incidência. da clá~sula; são requisitos
necessários e cumulativos: · . .· · .
a) Alteração fundamental das condições econôrnicas - tal alteração
poderá decorrer tanto do aumento dos cústos envolvidos, como na
diminuição do valor da contraprestação;
b) Superveniência do evento - tais eventos decorrem de amplos mo-
vimentos de mercado, demandando-se que os efeitos do evento
sejam sentidos, pelas partes contraentes, após a celebração do
contrato;
c) Imprevisibilidade do evento - o evento gerador do hardship há de
ser avesso à vontade das partes, exterior, bem como não dizer
respeito ao eventual risco assumido pelos contratantes (álea).
Nada impede que a própria cláusula hardship elenque quais os evéntos
que compreendem sua incidência, em uma normatizàÇãó atinente à
autonomia privada. Outrossim, plenamente viável a adoção da cláusula
em contratos domésticos, desde que expressamente disciplinada.

5. PRINCÍPIO DA BOA-FÉ

A significação da boa-fé remete a leitura de dois conceitos,


de microrracionalidades diversas. Em um primeiro momento, o

82. FARIAS, Cristiano Chaves. ROSENVALD, Nelson. Contratos. Teoria Geral dos Contra-
tos e Contratos em Espécie. Vol. IV. Sª Edição. São Paulo: Atlas. 2015, p. 225.
Cap. 2 • Os Princípios Contratuais 97

conceito romano, interno, psíquico de fidelidade à palavra dada e


boa-fé subjetiva (bona fides). Em um segundo momento, o conceito
alemão, externo, comportamental, traduzido no rreu und Glauben
(lealdade e confiança), de boa-fé objetiva.
A Codificação Civil nacional oitocentista, de 1916, adotava o ideal
da boa-fé subjetiva (bona fides). A significava, nas lições de PABLO SroL-
zE GAGUANo E RODOLFO PAMPLONA FILHo83 , como "uma situação psicológica, um
estado de ânimo ou de espírito do agente que realiza determinado ato
ou vivência de dada situflção, sem ter ciência de vício que a inquina".
Ter boa-fé subjetiva seria equivalente a desconhecer fatos im-
peditivos ao exercício de uma dada prerrogativa, reconhecendo,
dentro do respectivo nível de compreensão da situação, que a pró-
pria conduta está correta. Traduz a ignorância, naquela situação,
sobre a realidade dos fatos e lesão a direito alheio.
CARLOS ROBERTO GoNÇALvEs84 bem recorda que a boa-fé subjetiva é
uma norma de interpretação, servindo à consciência daquele que
está agindo, supostamente, conforme o direito. Para JuDITH MARTINs-
-CosrA85 é um estado de consciência ou convencimento individual da
parte em seu agir estar em conformidade com o direito. Condiz
com um estado psicológico de intima convicção. Trazendo notícia
sobre o direito romano, PAULO Lõso 86 informa que, nos dizeres de
Cícero, a boa-fé subjetiva liga-se a honestidade e retidão.
O Código Civil de 2002 não abandonou por completo o ideal de
bona fides. O adota, por exemplo, na seara dos Direitos Reais, ao
tratar sobre o conceito de posse de boa-fé, a entendendo com
aquela na qual o possuidor desconhece vício ou obstáculo que im-
peça a aquisição da coisa (CC, art. i.201).
Entrementes, na seara dos negócios jurídicos e dos contratos
(obrigações), o legislador nacional de 2002 - assim como o alemão

83. Direito Civil. Teoria Geral dos Contratos e Contratos em Espécie. Vol. Ili. IP
Edição. São Paulo: Método. 2015, p. 100.
84. GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito Civil Brasileiro. Contratos e Atos Unilaterais.
Vol. Ili. ?ª Edição. São Paulo: Saraiva. 2010, p. 55.
85. MARTINS-COSTA, Judith. A Boa-fé no Direito Privado. São Paulo: Revista dos
Tribunais, 1999, p. 411.
86. LÔBO, Paulo. Direito Civil. Contratos. São Paulo: Saraiva. 2011, p. 73.
98 Direito Civil - Vol. 13 • Luciano Figueiredo e Roberto Figueiredo

de 1900, o português de 1966 e o italiano de 1942 - abraçou o


conceito de boa-fé objetiva, comportamental, a significando como
uma verdadeira e exigível regra de comportamento ético. Seguiu o
legislador civilista o influxo de ideias já adotadas no Código de De-
fesa do Consumidor, o qual abraça a boa-fé no seu art. 4, Ili. Cami-
nhou com a boa-fé significando eticidade negocial, materializando
um dos princípios do Código Civilª 7•

~ Como.se pronunciou o SUPERIOR TRIBUNAL oE JusrxÇA sobre. o tema?


RECURSO ESPECIAL. CIVIL. SEGURO DE AUTOMÓVEL. QUESTIONÁRIO DE AVALIA-
ÇÃO OE RISCO. INFORMAÇÕES INVERÍDICAS DO SEGURADO. CONDUTOR PRINCI-
PAL. VAGA DE GARAGEM. INTERFER~NCIA NA CLÁUSULA DE PERFIL. PAGAMENTO
DE PR~MIO A MENOR. MÁ-Ft CONFIGURAÇÃO. PERDA DO DIREITO À GARANTIA
NA OCORR~NCIA DO SINISTRO. EXEGESE.DOS ARTS. 765 E 766 DO CC.
1. o contrato de seguro é baseado no risco, na mutualidade e na boa-
-fé, que const.ituem seus elementos essenciais. Além disso, nesta es-
pécie de. contrato, a boa-fé assume maior relevo, pois tanto º, ri~co
quanto. o mutualismo são dependentes das afirmações das propnas
partes contratantes ..
2. A seguradora, utili:iando-se das informações prestadas pelo segura-
do, como na cláusula de perfil; chega a um valor de prêmio conforme o
risco garantido ~ a classe tarifária enquadrada, de modo que qualquer
risco não previsto no contrato desequilibra economicamente o seguro,
dado (jue não foi incluído no cálculo atuarial nem na mutualidade con-
tratúal (bâs~ ec:onõmica do seguro).
3. A má~fé ou a fraude são penalizadas sev.erame.nte no contrato. de
seguro. Com efeito, a fraude, cujÔ princípio é contrário à boà-fé, invia-
biliza o seguro jústamente porque altera a relação de proporcionalida-
de que deve existir entre o .risco e a mutualidade, rompendo, assim, o
equilíbrib econômico do contratá, em prejuízo dos demais segurados.
4. A penalidade para o segurado que agir de má-fé; ao fazer declarações
inexatas.ouC>mh:ir circunstâncias que possam influir nâ aceitação (ja pro-
posta pela seguradora ou na taxa do prêmio, é a perda do direito à garan-
tia na ocorrência dó sinistro (art. 766 do CC). E assim é porque o segurado
e o segurador são obrigados a guardar, na conclusão e na execução do
contrato, a mais estrita boa-fé e veracidade, tanto a respeito do objeto
como das circunstâncias e declarações a ele concernentes (art. 765 do CC).

87. os princípios do Código Civil são eticidade, sociabilidade e operabilidade. Estão


tratados no volume de parte geral, para o qual se remete o leitor que deseje
se aprofundar sobre o tema.
Cap. 2 • Os Princípios Contratuais 99

5. Apenas se o segurado agir de boa-fé, ao prestar declarações ine.xa~


tas ou omitir informações relevantes, é que o segurador poderá resol-
ver o contrato ou, ainda, cobrar, mesmo após o sinistro; a diferehçá' do
prêmio, sem prejuízo da indenização securitária.
6. Retirar a penalidade de perda da garantia securitária nas fraudes
tarifárias (inexatidão ou omissão dolosas em informação que possa
influenciar na taxa do prêmio) serviria de estímulo à prática desse
comportamento desleal pelo segurado, agravando, de módo sistêmico,
ainda mais, o problema em seguros de automóveis, em prejuízo. da
mutualidade e do grupo de exposição que iria subsidiar esse risco
individual por meio do fundo comum.
7. Recurso especial não provido.
(REsp 1419731/PR:. Rei. p/ Acórdão Min. Ricardo Villas Bôas cueva. 3ª
Turma. D)e 09.09.2014)

A boa-fé objetiva considera um padrão comum de conduta, verifi-


cando se o sujeito agiu, ou não, consoante este determinado padrão.
Trata-se de regra de conduta veiculada mediante uma cláusula aberta,
como o foi e'TI boa parte dos ordenamentos jurídicos ocidentais.
Seu conteúdo é amoldado na análise do caso concreto, sendo
uma espécie de confiança adjetivada. Justo por isto, recorda S1Lv10
Do SALVO VENos.>.88 que na análise da boa-fé "devem ser examinadas as
condições em que contrato foi firmado, o nível sociocultural dos con-
tratantes, o momento histórico e econômico".
Para CR1sr1ANO CHAVES DE FARIAS e NELSON RosENVALD 89 a boa-fé objetiva é
um arquétipo ou modelo de comportamento social que nos apro-
xima de um conceito ético de proceder de forma correta. É uma
conduta esperada consoante os padrões sociais.
Então é possível diferenciar boa-fé subjetiva da objetiva?
Seguramente. Pelo visto, clarividente a diferenciação entre o
viés subjetivo e objetivo da boa-fé. FERNANDO NoRoNHA9º, bem tratando

88. VENOSA, Silvio do Salvo. Direito Civil. Teoria Geral das Obrigações e Teoria Geral
dos Contratos. io Edição. São Paulo: Atlas. 2010, p. 524.
89. FARIAS, Cristiano Chaves. ROSENVALD, Nelson. Contratos. Teoria Geral dos
Contratos e Contratos em Espécie. Vol. IV. 5" Edição. São Paulo: Atlas. 2015, p. 146.
90. NORONHA, Fernando. o Direito dos Contratos e seus Princípios Fundamentais,
p. 132.
100 Direito Civil - Vol. 13 • Luciano Figueiredo e RoberttJ Figue,redo

do tema, verbera que "a primeira diz respeito a dados internos,


fundamentalmente psicológicos, atinentes diretamente ao sujeito; a
segunda a elementos externos, a normas de conduta que determinam
como ele deve agir. Num caso está de boa-fé quem ignora a real situ-
ação jurídica; no outro, está de boa-fé quem tem motivos para confiar
na contraparte. Uma é boa-fé de estado, a outra, boa-fé de prinápio".
Infere-se, então, ser plenamente viável o sujeito agir com boa-
-fé subjetiva - por desconhecer vício que inquine o seu direito -,
mas não observar a objetiva - por ter comportamento, em relação
ao outro, que afronte padrões médios de conduta, segundo os
usos de determinado lugar.
A boa-fé objetiva incorpora-se ao direito nacional em nítida im-
portação Alemã. Com tal incorporação, passa a doutrina a veicular
as funções da boa-fé objetiva, sendo elas: a) Interpretativa ou de
Colmatação. Função de Interpretação; b) Criadora de Deveres Ju-
rídicos Anexos ou de Proteção. Função de Integração e c) Delimita-
dora de Exercício de Direitos Subjetivos. Função de Controle. Sobre
este caráter multifuncional da boa-fé que se passará a abordar,
analisando cada uma das funções.
a) Função Interpretativa ou de Colmatação. Função de
Interpretação.
Nas pegadas do art. 113 do Código Civil, na interpretação dos
negócios jurídicos deve o operador do direito considerar a boa-fé
e os usos do local de sua celebração.
Vaticina CL6v1s Do Couro E S1LvA 91 que "o princípio da bca-fé revela-se
como delineador do campo a ser preenchido pela interpretação inte-
gradora, pois, da perquirição dos propósitos e intenções dos contra-
tantes, pode manifestar-se a contrariedade do ato aos bons costumes
ou à boa-fé".
Digno de nota, porém, que a boa-fé e a ética não :são conceitos
jurídicos. São ideais que ultrapassam, em muito, um dano sistema
e o próprio direito. Nessa toada, enxergando a boa-:é em sua fa-
ceta interpretativa, o Enunciado 27 do CoNSELHo DA Jusr1ÇA FEDERAL firma

91. A Obrigação corno Processo. São Paulo: Bushatslw, i976, p. 33-34.


Cap. 2 • Os Princípios Contratuais 101

que "na interpretação da cláusula geral da boa-fé, deve-se levar em


conta o sistema do Código Civil e as conexões sistemáticas com outros
estatutos normativos e fatores metajurídicos".
Em sendo a ética conceito além do direito, o operador do direi-
to deve ir além das barreiras normativas, visando melhor interpre-
tar e executar os contratos sob a lente da ética.

., Atenção!
a
Recorda PAULO lôao92 que boa'..fé, COrríO ideal de étiéa, 'transborda as
raias do Direito Civil~ sendÓ aplicável em outros campos normativos.
Apenas como. exemplos, lembra. o Autor do princípió da moralidade,
atinente à Administração PúbUéa (CF;. art. 37), ou. ainda do regramento
sobre o tema no Código de Defesado Consumidor (CDC" art. 51).
Em .cada uma dessas searas a boa-fé adequa-se, exercendo importante
papel de lente significadora de valores confiáveis, probos e éticos.

b) Função Criadora de Deveres Jurídicos Anexos ou de Prote-


ção. Função de Integração.
Conforme estudado no volume dedicado às obrigações, hodier-
namente enxerga-se a relação jurídica obrigacional como um pro-
cesso. Sua leitura deve ser feita a partir do paradigma de uma
série de atos encadeados visando o adimplemento. A satisfação
do credor e a dinâmica da relação obrigacional são premissas que
orientam seu estudo.
Lembra ]uD1TH MARTINs-CoSTA93 que o direito das obrigações é cons-
truído dentro de um processo relacional contínuo de cooperação,
devendo ser encarado como uma relação complexa, "compreenden-
do uma série de deveres, situações jurídicas e obrigações", voltados
ao adimplemento. Infere-se a ideia de obrigação como um processo
voltado ao cumprimento de um dever, como já lecionava CLóv1s Do
Courn E S1LvA94 • É um processo com atividades necessárias à satisfação
dos interesses do credor.

92. LÔBO, Paulo. Direito Civil. Contratos. São Paulo: Saraiva. 2011, p. 74.
93. n Comentários ao Novo Código Civil. Coordenação Sálvio de Figueiredo Teixeira.
Rio de Janeiro: Editora Forense, 2003. Volume V, Torno 1.
94. n Obrigações, i976. Apud Flávio Tartuce. Op. Cit. p. 30.
102 Direito Civil - Vol. 13 • Luciano figueiredo e Roberto Figueiredo

Neste iter procedimental há deveres principais e anexos (acessó-


rios, implícitos, satelltários, de conduta), os quais perduram até após
o pagamento, com a eficácia pós-objetiva da obrigação. São deveres
ligados à boa-fé, sendo exemplos o de informar, cooperar, cuidar,
zelo, etc. Por conseguinte, infere-se que as relações obrigacionais de
tráfego jurídico não devem ser analisadas apenas sob o ponto de
vista econômico, mas também consoante deveres não patrimoniais.
Nessa ótica, ao arrepio da concepção obrigacional clássica, não
mais deve ser enxergado o vínculo contratual apenas como o dever
de prestar e o correlato direito de exigir ou pretender a prestação.
o vínculo é total, devendo ser compreendido em sua inteireza,
contemplando os deveres principais, mas também os anexos, todos
integrantes do processo obrigacional.
Credor e devedor não mais são compreendidos como sujeitos
antagônicos, mas sim como parceiros, atuando de mãos dadas
rumo ao implem,ento do resultado contratual. Não se enxerga o
contrato de um ringue de boxe, ou uma partida de tênis, mas sim
como um jogo de cooperação, a exemplo do frescobol, no qual os
sujeitos se apoiam visando um resultado útil a todos os envolvidos.
Há uma visão solidária do processo obrigacional.
Neste conjunto procedimental coloca-se a boa-fé objetiva na
sua função integrativa, apata a veicular os deveres de comporta-
mento entre credor e devedor, ainda que não previstos no contrato
ou na norma (deveres laterais). Passa-se a verificar que no caso
concreto há deveres que decorrem da vontade, outros da norma e
outros, ainda, da boa-fé. justo estes últimos são os batizados como
laterais.
Logo, tais deveres laterais - também chamados de anexos, colate-
rais, de conduta, satelitários, implícitos -, decorrentes da boa-fé ob-
jetiva, são impostos não apenas ao credor, mas também ao devedor,
como bem se infere da redação do art. 422 do Código Civil. Estes de-
veres se curvam a uma enumeração exemplificativa, apta a englobar,
nas lições de Juo1rn MARTINs-CosrA95 , deveres de: a) cuidado, previdência

95. MARTINS-COSTA, Judith. A Boa-fé no Direito Privado. São Paulo: Revista dos
Tribunais, 1999, p. 439.
Cap. 2 • Os Princípios Contratuais 103

e segurança; b) aviso e esclarecimento; c) informação; d) prestação


de contas; e) colaboração e cooperação; f) proteção e cuidado com a
pessoa e patrimônio da contraparte e g) omissão e de segredo.

~ E na hora da prova?
Ano: 2015 Banca:FCC órgão: TJ-SC Prova: Juiz Substit.U.to
o princípfo da boà fé, no Código Civil Brasileiro, não foi c<>,nsàgrado~ ê111.
artigo expr:~sso, ~qmo regra geral, aoc(jnt~~r,iodo,CódJgo~iv!I ~!~mao~
Mas o nosso C,6digo .Comérciaf induiu~o cómtj princípio Vjgórnf,lte (10.
campo obrigadonal e relaeioncíti-o também conrosusos de tráfico (23);
contudo, a inexistência, no Códigoci\lik de artigº seroelhanie<:).9§z42
do BGB não impede que o prii1cfpio tenha vigênCiá em· no~so '&ireito
das obrigações, pois se trata de proposição jurídkaí com significado dé
regra de· conduta. O mandamento engloba. todos os que. participam do
vínculo obrigacional e estabelece, entre eles, um elo. de. cooperação,
em face do fim opjetivo a que visam (Clóvis.v. do Couto e Silva. A.obri-
gação corno processo. José Busllatsky, Editor, i976, p. 29-30)/
Esse texto foi escrito na vigência do Código Civil de. 1.916. o Código Civil
de 2002
a) trouxe, porém, mandamento de conduta, tanto ao credor como ao
devedor, estabelecendo entre eles o elo de cooperação referido
pelo autor. 1

b) trouxe disposição análoga à do Código Civil alemão, mas impondo


somente ao devedor o dever de boa-fé.
c) também não trouxe qualquer disposição semelhante à do Códi-
go Civil alemão estabelecendo .elo de cooperação entre credor e
devedor.
d) trouxe disposição semelhante à do Código Civil alemão, somente
na parte geral e como regra interpretativa dos contratos.
e) trouxe disposição análoga à do Código civil alemão, mas impondo
somente ao credor o dever de boa-fé.
Gabarito: a

ANrômo MAWJEL DA RocHA MENEZES CoRoE1Ro 96 , trabalhando com a enu-


meração exemplificativa dos deveres anexos, os divide em três

96. MENEZES CORDEIRO, Antônio Manuel da Rocha. Da Boa-Fé no Direito Civil. Coimbra:
Almedina, 20Jt. p. 604.
104 Direito Civil - Vol. 13 • Luciano Figueiredo e Roberto Figueiredo

grandes categorias: a) deveres de proteção; b) deveres de escla-


recimento e c) deveres de lealdade. Nestas categorias, enxerga o
sempre festejado Professor português, enumeração exemplificativa
dos deveres de conduta.
Os deveres implícitos, nas lições de CRISTIANO CHAVES DE FARIAS e NELSON
RosENVALD91, tem dupla função: i. Negativa, cujo escopo é evitar com-
portamentos que atinjam o desenrolar do processo obrigacional e
ii. Positiva, permitindo às partes unir-se em busca do adimplemen-
to obrigacional. São funções, claramente, coligadas.

I> Como se pronunciou o SUPERIOR TRIBUNAL OE JUSTIÇA sobre o tema?


O Superior Tribunal de Justiça, há muito, adota a tese das três fun-
ções da boa-fé objetiva - interpretativa, integrativa e limitadora-, bem
como a noção da existência de deveres anexos nos contratos. Cita-se
aresto elucidativo sobre o tema:

DIREITO CIVIL. NECESSIDADE DE COMUNICAÇÃO AO EMPREGADO ACERCA DO


DIREITO DE OPTAR PELA MANUTENÇÃO NO PLANO DE SAÚDE EM GRUPO.
o empregado demitido sem justa causa deve ser expressamente co-
municado pelo ex-empregador do seu direito de optar, no prazo de
30 dias a contar de seu desligamento, por se manter vinculado ao
plano de saúde em grupo, desde que assuma o pagamento fntegral.
De início, esclareça-se que o art. 30 da Lei 9.656/1998, com a redação
dada pela MP 2.177-44/2001, dispõe: "Ao consumidor que contribuir
para produtos de que tratam o inciso 1 e o § 10 do art. 1° desta Lei, em
decorrência de vínculo empregatício, no caso de rescisão ou exonera-
ção do contrato de trabalho sem justa causa, é assegurado o direito
de manter sua condição de beneficiário, nas mesmas condições de
cobertura assistencial de que gozava quando da vigência do contrato
de trabalho, desde que assuma o seu pagamento integral". Por seu
turno, o art. 35-A da mesma lei criou o Conselho de Saúde Suplementar
(CONSU), com competência para "estabelecer e supervisionar a execu-
ção de políticas e diretrizes gerais do setor de saúde suplementar".
Assim, o Conselho, ao regulamentar o art. 30 da Lei 9.656/1998, por
meio da Resolução 20/1999, dispôs em seu art. 2°, § 6°: "O exonerado
ou demitido de que trata o Art. i deve optar pela manutenção do
0,

97. FARIAS, Cristiano Chaves. ROSENVALD. Nelson. Contraws. Teoria Geral dos
Contratos e Contratos em Espécie. Vol. IV. S" Edição. São Faulo: Atlas. 1015, p. i54.
Cap. 2 • Os Princípios Contratuais 105

benefício aludido no caput, no prazo máximo de trinta dias após seu


desligamento, em resposta à comunicação da empresa empregadora,
formalizada no ato da rescisão contratual". A melhor interpretação da
norma é no sentido de que o prazo de trinta dias é razoável, mas o em-
pregador deve.q>municar expressamente o ex-empregado so~re o seu
direito de mante.r o plano de saúde, devendo 9 mesmo formalizar a op-
ção. Tt"<ita-se de aplicaçãodÓ dever de informação, nascido do prin_cípio
da boa-fé objetiva, expressamente acolhido pelo ordenamento pátrio no
art. 422 do cc. De fato, a boa-fé objetiva .constitui um modelo de conduta
social ou um padrão ético de comportamento, impondo, concretamente,
a todo cidadão que atue com honestidade, lealdade e probidade. As
múltiplas funções exercidas pela boa-fé no curso da relação obrigacio-
nal, desde a fase anterior à formação do vínculo, passando pela sua
execução, até a fase posterior ao adimplemento da obrigação, podem
ser vislumbradas em três grandes perspectivas, que foram positivadas
pelo CC: ·a) interpretação das regras pactuadas (função interpretativa);
b) criação de novas normas de conduta (função integrativa); e c) li~it~­
ção dos direitos subjetivos (função de controle contra o abuso de direi-
to). A função integrativa da boa-fé permite a identificação concreta, em
face das peculiaridades próprias de cada relação obrigacional, de novos
deveres além daqueles que nascem diretamente da vontade das partes
(art. 42; do CC). Ao lado dos deveres primários da prestação, surgem
os deveres secundários ou acidentais da prestação e, até mesmo, deve-
res laterais ou acessórios de conduta. Enquanto os deveres secundários
vinculam-se ao correto cumprimento dos deveres principais (v.g. dever
de conservação da coisa até a tradição), os deveres acessórios ligam-se
diretamente ao correto processamento da relação obrigacional (v.g.
deveres de cooperação, de informação, de sigilo, de cuidado). Decor-
re, portanto, justamente da função integradora do princípio da boa-fé
objetiva; a necessidade de comunicação expressa ao ex-empregado ~e
possível cancelamento do plano de saúde caso este não faça a opçao
pela manutenção no prazo de 30 dias. E mais, não pode a operadora
do plano de saúde proceder ao desligamento do beneficiário sem a
prova efetiva de que foi dada tal oportunidade ao ex-empregado. :or
fim, destaque-se que o entendimento aqui firmado encontra guarida
na Resolução Normativa 279 da ANS, de 24/11/2011, que "Dispõe sobre
a regulamentação dos artigos 30 e 31 da Lei n° 9.656, de 3 de junh? de
1998, e revoga as Resoluções do CONSU nº' 20 e 21, de 7 de abril de
1999".
(REsp 1.237.054-PR, Rei. Min. Paulo de Tarso Sanseverino, julgado em
22/4/2014).
106 Direito Civil - Vol. 23 • Luciano Figueiredo e Roberto Figueiredo

Em vista dos deveres anexos, o adimplemento do contrato passou a


demandar anâlise mais larga, apta a atender não apenas o cumprimen-
to dos deveres contratuais principais, mas também dos anexos. Even-
tual descumprimento de dever anexo equivale ao descumprimento do
próprio contrato, configurando violação positiva do contrato, também
chamada de adimplemento ruim. fraco ou insatisfatório, com conse-
quente responsabilidade civil objetiva (independentemente de culpa).

Sufragando o dito, o Enunciado 24 do CoNsELHo DA JusT1çA FEDERAL


afirma que "em virtude do princípio da boa-fé, positivado no art. 422
do Código Civil, a violação dos deveres anexos constitui espécie de
inadimplemento, independentemente de culpa". Justo por isso, em
vista da desnecessidade de comprovação da culpa, agora na ótica
do Enunciado 363 do CoNsELHo DA JusT1ÇA FEDERAL, "os princípios de pro-
bidade e de confiança são de ordem pública, estando a parte lesada
somente obrigada a demonstrar a existência de violação".

~ Como se pronunCiO!J o SuPE.IUOR TIUBUNAL DE ~UsnÇA sobre o tema?


Recurso especial. Civit.111denii;a.Ç~·º·. Aplicação cio princípio da boa-fé
contratual.. oever~s anexos a(lc::ontrato: Ó,princípío da boa-fé se aplica
às relações éontratíiais regidas pelo coe, impondo, por conseguinte,
a obediência ac>s de.v~res anexos ao contrato, que. são decorrência
lógica deste. pr;iocípiq,,Q dever anexo de .cooperação pre,ssupõe ações
recíprocas de t~aldá(le,dentro da.relaç~o contratual. A violação a qual-
quer dos deveJ"es anexos i111plica.,ernJna9irnple111ent~ contratual .de
quem lhe tenha dádo'calisa. A alteração dos valores arbitrados a título
de reparação d~:danos extrapatrirnoniais. so.mente é possível, em sede
de Recu.rsd EspeÇial, n~s c:ásós:em que o qú~nturn determinado revela-
-se irÍ"isófiéH)ÍJ el<âger'áélÓ~ Recursos nãc> providos.
(REsp 595631 / ~e. Rel.atora MinÍStra Nancy AndrighL 3• Turma. Julgado
em: 08.06.2,c:>o4).'
MORA. PAGAMENTO. EXTERIOR.
A sociedade empresária recorrida tem sede na Itália e foi contratada
para prestar serviços relativos à atualização de urna usina terrnelétrica
no Brasil. No contrato, há a determinação do pagamento em liras italia·
nas, mas nada consta quanto à regularização· da situação da recorrida
no Banco Central do Brasil (BC). Essa instituição exigia, para a remessa
do numerário ao exterior, a apresentação de documentos dos funcio-
nários que prestaram o serviço (cópia de passaportes, declarações de
Cap. 2 • Os Princípios Contratuais 107

renda), fato que atrasou o envio de determinadas parcelas. Discutiu~se,


no especial, quem seria o responsável pela demora.nos pagarne.ntos e,
por consequência, quem arcaria com os efeitos da mora relativamen-
te aos juros rnoratórios e à correção. monetária. Nesse contexto, essa
determinação passa pelo crivo da boa-fé objetiva, que impõe deveres
acessórios, princípio consagrado pelo Direito alemão (Tréu and Glauben),
implícito no CC/191€ e expresso no art. 422 do CC/2002. Na hipótese. em
razão de a exigênCia do BC dizer respeito aos funcionários da recorri-
da, faz-se necessário reconhecer que a ela pertence essa obrigação de
regularizar sua situação (dever acessório de cooperação). apesar da
omissão contratual. Assim, não tendo desempenhado a contento aquele
dever, que constitui ônus jurídico a afastar a necessidade de culpa do
credor para sua caracterização, fica a recorrida sujeita à mora creditoris,
cuja eficácia liberatória eximiu a recorrente devedora até o momento da
purgação da mora (art. 958 do CC/1916, atual art. 400 do CC/2002) da qual
se incumbiJ a recorrida, não se podendo imputar à recorrente a obriga-
ção de consignar o pagamento. Anote-se que a variação cambial da moe-
da estrangeira, desde que autorizada sua utilização, atua corno índice de
correção monetária quando convertida para a moeda nacional na data
do pagamento, momento em que sua cotação dimensionará o valor do
crédito devido. sucede que, no caso, o contrato celebrado alinha-se com
a exceção prevista no art. 2°, IV, do DL n. 857/1969, que permite o paga-
mento em moeda estrangeira se o credor ou devedor seja residente e
domiciliado no exterior. Não sendo necessária a conversão da moeda,
não se pode conceber a utilização de variação cambial como índice de
correção monetária, quanto mais se não há previsão legal qüe disdpline
o modo corno se deva dar essa atualização. Assim~ mostra-se razoável
oermitir o cálculo do montante devido com a correção monetária pelo
!NPC. Para esse efeito, deverá a 9brigação set convertida para valores
da moeda nacional na data em que deveria ter sido cumprida, tal qual
decidido pelo tribunal a quo. Com esse entendimento, a Turma deu par-
dal provimento ao especial para reconhecer à mora da recorrida e afas-
tar a cobrança dos juros moratórios. Precedentes citados: AgRg no REsp
716.187-RS. DJ 6/6/2005, e REsp i.112.524-DF, DJe 30/9/2010.
(REsp 857.299-SC, Rei. Min. Paulo de Tarso Sanseverino, julgado em
3/5/2011).

c) Função Delimitadora do Exercício de Direitos Subjetivos.


Função de Controle.
como terceiro componente no tripé das funções da boa-fé ob-
jetiva, coioca-se o seu papel limitador do abusivo exercício de
108 Direito Civil - Vol. 13 • Luciano Figueiredo e Roberto Figueiredo

direitos. O abuso há de ser limitado pela ética (boa-fé), falando-se


na prerrogativa de revisão dos contratos para emoldura-lo em
limites éticos (CC, art. i87). '
Como visto no volume dedicado à Responsabilidade Civil, a vio-
l~ção da boa-fé objetiva conduz a uma responsabilidade civil obje-
tiva, consoante um critério objetivo-finalístico (Enunciado 37 do CoN-
SELHo DA JusT1ÇA FEDERAL). Assim, soma-se aos já trabalhados Enunciados
24 e 363 do CONSELHO DA JusT1çA FEDERAL, mas este, caminhando na linha
da objetivação da responsabilidade civil.
Nessa toada, possível a intervenção judicial hábil a revisar con-
tratos e adequá-lo a ética, como sói ocorrer nas relações civis e de
consumo. Exemplifica-se com a revisão de taxas de juros abusivas
retirada de cláusulas contratuais que violem prec~itos de orde~
~ública - a exemplo da cláusula que impossibilite a redução equita-
tiva, pelo magistrado, de cláusula penal abusiva -...
Assim, verifica-se a possibilidade do uso da boa-fé como fator
justificante à revisão e adequação contratual. Neste contexto que
:e co_loca o Enunciad.o 26 do CoNsEtHo oA Jusr1ÇA FEDERAL, ao afirmar que
. a clausula geral contida no art. 422 do novo Código avil impõe ao juiz
mterp;eta_r ~, quando necessário, suprir e corrigir o contrato segundo a
boa-fe obiet1va, entendida como comportamento leal dos contratantes".
U~a v~z vencida as funções da boa-fé objetiva, indaga-se: tal
boa-!e aplrca-se apenas durante a execução do contrato, ou seria
poss1vel falar-se também em uma boa-fé pré e pós contratual?
Voltando os olhos, novamente, ao tratamento da boa-fé no có-
digo Civil, infere-se ser a redação do art. 422 um tanto quanto
obscura no que tange aos limites da aplicação do instituto. Isto,
po~que, firma o Código Civil a "obrigação dos contratantes a guardar;
assim n~ conclusão do contrato, como na sua execução, os princípios
de probidade e boa-fé". Da leitura, nào se tem claro se a boa-fé se
aplica nas fases pré-contratual, contratual e pós-contratual.
Apesar da aparente obscuridade normativa, a doutrina caminha
a passos largos no sentido de aplicação da boa-fé desde 0 pré-
-contrato, até o pós-contrato.
~ss.im, mesmo na fase de formação dos contratos - negociações
preliminares, proposta e aceitação impõe-se a observância da
Cap. 2 • Os Princípios Contratuais 109

boa-fé, sob pena de responsabilidade civil do lesante. Veja-se o


clássico exemplo, veiculado em todos os livros sobre o tema, da
Cica, também chamado de caso dos tomates. Corriqueiramente a
Cica distribuía sementes aos agricultores do sul do país, para o
plantio de tomate, adquirindo, quando da colheita, toda a safra.
Em um determinado ano, porém, após distribuir as sementes e
criar expectativa de aquisição de toda a safra, não o fez. Os agri-
cultores, então lesados, ajuizaram ação indenizatória, por quebra
da boa-fé pré-contratual, pelo que lograram sucesso. Cita-se uma
das várias ementas destes casos análogos:
Contrato. Teoria da aparência. Inadimplemento. O trato,
contido na intenção, configura contrato, porquanto os pro-
dutores, nos anos anteriores, plantaram para a Cica, e não
tinha por que plantar, sem a garantia de compra.
(TJ/RS. Embargos Infringentes 591083357. 3° Grupo de Câma-
ras Cíveis, Rei. Juiz Adalberto Libório de Barros. J. oi.1i.199i.
Comarca de Origem: Cangaçu).
Em outro exemplo de violação da boa-fé pré-contratual, lem-
bra Ruv ROSADO DE AGUIAR JúNIOR98 a ilicitude da coi;iduta daquele que
"abandona inesperadamente as negociações já em adiantado estágio,
depois de criar na outra parte a expectativa de celebração de um con-
trato para o qual se preparou e efetuou despesas, ou em função do
qual perdeu oportunidades. A violação desse dever secundário pode
ensejar indenização".

., Como se pronunciou o SUPERIOR TRIBUNAL oe JuSTIÇA sobre o tema?


DIREITO CIVIL. RESPONSABILIDADE CIVIL PRÉ-CONTRATUAL.
A parte interessada em se tornar revendedora autorizada de veículos
tem direito de ser ressarcida dos danos materiais decorrentes da
conduta da fabricante no caso em que esta - após anunciar em jornal
que estaria em busca de novos parceiros e depois de comunicar àque-
la a avaliação positiva que fizera da manifestação de seu interesse,
obrigando-a, inclusive, a adiantar o pagamento de determinados valo-
res - rompa, de forma injustificada, a negociação até então levada a

98. ROSADO, Ruy. Extinção dos Contratos por Incumprimento do Devedor. 2• ed. Rio
de Janeiro: Aide, 2003, p. 250.
110 Direito Civil - Vol. 13 • Luciano Figueiredo e Roberto Figueiredo

efeito, abstendo-se de devolver as quantias adiantadas. A responsa-


bilidade. ciyll pré-negodal, ou sej(l, CI.. verificada na fase preliminar do
contrato, é temà. orhmdo da teoria. da culpa in contrahendo, formulada
pioneiramente ·por Jhering, que lnflUertciou a legislação de diversos
países. No BrasH, o ccf1916 não trazia disposição específica a respeito
do tema, tampouco sobre a .cláusula geral de boa-fé objetiva. Todavia,
já se ressaltava~ com fundament~ no àrt.. 159 daquele diploma, a im-
portância da tutela da confiançà e .da necessidade de reparar o dano
verificado no âmbito das tratatlvas .. pré-contratuais. com o advento
do CC/2002, dispôs-se, de formá expressa, a respeito da boa-fé (art.
422), da qual se extrai a necessidade de observância dos chamados
deveres anexos ou de proteção. Com base nesse regramento, deve-se
reconhecer a responsabilidade pela reparação de danos originados
na fase pré-contratual caso verificadas a ocorrência de consentimento
prévio e mútuo no início das tratativas, a afronta à boa-fé objetiva com
o rompimento ilegítimo destas, a existência de prejuízo e a relação
de causalidade entre a ruptura das tratativas e o d.ano sofrido. Nesse
contexto, o dever de reparação não decorre do simples fato de as tra-
tativas terem sido rompidas e o contrato não ter sido concluído, mas
da situação de uma das partes ter gerado à outra, além da expectativa
legítima de que o contrato seria concluído, efetivo prejuízo material.
(REsp i.osi.065-AM, Rei. Min. Ricardo Villas Bôas Cueva, julgado em
21/2/2013).

Igualmente aplicável é a boa-fé na fase pós contratual. Chama-


-se, aqui, da pós eficácia objetiva do contrato ou pos pactum tini-
tum. Cita-se o famoso caso Zeca Pagodinho, que fez propaganda
da Schincariol e, meses depois, ao arrepio da cláusula de exclusivi-
dade do contrato anterior e vigente, fez propaganda de cervejaria
concorrente (Ambev), cantando uma música que, inclusive, depre-
ciava a contratante primitiva. Trata-se de clara conduta atentatória
a boa-fé pós-contratual.

Com se pronunciou o SUPERIOR TRIBUNAL OE JUSTIÇA sobre o tema?


Responsabilidàde Civil. Concorrência desleal. Intervenção em contrato
Alheio. Terceiro Ofensor. Violação à boa-fé objetiva. Ação de reparação
de danos em que se pleiteia indenização por prejuízos materiais e
morais decorrentes da contratação do protagonista de campanha pu-
blicitária de agência autora pela agência concorrente, para promover
Cap. 2 • Os Princípios Contratuais 111

produto de empresa c:oncorrente. c9ncorrência ·desleal sâr<1;cieriZ<~da,


Aplicação dos ditames derivados cjo principio da 6oa-fé objetiva ao
comportamento do terceiro oferisor(REsp. 1316149/SP. Rei: MJn; Paulo
de Tarsosanseverino.ja Turma. DJe27;06.2oi4.
Registra-se que há outros cases do SoPeR10R TRteuNAL oe Jusr1çA sobre a vio-
lação da boa-fé objetiva pós contratual. Assim, verbera o Tribunal· da
Cidadania a respons<tbilidade. pós-contratual do credor em informi:,.r: o
pagamento da dívida para retirada. do nome d.o devedor do cadastro
de inadimplentes. ·..•..·... •·•· . . ·. . . . · · ·..· . ·... · •..••..•
CADASTRO. DE INADIMPLENTES. IJAIXA. DA INSCRIÇÃp.· RÉSPONSABILtDADE;
PRAZO.
o credor é responsável pelo pedido de baixa da inscrição do devedor
em cadastro de inadlmplentes no prazo de cinco dias úteis. contados
da efetiva quitação do débito, sob pena de incorrer em negligência e
consequente responsabilização por danos morais. Isso porque o cre-
dor tem o dever de manter os cadastros dos serviços de proteção ao
crédito atualizados. Quanto ao prazo, a Min. Relatora definiu-o pela
aplicação analógica do art. 43, § 3°, do coe, segundo o qual o consumi-
dor, sempre que encontrar inexatidão nos seus dados e cadastros, po-
derá exigir sua imediata correção, devendo o arquivista, no prazo de
cinco dias úteis, comunicar a alteração aos eventuais destinatários das
informações incorretas. o termo inidal para a contagem do prazo para
baixa no registro deverá ser do efetivo pagamento da dívida. Assim, as
quitações realizadas mediante cheque, boleto bancário, trarisferêricia
interbancária ou outro meio sujeito à confirmação, depend·erão do efe-
tivo ingresso do numerário na esfera de disponibilidade do cred.or. A
Min. Relatora ressalvou a possibilidade de estipulação de outro pràzo
entre as partes, desde que não séjaabíJsivo, especialmente p()r tratarc
-se de contratos de àdes.ão. Precec;lentes .citados: REsp 255.269•PR, .DJ
16/4/2001; REsp 43p34-PB, OJ 29/9/20()3; AgRg no Ag i.094.459-SP, DJe
10/6/200~, e AgRg no REsp 957.88()~SP, IJJe 14/3/2012. .
(REsp i.16.9.998-RS, Rei. Min. Nancy Andrighi, julgado em 7/8/2012).

Ness2 esteira de pensamento, afirma o Enunciado i70 do CoNsE-


LHo DA Jus11çA FEDERAL que "a boa-fé objetiva deve ser observada pelas
partes no fase de negociações preliminares e após a execução do
contrato, quando tal exigência decorrer da natureza do contrato". Ou-
trossim, com bem posto no Enunciado 25 do CONSELHO DA Jusr1çA FEDERAL,
"o art. 422 não inviabiliza a aplicação, pelo julgador, do princípio da
boa-fé nas fases pré e pós-contratual". Assim, seja pela ótica das
112 Direito Civil - Vol. 13 • Luciano figueiredo e Roberto figueiredo

partes, seja pela ótica do julgador, a ética contaminará todo o con-


trato, desde o pré até o pós-contratual.

~ E na hora da prova?
Ano: 2015 Banca: CESPE órgão: TRE-GO Prova: Analista Judiciário - Área
Judiciária
Julgue o prôximo iten{ referentes à interpretação da lei, aos direitos
da personalidade, à validade dos negócios juríclicos e à prova.
No âmbito contratual, o princfpio geral da boa-fé objetiva permite in-
terpretação extensiva dos pactos firmados, e é aplicado inclusive no
que diz respeito a relações pré-contratuais, o que garante a validade
de normas de conduta. implícitas.
Gabarito: Correto

~ Atenção!
Promovendo-se um passeio no Código de Defesa do Consumidor, per-
cebe-se que este microssistema foi mais atento à aplicação da boa-fé
pré e pós-contratual.
J~sto por i:s?, infere-se no Código de Defesa do Consumidor a integra-
çao das m1d1as aos contratos (coe, art. 30); a necessidade de assegu-
rar ao consumidor o conhecimento e compreensão prévia do contrato
(CDC, art. 46); ao tornar vinculante escritos particulares, recibos e pré-
-co~tratos (CDC, art. 48) e determinar a oferta de peças de reposição
apos o contrato, mesmo que o bem venha a sair de linba (CDC, art. 32).
De mais a mais, em vista da relação desigual do Código de Defesa do
Consumidor, a atenção à ética e aos deveres anexos de informação são
ainda mais veementes. Cita-se julgado do Superior Tribunal de Justiça,
sobre o tema, promovendo interessante considerações sobre boa-fé e
dever de informação nas relações de consumo:
DIREITO DO CONSUMIDOR. VIOLAÇÃO DO DEVER DE INFORMAÇÃO PELO
FORNECEDOR.
No caso em que consumidor tenha apresentado reação alérgica oca-
sionada pela utilização de sabão em pó, não apenas para a lavagem
de roupas, mas também para a limpeza doméstica, o fornecedor do
produto responderá pelos danos causados ao consumidor na hipó-
tese em que conste, na embalagem do produto, apenas pequena e
discreta anotação de que deve ser evitado o "contato prolongado com
a pele" e que, "depois de utilizar'' o produto, o usuário deve lavar e
secar as mãos. Isso porque, embora não se possa fala:- na ocorrência
Cap. 2 • Os Princípios Contratuais 113

de defeito intrínseco do produto - haja vista que a hipersensibilidade


ao produto é condição inerente e individual do consumidor -, tem-se
por configurado defeito extrinseco do produto, qual seja, a inadequa-
da informação na embalagem do produto, o que implica configuração
de fato do produto (CDC, art. 12) e, por efeito, responsabilização civil
do fornecedor. Esse entendimento. deve prevalecer, porquanto a in-
formação deve ser prestada de forma inequívoca, ostensiva e de fácil
compreensão, principalmente no tocante às situações de perigo, haja
vista que se trata de direito básico do c-0nsumidpr (art. 6º, Ili, do coe)
que se baseia no priÍlcípio da boa-fé objetiva. Nesse contexto, além do
dever de informar, por meio de instruções, a forma correta de utiliza-
ção do produto, todo fornecedor deve, também, advertir os usuários
acerca de cuidados e precauções a serem adotados, alertando sobre
os riscos correspondentes, principalmente na hipótese em que se trate
de um grupo de hipervulneráveis (como aqueles que têm hipersensibi-
lidade ou problemas imunológicos ao produto). Ademais, o art. 31 do
coe estabelece que a uoferta e apresentação de produtos ou serviços
devem assegurar informações corretas, claras, precisas, ostensivas e
em língua portuguesa sobre suas características, qualidades, quantida-
de, composição, preço, garantia, prazos de vaUdade e origem, entre
outros dados, bem como sobre os riscos que apresentam à saúde e
segurança dos consumidores". Por fim, ainda que o consumidor utilize
o produto para a limpeza do chão dos cômodos dá sua casa - e não
apenas para a lavagem do seu vestuário -, não há como isentar a res-
ponsabilidade do fornecedor por culpa exclusiva do consumidor (CDC,
art. 12, § 3°, Ili) em razão de uso inadequado do produto. Isso porque a
utilização do sabão em pó para limpeza doméstica não representa, por
si só, conduta descuidada apta a colocar a consumidora em risco, haja
vista que não se trata de uso negligente ou anormal do produto, sen-
do, inclusive, um comportamento de praxe nos ambientes residenciais.
(REsp i.358.615-SP, Rei. Min. Luis Felipe Salomão, julgado em 2/5/2013).

E seria a boa-fé uma questão de ordem pública?


A resposta é positiva. A conjugação do art. 422 com o 2.035 do
Código Civil faz concluir que a boa-fé é uma questão de ordem
pública, sendo passível sua invocação ex officio, por parte do Juiz.

5.1. Conceitos Parcelares da Boa-Fé Objetiva


A boa-fé objetiva, em sua amplitude, acaba por gerar desdobra-
mentos. São os chamados conceitos parcelares da boa-fé objetiva,
114 Direito Civil - Vol. 13 • LUciano Figueiredo e Roberto Figueiredo

nas importantes lições de ANTÕN10 MANUEL DA RocHA MENEZES CoRDEJRo99. São


tais conceitos parcelares, agora nos dizeres de PABLO STOLZE GAGLJANo E
RoDoLFD PAMPLONA F1LH0' 00, subprincípios da boa-fé objetiva.
A partir de então, com fins didáticos, veicula-se alguns dos des-
dobramentos da boa-fé objetiva, amplamente utilizados no direito
nacional.

5.1.1. Nemo Potest Venire Contra Factum Proprium. A Proibição do


Comportamento Contradit6rio

Nemo potest venire contra factum proprium, em bom português,


significa a proibição do comportamento contraditório. A sua noção
é simples. Viola a confiança aquele que praticar um ato, ou uma
série de atos, em um determinado caminho e, posteriormente, re-
alizar conduta diametralmente oposta, sem justificativa plausível. A
premissa é que a coerência deve guiar a expectativa dos compor-
tamentos. Consiste em tema que tem nítido diálogo com a Teoria
dos Atos Próprios, advinda do Direito Espanhol.
Nessa lógica, pontua PAuLo LõBD'º' que a ninguém é dado valer-
-se de determinado comportamento, quando lhe for conveniente
e vantajoso, e depois voltar-se contra ele, quando não mais lhe
interessar, mediante comportamento contraditório.
Em festejada monografia sobre o tema, ANDERSON ScHREJBER'º 2 afirma
que "mais do que a simples coerência, atenta o venire contra factum
proprium à confiança despertada na outra parte, ou em terceiros, de
que o sentido objetivo daquele comportamento inicial seria mantido,
e não contrariado".
Na venire, portanto, têm-se dois comportamentos lícitos e su-
cessivos. O primeiro (factum proprium), porém, contrariado pelo

99. MENEZES CORDEIRO, Antônio Manuel da Rocha. Da Boa-Fé no Direito Civil. Coimbra:
Almedina, 2ooi.
100. Direito Civil. Teoria Geral dos Contratos e Contratos em Espécie. Vai. 111. lia
Edição. São Paulo: Método. 2015, p. 128.
101. LÔBO, Paulo. Direito Civil. Contratos. São Paulo: Saraiva. 2011, p. 74.
102. SCHREIBER, Anderson. A Proibição do Comportamento Contraditório. Rio de
Janeiro: Renovar, 2005. p. 50.
Cap. 2 • Os Princípios Contratuais 115

segundo (·,;enire). Assim, ao serem unidos os acontecimentos, há


quebra da confiança e, consequentemente, ilícito.

~ Como se pronunciou o SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA sobre o tema?


A Súmula 370 do Tribunal da Cidadania verbera que "caracteriza dano
moral a apresentaçfio antecipada de cheque pré-datado". Trata-se de
verbete que bem retrata a aplicação da venire, ao passo que há um
comportamento inicial (factum proprium) - no sentido do ajuste de
apresentação posterior do cheque - e, sucessivamente a contradição
(venire) - com a apresentação antecipada.
As condutas, analisadas isoladamente, seriam lícitas. Entrementes,
quando reunidas, no contexto posto, são aptas a configurar quebra da
confiança, desembocando em ato ilícito.

A vedação ao c:::importamento contraditório é premissa doutri-


nária estampada no Enunciado 362 do CONSELHO DA JUSTIÇA FEDERAL, segun-
do o qual "a vedação do comportamento contraditório (venire contra
factum proporium) funda-se na proteção da confiança, tal como se
extrai dos artigos 187 e 422 do Código Civil".
E na hora da prova?
Em concurso público realizado em 2013, para o provimento do
cargo de Trtular de Serviços de Notas e Registros TJ-RS, considerou-
-se correta a seguinte alternativa: "A vedação do comportamento
contraditório (venire contra factum proprium) funda-se na proteção
da confiança, conforme se infere dos arts. 187 e 422 do Código Civil".
Segundo ANDERSOJ\ ScHREIBER103, são necessários quatro requisitos para
a configuração da venire: 1) Um fato próprio, por conduta inicial; 2) A
legítima confiança de outrem na conservação do sentido objetivo des-
sa conduta; 3) Urn comportamento contraditório com este sentido ob-
jetivo e 4) Um dano ou um potencial dano decorrente da contradição.
o escopo da veníre é proteger a parte contra aquele que pre-
tende exercitar comportamento jurídico contraditório ao anterior-
mente assumido. É possível verificarmos alguns exemplos legais:

103. SCHREIBER, AndersJn. A Proibição do Comportamento Contraditório. Rio de


Janeiro: Renovar. 2005. p. i24.
116 Direito Civil - Vol. 23 • Luciano Figueiredo e Robeno figueiredo

a) CC, art. 175 - "A confirmação expressa, ou a execução voluntá-


ria de negócio anulável, nos termos dos arts. 172 a 174, importa
a extinção de todas as ações, ou exceções, de que contra e/e
dispusesse o devedor".
Obviamente, não é factível que após a convalidação do negócio,
aquele que o ratificou ajuíze ação em face da contraparte.
b) CC, art. 180 - "O menor, entre dezesseis e dezoito anos, não
pode, para eximir-se de uma obrigação, invocar a sua idade se
dolosamente a ocultou quando inquirido pela outra parte, ou
se, no ato de obrigar-se, declarou-se maior".
Aquele que dolosamente oculta a idade ou se declarou maior
não poderá anular o negócio, justamente, com fundamento na ida-
de, omitida ou não declarada.

I>' E na hora da prova?


Ano: 2014 Banca: FCC Órgão: TRT - 18• Região (GO) Prova: Juiz do Trabalho
lgor, menor com dezessete anos de idade, obriga-se contratualmente
em uma escola de inglês, dizendo-se maior de idade quando inquirido
e assinando sozinho o contrato, que será:
a) eficaz, pois lgor não pode, para eximir-se da obrigação, invocar sua
idade se declarou-se maior, dolosamente, no ato de obrigar-se.
b) ~ulo, porque a vontade de lgor não poderia gerar qualquer efeito,
independentemente de sua declaração de idade pessoal.
c) anulável, somente se lgor for executado judicialmente, ocasião em
que a declaração judicial surtirá efeitos imediatos, sem retroação.
d) ineficaz, por se tratar de obrigação em face de uma entidade de
ensino.
e) anulável, somente se os representantes legais de lgor arguirem a
invalidade.
Gabarito: a

c) CC, art. 473, Parágrafo Único - "Se, porém, dada a natureza do


contrato, uma das partes houver feito investimentos conside-
ráveis para a sua execução, a denúncia unilateral só produzirá
efeito depois de transcorrido prazo compatível r:om a natureza
e o vulto dos investimentos".
Cap. 2 • Os Princípios Contratuais 117

o desfazimento do contrato por ato unilateral de vontade -


após gerar na contraparte confiança de execução do contrato por
largo período e consequentemente, investimentos - traduz quebra
da confiança e venire contra factum proprium.
o que seria a nulidade de bolso ou nulidade algibeira?
Trata-se de tema de direito processual que claramente dialoga
com a boa-fé e a venire contra factum proprium.
Em vista do novo sistema processual que se inaugura em 2016,
o qual tem como um dos seus pilares principiológicos a boa-fé, o
assunto ora tratado tende a ganhar cada vez mais terreno.
Nulidade algibeira propugna relativização ao sistema de nulida-
des processuais, quando se infere, no caso concreto, ausência de
prejuízo somada à violação da ética, por parte daquele que há mui-
to conhecia da nulidade e a resolveu guardar no bolso, aguardando
fase processual avançada para invalidar todo o procedimento.
Explica-se. Segundo artigo publicado por T10AN0 ALvEs E S1LvA e VIToR
FONSECA 104 :
"A expressão "nulidade de algibeira" apareceu pela primei-
ra vez no acórdão do REsp. 756.885, da 3• Turma do SurERIOR
TR1suNAL DE Jusr1çA, em 14/08/2007. Nesse Recurso Especial, a
demandada alegava, na fase de liquidação, que deveria ser
declarado nulo todo o módulo de conhecimento, porque as
intimações da ré teriam sido realizadas em nome do esta-
giário, e não dos advogados, razão pela qual a demandada
teria perdido a chance de se manifestar sobre o laudo pe-
ricial juntado aos autos.
o STJ percebeu, porém, que, apesar do vício processual, a
ré atendeu a todas as intimações realizadas em nome de
seu estagiário, com exceção da única vez em que as partes
foram chamadas para se manifestar sobre o laudo pericial.
Segundo a 3ª Turma do STJ, a ré utilizou-se do vício proces-
sual como urna "nulidade de algibeira", ou seja, urna nuli-
dade que "cabia no bolso" para ser utilizada segundo sua

io4. Nulidade de Algibeira e Boa-Fé Processual. Disponível em: <http://


portalprocessual.com/nulidade-de-algibeira-e-boa-fe-processual/?subscribe=suc
cess#blog_subscription-2>. Acesso em: 25.12.2015.
118 Direito Civil - Vol. 13 • Luciano Figueiredo e Roberto Figueiredo

conveniência. Entendeu-se que a alegação de nulidade não


poderia ser utilizada apenas quando interessasse à parte
prejudicada, especialmente depois da formação da coisa
julgada e em fase de liquidação.
No REsp n. i.372.802, já em 11/03/2014, a mesma 3• Turma
reiterou o entendimento quanto à "nulidade de algibeira".
Nesse caso específico, o recorrente havia deixado de ser
intimado para apresentar contrarrazões ao agravo do art.
522 do CPC/1973. Após a decisão monocrática do agravo,
contudo, o recorrente foi intimado, permaneceu em silêncio
e nada alegou quanto ao vício do ato processual.
A alegação de nulidade apenas foi levantada nos embargos de
declaração contra o acórdão do agravo regimental, ou seja,
duas decisões judiciais depois. Para a 3ª Turma, mencionando
expressamente o precedente anterior do REsp n. 756.885, esse
vício seria sanável e a alegação tardia seria uma "nulidade
de algibeira", ou seja, uma estratégia de permanecer silente
quanto à nulidade para alegá-la em momento posterior".
Nítida a adoção da boa-fé processual e impossibilidade de vio-
lação da ética, sendo guardada uma nulidade com o único intuito
de arguição posterior, visando invalidar todo o processo. Não é
possível que a parte que seguiu praticando atos, argua a nulidade
dos mesmo, quando já conhecia do vício que os inquinaria, sob
pena de venire contra factum proprium.

5.1.2. Supressfo e Surrectlo


A supressfo (verwirkung) consiste na perda de um direito, ou de
uma posição jurídica, em função da ausência de seu exercício por
razoável lapso temporal. Aqui há inércia no exercício de um direito,
com um comportamento omissivo, e, posteriormente, movimentação
contraditória visando à implementação do direito. De fato, em aten-
ção à confiança e coerência, um direito não exercido durante razo-
ável período de tempo não poderá, posteriormente, ser exercitado.

• Atenção!
Não.se deve confundir supressío com prescrição. Afinal, a prescrição é
a perda da pretensão, enquanto a supressio é a perda do direito, ou
posição jurídica em si. Outrossim, na supressio há confiança da outra
parte no sentido de que a ausência no exercício do direito perdurará,
fato .que não toca' à prescrição.
Cap. 2 • Os Princípios Contratuais 119

Já a surrectio (erwirkung), também denominada de surre1çao


ou surgimento, consisti no direito que antes não existia, mas que
agora nasce da efetividade social ou da prática dos contratantes.
É o reverso da moeda da supressio. Tendo em vista a omissão no
exercício do direito por uma das partes (supressio), não mais sendo
viável o seu exercício, nasce na contraparte o direito de exigir a
permanência do comportamento originário (surrectio).
Exemplifica-se com uma passagem do Código Civil. Aduz o art.
330 do CC que "o pagamento reiteradamente feito em outro local faz
presumir renúncia do credor relativamente ao previsto no contrato".
É dizer: apesar de credor e devedor terem ajustado no contrato o
pagamento em um determinado lugar, o comportamento ao longo
do tempo no sentido de admitir, sem resistência, o adimplemento
em local diverso, acarretará na supressão do direito de exigir o
pagamento no local anteriormente ajustado (supressio) e o direito
de exigir o pagamento no novo local (surrectio).

• E na hora da prova?
Ano: 2012 Banca: FEMPERJ órgão: TCE·RJ Prova: Analista de Controle Ex-
terno - Direito
João e josé celebram um contrato e ajustam que o adimplemento será
feito sempre em dinheiro e pessoalmente, no dia 10 (dez) do mês venci-
do. Ocorre que o contrato, que é de trato sucessivo, há mais de 12 (doze)
anos é executado por João, por meio de depósito em conta corrente, em
cheque e na data acordada, sem questionamento de qualquer natureza
por José. Essa situação passa a ser fonte criadora de direitos subj~tivos
para João. o instituto que fundamenta a afirtríação feita é:
a) surrectio;
b) venire contra factum proprium;
c) supressio;
d) teoria do adimplemento substancial;
e) tu quoque.
Gabarito: a

.- Cofl\9 esse assunto foi cobrado em concurso?


Em prova para Juiz Substituto do Tribunal de Justiça do Estado de
Pernambuco/2011 foi considerada verdadeiro, com relação ao local do
pagamento, a seguinte assertiva: "o pagamento efetuar-se-á no lo.cal
convencionado, mas o pagamento feito reiteradamente em outro local
faz presumir renúncia do credor relativamente ao previsto no contrato".
120 Direito Civil - Vol. 13 • Luciano Figueiredo e Roberto Figueiredo

~ Atenção!
Para afastar a incidência do art. 330 do cc muitos contratantes inserem
nos pactos a denominada cláusula de permissão ou tolerância, quando
afirmam, expressamente, que qualquer conduta contrária àquilo que
efetivamente está escrito, não configurará renúncia tácita.
Tal cláusula, porém, não vem preponderando em situações nas quais
há uma conduta reiterada em sentido contrário. O direito, cada vez
mais, abre os seus poros e aceita modificações pelo comportamento
humano.

~ Como se pronunciou o SUPERIOR TRIBUNAL oe JusnÇA sobre o tema?


CORREÇÃO MONETÁRIA. RENÚNCIA.
o recorrente firmou com a recorrida o contrato de ;Jrestação de ser-
viços jurídicos com a previsão de correção monetária anual. Sucede
que, durante os seis anos de validade do contrato, o recorrente não
buscou reajustar os valores, o que só foi perseguido ryiediante ação de
cobrança após a rescisão contratual. Contudo, emerge dos autos não
se tratar de simples renúncia ao direito à correção monetária (que tem
natureza disponível), pois, ao final, o recorrente, movido por algo além
da liberalidade, visou à própria manutenção do contrato. Dessarte, o
princípio da boa-fé objetiva torna inviável a pretensão de exigir retro-
ativamente a correção monetária dos valores que era regularmente
dispensada, pleito que, se acolhido, frustraria uma expectativa legítima
construída e mantida ao longo de toda a relação processual, daí se
reconhecer presente o instituto da supressio.
(REsp i.202.514-RS, Rei. Min. Nancy Andrighi, julgado em 21/6/2011).
LOCAÇÃO. VEÍCULO. MORA.
Empresa locadora de veículos firmou contratos de locação de i32 au-
tomóveis por prazo determinado com a ré (recorrida), mediante pa-
gamento mensal fixo reajustado pelo IGPM, mas, antes do término do
prazo contratual, a recorrida notificou a locadora de que não tinha
intenção de renovar as locações. No entanto, não devolveu wdos os
veículos ao findar o contrato, levou quase um ano até a devoluçãc de
todos, sem qualquer oposição da locadora, que, por todo esse 1empo,
continuou a cobrar valores equivalentes ao fixado no contrato. Con-
tudo, a locadora propôs a ação de cobrança pelo preço da diária em
balcão, que é superior ao fixado no contrato corporativo com respaldo
no art. i.196 do CC/1916 (art. 575 do CC/2002). Diante desse contexto,
a Min. Relatora aplicou o princípio da boa-fé objetiva para decidir
Cap. 2 • Os Princípios Contratuais 121

pela impossibilidade de a locadora receber as diferenças entre a tarifa


contratada e a tarifa de balcão para locação dos veículos que perma-
neceram na posse da locatária. Observa que, na hipótese dos autos,
como apontado pelo acórdão. recorrido, o próprio locatário notificou o
locador de que não seria renovado o contrato, assim cumpriu uma das
funções (io art. 1.196, pois não teria sentido o locador promover uma
segunda notificação. Todavia, segundo o acórdão recorrido, o lócador
deixou de informar que o preço do aluguel para .os dias excedentes se-
ria o da tarifa de balcão, procedimento que facultaria ao locatário to-
mar outra atitude. Por outro lado, de maneira contraditória, continuou
emitindo faturas no valor original, o que gerou no locatário expectativa
da manutenção do preço, daí se aplicar o princípio da boa-fé. Isso
posto, a Turma, ao prosseguir o julgamento, deu parcial provimento
ao recurso especial apenas para reduzir os honorários advocatícios
fixados no TJ.
(REsp 953.389-SP, Rei. Min. Nancy Andrighi, julgado em 23/2/2010).

Seria possível a aplicação dos institutos da supressio e surrectio


nas relações de Direito Público?
A ética transita pelos vários braços do Direito. Como decorrên-
cia da ética, a supressio e a surrectio também. Nessa linha de inte-
lecção, cita-se decisão do SurREMo TR1suNAL FEDERAL, aplicando ideais de
boa-fé nas relações de Direito Público:
EMENTA: DECISÃO JUDICIAL TRANSITADA EM JULGADO. INTEGRAL
OPONIBILIDADE DESSE ATO ESTATAL AO TRIBUNAL DE CONTAS DA
UNIÃO. CONSEQUENTE IMPOSSIBILIDADE DE DESCONSTITUIÇÃO, NA
VIA ADMINISTRATIVA, DA AUTORIDADE DA COISA JULGADA. EXIS-
TÊNCIA, AINDA, NO CASO, DE OUTRO FUNDAMENTO CONSTITUCIO-
NALMENTE RELEVANTE: O PRINCÍPIO DA SEGURANÇA JURÍDICA. A
BOA-FÉ E A PROTEÇÃO DA CONFIANÇA COMO PROJEÇÕES ESPECÍ-
FICAS DO POSTULADO DA SEGURANÇA JURÍDICA. MAGISTÉRIO DA
DOUTRINA. SITUAÇÃO DE FATO - JÁ CONSOLIDADA NO PASSADO
- QUE DEVE SER MANTIDA EM RESPEITO À BOA-FÉ E À CONFIANÇA
DO ADMINISTRADO, INCLUSIVE DO SERVIDOR PÚBLICO. NECESSIDA-
DE DE PRESERVAÇÃO, EM TAL CONTEXTO, DAS SITUAÇÕES CONSTI-
TUÍDAS NO ÂMBITO DA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA. PRECEDENTES.
DELIBERAÇÃO DO TRIBUNAL DE CONTAS DA UNIÃO QUE IMPLICA
SUPRESSÃO DE PARCELA DOS PROVENTOS DO SERVIDOR PÚBLICO.
CARÁTER ESSENCIALMENTE ALIMENTAR DO ESTIPÊNDIO FUNCIO-
NAL. PRECEDENTES. MEDIDA CAUTELAR DEFERIDA.
122 Direito Civil - Vol. 13 • Luciano Figueiredo e Roberto Figueiredo

o Tribunal de Contas da União não dispõe, constitucionalmente, de


poder para rever decisão judicial transitada em julgado (RTJ i93/556-
557) nem para determinar a suspensão de benefícios garantidos
por sentença revestida da autoridade da coisa julgada (RTJ i94/594),
ainda que o direito reconhecido pelo Poder Judiciário não tenha o
beneplácito da jurisprudência prevalecente no âmbito do Supremo
Tribunal Federal, pois a "res judicata" em matéria civil só pode ser
legitimamente desconstituída mediante ação rescisória. Precedentes.
Os postulados da segurança jurídica, da boa-fé objetiva e da
proteção da confiança, enquanto expressões do Estado Democráti-
co de Direito, mostram-se impregnados de elevado conteúdo ético,
social e jurídico, projetando-se sobre as relações jurídicas, mesmo
as de direito público (RTJ i91/922, Rei. p/ o acórdão Min. GILMAR
MENDES), em ordem a viabilizar a incidência desses mesmos princí-
pios sobre comportamentos de qualquer dos Poderes ou órgãos do
Estado (os Tribunais de Contas, inclusive), para que se preservem,
desse modo, situações administrativas já consolidadas no passado.
A fluência de longo período de tempo culmina por consolidar
justas expectativas no espírito do administrado e, também, por
incutir, nele, a confiança da plena regularidade dos atos estatais
praticados, não se justificando - ante a aparência de direito que
legitimamente resulta de tais circunstâncias - a ruptura abrupta
da situação de estabilidade em que se mantinham, até então, as
relações de direito público entre o agente estatal, de um lado, e o
Poder Público, de outro. Doutrina. Precedentes.

5.1.3. Tu Quoque
A expressão tu quoque é uma redução da famosa frase tu quo-
que, Brutus, fili mi! A famosa frase é atribuída a Júlio César, quando
constata, dentre os seus algozes, o seu filho adotivo Brutus.
Factível perceber que tu quoque significa quebra da confiança.
Surpresa em decorrência de comportamento da contraparte que
coloca a outra em situação de injusta desvantagem.
Aduz FLAv10 TARTUCE'º 5 que em função da tu quoque é inviável que
uma parte que violou uma norma, em abuso de direito, aproveite-se

105. Manual de Direito Civil Volume Único. 4ª edição. São Paulo: Método. 2014, p. 590.
cap. 2 • Os Princípios Contratuais 123

desta violação em benefício próprio. Aquele que viola determinada


norma jurídica não poderá exercer a situação jurídica decorrente
da mesma norma. No direito inglês fala-se que equity must come in
clean hands. o abuso há de ser reprimido.
um dos exemplos de tu quoque usualmente recordado pela
doutrina é o da exceção do contrato não cumprido (CC, art. 476).
Nesta, a parte inadimplente com suas obrigações requer o cumpri-
mento da contraprestação da contraparte. Há uma verdadeira sur-
presa e violação da confiança. Afinal, aquele que violou uma norma
jurídica pleiteia da outra parte cumprimento do contrato.

~·E na hora da prova?


Ano: 2013 Banca: CESPE órgão: TJ-PI Prova: Titular de notas
Em uma relação negocial, a ocorrência de comportamento que, rom-
pendo com o valor da confiança, surpreenda uma das partes, deixan-
do-a em situação de injusta desvantagem, caracteriza o que a doutrina
prevalente denomina
a) supressio.
b) venire contra facrum proprium.
c) tu queque.
d) exceptio doli.
e) surrectio.
Gabarito: e

~ Como se pronunciou o SUPERIOR TRIBUNAL OE JUSTIÇA sobre o tema?


EXCEÇÃO. CONTRATO NÃO CUMPRIDO.
Tratou~se de ação ajuizada pelos recorridos que buscavam a rescisão
do contrato de compra e venda de uma sociedade empresária e dos
direitos referentes· à marca e patente de um sistema de localização,
bloqueio e comunicação veicular mediante uso de aparelho celular,
diante de defeitos no projeto do referido sistema que se estenderam
ao funcionamento do produto. Nessa hipótese, conforme precedentes,
a falta da prévia interpelação (arts. 397, parágrafo único, e 473, ambos
do cc/2002) impõe o reconhecimento da impossibilidade jurídica do
pedido, pois não há como considerá-la suprida pela citação para .~
ação resolutória. Contudo, consta da sentença que os ~e:orrentes ia
estavam cientes de sua inadimplência mesmo antes do aJuizamento da

-·---·-
124 Direito Civil - Vol. 13 • Luciano Figueiredo e Roberto Figueiredo

ação e, por sua inércia,. não .re~tou .aos recorrid()s outra alternativa se-
não a via judicial. Alegam os recorrentes que.não poderiam os recor-
ridos exigir o impleménto das obrigações contratuais se eles mesmos
não cumpriram com as suas (pagar determinadas dívidas d.a socieda-
de). J>orém, segundo a .doutrina, a.exceção de contrato não cumprido
somente pod~ ser OPQ!;ta quan~o a l~i C?U o. coi:itrato não. especificar a
quem primeiro cabe cumJ>rlr a 0 bi-igação. Assim; eStabelecido em que
ordem deve dar~sê o.adtmplemeiito, o contratánteque primeiro deve
cumprir suás obrlgáções.não pode recusar-se ao fundamento de que
o outro não satisfará a que lhe cabe, ínas o que detém a prérrogativa
de por último realizar a obrigação pode sim postei-gá-la, enquanto
não vir cumprida a obrigação imposta ao outro, tal como se deu no
caso. Anote-se que se deve guardar certa proporcionalidade entre a
recusa de. cumprir a obrigação de um e a inadimplência do outro,
pois não se fala em exceção de contrato não cumprido quando o des-
cumprimento é mínimo e parcial. Os recorrentes também aduzem que,
diante do amplo objeto do contrato, que envolveria outros produtos
além do sistema de localização, não haveria como rescindi-lo totalmente
(art. 184 do CC/2002). Porém, constatado que o negócio tem caráter uni-
tário, que as partes só o celebrariam se ele fosse válido em seu coniun-
to, sem possibilidade de divisão ou fracionamento, a invalidade é t~tal,
não se cogitando de redução. O princípio da conservação dos negócios
jurídicos não pode interferir na vontade das partes quanto à própria
existência da transação. Já quanto à alegação de violação da cláusula
geral da boa-fé contratual, arquétipo social que impõe o poder-dever
de cada um ajustar sua conduta a esse modelo, ao agir tal qual uma
pessoa honesta, escorreita e leal, vê-se que os recorridos assim agi-
ram, tanto que buscaram, por várias vezes, solução que possibilitasse
a preservação do neg6cio, o que esbarrou mesmo na intransigência
dos recorrentes de se recusar a rever o projeto com o fim de sanar as
falhas; isso obrigou os recorridos a suspender o cumprimento das obri-
gações contratuais e a buscar a rescisão do instrumento. Precedentes
citados: REsp 159.661-MS, DJ 14/2/2000; REsp 176.435-SP, DI 9/8/1999; REsp
734.520-MG, DJ 15/10/2007; REsp 68.476-RS, DJ n/11/1996; REsp 35.898-R;, DJ
22/11/1993; REsp 130.012-DF, D) 1°/2/1999, e REsp 783.404·GO, DJ 13/8/2007.
(REsp 98i.750-MG, Rei. Min. Nancy Andrighi, julgado em 13/4/2010).
Ainda nos exemplos oriundos do Superior Tribunal de Justiça enquadrá-
~eis na tu quoque, coloca-se a Súmula 385, segundo a qual "do anotação
irregular em cadastro de proteção ao crédito, não cabe indenização por
dano moral, quando preexistente legítima inscrição, ressalvado o direito
oo cancelamento".
Cap. 2 • Os Princípios Contratuais 125

A linha .de pensamento é simples. Aquele que já inadimpliu .,. viokm a


norma :... não pode se sentir moralmente abalado por. inscriçãq pos-
terior por débito inexistente, ao passo que seu nome, já consta,·lici-
tamente, no rol dos maus pagadores. Quem violou preteritamente a
norma, não poderá requisitar obediência na mesma.

5.1.4. Exceptlo doli


seguindo nos estudos das figuras parcelares da boa-fé, é mo-
mento de analisarmos a exceção dolosa.
Exceção dolosa é instituto que dialoga com a boa-fé e tem por
escopo punir aquele que pauta sua conduta em um único objetivo:
lesionar a parte contrária. Consiste na defesa do demandado em
face de ações dolosas, afirma FLAv10 TARTUCE 1o6. Trata-se, nas palavras
de JosÉ FERNANDO S1MÃ0 101, de uma importante função reativa da boa-fé,
pois usualmente veiculada em defesa.
Exemplificando o dito, PAsLo Srom GAGUANO E RoDotFo PAMPLONA FILHo'ºª
citam o art. 940 do Código Civil, o qual informa que "aquele que
demandar por dívida já paga, no todo ou em parte, sem ressalvar as
quantias recebidas ou pedir mais do que for devido, ficará obrigado a
pagar ao devedor, no primeiro caso, o dobro do que houver cobrado
e, no segundo, o equivalente do que dele exigir, salvo se houver pres-
crição". Assim, vê-se na repetição do indébito o primeiro exemplo.
Outro exemplo corrente é o chamado assédio processual, con-
sistente na prática de atos sucessivos com o único intuito de pro-
crastinar o feito, como petições com requerimentos infundados,
recursos descabidos ...

5.1.5. Cláusula de Stoppel ou de Estoppel


Consiste em expressão afeta ao Direito Internacional cujo esco-
po é a preservação da boa-fé e segurança jurídica. Consiste, nas

106. Manual de Direito Civil - Volume único. 4• edição. São Paulo: Método. 2014, p. 590.
107. SIMÃO, josé. Fernando. Direito Civil. Contratos. Série de Leituras jurídicas. 3ª ed.
São Paulo: Atlas, 2008.
108. Direito Civil. Teoria Geral dos Contratos e Contratos em Espécie. Vol. 111. lP
Edição. São Paulo: Método. 2015, p. i23.
126 Direito Civil - Vol. 13 • Luciano Figueiredo e Roberto Figueiredo

lições de PAaLo SrnLZE GAGLIANo E RoDOLFo PAMPLONA F1LH0 1º9 , na aplicação do


ideal da venire contra factum proprium aos contratos internacionais
com necessidade de comprovação de quebra de confiança. '

5.1.6. Duty to Mitigate the Own Loss


Em vista da ética, o credor possui o dever de não alargar as
próprias perdas, evitando o agravamento de seu próprio prejuízo
(Enunciado 169 do CONSELHO DA JUSTIÇA FEDERAL). o credor tem o dever de
adotar medidas aptas a evitar o agravamento do seu dano, não
incorrendo na negligência danosa, conduta claramente atentatória
ao dever anexo de cooperação.
A adoção doutrinária do tema no Brasil advém de influência da
Convenção de Viena, de 1980, sobre a venda internacional de merca-
dorias, em especial o seu art. 77. Afirma a Convenção que "a parte que
invoca a quebra do contrato deve tomar as medidas razoáveis, levando
em consideração as circunstâncias para limitar a perda, nela compreen-
dido o prejuízo resultante da quebra. Se ele negligência em tomar tais
medidas, a parte faltosa pode pedir a redução das perdas e danos, em
proporção igual ao montante da perda que poderia ter sido diminuída".
O dever de evitar o próprio prejuízo descortina-se como um dos
deveres anexos, presente em todo e qualquer contrato, decorren-
te da função integrativa da boa-fé.

~ Como se pronunciou o SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA sobre o tema?


o leadingcase sobre o tema no Brasil, na análise das decisões do Tribunal
da Cidadania, remete ao Informativo número 439, datado de 18.06.2010.
No caso em análise, o promitente comprador deixou de efetuar os paga-
mentos das parcelas do contrato de compra e venda em 1994, abando-
nando, posteriormente, o imóvel, em 2001. Entretanto, o credor apenas
realizou a defesa de seu patrimônio em 2002, quando do ajuizamento da
ação de reintegração de posse cumulada com pedido de indenização.
O fato retratou completo descaso com o prejufzo sofrido, em clara de-
satenção ao dever de mitigar as próprias perdas. Foram sete anos nos
quais o devedor ficou no imóvel, sem pagamento das parcelas e sem
que o credor tomasse qualquer atitude. Cita-se a ementa:

109. Direito Civil. Teoria Geral dos Contratos e Contratos em Espécie. Vol. 111. 11 ,
Edição. São Paulo: Método. 2015, p. i24.
Cap. 2 • Os Princípios Contratuais 127

PRÓMES$A •. COMPAA EtVENDA.; RESPONSABILIDADE.


rr~ta~se de·~~ ém ·~~ê •~.ê di~ci!~~ ~~ '<i P~°:!llit~~te .~êf\qieªO,ri R~êlê $er
penalizado pelã' retárdarnento nó ajaJ%à.tne'nt~'ct~aq~o C,t~ifel1W~grciç~o
de posse combinada com pedldcHie indeniz~Çãti;'só1fí'6 furr~~ffieJJtí:rde
que a demora da retomada do beni se deu pgr culpa docr~dor, em
razão de ele não ter observado o priflcíplo d.a boa-f~ obje~iv~. Na hipó~
'o
tese dos autos, o promitente comprador deixou de efetuar ~aga.mento
das prestações do .contrato de compra e venda em 1_994; abandonando,
posteriormente, o imóvel em 9/2001. contudo, o credor só ,r:ealizo1ia: de-
fesa de seu patrimônio em 17/io/2002, data..do ajuizamentt> da:
a:Ção de
reintegração de posse combinada com pedido de irtdenii;aÇ~o, situação

que evidencia descaso com o prejuízo sofrido, o tribunàl; a<quo assen-
tou que, não obstante o direito do promitente vendedor à indenização
pelo tempo em que o imóvel ficou em estado de não fruição (período
compreendido entre a data do início do inadimplemento das prestações
contratuais até o cumprimento da medida de reintegração de posse), a
extensão da indenização deve ser mitigada (na razão de um ano de res-
sardmento), em face da inobservância do princípio da. boa-fé objetiva,
tendo em vista o ajuizamento tardio da demanda competente. A Turma
entendeu não haver qualquer ilegalidade a ser reparadà, visto que a
recorrente descuidou-se de seu dever de mitigar o prejuízo sofrido.
pois o fato de deixar o devedor na posse do imóvel por quase sete anos,
sem que ele cumprisse seu dever contratual (pagamento .das prestações
relativas ao contrato de compra e venda), evidencia a ausência de zelo
com seu patrimônio e o agravamento significativo das perdas, uma vez
que a realização mais célere dos atos de defesa possessória diminuiria
a extensão do dano. Ademais, não prospera o argumento da recorrente
de que· a demanda foi proposta dentro do prazo prescricional~ porque
o não exercício do direito de modo ágil fere o preceito ético de não im-
por perdas .desnecessárias nas relações contratuais. Porta,nto, a conduta
da ora recorrente; inegavelmente, violou o princípio ,da boa~fé objetiva,
circunstância que caracteriza inadimplemento contratual a justificar a
penalidade imposta pela Corte originária.
(REsp 758:518-PR, Rei. Min. Vasco Della Giustina (Desembargador convo-
cado do TJ-RS), jU1lgado em•17/6/2010).
Há, hodiernamente, outros julgados do SuPrn10R TR1auNAL oE Jusr1ÇA adotando
a tese. Cita-se mais um:
DIREITO DO CONSUMIDOR. ABUSIVIDADE DE CLÁUSULA EM CONTRATO DE
CONSUMO.
É abusiva a cláusula contratual que atribua exclusivamente ao consu-
midor em mora a obrigação de arcar com os honorários advocatícios
128 Direito Civil - Vol. 13 • Luciano Figueiredo e Roberto Figueiredo

referentes à cobrança extrajudicial da dívida, si:;m exigir do fornecedor


a demonstração de que a contratação de advogado fora efetivamente
necessária e de que os serviços prestados pelo profissional contratado
sejam privativos da advocacia. É certo que o art. 395 do CC autoriza o
ressarcimento do valor de honorários decorrentes da contratação de
serviços advocatícios extrajudiciais. Todavia, não se pode perder de vista
que, nos contratos de consumo, além da existência de cláusula expressa
para a responsabilização do consumidor, deve haver reciprocidade, ga-
rantindo-se igual direito ao consumidor na hipótese de inadimplemento
do fornecedor. Ademais, deve-se ressaltar que a liberdade contratual,
integrada pela boa-fé objetiva, acrescenta ao contrato deveres anexos,
entre os quais se destaca o ônus do credor de minorar seu prejuízo me-
diante soluções amigáveis antes da contratação de serviço especializa-
do. Assim, o exercício regular do direito de ressarcimento aos honorários
advocatícios depende da demonstração de sua imprescindibilidade para
a solução extrajudicial de impasse entre as partes contratantes ou para
a adoção de medidas preparatórias ao processo judicial, bem como da
prestação efetiva de serviços privativos de advogado.
(REsp i.274.629-AP, Rei. Min. Nancy Andrighi, julgado em i6/5/2013).

6. PRINCÍPIO DA FUNÇÃO SOCIAL DOS CONTRATOS. A TUTELA INTERNA E


EXTERNA DO CRÉDITO
O princípio da função social dos contratos surge no ordenamen-
to jurídico nacional como decorrência da tendência da funcionali-
zação dos próprios direitos subjetivos. Como há muito anunciado
por NORBERTO BoBB10 11 º, passamos, no estudo do direito, da estrutura à
função, devendo ser observada a finalidade do exercício do direi-
to subjetivo, abrindo-se o sistema jurídico a percepção de outros
importantes valores.
Contratos são funcionalizados em prol da eticidade, sociabilida-
de e dignidade. Contratos ganham uma função social. Função socia:
esta apta a impor limites contratuais positivos, de determinação
de conteúdo, e negativos, relacionados aos contornos da autono-
mia. Ensina MARIA CEUNA Boo1N DE MoRAEslll que "o negócio jurídico, no

110. BOBBIO, Norberto. Dalla strutura ala /unzione. p. 8.


111. BODIN DE MORAES, Maria Cetina. A causa dos contratos. Revista Trimestral ele
Direito Civil. Rio ele Janeiro: Padma, número 21, jan./mar. 2005, p. 100.
Cap. 2 • Os Princípios Contratuais 129

direito contemporâneo, deve representar, além do interesse indivi-


dual de cada uma das partes, um interesse prático que esteja em
consonância com o interesse social geral".
Essa noção, wdavia, adentra os poros legislativos do Direito Ci-
vil nacional somente em 2002. Destarte, compulsando a Codificação
de 1916, percebe-se que esta era omissa sobre o tema. O codifi-
cador oitocentista de 1916 enxergava o contrato apenas como um
mecanismo individualista, liberal.
A Constituição Federal de 1988, todavia, tratou de promover
uma mudança copernicana na análise do direito, deslocando o cen-
tro de leitura do ter (patrimônio), para o ser (humano). Com este
olhar despatrimonializador e repersonificador, já pontou o texto
constitucional a necessidade de obediência da função social da
propriedade, em várias de suas passagens, a exemplo do art. s,
XXlll e i70. Sobre a função social do contrato, porém, o texto legis-
lativo constitucional não veiculou cláusula expressa.
Entretanto, diante da funcionalização da propriedade e dos di-
reitos subjetivos, o mecanismos de circulação (contratos) não tar-
dariam a ser funcionalizados. Fato que se tornoú positivado no Bra-
sil a partir do art. 421 do Código Civil de 2002. Assim, "a liberdade
de contratar será exercida em razão e nos limites da função social do
contrato".

~ Atenção!

Parte da doutrina, a exemplo de MARIA HELE!'IA D1mz112., critic~ aredação do


art.. 4:z1 do Çóqig9 Çivil;. P,ois se refere ao termo ''.libi.frq~de de contra-
tar" .. De fato, a Überdade de contratar - celebrar cof1tratos - é .inerente
a todos aqueles que possuem capacidade · negoCial. Melhor seria o
artigo falar em "liberdade contratual", referindo~se especificamente às
cláusulas do contrato. Além disso, a expressão "em razão" deveria ser
suprimida, ao passo que a liberdade está limitada pela função social,
mas não é a sua razão de ser.

112. DINIZ, Maria Helena. Curso de Direito Civil Brasileiro. Teoria das Obrigações Con-
tratuais e Extracontratuais. 27 Edição. São Paulo: Saraiva. 2011, p. 42.
130 Direito Civil - Vol. 13 • Luciano Figueiredo e Roberto Figueiredo

Sufragándó o dit(),há, inclusive, Projeto de. Lei (PL n~ 276/2007)1 sugerin·


do as modificações postas, i:>ara uma redaçãel mais .técnica dó artJ 4Ú
do cc. Tal projeto;· no patti<;ular, foi encaminhado por AHrõNío JutlQuaRÀ oE
AzEVEoo e ÁLVARo VtLLAÇA. oE AzEVEoo.

A partir de então, obtemperam CRISTIANO CHAVES oE FARIAS e NmoN


RosrnvAL0 113 , a liberdade passou a ter como fundamento meritório
a função social, sendo esta a causalidade dos negócios jurídicos.
Para CARLOS RoarnTo GoNçALVEs"\ "o Código Civil de 2002 procurou afas-
tar-se das concepções individualistas que nortearam o diploma ante-
rior para seguir orientação compatível com a socialização do direito
contemporâneo". O contrato, mais do que uma função individual,
ganha uma institucional, devendo ser amputados os excessos do
individualismo e da autonomia.
A autonomia, limitada à função social, passa a demandar uma es-
trutura de contrato apta a ocasionar, interna e externamente, respeito
aos valores sociais cogentes. PAULO Lôao 115 advoga que por conta do prin-
cípio da função social, os interesses individuais haverão de ser exerci-
dos em conformidade com os sociais, sendo estes sempre prevalentes.

~ ~tenção!

A função social do contrato seria capaz de excluir a sua função


individual?
Não.
Toda atividade e.conômica - e o contrato integra esta noção - está sub-
metida à primazia da justiça contratual. Assim, maígrado livre, a ativida-
de econômica deve ser orientada pela realização da justiça contratual.
Logo, toda atividacli négotiál,' frÚto da autonomia: enÚmtrà ~ua razão
de.ser na função social(critério flnalístico). Como consectário, oexercíéio
da liberdade negocial deve encontrar seu limite nesta finalidade: função
social. Limita-se a liberdade de contratar em prol do interesse social.

113. FARIAS, Cristiano Chaves. ROSENVALD, Nelson. Contratos. Teoria Geral dos
Contratos e Contratos em Espécie. Vol. IV. 5' Edição. São Paulo: Atlas. 2015,
p. 186.
114. GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito Civil Brasileiro. Contratos e Atos Unilaterais.
Vai. 111. 7• Edição. São Paulo: Saraiva. 2010, p. 24.
115. LÔBO, Paulo. Direito Civil. Contratos. São Paulo: Saraiva. 2011, p. 69.
Cap. 2 • Os Princípios Contratuais 131

ra.IJato, todavia, como bem coloca PAULO Lôeo 116, não qúer si~ilificar quê a
' função social exetua a individual do contrato. Não há exclusão, lllas sim
conformação; E o desrespeito à conformação, arremata o Autor, que
gerará a invalidade contratual.

Assim como a boa-fé, a função social traduz um conceito aberto,


a ser determinado na análise do caso concreto, avaliando o con-
trato como uma conduta economicamente útil e socialmente rele-
vante.

Para o direito, um contrato, valioso sob o ponto de vista econô-


mico, mas deletério sob o enfoque social, não deve ser validado.
De nada adianta um contrato extremamente lucrativo para constru-
ção de uma represa, por exemplo, caso não esteja consonante as
regras ambientais, ou esteja a se utilizar de mão de obra escrava,
por exemplo. O contrato não pode ter uma consequência antisso-
cial, não pode gerar danos metaindividuais.

Referendado o dito, afirma o Enunciado 26 do CoNsELHO oA JusT1çA


FEDERAL que "o contrato empresarial cumpre sua função social quando
não acarreta prejuízo a direitos ou interesses, difusos ou coletivos, de
titularidade de sujeitos não participantes da relação negocial".

Como cláusula geral que o é, a função social é dotada de gran-


de abertura semântica, não pretendendo dar prévias respostas
a todos os problemas da realidade. Tais soluções são e serão
progressivamente construídas pela jurisprudência, adverte Juo1TH
MARTINS-COSTA 117 •
Nessa senda, inviável a tentativa de completa delimitação con-
ceituai e apriorística da função social. A análise demanda voltar os
olhos ao caso concreto, perquirindo, segundo a doutrina de PAULO
NAuN 118, um nível intrínseco e outro extrínseco. Explica-se:

116. LÔBO, Paulo. Dir·=ito Civil. Contrates. São 0 aulo: 'i1niv:1. 2011, p. 61,.
117. MARTINS-COSTA, Judith. A Boa-fé no Direito Privado. São Paulo: Revista dos
Tribunais, 1999, p. 299.
118. NALIN, Paulo Roberto. Do Contrato: Conceito Pós-Moderno - Em Busca de sua
Formulação na Perspectiva Civil-Constitucional. Curitiba: Juruá, 2::ioi.
132 Direito Civil - Vol. 13 • LUciano Figueiredo e Roberto figueiredo

a) Intrínseco (individual/interno) - visto o contrato como re-


lação jurídica inter partes, visando obediência à lealdade
negocial, boa-fé objetiva e equivalência material entre os
contratantes (justiça contratual).
Aqui se coloca a noção de obrigação como processo e adim-
plemento largo, buscando respeito a todos os deveres anexos do
pacto. A função social, no seu viés interno, tem por objetivo a au-
torregulamentação de interesses individuais, ensina PAuLo Lõso"9.
Acolhendo a função interna da função social, verbera o Enuncia-
do 360 DO CONSELHO DA JUSTIÇA FEDERAL que "o princípio da função social dos
contratos também pode ser eficácia interna entre as partes contratan-
tes". FLAv10 TARTUcE 12º, autor da proposta do enunciado supracitado,
afirma que o aspecto interno da função social do contrato tem
cinco fundamentos principais:
i. Proteção dos vulneráveis contratuais.
Como ocorre no CDC, na CLT, nos Estatuto do Torcedor, em rela-
ção aos Aderentes no Contrato de Adesão (CC) ...
Infere-se ser possível a percepção de vulnerável, inclusive, em
relação civil, com nulidade de cláusula contratual abusiva. Nessa
toada caminha a doutrina no sentido da nulidade da cláusula de
renúncia antecipada à indenização por benfeito,rias em contrato
de locação por adesão, afastando o entendimento da Súmula 335
do STJ (Enunciado 433 do CoNSELHo DA JusT1çA FEDERAL). Na mesma linha
propugna-se a nulidade a renúncia ao beneficio de ordem, por
parte do fiador, em contrato de adesão (Enunciado 364 do CoNSELHo
DA JUSTIÇA FEDERAL).
Jurisprudencialmente também há percepção dessa eficácia in-
terna da função social, como na Súmula 308 do SuPERloR TRIBUNAL DE
JusnçA, que reconhecendo a vulnerabilidade do consumidor frente à
incorporadora imobiliária, declara que "a hipoteoo firmada entre a
construtora e o agente financeiro, anterior ou posterior à celebração

119. LÔBO, Paulo. Direito Civil. Contratos. São Paulo: Saraiva. 2011, p. 69.
120. Manual de Direito Civil - Volume único. 4• Edição. São Paulo: Método. 2014, p.
573-576.
Cap. 2 • Os Princípios Contratuais 133

da promessa de compra e venda, não tem eficácia perante os adqui-


rentes do imóvel".
ii. Vedação à onerosidade excessiva.
Tema já tratado neste capítulo, quando da análise do princípio
da força obrigatória.
iii. Proteção da dignidade da pessoa humana e dos direitos da
personalidade.
Direitos da personalidade e dignidade hão de ser assegurados.
Nessa linha coloca-se o Enunciado 542 do CoNSELHO DA JusT1ÇA FEDERAL, o
qual entende ser discriminatória a recusa de renovação de apólice de
seguro de vida, pelas seguradoras, em razão da idade do segurado.
Outrossim, o Enunciado 411, do mesmo CoNsELHo DA JusT1ÇA FEDERAL,
verbera que cabem danos morais quando da recusa, sem justo
motivo, por parte do plano de saúde, de internação do paciente.
Vê-se mais um exemplo.
iv. Nulidade ou Ineficácia de cláusulas sociais abusivas
Em sendo a função social uma questão de ordem pública, o
seu desrespeito é capaz de ocasionar nulidade ou ineficácia da
cláusula contratual e, quiçá, do contrato (Enunciado 431 do CoNsELHO
DA JUSTIÇA FEDERAL).
Fala-se em nulidade ou ineficácia a depender da violação à fun-
ção social ser genética - contemporânea à formação do contrato
- ou posterior, como bem ensinam CRISTIANO CHAVES DE FARIAS e NELSON
RosENVALD 121 • Servirá à função social a regular a liberdade de iniciativa
e o desenvolvimento do processo obrigacional contratual.

~ Como se manifestou o SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA sobre o tema?


o próprio enunciado da Súmula 302 do SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA caminha no
mesmo sentido, ao entender como nula a cláusula contratual do plano
de saúde que limita no tempo a internação hospitalar do segurado.

12i. FARIAS, Cristiano Chaves. ROSENVALD, Nelson. Contratos. Teoria Geral dos
Contratos e Contratos em Espécie. Vol. IV. 5• Edição. São Paulo: Atlas. 2015, P· 191.
134 Direito Civil - Vol. 13 • Luciano Figueiredo e Roberto Figueiredo

v. Objetivo de conservação contratual, sendo sua extinção


subsidiária
A função social deve, em regra, ocasionar a revisão do contrato,
no seu campo interno, sendo a extinção do pacto medida de cará-
ter subsidiário (Enunciado 22 do CONSELHO DA JUSTIÇA FEDERAL).
b) Extrínseco (público/externo) - analisado o contrato em re-
lação à coletividade, visando seu impacto social. o contrato
não é um mero mecanismo de circulação de riquezas, mas,
também, de ganhos sociais. No seu âmbito público/externo,
a função social visa conformar os interesses individuais aos
sociais, obtempera PAULO Lôso 122 •
FLAv10 TARTucE 123 aponta como decorrências de respeito à faceta
externa da função social:
i. Proteção aos direitos difusos e coletivos.
Afinal, o exercício do direito individual não poderá lesionar o
social (função socioambiental do contrato).
ii. Tutela externa do crédito (eficácia transobjetiva dos
contratos).
Percepção de que o contrato poderá atingir terceiros, ou que
condutas destes poderão repercutir no contrato.
Na tutela externa do crédito, dois temas de grande impacto
jurisprudencial ganham espaço: a teoria do terceiro ofendido e do
terceiro ofensor ou cúmplice.
Quem é o terceiro ofendido?
Por vezes é possível verificarmos que um determinado contrato,
malgrado não desrespeitar interesses metaindividuais, acaba por
lesionar interesses de um terceiro. Esse sujeito, que a doutrina de-
nomina como terceiro ofendido, vem recebendo progressiva tutela
jurídica.

122. LÔBO, Paulo. Direito Civil. Contratos. São Paulo: Saraiva. 2011, p. 69.
123. Manual de Direito Civil - Volume único. 4ª Edição. São Paulo: Método. 2014, p.
577-
Cap. 2 • Os Princípios Contratuais 135

Em um primeiro exemplo tem-se a equiparação a consumidor


daquele que for atingindo por um acidente de consumo (fato de
consumo) - art. 17 do Código de Defesa do Consumidor. Caso A
adquira um carro e, por fala no sistema de freios, venha a atro-
pelar B, este (B) poderá ajuizar ação de reparação civil em face
dos fornecedores (fabricante e concessionária), como consumidor
por equiparação. Há responsabilidade civil fulcrada na teoria do
risco-proveito dos fornecedores, pois aquele que tem o proveito
econômico, há de indenizar o dano. Outrossim, percebe-se a repa-
ração do terceiro ofendido em virtude do contrato celebrado por
A e a fabricante.
Em um segundo exemplo, vê-se a Súmula 529 do SuPrn10R TRIBUNAL
cE JusT1çA, segundo a qual "no seguro de responsabilidade civil facul-
tativo, não cabe o ajuizamento de ação pelo terceiro prejudicado
direta e exclusivamente em face da seguradora do apontado causa-
dor do dano".
Segue a s(1mula o entendimento doutrinário posto no Enunciado
544 do CoNsni.o oA JusT1çA FEDERAL, para o qual "o seguro de responsabili-
dade civil facultativo garante dois interesses, o do segurado contra os
efeitos patrimoniais da imputação de responsabilidade e o da vítima
à indenização, ambos destinatários da garantia, com pretensão pró-
pria e independente contra a seguradora". Entrementes, condicionou
o TRIBUNAL UA CIDADANIA, para o exercício do direito por parte do tercei-
ro ofendido, o ajuizamento da demanda em face da seguradora e
do segurado. ao passo que, nos autos, a conduta deste (segurado),
há de ser vista para que haja imputação de responsabilidade da-
quela (seguradora).
Assim, se João colidir com o carro de Caio, causando danos a
este, e se negar a acionar o seu seguro, Caio poderá ajuizar ação
diretamente em face da seguradora de João, desde que inclua João
no polo passivo da lide. Afinal, como terceiro ofendido, Caio há de
ser indenizado. Todavia, para que haja responsabilidade civil da
seguradora, a conduta de João há de ser comprovada.
Percebe-se a tutela externa do crédito, cumprindo o contra-
to de seguro celebrado entre João e a seguradora a sua efetiva
função social: indenizar os lesados por conduta culposa de João.
Aplica-se o art. 788 do Código Civil, para o qual "nos seguros de
136 Direito Civil - Vol. 13 • Luciano Figueiredo e Roberto Figueiredo

responsabilidade legalmente obrigatórios, a indenização por sinistro


será paga pelo segurador diretamente ao terceiro prejudicado".
Em um terceiro exemplo pode-se citar a Sdmula 308 do TRIBUNAL
DA CIDADANIA, há pouco trabalhada e que protege o adquirente do
imóvel (terceiro ofendido) em face de hipoteca firmada entre a
construtora e o agente financeiro.
E quem seria o terceiro ofensor ou terceiro cúmplice?
Trata-se daquele que conhece e lesiona um contrato previamen-
te existente e tutelado pelo direito. Tal ofensa costuma ser concre-
tizada a partir da realização de um segundo contrato, claramente
ofensivo ao primeiro. Nesta situação, propugna a doutrina, com
fulcro na tutela externa do crédito, que o terceiro lesionado, parte
do contrato primitivo, poderá demandar diretamente em face do
lesante, parte do segundo contrato e terceiro ofensor ou cúmplice
no descumprimento do pacto originário.
Percebe-se que a possibilidade de acionar diretamente o tercei-
ro lesante decorre da função social, ao passo que não há relação
contratual entre lesante (terceiro ofensor) e lesionado.
Voltando-se os olhos ao Código Civil, percebe-se a adoção da
tese da penalização do terceiro ofensor no art. 608, o qual verbera
que "aquele que aliciar pessoas obrigadas em contrato escrito a pres-
tar serviço a outrem pagará a este a importância que ao prestador de
serviço, pelo ajuste desfeito, houvesse de caber durante 2 (dois) anos".
O artigo em comento, porém, curiosamente não tem grande
aderência prática, sendo raras decisões sobre o tema. Um dos ca-
ses mais famosos do Brasil, que poderia, sem sombra de dúvidas,
versar sobre o assunto, mas apenas o tangenciou, foi o do sambis-
ta Zeca Pagodinho.
O famoso sambista realizou contrato de cessão de direito de
uso de imagem, com cláusula de exclusividade por dozes meses,
com a Cervejaria Schincariol. Após realizar a propaganda da Schin-
cariol e ser pago, ainda durante a vigência da exclusividade, o sam-
bista violou o contrato, realizando propaganda de uma concorrente
direta da contratante originária, a Cervejaria Ambev. Ato contínuo,
a Schincariol ajuizou ação contra o cantor, pretendendo reparação
Cap. 2 • Os Princípios Contratuais 137

moral e indenização pela quebra do contrato, tendo ambas as pre-


tensões sido julgadas procedentes.
Entretanto, a ação da Schincariol não foi direcionada à Ambev
(terceira ofensora), e não teve por fundamento o art. 608 do Códi-
go Civil e a tutela externa do crédito. Pautou-se a demanda apenas
na violação da boa-fé objetiva de Zeca Pagodinho e no inadimple-
mento contratual, como bem colocam CRISTIANO CHAVES DE FARIAS e NELSON
RosENVALD' 24 •

~ Com se pronunciou O SUPERIOR TRIBÚ~AL DE J~sric;A ~obre' o téma?


Responsabilidade Civil. Concorrência desleal. lnte~ençã~ em co~trato
Alheio. Terceiro Ofensor. Violação à boa-fé objetiva. Açãb . de reparação
de danos em que se pleiteia indenização por prejuízos .material;; e
morais decorrentes da contratação do. protagÔnisfa de campành'â'pu-
bliCÍtária de agência àutora ·pela agência concorrente, pàrâ'promover
produto de empresa concorrente. Concorrência desleal caracterizada.
Aplicação dos ditames derivados do. princípio da boa-fé objetiva ao
comportamento do terceiro ofensor (REsp. i316149/SP. Rei. Min. Paulo
de Tarso Sanseverino. 3 Turma. DJe 27.06.2014.'

D' outra banda, registra-se ser objeto de debates se a responsa-


bilidade civil nas situações de terceiro ofensor e de terceiro ofen-
dido seria aquiliana (extracontratual) ou contratual. Concordamos
com ANrôN10 JUNQUEIRA DE AzEvrno 125 no sentido de tratar-se de responsa-
bilidade civil extracontratual, pois o terceiro não se tornará parte
do contrato em razão da função social. Assim, incidente a regra
geral codificada de responsabilidade civil pela teoria subjetiva (CC,
art. i86).
Não se olvida, todavia, que se o terceiro ofensor e o contratado,
conjuntamente, houverem perpetrado o dano, é viável a aplicação
da solidariedade legal, entabulada no art. 942 cio Código Civil: "se
a ofensa tiver mais de um autor, todos responderão solidariamente

124. FARIAS, Cristiano Chaves. ROSENVALD, Nelson. Contratos. Teoria Geral dos
Contratos e Contratos em Espécie. Vol. IV. 5• Edição. São Paulo: Atlas. 2015, p. 203.
125. AZEVEDO, Antônio Junqueira de. Princípios do novo direito contratual e
desregulamentação do mercado. São Paulo: Revista dos Tribunais número 750,
p. 117, abr. i998.
138 Direito Civil - Vol. 13 • Luciano Figueiredo e Roberto Figueiredo

pela reparação". Aqui haverá solidariedade, mas os fundamentos


da responsabilização serão diversos: o devedor responderá de
forma contratual, por quebra do pacto originário; enquanto o ter-
ceiro ofensor responderá de maneira aquiliana.
Mais uma dúvida ainda paira sobre a questão do terceiro ofen-
sor: e a cláusula penal, seria passível de ser exigida do terceiro?
Em sendo a responsabilidade civil do terceiro ofensor extracon-
tratual, como pontuado acima, por lógica de pensamento entende-
mos ser inviável a aplicação, em face do terceiro, de cláusula penal
do contrato originário.
E seria a função social uma norma de ordem pública?
Enxerga-se a função social como uma norma de ordem pública
(CC, art. 2.035), cuja aplicação poderá ser feita de ofício pelo ma-
gistrado, defende FLÁv10 TARTUCE 126 • Posiciona-se MARIA HELENA D1N1z121 no
sentido de que a. função social dos contratos, prevista no Código
Civil (CC, art. 421), promove importante diálogo com valores cogen-
tes constitucionais, como solidarismo social (CF, art. 3, 1), igualdade
(CF, art. 5), justiça social (CF, art. 170, caput) e dignidade da pessoa
humana (CF, art. 1, Ili).

~ Atenção!
o art. 2.035 do Código Civil - comq visto na Parte Gerat no ti:atamentq
do tema negócios jurídicos - permite a aplicaçã9 da função social cios
contratos, até mesmo, a negócios .cele~rád()s du,rante a vigênciá éfo
Código Civil de 1916, mas cujos efeitos ádéntram o Código Civil de 2002.
Infere-se a retroatividade motlvad~ ou . justificada, i:etrooperandp a
norma em virtude de uma questão de ordem pública, como bem ensina
MÁRIO Luiz 0ELGAD0 128•

No sistema atual é possível falar-se em um diálogo de comple-


mentariedade entre boa-fé objetiva e função social?

126. Manual de Direito Civil - Volume Único. 4• Edição. São Paulo: Método. 2014, p. 572.
i27. DINIZ, Maria Helena. Curso de Direito Civil Brasileiro. Teoria das Obrigações
Contratuais e Extracontratuais. 27 Edição. São Paulo: Saraiva. 2011, p. 42.
128. DELGADO, Mário Luiz. Problemas de Direito lntertemporal no Código Civil. São
Paulo: Saraiva, 2004, p. 94.
Cap. 2 • Os Princípios Contratuais 139

Seguramente. A boa-fé é endógena, enquanto a função social é


exógena. Há, entre os dois princípios sociais, um diálogo de com-
plementariedade, regulando a boa-fé objetiva o comportamento
das partes na cooperação para a prática dos atos do processo
obrigacional, enquanto regula a função social a tutela externa do
crédito.

7. PRINdPIO DA EQUIVAL~NCIA MATERIAL OU DA JUSTIÇA CONTRATUAL


Remanesce na doutrina debate sobre a autonomia do princípio
da equivalência material em face da função social. PA0Lo SrnLzE GAGUA·
No E RoooLFO PAMPLONA F1LH0' 29, por exemplo, optam por tratar a justiça
contratual como subproduto da função social. Outros autores, por
sua vez, abraçam a tese de ser um princípio autônomo, a exemplo
de PAuLo Lõ00 1 3º.
Por opção metodológica, em vista do progressivo espaço dou-
trinário e jurisprudencial conferindo ao tema, optou-se, neste obra,
por inseri-lo em tópico apartado, lhe dando contornos de princípio
autônomo. Isto, porém, não quer significar ignorância à sua nítida
relação com os demais princípios, como função social e boa-fé.
Desde AR1sróTELEs a noção de justiça contempla o seu viés distri-
butivo e o corretivo ou comutativo. A distributiva visa a repartição
de obrigações. Já a comutativa tem por escopo a ponderação, cor-
rigindo desbalanceamentos. É a justiça corretiva que dialoga com o
ideal de equivalência material das prestações.
Obviamente que, como visto ao tratarmos do tema autonomia,
a justiça comutativa não teve ingresso no mundo contratual quan-
do da ideologia liberal. Nesse momento histórico via-se o contrato
como produto da vontade, sendo o seu cumprimento, nos moldes
do pacta sunt servanda, imposto na forma da contratação. o passar
do tempo, porém, demonstrou que a liberdade levou à opressão.
o Estado necessitou intervir (dirigismo contratual). Foi, então, com
a evolução e o influxo de ideais sociais que a intervenção estatal

129. Direito Civil. Teoria Geral dos Contratos e Contratos em Espécie. Vol. Ili. iia
Edição. São Paulo: Método. 2015, p. 97.
130. LÔBO, Paulo. Direito Civil. Contratos. São Paulo: Saraiva. 2011, p. ro.
140 Direito Civil - Vol. 13 • Luciano Figueiredo e Roberto Figueiredo

(dirigismo) passou a permitir a revisão dos contratos, ganhando


relevo a noção de equivalência material entre as prestações.
A equivalência material remete a busca de preservação do
equilíbrio de direitos e deveres no contrato, antes, durante e após
a sua execução. O escopo é a manutenção de uma justa e equânime
equação contratual, seja para manutenção do equilíbrio lnicial, seja
para corrigir desequilíbrios supervenientes. Sua matriz constitucio-
nal é a igualdade substancial (art. 3, Ili da CF/88), objetivando o
contrato manter um certo nível de paridade (trocas úteis e justas).
Sobre o tema, o Enunciado 22 do CoNSELHo oA Jusr1ÇA FEDERAL bem
coloca que "a função social do contrato, prevista no art. 421 do novo
Código Civil, constitui cláusula gera/, que reforça o princípio da conser-
vação do contrato, assegurando trocas úteis e justas".
Nessa ótica, o Estado, através do contratual, faz intervenções,
mediante diversos institutos, com o claro escopo de manutenção
da justiça contratual. Tem-se, neste contexto, a verificação de uma
série de mecanismos aptos a este objetivo, como o instituto da le-
são (CC, art. 157), a teoria da imprevisão (CC.. art. 478), a revisão de
cláusula penal abusiva (CC, art. 413), a interpretação das cláusulas
do contrato de adesão pró-aderente (CC, art. 423), a nulidade de
renúncia antecipada a direito em contrato de adesão (CC, art. 424),
as normatizações protetivas (CDC, CLT, Estatuto do Torcedor) ... Tais
termos já foram estudados ao longo dessa obra e na parte geral.
Dissecando o tema justiça contratual, PAuLo Lõso 1 >1 ensina que o
princípio da equivalência material das prestações tem dois aspec-
tos distintos:
a) Subjetivo - o qual considera o poder contratual dominante
das partes e a presunção legal de vulnerabilidade. Assim a lei
presume vulnerável o consumidor, o empregado, o torcedor...
São presunções que desembocam em normas protetivas;
b) objetivo - que leva em conta o real desequilíbrio dos direi-
tos e deveres contratuais, seja no próprio ato de contratar,
seja por causa superveniente. Nessa toada, a norma comba-
te tais desequilíbrios por institutos específicos, como a lesão
(CC, art. i57) e a imprevisão (CC, art. 478).

i3i. LÔBO, Paulo. Direito Civil. Contratos. São Paulo: Saraiva. 2011, p. 70.
Capítulo
·------------···-----------

Formação dos Contratos

1. A IMPORTÂNCIA DOS CONTRATOS E A SUA EVOLUÇÃO HISTÓRICA


Como visto em sede de capítulo introdutório desta obra, des-
de que o ser é humano, contrata. Assim o é porque o contrato é
um instrumento de conciliação de interesses, através do qual são
alinhados desejos, com vistas à pacificação social, ultrapassar as
dificuldades e desenvolvimento econômico. Afirma FLAv10 TARTUCE1, a
própria palavra sociedade traz consigo a noção de contrato.
Compondo o contrato diferentes vontades, em diferentes senti-
dos e segundo a sua autonomia, a contratua/ística é predominante
na vida em sociedade. Dessa maneira, consiste o contrato em um
instrumento apto a atender as necessidades da coletividade; dos
homens.
Tendo o escopo de compor diferentes interesses, o contrato
demanda uma fase prévia, de formação, na qual as partes alinham
seus objetivos mediante tratativas, propõe e aceitam o pactuado.
O contrato, então, demanda um iter procedimental, um processo
de formação.
Vaticina MARIA HELENA D1N1z 2 que "sem o mútuo consenso, expresso ou
tácito, não haverá qualquer vínculo contratual". Exige-se uma espécie
de consenso mútuo, uma uniformidade de buscas. Ensina PAULO Lõso 3
que "o contrato se forma quando uma parte (ofertante) faz uma ofer-
ta de prestação de uma prestação à outra parte (aceitante) e esta a

i. Direito Civil. Teoria Geral dos Contratos e Contratos em Espécie. Vol. Ili. 3ª edição.
São Paulo: Método. 2008, p. 39.
2. DINIZ, Maria Helena. Curso de Direito Civil Brasileiro. Teoria das Obrigações
Contratuais e Extracontratuais. 27• edição. São Paulo: saraiva. 2011, p. 57·
3. LÔBO, Paulo. Direito Civil. Contratos. São Paulo: Saraiva. 2011, p. 56.
142 Direito Civil - Vol. 13 • Luciano figueiredo e Roberto figueiredo

aceita, fundindo-se as duas manifestações de vontade em um acordo,


que obriga ambas as partes."
É justamente sobre este processo de formação do contrato e,
especificamente, derredor de suas três fases clássicas - tratativas,
proposta e aceitação - que passaremos a falar. Analisaremos o iter
de formação dos contratos, perpassando pelo conjunto de atos
necessários ao nascimento de uma obrigação contratual. A lógica
será da leitura desta obrigação como um processo, na herança dos
festejados e inesquecíveis ensinamentos de CLóv1s Couro E StLVA4 •
Registra-se que tal formação, também conhecida como conclu-
são do contrato, não firma o término do pacto, mas sim a finaliza-
ção de sua formação e início da relação. O fim da relação contratu-
al, propriamente, é denominado como extinção do contrato, tema
estudado em capítulo específico, mais à frente.
D'outra banda, a tripartição proposta (tratativas, proposta e
aceitação) é direcionada aos contratos cíveis e paritários. A análise
do tema na seara dos contratos de adesão, de consumo, eletrôni-
cos e plurilaterais tem suas nuances. Justo por isto, focaremos no
ideal cível paritário e desenvolveremos notícias sobre as outras
figuras e respectivas adaptações. 5

., Atenção!
Malgrado a maioria da doutrina afirmar que as fases de formação do
contrato são tratativas, proposta e aceitação, há quem na doutrina, a
exemplo de PAULO lõsos, defenda serem as fases de formação dos con-
tratos oferta, aceitação e acordo ou consenso.
Em verdade, malgrado os batismos diversos, o conteúdo tratado pela dou-
trina para cada uma dàs fases é bastante próximo, como se verá adiante.
De mais a mais, recorda-se que o esquema regra de formação dos.contratos
relaciona-se às figuras paritárias e consensuais. São paritários por terem
como pressuposto a igualdade entre as partes e consensuais por se torna-
rem perfeitos e acabados com o mero consenso (encontro de vontades).
Exemplifica-se com a compra e venda entre particulares. Aqui a entrega do
objeto diz respeito à eficácia, relacionando-se à fase de execução do pacto.

4. COUTO E SILVA, Clóvis. A Obrigação como um Processo.


5. LÕBO, Paulo. Direito Civil. Contratos. São Paulo: Saraiva. 2011, p. 78.

----·-
Cap. 3 • Formação dos Contratos 143

Caso. porém, o contrato seja paritário real, além do consenso, será exi-
gido para que ôcontrato esteja perfeito e acabado a entrega dei .coisa
(tradição), a exemplo do depósito e do comodato. Àqui a tradição fará
parte do iter de formação contratual, ganhando a formaçãb do pacto
mais um item de válidade.
Outrossim, nos contratos plurilaterais - a exemplo do social constitutivo
de pessoas jurídicas - não há. oferta. Nesse tipo de ajuste, a vontade
das partes não é opo~ta, mas .sim comuns e complementares. Outro
exemplo salutar deste tema é o condomínio.
Caso o contrato tenha forma. v.inculada pela lei ou pela vontade, esta
passará a ser da substancia do ato, integrando sua formação, sob pena
de nulidade absoluta (CC, arts. 109 e 166, IV). Mais uma vez teremos
uma fase de formação do contrato um pouco mais dilatada.
Outrossim, em sendo por adesão - entendido corno aquele contra-
to pré-formatado unilateralmente por uma das partes, com conteúdo
rígido (inalterável) - obviamente a fase de negociações preliminares
inexiste. Há, todavia, proposta do hipersuficiente e opção do hipossufi-
ciente em aceitar, ou não, o bloco contratual proposto (toke it or leave
it). Nessa toada, a clássica teoria da formação dos contratos resta re-
duzida à proposta e aceitação.

É momento de dissecarmos as usuais fases de formação dos


contratos .

2. TRATATIVAS, NEGOCIAÇÕES PRELIMINARES OU FASE DE PONTUAÇÃO


(PONTUAZIONE)
As tratativas (tractatus, trattative, pourparles) são um período
de negociações preliminares, anteriores à formação do contrato.
Visam sondagens, conversas e estudos sobre os interesses de cada
contratante, com a pontuação do que há de comum.
Recorda FLÁv10 TARTucE 6 que as tratativas não possuem tratamen-
to no Código Civil, relacionando-se a acordos parciais na fase do
pré-contrato. Nas lições de PABLO SroLZE GAGLIANO E RoooLFO PAMPcoMr, FiLHo 7

6. Direito Ci'1il. Manual de Direito Civil. Volume Único. 4• edição. São Paulo: Método,
2015. p. 6o2.
7. Direito Civil. Teoria Geral dos Contratos e Contratos em Espécie. Vol. Ili. iia
edição. São Paulo: Método. 2015, p. i28.

-·····-·------------------------------------
144 Direito Civil - Vol. 13 • tuciano Figueiredo e Roberto Figueire::Jo

é o momento em que "as partes discutem, ponderam, refletem, fazem


cálculos, estudam, redigem a minuta do contrato, enfim, contemporizam
interesses antagônicos, para que se possa chegar a uma proposta final e
definitiva". São, segundo MARIA HELENA D1N1z8, "conversações, entendimen-
tos e reflexões sobre a oferta até se encontrar uma solução satisfatória".
A fase de negociação, a depender da complexidade ou do perfil
das partes, pode ser rápida ou demorada, tendo como traço carac-
terístico a não vinculação à realização do negócio. Afinal, ninguém
é obrigado a contratar. Nas tratativas, obtempera CARLOS RoeERTO GoN-
ÇALVEs9, não há vinculação, podendo qualquer das partes afastar-se,
simplesmente, por mero desinteresse, sem responsabilidade, em
regra, por perdas e danos.
Recorda-se, porém, que em sendo uma fase pré-contratual, de-
mandam as tratativas respeito à ética e confiança, em atenção ao
primado da boa-fé, conforme já enfrentado no capitulo destinado
à principiologia. Aqui surge uma importante questão, veiculada na
doutrina de PABLO STOLZE GAGLIANO E RODOLFO PAMPLONA F1LH0 10 : qual seria o
limite entre o direito de não contratar e a quebra de eventual legí-
tima expectativa criada na contraparte?
o fato de existir um legítimo direito de não contratar nã.o retira
a necessidade de indenizar eventual quebra de expectativa pela au-
sência da contratação, mormente quando presentes quebra de leal-
dade, confiança, sigilo, cuidado, proteção, esclarecimento e boa-fé.
Como é consabido, a boa-fé, hodiernamente, contamina desde
o pré até o pós contrato. Assim, como posto pelo Enunciado 170
do CONSELHO DA JusT1çA FEDERAL, "a boa-fé objetiva deve ser observada
pelas partes na fase de negociações preliminares e após a execução
do contrato, quando tal exigência decorrer da natureza do contrato".
Verifica-se, ensina PAULO Lôsoll, a aplicação da teoria da culpa in

8. DINIZ, Maria Helena. Curso de Direito Civil Brasileiro. Teo:ia das Obrigações
Contratuais e Extracontratuais. 27' edição. São Paulo: Saraiva< 2c11, p. 60.
9. GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito Civil Brasileiro. Contratos e Atos unilaterais.
Vol. Ili. 7ª edição. São Paulo: Saraiva. 2010, p. 71.
10. Direito Civil. Teoria Geral dos Contratos e Contratos em Espécie. Vol. Ili. iia
edição. São Paulo: Método. 2015, p. 129.
1i. LÔBO, Paulo. Direito Civil. Contratos. São Paulo: Saraiva. 2011, p. 36.
Cap. 3 • Formação dos Contratos 145

contrahendo de IHERING, pela qual eventual injustificada frustração d:


contratar, após negociações encaminhadas, deve ocasionar indeni-
zação ao lesado 12 •
Mas essa eventual responsabilidade civil seria contratual ou
extracontratual?
Grande questão. Mais uma daquelas ligada ao "misterioso e
paradoxal período pré-contratual", como pontua MAZEAUD. Vers~ndo
sobre a controvérsia, aduz PAULO Lôso 13 , caminhando com a maioria,
que na relação contratual comum tendeu-se para a responsab~lld~:
de civil extracontratual ou aquiliana, segundo as regras gerais; Jª
na relação de consumo, trilha-se a responsabilidade civil objetiva,
atento aos regramentos protetivos ao consumidor.
Na mesma linha coloca-se a doutrina de CRISTIANO CHAVES OE FARIAS
e NELSON RosENVALD' 4 , para a qual a quebra injustificada e arbitrária
das tratativas, em clara violação da confiança, é apta a ocasion_ar
responsabilidade civil pré-contratual e aquiliana, em clara vemre
contra factum proprium.
Nesses casos a solução, porém, afirma ANDERSON ScHREIBER 15, será
indenizatória (perdas e danos), ao passo que a liberdade de não
contratar há de ser preservada, mormente quando há meras tra-
tativas. Haverá reparação do dano à confiança, gastos empregados
nas negociações e a perda da oportunidade de negociar com ou-
trem (ocasiões frustradas). Logo, hão de ser reparados tanto os
interesses positivos, como os negativos.
A responsabilidade por quebra da boa-fé pré-contratual em seara
de negociações, segundo CARLOS RosERTO GoNçALvEs16, pode ter c?mo fat?
gerador as despesas realizadas por uma das partes em tais tr~tat1-
vas ou, ainda, a perda da oportunidade de contratar com terceiros.

12 . Para aprofundamento do tema a boa-fé nas relações pré-contratuais indica-se


a leitura do capítulo desta obra dedicado aos princípios dos contratos.
13. LÔBO, Paulo. Direito Civil. Contratos. São Paulo: Saraiva. 2011, p. 86.
14. FARIAS Cristiano Chaves. ROSENVALD, Nelson. Contratos. Teoria Geral dos
contr;tos e Contratos em Espécie. Vol. IV. 5ª edição. São Paulo: Atlas. 2015, p. 55·
15 . SCHREIBER, Anderson. A Proibição do Comportamento Contraditório, p. ~41. .
1 6. GONÇALVES, carlos Roberto. Direito Civil Brasileiro. Contratos e Atos Unilaterais.
Vol. 111. 7• edição. São Paulo: Saraiva. 2010, p. 72.
146 Direito Civil - Vol. 13 • Lucíano Fígueiredo e Roberto Figueiredo

Inviável, todavia, será aqui uma tutela específica obrigando a


celebrar o contrato, diante do direito de não contratar. Indeniza-
-se a quebra da confiança, mas não avançamos no sentido de uma
tutela específica obrigando o contrato.

> Como se pronunciou o SuPERioR TRIBUNAL oE JusrxçA sobre o tema?


DIREITO CML. RESPONSABILIDADE CML .P~'."CONTRATUAL.
A parte inter~ssada em. se. tornar revendedora ~utorizada de veícu-
los te~ direito de ~er ressarcidaddos dànos materiais decorrentes
da conduta da fal)ricante no caso em que esta - ap6s anunciar
em Jornal que estaria em busca de novos parceiros e depois de
comunicar àquela a avaliação positiva que fizera da manifestação
de seu interesse, obrigando-a, Inclusive, a adiantar o pagamento
de determinados valores - rompa, de forma injustificada a nego- 1

ciação atê então levada a efeito, abstendo-se de devolver as quan-


tias adiantadas. A responsabilidade civil pré-negocial, ou seja, a
verificada na fase preliminar do contrato, é tema oriundo da teoria
da culpa in contrahendo, formulada pioneiramente por Jhering, que
influenciou a legislação de diversos países. No Brasil, o CC/1916 não
traz~a disposição específica a respeito do tema, tampouco sobre
a clausula geral de boa-fé objetiva. Todavia, já se ressaltava, com
fundamento no art. 159 daquele diploma, a importância da tutela da
confiança e da necessidade de reparar o dano verificado no âmbito
das tratativas pré-contratuais. Com o advento do CC/2002, dispôs-
-se, de forma expressa, a respeito da boa-fé (art. 422), da qual se
extrai a necessidade. de observância .dos chamados deveres anexos
ou de proteção. Com base nesse regramento, deve-se reconhecer a
responsabilidade pela reparação de danos originados na fase pré-
-contratual caso verificadas a ocorrência de consentimento prévio
e mút.uo no in~cio das ..tratativas, a afronta à boa~fé objetiva com 0
rompimento ilegítimo destas, a existência de prejuízo e a relação de
causalidade entre a ruptura das tratativas. e o dano sofrido. Nesse
contexto, o dever de reparação não decorre do simples fato de as
tratativas terem sido rompidas e o contrato não ter sido concluí-
do, mas da situação de uma das partes ter gerado à outra, além
da expectativa legítima de que o contrato seria concluído, efetivo
prejuízo material.
(REsp i.051.065-AM, Rei. Min. Ricardo Villas Bôas Cueva, julgado em
21/2/2013).
Cap. 3 • Formação dos Contratos 147

> Atençãq!
Ém entendimento interes.sante .e ímpar, pórém, advoga FLÁVIO TARTUCE17,
para quern a quebra da boa-fé ém casos tais poderá remeter a rup-
tura de um dos deveres anexos, em claro inadimplemento do próprío
contrato e responsabilidade civil objetiva por abuso de direito (art. 187
do CC e enun<:lados 25, 170, 24 e 37 do Conselho da Justiça Federal).
Logo, a·vança o professor paulista na defesa de uma responsabilidade
civil objetiva e contratual por desrespeito à boa-fé nas relações civis,
diante da construção posta.

Seguindo nas tratativas, nesta fase, as partes irão pontuar seus


interesses recíprocos, visando alinhar quais os desejos em comum
na busca de um bom contrato para ambos. Exemplifica-se com um
cidadão que, desejoso em adquirir um televisor de LCD, dirige-se a
uma determinada loja. Lá chegando, afirma ao vendedor que quer
adquirir um televisor de LCD de 42 (quarenta e duas) polegadas. O
vendedor, por sua vez, passa a listar as opções existentes na loja,
no perfil do comprador. Percebe-se uma tratativa em que se pontu-
am (fase de pontuação) os interesses em comum, na busca de um
possível negócio.
Veja-se ser plenamente possível que a tratativa não vingue. Por
vezes acontece das tratativas não terem seguimento em uma pro-
posta, por inexistir na aludida loja um televisor de LCD nos moldes
do interesse do comprador - ausência de pontos em comum. Em
outros casos, todavia, a negociação prossegue, desembocando em
uma proposta; a segunda fase da formação dos contratos.
As tratativas podem ser desenvolvidas informalmente - de ma-
neira verbal - ou formalmente - mediante protocolos de intenções
e, até mesmo, minutas. Geralmente, pela dinâmica pós-moderna,
tratativas informais costumam ser a regra. Entrementes, negócios
maiores, como incorporações empresariais, demandam tratativas
formais, com minutas nas quais constam os pontos já acertados,
visando avanços negociais, consoante os ensinamentos de MARIA

17. Oirei:o Civil. Manual de Direito Civil. Volume único. 4• edição. São Paulo: Método,
2015. p. 602.
148 Direito Civil - Vol. 13 • Luciano Figueiredo e Roberto Figueíreco

HELENA 01N1z 18 • Tais acordos parciais ou provisórios, ainda segundo a


autora, não ocasionam obrigatoriedade, pois firmados em sede de
negociações preliminares, sendo aptos, porém, a gerar responsa-
bilidade civil aquiliana por quebra da boa-fé.
Problemas práticos, porém, há na tênue distinção entre uma minuta
formal e assinada e uma proposta. Para S1Lv10 Do SALvo VENosA'9 apenas a
análise do caso concreto revelará o real objetivo do documento. se
este for assinado por apenas uma das partes, aproxima-se mais de
uma proposta; caso assinado por ambas, já se torna mais próximo de
uma minuta prévia e negocial. Aqui o cuidado do operador do direito
será salutar, para que não gera a contraparte, na hipótese de eventual
litígio, prova relevante de algo que não se emoldura à realidade fática.
E seria possível a formação de um contrato sem prévia tratativa?
A resposta é positiva. Nada impede que já haja, diretamente,
uma pro~o:ta. Tal ocasião se dá, por exemplo, quando há propos-
tas ~o pu_bllco_ em geral (ofertas), através de vitrines de lojas. Nes-
sa s1tuaçao n~o houve negociação prévia, mas sim uma proposta
ex~osta e aceita. Outras casuísticas são os contratos de adesão, já
pre-prontos e apresentados para mera assinatura da contraparte.
. Ocorre, porém, que no universo dos contratos com uma comple-
x~dade um pouco maior, não é o usual. Nesses casos, o ordinário
s_ao lon~a,s n:gociações e pontuações, com concordâncias paula-
tinas ate a primeira proposta global, lembra S1Lv10 Do SALvo VENOSA'º.

I> Atenção!
Não se confunde tratativà.s com contrato preliminar.
Malgrado tais figuras s~. aproximarem, por antecederérn o contrato
definitivo, elas sé afastam, por terem gêneses e escopos diversos. o
contrato preliminar ê um contrato perfeito e acabado. Já as tratativas
são negociações preliminares objetivando a formação de um contrato.

18. DINIZ, Ma:ia Helena. Curso de Direito Civil Brasileiro. Teoria das Obrigações
Contratua!s .e Extracontratuais. 27• edição. São Paulo: Saraiva. 2011, p. 6i.
19. VENOSA, S1lv10 do Salvo. Direito Civil. Teoria Geral das Obrigações e Teoria Geral
dos Contratos. 10• edição. São Paulo: Atlas. 2010, p. 524 .
20. VENOSA, Sílvio do Salvo. Direito Civil. Teoria Geral das Obrigações e Teoria Geral
dos Contratos. 10• edição. São Paulo: Atlas. 2010, p. 523.
Cap. 3 • Formação dos Contratos 149

Recorda-se que nas.tratat.ivas não há o~rigaçõe~;,n~~m'erasnegoc:ia­


ções consoantes à boa-fé prê~é()ntrátual. Trªtatl'l~~ pofv~z~s; s~o. atê
mesmo veiculadas mediante pri)tocolos.de· tráe:i:iÇ9e~ (miriµtas)~ mas
sempre sem u.m viês vincul;Hiyo~ 9~trossim,1 t;I~~ neg()claçQes prelimina-
um.
res (tratativas). poqe dec:ofrf!i.: u.rn 11ão,CQf!t,J;'.ato~ c~ntf(lto qefinitivo,
ou um~, fi~ur~ prelirnil'lar.,Ç,()m9; ~J>pirNó R~~i~ :~:,:~~ tf:f!álivas fazem
parte ao 1ter de. formação da figura d<>. con~ratb pi'.eltm1j'tar; .
D'outra banda,' no córitrato'pr~tlrnioar hil.'ôbtigâ~~~s'.pféviâ~enté es~
tabelecidas, obrigatórias e exigíveis, Há vinculo d~c:é>ff~ilte de um con-
trato perfeito, acabado e autônomo. Nessá ordem de ideais sobre ()
contrato preliminar, ensinam CRtsMNO CHAVES OE,FARIASe. ,..ÉL$0N RoSENVALD", ..
"não pode ser visto como uma fase entre negociações preliminares e cón-
trato definitivo. Cuida-se de figura au.rônomq". '
Sintetizando bem o tema, CAIO MÃR10 DA StLVA PEREtR,6.22 verbera que .as ne-
gociações preliminares "não envolvem compromissos, nem geram obri-
gações para os interessados, limitam-se a desbravar temmo e salientar
conveniências e interesses ao passo que o contrato preÍiminar já é positi~
vo no sentido de precisar de parte a parte o contrato futuro."

Uma vez vencidas as tratativas e entabulados os interesses em


comum, é momento de uma proposta.

3. PROPOSTA, OFERTA OU POLICITAÇÃO


A proposta é uma declaração receptícia de vontade dirigida
pelo proponente (policitante ou solicitante) ao oblato (aceitante
ou solicitado), com o escopo de formação de um contrato. Há de
ser séria e concreta, em bases razoáveis de mercado. Deve ser
completa, contendo preço, quantidade, tempo de entrega, forma
de pagamento ... todos os elementos básicos necessários do que se
propõe, sendo clara, inequívoca e compreensível.
Nas lições de ORLANDO GoMEs' 3 "é uma declaração receptícia de von-
tade, dirigida por uma pessoa a outra (com .Quem pretende celebrar

21. FARIAS, Cristiano Chaves. ROSENVALD, Nelson. Contratos. Teoria Geral dos Contra-
tos e Contratos em Espécie. Vol. IV. 5ª edição. São Paulo: Atlas. 2015, p. 52.
22. SILVA PEREIRA, Caio Mário. Instituições de Direito Civil. Vol. Ili. p. 81
23. Op. Cit., p. 65.
150 Direito Civil - Vol. 13 • Luciano Figueiredo e Roberto Figueiredo

um contrato), por força da qual a primeira manifesta sua intenção de


se considerar vinculada, se a outra parte aceitar".
A aludida proposta poderá ser endereçada a pessoa certa e
determinada - como um e-mail para um certo cliente - ou ao pú-
blico em geral, como uma vitrine em exposição. No último caso
preferem alguns autores denominá-la como oferta, a exemplo de
CRISTIANO CHAVES oE FARIAS e NELSON RosENVALD 24 • Para estes, tal oferta ao pú-
blico tratada pelo Código Civil englobaria hipóteses em que há uma
oferta para empresários e empresas individuais que pretendem,
por exemplo, adquirir grandes quantidades de bens de um deter-
minado fornecedor. Para fins desta obra, porém, proposta e oferta
serão tratadas como sinônimas.
Seguindo nos conceitos de proposta, para VoN TuHR 2 s é "a decla-
ração de vontade dirigida a outrem, visando com ele contratar, de
modo que basta seu consentimento para concluir o acordo". Recorda
S1Lv10 oo SALvo VENosA26 que a proposta séria "é aquela que demonstra
efetiva vontade de contratar, não um simples espírito jocoso ou social,
por exemplo". Sem firmeza, precisão e completude, a proposta será
um mero convite para posterior apresentação de uma verdadeira
proposta.
Lembra Rosrnrn DE RuGGIERo' 7 que "nem toda iniciativa ou manifesta-
ção de vontade no sentido de dar vida a um contrato é oferta em
sentido técnico, mas apenas a declaração de vontade dirigida por
uma parte à outra com intenção de provocar uma adesão do destina-
tário da proposta". Nessa toada, segundo MARIA HELENA D1N1z 28, não se
deve confundir a proposta com as negociações preliminares. Eluci-
da a professora que "as negociações preliminares são meras propo-
sições levadas por uma parte ao conhecimento da outra para estudo,

24. FARIAS, Cristiano Chaves. ROSENVALD, Nelson. Contratos. Teoria Geral dos
Contratos e Contratos em Espécie. Vol. IV. s• edição. São Paulo: Atlas. 2015, p. 74.
25. DINIZ. Maria Helena. Curso de Direito Civil Brasileiro. Teoria das Obrigações
Contratuais e Extracontratuais. 27• edição. São Paulo: Saraiva. 2011, p. 59.
26. VENOSA, Silvio do Salvo. Direito Civil. Teoria Geral das Obrigações e Teoria Geral
dos Contratos. 10• edição. São Paulo: Atlas. 2010, p. 525.
27. RUGGIERO, Roberto de. Instituições de Direito Civil. Trad. Ary dos Santos. Vol. 111.
P. 207.
28. THUR, Vor:. Tratada das Obrigações. Tomo 1. p. i43.
Cap. 3 • Formação dos Contratos 151

sem intenção de se obrigar [ ... ]", enquanto a proposta "traduz uma


vontade definitiva de contratar nas bases oferecidas, não estando
mais sujeita a estudos ou discussões, mas dirigindo-se a outra parte
para que aceite ou não [ ... ]".
A proposta, portanto, é a oferta inicial, o ponto de partida com
o fito de gerar aceitação da contraparte e, por conseguinte, um
contrato. É o ápice das tratativas exitosas. Trata-se de ato com
forma livre, com natureza jurídica de negócio unilateral à espera
de aceite.

., Atenção!
Não se deve confundir a proposta com a oferta de negociações preli-
minares, como bem recor.da CARLYLE PoPP29 •
A oferta para negociações preliminares - invitation à pourparlers,
como posto no direito francês - traduz um convite a negociar, não
revelando uma proposta propriamente. Equivale, por conseguinté, a
um convite para tratativas e, quiçá, avançando-se nas negociações,
uma proposta.

A proposta, advertem CR1sr1AN0 CHAVES DE FARIAS e NELSON RosrnvAw 3º,


pode ser escrita - por documento enviado ao oblato-, oral - quan-
do declara verbalmente ao oblato - ou tácita (proposta silenciosa
ou silêncio como proposta) - quando exteriorizada por atos ine-
quívocos, como a exposição ao público de um determinado objeto
com o respectivo preço.
Diferentemente das tratativas - sobre as quais o Código Civil
fora omisso - o legislador civilista de 2002 dedicou-se à análise da
proposta, especificamente nos arts. 427 usque 429.
De pronto, inaugurando o tratamento do tema, o art. 427 do
Código Civil firma que a "proposta obriga o proponente, se o con-
trário não resultar dos termos dela, da natureza do negócio, ou das
circunstâncias do caso". É aquilo que a doutrina de PAsLo SroLzE GAGLIANO

29. POPP, CARLYLE. A Responsabilidade Civil Pré-Negocial: O Rompimento das Tratati-


vas. Curitita: ]uruá, 2002. p. 230.
3o. FARIAS, Cristiano Chaves. ROSENVALD, Nelson. Contratos. Teoria Geral dos
contratos e Contratos em Espécie. Vol. IV. 5• edição. São Paulo: Atlas. 2015, p. 58.
152 Direito Civil - Vol. 13 • Luciano Figueiredo e Roberto figueiredo

E RoooLFO PAMPLONA F1LH0 31


denomina como Princípio da Vinculação ou
Obrigatoriedade da Proposta. Decorre do caráter de negócio jurí-
dico unilateral da proposta, como aduz PAuLo Leso3•. Infere-se que a
proposta obriga o policitante, tendo, então, consequências jurídi-
cas apenas para ele.

._ A~,nçã~!
Curioso p.ensar,.wrro o;fazelTl GR1ST1AN0 ·CHAVES oe fAR1~s e NasoN Ros.eNvAw",
que não é proprié}rnente a proposta, que obriga. De fato, a obrigato-
riedade em contratar haverá quandp do aceite da proposta, havendo
ausência de melhor técni.ca na redação do Código. Civil. Antes do aceite,
percebe-se, o proponente·não..está obrigado a nada.
Entrementes, as j:)rovas concutSais.costumam caminhar com a redação
do texto legislativo, pelo que,.nesta obra, mesmo considerando a pon-
deração ora feita~ falar-se"á em força obrigatória da proposta, como o
faz o texto leglslado. · ·

De volta ao Código Civil (art. 427), a proposta, em regra, obriga,


deixando de ser cogente caso:

a) o contrário (não obrigatoriedade) resultar de seus termos:


leia-se, caso a própria proposta veicule a ressalva de possí-
vel retratação ou arrependimento do proponente, com fra-
ses do tipo "não vale como proposta", "proposta sujeita à
confirmação", "sem compromisso" ... ;

b) o contrário (não obrigatoriedade) resultar da natureza do


negócio: exemplifica-se com as propostas realizadas ao pú-
blico em geral e que perdurarão enquamo durar o estoque;
c) o contrário (a não obrigatoriedade) resultar das circunstân-
cias do caso: análise realizada consoante o caso concreto e
a razoabilidade.

31. Direito Civil. Teoria Geral dos Contratos e Contratos em Espécie. Vo!. 111. 1 ia
ediçào. Sao Paulo: Método. 2015, p. nI.
32. LÔBO, Paulo. Direito Civil. Contratos. S~o Paulo: Saraiva. ie 11 , p. s 2 .
33- FARIAS, Cristiano Chaves. ROSENVALD, Nelson. Contratos. Teoria Geral dos Contra-
tos e Contratos em Espécie. Vol. IV. 5• ediçào. Sào Paulo: Atlas. 2015, p. 60.
Cap. 3 • Formaçào dos Contratos 153

._ Atenção!
Caso seja uma oferta ao público em geral, poderá ser revogadà pela
mesma via de divulgação, desd~ que haja ressalva na própria proposta
conferindo esta faculdade ao proponente (CC, art. 429).

._ E na hora da prova?
Ano: 2015 Banca: FGV Órgão: TJ-BA Prova: Analista Judiciário - Subescri-
vão - Direito
Maurício, pretendendo vender um violino que recebera em doação fei-
ta por sua avó, quando ainda estava viva, publicou anúncio em um site
de vendas, apresentando a marca do instrumento e as especificações,
inclusive o ano de fabricação, o modelo e o estado de conservação.
Anexou a fotografia do instrumento e fez constar do anúncio o preço
no valor de dois mil reais. Vários contatos foram feitos, sendo que, no
mesmo dia em que foi divulgada a publicidade, Vanildo, músico pro-
fissional, se dirigiu à residência de Maurício, com os dois mil reais em
dinheiro, para aquisição do bem.
Acontece que Maurício, impressionado com o grande número de con-
tatos feitos em decorrência da publicação do anúncio, declarou para
Vanildo que não realizaria a venda naquele momento, pois gostaria de
aguardar uma oferta mais vantajosa.
Nesse caso, pode-se afirmar que:
a) é direito potestativo de Maurício manifestar arrependimento pela
oferta, sem qualquer consequência jurídica, já que o contrato não
chegou a ser formalizado;
b) houve celebração do contrato, já que a oferta ao público equivale
à proposta, havendo, contudo, direito ao arrependimento, desde
que Vanildo seja indenizado pelas perdas e danos;
c) é direito potestativo de Maurício manifestar arrependimento pela
oferta, já que o contrato não chegou a ser formalizado, ficando, con-
tudo, obrigado a indenizar Vanildo pelas perdas e danos sofridos;
d) é direito subjetivo de Maurício manifestar arrependimento pela ofer-
ta, já que o contrato não chegou a ser formalizado, ficando, contudo,
obrigado a indenizar Vanildo pelas perdas e danos sofridos;
e) houve celebração do contrato, já que a oferta ao público equivale
à proposta, sendo, portanto, obrigatória, não havendo direito ao
arrependimento.
Gabarito: e
154 Direito Civil - Vol. 13 • Luciano Figueiredo e Roberto Figueiredo

O legislador nacional, segundo S1Lv10 Do SALVO VENOsAJ 4, fez opção di-


versa da legislação francesa, na qual inexiste dispositivo expresso
derredor da obrigatoriedade da proposta, sendo viável a simples
retirada da policitação ainda não aceita. Segue o autor, aliado à MA-
RIA HELENA D1N1z 35, afirmando que se aproxima o ordenamento jurídico
nacional do alemão, no qual a proposta é vinculativa e, em regra,
revogável, quando gerará perdas e danos.
Voltando à legislação nacional: esta proposta que, em regra, é
obrigatória, obriga até quando? Qual seria o lapso de obrigatorie-
dade da proposta?
É cediço que a proposta não há de ser eterna ... Os parâmetros de
mercado mudam, a situação se altera ... Nessa linha de pensamento,
a duração da proposta dependerá se fora feita entre presentes ou
entre ausentes. Mas o que seria uma proposta entre presentes (inter
praesenres) e o que seria uma proposta ausentes (inter absentes)?
Aqui, o colega há de tomar cuidado. Isto, porque, o conceito
de presença do Código Civil não demanda a presença física, mas
mera comunicação simultânea. Conforme aduzem PABLo Srom GAGLIANo
E RoDoLFo PAMPLONA F1LH0 36 , sempre que o aceitante tomar ciência da
proposta no momento em que ela foi emitida, estar-se-á diante de
uma policitação feita entre presentes. São exemplos negociações
pessoais, ao telefone, pelo Skype, chat ... A presença, perceba, não
é necessariamente física, mas, sim, jurídica, como ensina MARIA HELE-
NA D1N1z 37, quem aponta a adoção nacional da teoria de Gabba.
Por proposta entre ausentes, de seu turno, entende-se aquela
em que o proponente não mantém contato direito com o aceitante.
Há um lapso temporal entre a emissão da proposta e a aceitação.
Exemplifica-se com cartas e telegramas.
Veja-se que as pessoas podem estar na mesma cidade e con-
tratarem entre ausentes, por não haver comunicação simultânea

34. VENOSA, Silvio do Salvo. Direito Civil. Teoria Geral das Obrigações e Teoria Geral
dos Contratos. 10' edição. São Paulo: Atlas. 2010, p. 526.
35. DINIZ, Maria Helena. Curso de Direito Civil Brasileiro. Teoria das Obrigações Con-
tratuais e Extracontratuais. 27• edição. São Paulo: Saraiva. 2011, p. 72.
36. Direito Civil. Teoria Geral dos Contratos e Contratos em Espécie. Vol. Ili. lia edi-
ção. São Paulo: Método. 2015, p. 133.
37. DINIZ, Maria Helena. Curso de Direito Civil Brasileiro. Teoria das Obrigações con-
tratuais e Extracontratuais. 27• edição. São Paulo: Saraiva. 2011, p. 59.
Cap. 3 • Formação dos Contratos 155

imediata; ou estarem em cidades diferentes e contratarem entre


presentes, diante da existência da simultaneidade na comunicação.
A tecnologia tem sido cada vez mais alvissareira em possibilitar o fe-
nômeno da contratação à distância, seja entre presente ou ausentes.
E o e-mail? Seria entre presentes ou entre ausentes?
o Código Civil nacional é omisso sobre contratos eletrônicos.
Pior. Ainda carecemos, no Brasil, de normatização específica sobre
o assunto. Tem-se como inconcebível que nesse momento da evo-
lução, o Poder Legislativo persista sem se manifestar sobre tema
tão caro à sociedade ...
Diante da lacuna, outro caminho não há senão a analogia, com
o que concordamos com PABLo SroLZE GAGLIANo E RoDoLFO PAMPLONA F1LH0 38 .
Devem ser buscadas as regras do Código Civil e, eventualmente, o
regramento do Código de Defesa do Consumidor.
Nessa ordem de ideias entendemos entre presentes contratos
celebrados eletronicamente com possibilidade de conversas on line,
quando se percebe que a proposta feita é imediatamente conhecida
pelo aceitante. Entre ausentes são contratos nos quais não há este
imediatismo, verificando-se o lapso temporal entre a remessa da
proposta e o conhecimento do aceitante, a exemplo do e-mail.
Caminhando nessa mesma linha está a doutrina de S1Lv10 Do SALVO
VENOsA39, afirmando que mesmo sendo o e-mail veiculado por linha
telefônica, como não há colóquio direto entre as partes, o contrato
é entre ausentes; o que concordamos.

_. Atenção!
a
Advoga PAULÓ Lõao40 tese de que o e-mail (mensagem eletrônica) po-
derá ser considerada mecanismo entre. presentes, caso haja registro
dos horários de recebimerlto e envio e percepção de instantaneidade.

38. Direito Civil. Teoria Geral dos Contratos e Contratos em Espécie. Vol. Ili. .l l"
edição. São Paulo: Método. 2015, p. 134·
39 . VENOSA, Silvio do Salvo. Direito Civil. Teoria Geral das Obrigações e Teoria Geral
dos Contratos. 10ª edição. São Paulo: Atlas, 2010, p. 530.
40. LÕBO, Paulo. Direito Civil. Contratos. São Paulo: Saraiva. 2011, p. 94/95.
156 Direito Civil - Vol. 13 • Luciano Figueiredo e Roberto Figueiredo

Data. vên,la, a li.n~~. ~% te.i~. ~ rnioorjtária, posto a impossibilidade do


remeten.te perquirlr, no ê-~an; se à oUfrá: Parte esiá, ou não, on-line.
Assiro, coin toda~ as Y~hia~ .e re~peito ao professor, discordamos, ci-
tando o seu impdrtan~e phsiciónamefüó divergente.

Diante desse cenário, o lapso de tempo de obrigatoriedade da


proposta vai variar a depender de realizada entre presentes ou
entre ausentes. Iniciaremos com a proposta entre presentes.
Se feita entre presentes e sem prazo para aceitação, a propos-
ta apenas obrigará se for imediatamente aceita. É o denominado
contrato com declaração consecutiva. Caso, porém, a proposta en-
tre presentes tenha eventual prazo para aceitação, este haverá
de ser respeitado, tendo o aceitante até o último momento do seu
prazo para dizer se aceita, ou não, persistindo o caráter vinculativo
da proposta até então.
Caso seja entre ausentes e sem prazo para aceitação, a pro-
posta apenas obrigará até que tenha decorrido tempo suficiente
para chegar a resposta ao conhecimento do proponente. É o que
a doutrina denomina como prazo moral, conforme ensina CARLos
RosERTo GoNÇALVEs 41 • Veja-se que a opção legislativa foi de um conceito
aberto - tempo suficiente - cabendo ao operador do direito, no
caso concreto, perquirir com razoabilidade o que seria este lapso.
Como parâmetro, por exemplo, poderá o Juiz verificar qual é o pra-
zo usual em negociações como a em análise e na respectiva região.
Ter-se-á aqui um contrato com declarações intervaladas.
Sendo a proposta entre ausentes e com prazo limite de aceita-
ção, este haverá de ser respeitado, tendo o aceitante até o último
momento de seu prazo para dizer se aceita, ou não, persistindo o
caráter vinculativo da proposta até então. Veja-se que até o último
momento do prazo haverá o aceitante de expedir a sua concordân-
cia, mesmo que o proponente apenas a receba posteriormente.
Vale, aqui, como marco, o momento da expedição do aceite. Sendo
expedida dentro do lapso da proposta, vinculará.

41. GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito Civil Brasileiro. Contratos e Atos Unilaterais.
Vol. ili. 7ª edição. São Paulo: Saraiva. 2010, p. 76.
Cap. 3 • Formação dos Contratos 157

~ E na hora d.a prova?


Ano: 2013 Banca: IMA Órgão: CORE Prova: Advogado
Quando da formação do contrato:
1. Deix.a de ser obrigatória a proposta se, feita sem prazo à 'pessoa
presente, não foi imediatamente aceita;
li. Os cÔntratos entre ausentes deixam de ser perfeitos se; antes da acei-
tação, ou com ela, chegar ao preponente a retratação do .aceitante;
Ili. os contratos entre ausentes tornam-se perfeitos desde que a acei-
tação é expedida, mesmo se o preponente não houver ser compro-
metido a esperar a resposta; ·
IV. A proposta é obrigatória quando, feita com prafo à pessoa au-
sente, tiver decorrido tempo suficiente para· chegar á resp.osta ao
conhecimento do preponente.
São verdadeiras as afirmativas:
a) 1 e li, somente.
b) Ili e IV, somente.
e) 1, li e Ili, somente.
d) li e Ili, somente.
Gabarito: a

E poderia a proposta ser retratada?


A resposta é positiva, desde que tal retratação ocorra simul-
taneamente ou anteriormente ao conhecimento da proposta pela
contraparte. Exemplifica-se com uma carta enviada com uma pro-
posta e posterior arrependimento do proponente quem, via tele-
grama, remete sua retratação. Aqui a retratação chegará ao conhe-
cimento do aceitante antes da proposta, sendo válida a retratação
e perdendo a proposta a sua força vinculatória.
Para MARIA HELENA D1N1z 42 , haverá a inexistência da proposta ori-
ginária, pois sequer fora conhecida, não chegando a existir para o
oblato. Já para CRISTIANO CHAVES OE FARIAS e NELSON RosENVAL0 43 há revogação

42. DINIZ, Maria Helena. Curso de Direito Civil Brasileiro. Teoria das Obrigações
Contratuais e Extracontratuais. 27• edição. São Paulo: Saraiva. 2011, p. 75.
43. FARIAS, Cristiano Chaves. ROSENVALD, Nelson. Contratos. Teoria Geral cios
Contratos e Contratos em Espécie. Vol. IV. 5• edição. São Paulo: Atlas. 2015, p. 64.
158 Direito Civil - Vol. 13 • Luciano Figueiredo e Roberto Figueiredo

daquela proposta originária, que existiu para o direito, mas não pro-
duzirá os seus efeitos. Concordamos com o segundo pensamento. 44

• Atenção!
A proposta pode ser dirigida a uma pessoa individualmente (determi-
nada) ou ao público em geral (dêtêrminável ou àd incertam personam),
devendO", em ambos os casos, veicular os básicos requisitos do contra-
to a ser celebrá do.
Vê-se uma proposta ao público em geral numa vitrine de uma loja,
em que haja roupas e os respectivos preços. A propo.sta ao público
em geral é, igualmente, vinculatória. Logo, a loja é obrigada a vender
o objeto segundo o preço posto na vitrine, tendo em vista a proposta
amplamente divulgada.
Mas haveria diferença entre a proposta e a oferta ao público em geral?
Há quem entenda que sim. Na prática é possfvel que ao revés de uma
proposta haja uma mera oferta ao público em geral. Como um vende-
dor que apenas lista os produtos que tem no alto falante, sem conferir
os respectivos preços e aguardando os clientes virem até ele, para
então veicular uma pr~posta concreta.
Nada impede que a proposta ao público em geral venha a ser revoga-
da, desde que antes de aceita e por mecanismo de igual amplitude.
Outrossim, o Código de Defesa do Consumidor regula, de forma espe-
cial, a oferta feita ao público em geral (propostas de massa), no seu
Capftulo V destinado às Práticas Comerciais (arts. 30 a 35). Sendo assim,
seguem notícias importantes sobre o tema:
a) A proposta e as mídias haverão de ser feitas em língua portuguesa,
com informações claras, precisas e ostensivas;
b) o dever de informar é imputado ao fornecedor que deve prestar
informações adequadas, suficientes e verídicas. Adequada é a in-
formação veiculada no meio correto, consoante o produto ou servi-
ço anunciado. Suficiente diz respeito à completude da informação,
que deverá ser integral. Veracidade liga-se ao fato da informação
retratar características condizentes do produto.
Firmam CRISTIANO CHAVES DE FARIAS e NELSON ROSENVAL044 que há dever de: a)
informação-conteúdo, o qual se relaciona a características intrínsecas
do produto ou serviço; b) informação-utilização, ligado à finalidade do

44. FARIAS, Cristiano Chaves. ROSENVALD, Nelson. Contratos. Teoria Geral dos Contra-
tos e Contratos em Espécie. Vol. IV. s• edição. São Paulo: Atlas. 2015, p. 78.
Cap. 3 • Formação dos Contratos 159

produto ou serviço; c) informação-preto; dizendo respeito. ao valor e


forlJla de, Pagafl!ento !:Jp produto ()U serviço e d) infórmação~êldveftên-
cla~ versando soQfe ti.scos <i<>. pr~duto ou serviço. ·
oe mais à .mais, '\liblà a.noçãbde dever de informação a chamada éláu-
sula-surpresa. Esta. se configura quanc;lo o consumidor firma ~m con-
trato com base em uma apólice de condições gerais e, posteriormente;
ao receb.er o instrumento definitivo e.ste vem recheado de surpresas
desagradáveis, Obviamente,percebe-se clarividente violação ao dever
de .infçir~ª.Q e.Jil:>l,lsividade do hipersuficiente, com desrespeito à
tra.nsparê.~cia e;.tjo~-f~. ·• ,
c) No âmbito do toe, as eventuais publicidades ou informaçê)es relati-
vas ao produto integram a proposta. e vinculam o fornecedor, ainda
que este, assim, não tenha pretendido (princípio da vin~ulélção). o
mesmo va.ie para declarações constant~s em es.critos particulares,
·recibos e pré-contratos (CDC, art. 4$). ·
d) A proposta, para ser vlnéulativa, há,de ser exposta ao consumidor.
Ademais, a dita proposta obrigará nos seus termos sérios; sendo
que os eventuais exageros (puffing), como as imagens meramente
ilustrativas, não são aptos a ocasionar obrigatoriedade;
e) Diante da negativa do fornecedor em cumprir a proposta, o con-
sumidor:. poderá (coe, art•. 35):. i. Exigir o cumprimento obrigacional
forçadQ, nos .limites. da prop,osta e .consoante mecanismo de tu-
tela específiéa; ii. Aceitar OIJtro produto ou prestação de serviço
equivalente. e iii. Resolver o contrato, recebendo a devolução das
quantias a.tualiza(:fas, mais as perdas. e danos.
A evidenciada possibilidade de tutela específica explicitada no item, "i"
supracitado e não mencionada no Código Civil, é batizada por alguns
doutrinadores de princípios da suficiênda, çomo aduzem CRíst1At10 CHAVES
DE FARIAS e l'iELsoo RosENVArn4s;
E as vendas automátiéas?
Estas se enquadram na oferta ao público ~m geral. Entende-se por
vendas automáticas, vaticina PAuLo. lôao 46, aquelas feitas por máquinas
nas quais ná visualização dos produtos, sendo inserida uma moeda e
indicando-se o produto de, desejo. o contrato forma-se no momento
em que o comprador inserir a moeda ou respectivo valor. O mesmo
princípio valerá para as compras on-line.

45 . FARIAS, Cristiano Chaves. ROSENVALD, Nelson. Contratos. Teoria Geral dos Contra-
tos e contratos em Espécie. Vol. IV. 5' edição. São Paulo: Atlas. 2015, p. 74.
46. LÔBO. Paulo. Direito Civil. Contratos. São Paulo: Saraiva. 2011, p. 84.
160 Direito Civil - Vol. 23 • Luciano Figueiredo e Reverto Figueiredo

Por fim~'::·4erolll"a:~~. ·.rrn~''~ª'~élrtF~~li~,tt~''s'~~~p1r-#:~a\i~·


das'fpfãl:a~;êstã. • . r,corneréial'.t:<>iífe~· 'lfsumfd~r·direitd
potest~tl,v1> .de~~ . . ~'~f~dut~ e·re · · · '" füres atuan~
za.dps;.'fJ:o: i>:~z<>:d ú&ê. ?.lié'sei~;a ~ão).,:rrá.t<l~
-se,dêir,êgra·;quê.... ! . ;~sc~~~:~vltáf . · · í~pspt)t
compras.fµge$~lO't)ada;~11~~r:)P'io)i~h~as'â . .·. .... . . ... . .. .. tisi~s:a~/
.··deco~Ute~z~ó'.:cbatft~d.9~:,{Joffii't~ê.'.lalJusa,,éf~·:íitiâ'ij~\1'1l'V~~1~fâ,~'c>"coc
•· .norma çdôtrarí~:a''ct ·· · 'iinJ,laÇ~!)'(J~ tQílftãfQ';+âo~rftilfitâiJ]ec>n~iinild~r
re~ilíç~Q' 'üôfiatê ·: . . .·~~u ~il6.st~ 1 f#cétifitt~~t~ ·aó'~l>rcícluiõ:
o a!t'. 49,do· Çf?c~· ·r~gfs' . :~Vffb~~á ápti~yêt ~~:h:ari·tt:arék eíetr6il1"
cos; OOS ~tit{i$',o'. tdnsucl} ~ct~l,ul~~ ()'#tí>Cfµtó OtJ'~~rvlC~~.~rílCOnt~tO
COlTI O. mésrl"(~~· btl\Íiafti~: ,·•:. . · ·•• '(i~(,)Eistá,''afilica~ã&teká:J'~ti'.s.t(ifu'peramen·
tos, 'não sertdo· viâvel/'póf exétfiplo,• naqúéJ~i;. easUígtiÇa'~ 1ém •que .o
produtó Já foÍ'à intíefintd~rn~tii~inC;qfp~fâêli>'ao g)~t[i!'rí~;iif<(çi<) consu-
midor, como, umnvro ..que t9rir·a:aqúir1d~:e•. batxMo' n()Çorni>utador do
consúmidor, tendi> este toclo'o·coriféúqp da obra, instantaneamente,
em súa máquina, · ·· · ·. ·· ·. · · · ··· · . · · · ·· ·

Ainda seguindo na análise da proposta, dúvida relevante diz res-


peito a como proceder caso haja eventual falecimento, ausência ou in-
terdição do proponente antes do fechamento do negócio. o que fazer?
A resposta sofrerá variações a depender de a proposta, esta
poderá dizer respeito a uma obrigação persomalíssima (infungível)
ou uma obrigação impessoal (fungível).

Na primeira hipótese (obrigação personalíssima) não há


como manter-se a proposta, ante ao fato de ser o devedor, fa-
lecido, o elemento causal da prestação. Não interessa ao credor
o cumprimento obrigacional por outrem; o interessaria apenas
o adimplemento por parte do extinto, o que não mais será pos-
sível. Em sendo um fazer fungível, concordamos com CA10 MÁRIO
DA S1LvA PrnEtRA 47 na manutenção da obrigatoriedade da proposta,
ante a possibilidade de cumprimento obrigacional por terceiro
(herdeiros).

E se a proposta for regularmente aceita e não houver a conse-


quente contratação, por negativa do proponeme. o que fazer?

47. SILVA PEREIRA, Caio Mário. Instituições de Direito Civil. Vol. Ili. p. 136.
Cap. 3 • Formação dos Contratos 161

Trata-se de uma excelente dúvida. Dois posicionamentos


possíveis:
a) Indenização por perdas e danos, pois houve quebra do vín-
culo obrigacional;
b) Possibilidade de tutela específica e substituição da vontade
do proponente com celebração do contrato .
Diante dos caminhos, nos inclinamos à adoção da segunda tese
("b"). Em tempos de operabilidade e tutela específica não é crível
a possibilidade daquele que propôs, simplesmente, não contratar,
diante de um aceite dentro dos parâmetros legais. Concordamos,
no particular, com JUDITH MARTINS-(OSTA48 •
A importância teórica da proposta remete, ainda, ao fato dela
relacionar-se com o local de formação do contrato. Nas pegadas
do art. 435 do CC, o contrato nacional reputar-se-á formado no lo-
cal em que foi proposto. Obviamente, havendo propostas e contra-
propostas, a última prevalecerá, com o seu respectivo local, como
bem posto por fLÁv10 TARTUCE 49 •

., E na hora da prova?
A banca FUMARC, em prova de concurso público realizado para o pro-
vimento do cargo de Analista da Policia Civil - Direito -MG, ano 2013,
considerou correta a seguinte alternativa: "Reputar-se-á celebrado o
contrato no lugar em que foi proposto."
E na hora da prova?
Ano: 2014 Banca: VUNESP órgão: IPT-SP Prova: Advogado
Assinale a alternativa correta sobre a formação dos contratos.
a) Reputar-se-á celebrado o contrato no lugar de domicílio do
proponente.
b) Considera-se existente a aceitação, se antes dela ou com ela che-
gar ao proponente a retratação do aceitante.
c) Os contratos entre ausentes tornam-se perfeitos desde que a acei-
tação seja expedida, ainda que o proponente se houver compro-
metido a esperar resposta.

48. MARTINS-COSTA. A Boa-Fé no Direito Privado. p. 509-510.


49 . Direito civil. Manual de Direito Civil. Volume Único. 4• edição. São Paulo: Método,
2015. p. 608.
162 Direito Civil - Vol. 13 • Luciano Figueiredo e Roberto Figueiredo 1
l
1

d) A aceitação fora do prazo, com adições, restrições, ou modifica-


ções, importará na continuação da mesma proposta.
e) A própost~ de contrato obriga o proponente, se o contrário não
resultar .dos termos dela, da natureza do negócio, ou das circuns-
tâncias do caso.
Gabàrito: e

Em sendo o contrato internacional, o seu local de formação


será diverso. Consoante o art. 9°, parágrafo segundo da LINDB, o
contrato internacional reputar-se-á celebrado no local em que resi-
dir o proponente, como advoga CARLos RoeERrn GoNÇALvEs5º. Trata-se de
importante, regra, pois como ensina MARIA HELENA D1N1z 51, determina-se
aqui não apenas o foro competente, mas também o direito aplicá-
vel. Logo, se o proponente residir no Japão e o oblato no Brasil, as
regras e o foro serão os japoneses.
Tais comandos de direito material são deverás importante na
seara processual, pois será, em regra, o local de formação do con-
trato o foro competente para dirimir controvérsias sobre o pacto.
Fala-se em regra haja vista ser plenamente possível que o próprio
contrato paritário indique o seu foro de eleição (CC, art. 78 e CPC,
art. 111), porquanto o caráter supletivo ou dispositivo dos arts. 435
do cc e 9º da LINDB. Nesse caso, em atenção à autonomia, valerá
o foro eleito no próprio contrato, sendo este o competente para o
processamento de demandas relacionadas ao ajuste.
E no contrato do consumo, será válida a indicação de foro de
eleição?
Minoritariamente, S1Lv10 oo SALVO VENOSA 52 defende que a cláusula
em comento é válida, desde que o consumidor seja previamente
cientificado no pacto e anua de forma específica.

50. GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito Civil Brasileiro. Contratos e Atos Unilaterais.
Vol. Ili. 7• edição. São Paulo: Saraiva. 2010, p. 82.
5i. OINIZ, Maria Helena. Curso de Direito Civil Brasileiro. Teoria das Obrigações
Contratuais e Extracontratuais. 27• edição. São Paulo: Saraiva. 2011, p. 84.
52. VENOSA, Sílvio do Salvo. Direito Civil. Pane Geral. 11• edição. São Paulo: Atlas.
2011, p. 197.
1 Cap. 3 • Formação dos Contratos 163

1
Majoritariamente a linha de raciocínio é diversa. A tese a ser
adotada em prova impõe a invalidade da cláusula em comento,
pois abusiva. Vários são os argumentos para invalidação da cláusu-
la em destaque. Veja-se:
• o art. 51, IV, do coe afirma ser ilegal a cláusula contratual
que estabeleça o foro de eleição em benefício do fornece-
dor do produto ou serviço, em prejuízo do consumidor.
• O art. 101 do coe veicula foro privilegiado ao consumidor,
quando aduz que ele pode propor a ação no local em que for
domiciliado. Trata-se dt: norma de ordem pública, sendo invi-
ável o seu afastamento por mero ato de vontade das partes.
• O art. 424 do CC vernera ser nula a renúncia antecipada a di-
reito em contrato de adesão, sendo inconcebível, portanto,
que consumidor renuncie ao foro privilegiado.
Por tudo isso, mesmo que seja dada prévia ciência da cláusula
ao consumidor, o sistema protetivo nacional, em busca de igualdade
material e justiça contratual, proíbe que o fornecedor se beneficie
de tal prerrogativa, especialmente em se considerando que nos con-
tratos de adesão a liberdade negocial do consumidor é extremamen-
te restrita. O raciocínio aqui explicitado é aquele que melhor condiz
com o princípio da equivalência material ou justiça contratual, o
qual impõe ao contrato trocas úteis e justas (Enunciado 22 do CJF).
Ademais, liga-se ao ideal da eficácia interna do princípio da função
social dos contratos, como afirma o Enunciado 360 do CJF.
No particular, por ser uma questão de ordem pública, o art. 112,
do CPC permite ao juiz a declaração, de ofício, da nulidade da cláusula
de eleição de foro em contrato de adesão. Assim, caducou a Súmula 33
do STJ, a qual afirmava a impossibilidade de reconhecimento ex officio
da incompetência relativa na casuística de foro de eleição em contrato
de adesão. A súmula, ultrapassada, entendia pela impossibilidade por
ser uma questão territorial. Prevaleceu, porém, a relação de consumo.

~ Como esse assunto foi cobrado em concurso?


Na prova para Procurador do Estado - AC/FMP/2012 foi considerada in-
correta a seguinte afirmativa: O foro de eleição, previsto em contrato
escrito, é válido entre as partes, e pode, conforme o caso, afastar a
aplicabilidade de normas de ordem pública.
164 Direito Civil - Vol. 13 • tuciano Figueiredo e Roberto Figueiredo

o pensamento aqui externado é igualmente aplicado à seara


trabalhista, especificamente nas relações de emprego subordina-
das, impossibilitando-se, nos dizeres de AMAURJ MASCARO NAsCJMENT0 53 ,
a eleição de foro nessa modalidade contratual. Caso realizada, a
hipótese é de fraude e de sua desconsideração.

4. ACEITAÇÃO OU OBLAÇÃO
A aceitação é o ato praticado pelo aceitante ou oblato e diz
respeito à aquiescência da proposta formulada. É esta aceitação
que completa o consenso apto a gerar um contrato, inferindo-se
o fecho do ciclo consensual. Como bem ensina S1Lv10 oo SALVO VrnosA54,
"proposta e aceitação buscam integração de duas vomades, para for-
mar a vontade contratual".
Sob o ponto de vista da sua natureza jurídica, a aceitação, as-
sim como a proposta, é um negócio jurídico unilateral. Com efeito,
o "contrato é negócio jurídico bilateral derivando da união de dois
negócios jurídicos unilaterais: proposta e aceitação", firmam CR1sT1ANo
CHAVES DE FARIAS e NELSON RosENVALD 55 •
A aceitação há de ser feita nos exatos termos da proposta, sen-
do pura e incondicional. Eventuais aceitações ".fora do prazo, com
adições, restrições ou modificações", importarão em uma nova pro-
posta (contraproposta - art. 431 do CC).
Há, nesta passagem do Código Civil, clara hipótese de conver-
são legal, pois o próprio legislador já significa aquele suposto acei-
te em nova proposta. Vê-se aqui a possibilidade de termos uma
espécie de jogo de tênis, no qual há propostas e contrapropostas
sucessivas, com idas e vindas até à aceitação definitiva, ou o não
fechamento do negócio. Trata-se de conduta usual no cenário na-
cional, haja vista a cotidiana busca do brasileiro pelo melhor preço,
com barganhas e pechinchas.

53. MASCARO NASCIMENTO, Amaury. Curso de Direito ProceSS!Jal do Trabalho. 17• ed.
São Paulo: Saraiva, 1997. p. 214.
54. VENOSA, Silvio do Salvo. Direito Civil. Teoria Geral das Obrigações e Teoria Geral
dos Contratos. 10• edição. São Paulo: Atlas. 2010, p. 525.
55. FARIAS, Cristiano Chaves. ROSENVALD, Nelson. Contratos. Teoria Geral dos
Contratos e Contratos em Espécie. Vol. IV. 5• edição. São Paulo: Atlas. 2015, p. 49.
Cap. 3 • Formação dos Contratos 165

Chegando a aceitação fora do prazo ao proponente por cir-


cunstância imprevista, este há de comunicar o fato ao oblato, sob
pena de responsabilidade civil por perdas e danos (CC, art. 430).
Trata-se de importante dispositivo que se curva à boa-fé objetiva
e dever de informação, como advogam PABLO STOLZE GAGUANO E RODOLFO
PAMPLONA FiLHo 56 • Exemplifica-se com resposta expedida no prazo mas
cujo recebimento pelo proponente é retardado diante de greve
dos correios.
Assim como a proposta, a aceitação pode ser retratada, desde
que o ato de retratação chegue de forma prévia ou concomitante
com o aceite do oblato. Tem-se, como bem posto por MARIA HE-
LENA D1N1z 57, uma recusa oportuna do negócio, com inexistência da
aceitação originária. Interrompe-se o iter de formação contratual,
retornando às partes à situação pretérita. Já para CRISTIANO CHAVES DE
FARIAS e NELSON RosENVALD 58 há uma revogação da aceitação pretérita, a
qual existe, fora expedida, mas não produzirá efeitos. Concorda-
mos com a segunda tese.
A aceitação, recorda PAuLo LôBo 59, pode ser expressa (declara-
ções) ou tácita (comportamento concludente). Em pensamento
análogo, ensina que S1tv10 Do SALVO VrnosA6º que a manifestação de von-
tade negocial nos contratos pode ser feita por uma declaração ou
comportamento declarativo (fonética, gráfica ou mímica), ou por
intermédio de um comportamento não declarativo (tácita). Outros
preferem denominar como declaração direta ou indireta.
Com efeito, quando não for necessária declaração de vonta-
de expressa e as circunstâncias ou os usos autorizarem, é plena-
mente possível o consentimento mediante o silêncio (CC, art. 111).
Trata-se de um silêncio qualificado, circunstanciado ou eloquente.

56. Direito Civil. Teoria Geral dos Contratos e Contratos em Espécie. Vol. Ili. 11'
edição. São Paulo: Método. 2015. p. 137.
57. DINIZ, Maria Helena. Curso de Direito Civil Brasileiro. Teoria das Obrigações
Contratuais e Extracontratuais. 27• edição. São Paulo: Saraiva. 2011, p. 80.
58. FARIAS, Cristiano Chaves. ROSENVALD, Nelson. Contratos. Teoria Geral cios
Contratos e Contratos em Espécie. Vol. IV. 5• edição. São Paulo: Atlas. 2015, p. 64.
59. LÔBO, Paulo. Direito Civil. Contratos. São Paulo: Saraiva. 2011, p. 79.
60. VENOSA, Silvio do Salvo. Direito Civil. Teoria Geral das Obrigações e Teoria Geral
dos Contratos. 10• edição. sao Paulo: Atlas. 2010, p. 520-521.
166 Direito Civil - Vol. 13 • Luciano Figueiredo e Roberto Figueiredo

Exemplifica-se com: a) a redação do art. 539 do Código Civil, a qual


afirma que na doação pura se houver sido estabelecido prazo para
que o donatário aceite e o mesmo permaneça em silêncio, presume-
-se à aceitação; b) o mandato, o qual se torna perfeito e acabado, na
modalidade tácita, com o início da execução do ajuste (CC, art. 659); c) a
venda a contento, quando for dado prazo para que o comprador exer-
cite o seu descontentamento e o mesmo persista em silêncio (CC, art.
512) e d) a prorrogação da locação de imóvel urbano por prazo inde-
terminado, diante do silêncio do locador e do locatário após trinta dias
do término do prazo pactuado (Lei 8.245/91, art. 56, parágrafo único).
Como correspondente ao já citado art. 111 da parte geral, o Có-
digo Civil disciplina o tema também na sua parte especial (art. 432),
ao firmar que se o costume não demandar aceitação expressa, ou o
proponente a tiver dispensado, reputar-se-á concluído o contrato não
chegando a tempo sua recusa. Tem-se como uma boa casuística de
aceite tácito o fornecimento periódico de produtos a um determinado
cliente que, por costume, paga o preço quando não rejeita o produto.
Há, aqui, comportámento concludente apto a ocasionar contratação.
Há, nos dizeres de BAsSAR1, recordados por MARIA HELENA D1N1z61 , um silêncio
conclusivo. Se o cliente nada disse, é porque pagará e permanecerá
com o produto, configurando uma espécie de contrato de fornecimen-
to, em exemplo próximo trabalhado por S1Lvm Do SALVO VENosA62 •
CRISTIANO CHAVES DE FARIAS e NELSON RosENVALD63 veiculam outros exemplos de
comportamentos concludentes em sua obra, relacionados à socieda-
de pós-moderna, como aquisições de bens e serviços pela web, con-
trato de transporte público, saques de valores em caixas eletrônicos ...

>- Como o Su_PERIOR TRIBUNAL oe JusrxÇA manifestou-se.sobre o tema?


Versando ácerca do contrato de seguro, o superior Tribunal de Jus·
tiça consignou interelisante posicionamento sobre o tema, versando
o julgamento derredor. do comportamento concludente e do. silêncio
qualificado. Cita-se:

6i. DINIZ, Maria Helena. Curso de Direito Civil Brasileiro. Teoria das Obrigações
Contratuais e Extracontratuais. 2r edição. São Paulo: Saraiva. 2011, p. 58.
62. VENOSA, Silvio do Salvo. Direito Civil. Teoria Geral das Obrigações e Teoria Geral
dos Contratos. io• edição. São Paulo: Atlas. 2010, p. 52i.
63. FARIAS, Cristiano Chaves. ROSENVALD, Nelson. Contratos. Teoria Geral dos
Contratos e Contratos em Espécie. Vol. IV. s• edição. São Paulc: Atlas. 2015, p. 67.
Cap. 3 • Formação dos Contratos 167

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sld9_ ~IJ!!t~d~ a, ~p9f1~~ ~-~· '~~Ç~ro1 ~~~iu·~~·~ âjll<te#ii;Jr . tr~ #cor- .
rid() ap,9s .~. co!'tr~!a~.<> d~ se,gur() JU,Qt<>, _ã,,:orretora d~• seguros se
não houve recusá dàJ>fÓ_po'stâf)ela seguradora e.num prazo razoá-
vel, mas apenas 'inuíto' tempo depois exchislvamente em raz.ãcN:ló e
sinfs,tro. lss9 porque o se,gur() é contrato consensual e ciper'fe,içoa~
~se 1:ãô logo hajà. manitesfaçãó d~· vóntaclé; independentemente da
emissão da apóliçe,._9,~e éató,_ unUa~eral da seguradora, _de sorte que
a existêncià d_~ relaÇã,() C()nttatpal não' poderia ficar a mercê exdu~
sivamente da vontàde. ·dê ulll tios cpntràtantes, sob·. pená· dé sé ter
uma conduta puramente potestatlva, o qpe é vedado peÍó art. 112
do cc Ademais, o art. 75!3 do cç nã_o confere à emissão da apólice a
condição de requisito de existência_ do contrato de seguro, tampouco
eleva esse documento ao degrau de prova tarifada ou única capaz
de àtestar a celebração da avença. Além disso, é fato notório que o
contrato de seguro é celebrado, na prática, entre corretora e segu-
rado, de modo que. a seguradora não manifesta expressamente sua
aceitação q_uanto à proposta~ apenas· a recusa ou emite a apólice
do seguro, enviàndo-a ao. contratante juntamente com as chamadas
condições gerais do seguro. A propósito dessa praxe, a própria SUSEP
disciplinou que a ausência de manifestação por parte da segurado-
ra, no prazo de quinze dias, configura aceitação tácita da cobertura
do risco, conforme dlspõ~ o art. 20, caput e § 6°, da Circular SUSEP
251/2004. com efeito, havendo essa prática no mercado de seguro, a
qual, inclusive, recebeu disciplina normativa pelo órgão regulador do
setor, há de ser apliçado ó a.rt. 432 do éc, segundo o quat "se o ne-
gócio for daquelesem que não seja C()Stlime a aceitação expressa, ou
o proponente a tiverdispensado, reputar-se-á concluído o contrato,
não chegando a tempo a recosa". Na mesma linha, o art. 111 do cc
preceitua que "'o silêncio importa anuência, quando as circunstâncias
ou os usos o autorizarem, e não for necessária a declaração de von-
tade expressa". Assim, na hipótese ora analisada, tendo o sinistro
ocorrido efetivamente após a contratação junto à corretora de segu-
ros, se em um prazo razoável não houver recusa da seguradora, há
de se considerar aceita a proposta e plenamente aperfeiçoado o con-
trato. De fato, é ofensivo à boa-fé contratual a inércia da seguradora
em aceitar expressamente a contratação, vindo a recusá-la somente
depois da notícia de ocorrência do sinistro. (REsp i.306.367-SP, Rei.
Min. Luís Felipe Salomão, julgado em 20/3/2014).
168 Direito Civil - Vol. 13 • Luciano figueiredo e Roberto Figueiredo

Que fique claro. o aceite pelo silêncio (silêncio qualificado, cir-


cunstanciado e comportamento concludente) é uma exceção à re-
gra, pois ninguém é obrigado a responder a toda e qualquer pro-
posta que receba. Quem cala não rejeita, mas também não aceita.
A ausência de resposta, em regra, não poderá ser interpretada
como aceite. o comportamento apto a concluir gerará aceitação
tácita nas hipóteses que se curvem aos ditames legais.

~ Atenção!
Na seara do Código, de Defesa do ConsumidoÍ';. o art ..39; VI, .recorda que
"é vedado ao fornece.dor de produtos ou serviços: (.;.fexetutár5erviços
sem a prévia elaboração de orçàmeríto e autorizaç<n:> expressa âo conslJ"
midor, ressalvadas as decorrentes d.é práticas anteriores entre as partes".
Vê-se, aqui, o afastamento do aceite pelo silêncit), salvp ~e há práticas
anteriores recorrentes entre as partes, com o fito de uma .normatiza-
ção mais protetiva ao hipossuficiente. · ·

A aceitação não exigirá, necessariamente, contraprestação. Isto,


porque, apesar de em contratos bilaterais tal se dá - como na
compra e venda, em que o aceite revela o pagamento do preço ou
a entrega do objeto -, o mesmo não ocorre nas relações gratuitas
- como na doação pura, quando o donatário simplesmente recebe
um bem ou vantagem sem nenhuma contraprestação.
E em qual momento o contrato encontrar-se-á perfeito e
acabado?
A questão em tela não se revela complicada quando o contrato
for entre presentes. Afinal, existindo comunicação simultânea, o
contrato estará perfeito e acabado no exato momento em que o
oblato externar o aceite.
O questionamento, porém, ganha cores quando direcionado a
um contrato entre ausentes. Versando sobre o tema, percebe-se a
presença de teoria doutrinárias, mencionadas em diversas obras,
a exemplo da de CA10 MÁR10 oA S1LvA PERE1RA64 • São elas:
a) Teoria da cognição ou Informação: defende a tese d.e que o
contrato entre ausentes tornar-se-á perfeito e acabado no

64. SILVA PEREIRA, Caio Mário. Instituições de Direito Civil. Vol. Ili. p. 139.
Cap. 3 • Formação dos Contratos 169

momento em que a resposta da aceitação do oblato chegar


ao conhecimento - à cognição - do policitante.
Por cognição entende-se abrir a resposta e fazer sua leitura.
Lembra MARIA HELENA D1N1z65 ser a teoria adotada pelo Código Civil
austríaco (art. 862) e italiano (art. i.326), mas estar em franca
decadência, pois passível de promover a má-fé daquele que re-
cebe a resposta e, simplesmente, opta por não abri-la enquanto
não houver um momento mais oportuno, como alta ou baixa de
mercado.
b) Teoria da Agnição ou Declaração Geral: Remete a um grupo
de subteorias que dispensam o conhecimento do propo-
nente derredor da aceitação do oblato para que o contrato
torne-se prefeito e acabado. Demanda a agnição uma de-
claração do oblato para que o contrato se torne perfeito e
acabado. Fazem parte do grupo das subteorias da agnição:
b.1) Subteoria da Declaração Propriamente Dita: o contrato
restaria formado no momento em que o oblato declara
(redige) a aceitação, externando sua vontade. Trata-se
de marco temporal inseguro, ante ao fato de que a
declaração poderá não coincidir com a expedição da
resposta, sua recepção ou, ainda, cognição;
b.2) Subteoria da Expedição: considera-se formado o con-
trato no momento em que for expedida a aceitação,
sendo essa remessa o ato jurídico qualificador. Trata-
-se da teoria, consoante MARIA HELENA D1N1z66 , adotada
na Alemanha e na Suíça. Para CR1snANo CHAVES oE FARIAS
e NELSON RosENVALD6 7 a teoria da expedição "é razoável,
pois propicia equânime balanceamento entre os inte-
resses do proponente e do aceitante, da confiança e da
responsabilidade";

65. DINIZ, Maria Helena. curso de Direito Civil Brasileiro. Teoria das Obrigações
Contratuais e Extracontratuais. 27• edição. São Paulo: Saraiva. 2011, p. 8i.
66. DINIZ, Maria Helena. Curso de Direito Civil Brasileiro. Teoria das Obrigações
Contratuais e Extracontratuais. 27" edição. São Paulo: Saraiva. 2011, p. 71.
67. FARIAS, Cristiano Chaves. ROSENVALD, Nelson. Contratos. Teoria Geral dos
Contratos e Contratos em Espécie. Vol. IV. s• edição. São Paulo: Atlas. 2015, p. 52.
170 Direito Civil - Vol. 13 • Luciano Figueiredo e Roberto Figueiredo

b.3) Subteoria da Recepção ou Informação: considera-se forma-


do o contrato no momento em que for recebida a aceitação
pelo proponente. Para PABLo SmLZE GAGUANo E Rooolfo PAMPLONA
F1LH068 este é o marco mais seguro, pois há possibilidade de
clara comprovação mediante o AR (aviso de recebimento).
Diante de tantas teorias, surge a dúvida: qual seria a adotada
pelo Código Civil nacional?
CLóv1s BEVILÁQuA69 , autor do Código Civil de 1916, era um claro de-
fensor da subteoria da expedição, a tendo feito constar no revoga-
do art. i.086 da legislação anterior. Como o Código Civil vigente tem
clara correspondência do art. i.086 no art. 434, o posicionamento,
hoje majoritário, caminha no sentido da permanência da adoção
da teoria da expedição, atentando-se ao fato de que esta expedi-
ção possui mitigações que consideram a recepção, em alguns ca-
sos. No particular, concordamos com PAULO LôBo 7º, S1Lv10 oo SALvo VENosAn,
MARIA HELENA D1N1z1 2 e tantos outros.
Assim, diferentemente da ordem legislativa anterior, a atual enu-
mera exceções, hipóteses nas quais mesmo com a expedição o con-
trato não será tido como perfeito e acabado. Tais exceções estão nos
incisos do art. 434 e no art. 433 do Código Civil, abaixo transcritos:
Art. 434. Os contratos entre ausentes tornam-se perfeitos
desde que a aceitação é expedida, exceto:
1 - no caso do artigo antecedente;
li - se o proponente se houver comprometido a esperar
resposta;
Ili - se ela não chegar no prazo convencionado.
Art. 433. Considera-se inexistente a aceitação, se antes dela
ou com ela chegar ao proponente a retratação do aceitante.

68. Direito Civil. Teoria Geral dos Contratos e Contratos em Espécie. Vol. Ili. 1ia
edição. São Paulo: Método. 2015, p. 139.
69. BEVILÁQUA, Clóvis. Direito das Obrigações. Campinas: RED livros, 2000, p. 238.
70. LÔBO, Paulo. Direito Civil. Ccntratos. São Paulo: Saraiva. 2011, p. 83.
71. VENOSA, Sitvio do Salvo. Direito Civil. Teoria Geral das Obrigações e Teoria Geral
dos Contratos. 10ª edição. São Paulo: Atlas. 2010, p. 530.
72. DINIZ, Maria Helena. Curso de Direito Civil Brasileiro. Teoria das Obrigações
Contratuais e Extracontratuais. 27• edição. São Paulo: Saraiva. 2011, p. 82.
Cap. 3 • Formação dos Contratos 171

~ E na hora da prova?. . .
Ano.: 2014 Banca~ mv~r?o: Qi>E-ÔF Pr9va: ~nalista-Assistêíicià Judiciária
Cícero .enviou propost~ ·de celebraÇãÓ de contrato. de p('estação de
seiviços para Céfio, estàbelece'ndo .um prazo de cinco dias para ares-
posta. Fez constar da proposta que o contrato estará celebrado na
hipótese de Célia deixar de emitir resposta no prazo assinalado'. Caso
CéHo realmente .não responda à proposta, pode- se afirmar que:
a) não houve formação do contrato.
b) houve forrnaçáo dó contrato em decorrência da manifestação pre-
sumida da vontade de Célio.
c) houve formação do contrato em decorrência da manifestação tácita
da vontade de Célio.
d) houve formação do contrato em decorrência da manifestação ex-
pressa da vontade de Célio.
e) apesar da formação do contrato em virtude da manifestação tácita
da vontade, o negócio é relativamente ineficaz perante Célio.
Gabarito: a

Apegando-se às exceções - em especial à dicção do art. 433 que


caminha no sentido de que se considera inexistente a aceitação se
antes deia ou com ela chegar ao proponente a retratação do acei-
tante - há importante pensamento minoritário defensor da adoção
da teoria da recepção pelo ordenamento jurídico nacional. Assim
pensam PABtO STOLZE GAGLIANO E RODOLFO PAMPLONA F1LH0 73
Data vênia, caminhamos com a tese majoritária, devendo ser
entendido o art. 433 do Código Civil apenas como a possibilidade
de retratação da aceitação, nos mesmos termos em que se infere a
possibilidade de retratação à policitação. Concordamos, aqui, com
FLÁVIO TARTJCE74 .• para quem "é correto afirmar que o Código Civil de 2002
adotou t.::1mo a teoria da expedição quanto a da recepção, sendo a
primeira regra e a segunda exceção, de acordo com a própria organi-
zação da matéria no Código em vigor".

73. Direito Civil. Teoria Geral dos Contratos e Contratos em Espécie. Vot. Ili. 11•
edição. São Pauio: Método. 2015, p. 141.
74. Direito Civil. Manual de Direito Civil. Volume Único. 4• edição. São Paulo: Método,
2015. p. 608.
172 Direito Civil - Vol. 13 • Luciano Figueiredo e Robe110 Figueiredo

E nos contratos eletrônicos? Qual seria a tese adotada?


Na ótica dos contratos eletrônicos, por conta de suas peculia-
ridades, a sistemática é diversa. Malgrado o silêncio normativo,
boa doutrina trilha no sentido de que o contrato ter-se-á perfei-
to e acabado quando da recepção da aceitação pe1o proponente,
conforme defende o Enunciado 173 do CoNsELHo oA Jusr1ÇA FEDEAAL. Aqui
se adota à recepção, e não à expedição, com o füo de proteção
do contratante, muitas vezes inferiorizado em relação ao contrata-
do e consumidor, conforme ensinam CRISTIANO CHAVES DE FARIAS e NELSON
RosENVALD1s.
E se o oblato vier a falecer após o aceite?
Nada influenciará no pacto, o qual já está perfeito e acabado,
pensa MARIA HELENA D1N1z 76 • Obviamente, caso o falecimento seja antes
do aceite, contrato também não haverá. ·

• Atenção!
Na aceitação tácita crescerá em dificuldade precisar o momento de
formação do contrato. Defende-se que será o seu marco inicial a per-
cepção da prática de atos executivos.
O que é a conduta negocial típica?
PAULO Lõeo 77, com força nos ensinamentos de PoNm oE MIRANDA, afirma
que a urbanização trouxe consigo um amplo cresclmento de oferta
de serviços e produtos ao público em geral, aliado a uma redução
do ato humano como suscetivel de deficiência. Com efeito, um cida-
dão que utiliza um transporte, segue o autor, não gera aceitação ao
contrato de transporte, mas fica sujeito ao pagamento do preço, inde-
pendentemente de sua vontade, de (in)capacidade ou eventual (des)
conhecimento.
Nessa ótica, para contratos massificados o direito houve de substituir
a manifestação de vontade de aceitar por condutas aptas (típicas) a
ocasionar o nascimento da relação negocial.

75. FARIAS, Cristiano Chaves. ROSENVALD, Nelson. Contratos. Teoria ceral dos
Contratos': Contratos em Espécie. Vol. IV. Sª edição. São P2ulo: Atlas. 20 ). 5, p. 87.
76. DINIZ, Ma~1a Helena. Curso de Direito Civil Brasileiro. Teoria das obrigações
C?ntratua1s e Extracontratuais. 27• edição. São Paulo: Saraiva. 2011, p. 76.
77. LOBO, Paulo. Direito Civil. Contratos. São Paulo: Saraiva. 2011, p. 8 7.
Cap. 3 • Formação dos Contratos 173

Trata-se de iema inaugurado pelo direito civil alemão( sob os Ólhos'ae


seu TribunaÍ superioi, sob o batismo de contratt> de .fato o~.'rela.ção
corítiatual de fato e, posteriormente, chamado por KARL lAREN~ de çon-
duta social típica.
Assim~ as relações coptrat!JP.i'i ..podem emanar da.vortfad~;l;rPélS ~am·
bém de çompo~;:tmentos ~ociai!;, independentes da vontâde: Ainda
que o cidadão tenha. pego o ()nibus errado, haverá de· pagar o preço
da· passagem.
A Interpretação dos Contratos

1. NOÇÕES INlRODUTÓRIAS
O fenômeno da interpretação está umbilical mente ligado à ciên-
cia do direito. Tal premissa é lógica, ao passo que a aplicação nor-
mativa perpassa, necessariamente, pela sua pretérita significação.
Com efeito, é impossível aplicar uma norma sem interpretá-la; sem
conhecer o seu significado.
Decerto, como firma S1Lv10 Do SALVO VrnosA 1 , "o sentido de interpre-
tação está intimamente ligado à aplicação do Direito. Interpreta-se
para aplicar. Ao aplicar o direito, interpreta-se. As duas atividades
são indissociáveis".
Afirmam PABLO Srom GAGUANo E RoDoLFO PAMPLONA F1LH0 2 que a interpre-
tação consiste na "necessidade de se estabelecer o significado e o
alcance de uma regra positivada, bem como constatar as situações
por ela previstas e os efeitos que pretende ter."
Assim como na ciência jurídica, no universo dos contratos a
interpretação tem importância ímpar. Isto, porque, como vaticina
MARIA HELENA D1N1z 3, o contrato e a lei são bastante próximos. Ambos
têm como base normas jurídicas, criadoras de direitos subjetivos
e obrigações, as quais ocasionam situações juridicamente novas.
Dessa forma, a interpretação contratual há de perquirir o con-
teúdo e o entendimento do pacto, bem como a sua obediência

i. Teoria Geral das Obrigações e Teoria Geral dos Contratos. 10ª edição. São Paulo:
Atlas. 2010, p. 457.
2. FILHO, Rodolfo Pamplona e GAGLIANO, Pablo Stolze. Novo Curso de Direito Civil.
vol. 4. Tomo 1. Ed. Saraiva. 2013. 9ª edição, p. 213.
3. DINIZ, Maria Helena. Curso de Direito Çivil Brasileiro. Teoria Geral das Obrigações
Contratuais e Extracontratuais. Vol. Ili. 27• edição. São Paulo: Saraiva, 2011. p. 89.
176 Direito Civil - Vol. i3 • LUciano Figueiredo e Roberto figueiredo

ao direito. Muito feliz, neste cenano, é a compreensão de JUDITH


MARTINS CosTA4 , ao informar que a interpretação contratual corres-
ponde ao entrecruzar-se entre autonomia (normas contratuais) e
heteronomia (leis). Nesta significação vê-se a autonomia, autori-
zadora da criação de normas negociais, em contato com o direito
legislado, posto.
Em sendo o negócio jurídico contratual um pacto, erguido atra-
vés da autonomia privada, com o escopo de regular as relações
humanas; a sua aplicação perpassa, necessariamente, pela sua
significação e seu entendimento. Mister, portanto, que as partes
contratantes compreendam as cláusulas do ajuste realizado, para,
então, puderem cumpri-las. Nessa toada, PAULO Lõsos lembra que
"interpretar o contrato é revelar o significado que se deve atribuir à
declaração de vontade comum de que ele resultou".
Consoante o aqui dito, percebe-se que a atividade interpretati-
va far-se-á necessária tanto nos contratos de fácil inteiecção, como
naqueles de significação mais dificultosa. Obviamente que nos últi-
mos a tarefa do hermeneuta é mais árdua, importante e complexa.
Entrementes, mesmo nos contratos de fácil compreensão, a inter-
pretação se impõe, até mesmo para que o operador do direito
perceba a clareza negocial, como recorda CARLOS ROBERTO GoNÇALVEs6 •
Na prática forense não é preciso muito esforço para perceber
que alguns contratos não traduzem a verdadeira vontade das par-
tes. É comum que as redações dos contratos se mostrem confusas
ambíguas, obscuras e, até mesmo, contraditórias; tudo em virtud~
da complexidade do objeto contratual e escrita nem sempre escor-
reita. Neste cenário, fica ainda mais fácil identificar a importante
função da interpretação do negócio jurídico.
Propugnando-se um percurso histórico, vê-se que a operaciona-
lização dos contratos mudou bastante com a evolução do instituto.
Oiuturnamente não mais se parte da premissa de outrora, pautada

4. MARTINS-COSTA. Judith. O Método de Concreção e a Interpretação cos Contratos.


p. 132.
5. 1.0BO, Paulo. Direito Civil. Contratos. Ed. Saraiva. 2011. l• edição. p. 172
6. GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito Civil Brasileiro. Vol. 3 2co8. 5• e:iição. Editora
Saraiva. p. 39.
Cap. 4 • A Interpretação dos Contratos 177

em uma cega força obrigatória absoluta dos contratos. O ideal do


pacta sunt servanda sofreu importantes abrandamentos, seja pela
dignidade da pessoa humana, pela isonomia, pela boa-fé, pela fun-
ção social, pela imprevisão ...
Além disto, o hermeneuta, focado na interpretação dos negó-
cios jurídicos, sempre deverá buscar a sua conservação, atento
a intenção das partes, expressada por palavras, escritos, gestos
e, até mesmo, sinais, como posto por PAuLo LôBo 7• O ideal não é
invalidar o contrato, ou buscar sua caducidade. o sucesso será
alcançado, ao revés, quando o contrato for mantido, conservado e
executado segundo o desejo das partes.
Em síntese, portanto, assevera CARLOS RoBERTo GoNçALVES8 que inter-
pretar o negócio jurídico é precisar o sentido e alcance do conteú-
do da declaração da vontade. Busca-se apurar a vontade concreta
das partes; não a vontade interna, psicológica, mas a vontade ob-
jetiva, o conteúdo, as normas que nascem da sua declaração.
Tendo em mira o Direito Positivo, é curioso perceber que o le-
gislador civilista não se ocupou do tratamento específico acerca da
interpretação dos contratos. Não há no Código Civil nenhum capítu-
lo, título ou seção dedicado ao terna interpretação dos contratos.
Logo, a sistematização cabe à doutrina, a qual veicula uma série de
interpretações legais e outras tantas empíricas.
É sobre esta sistematização e suas regras que passamos a
abordar.

2. REGRAS DE INTERPRETAÇÃO
Compulsando o vigente Código Civil, percebe PAULO LôBo9 que o
legislador se dedicou a veicular normas gerais para a interpre-
tação dos negócios jurídicos. Agiu de forma diversa do legislador
do Codex anterior, quem restringia as regras de interpretação aos
contratos, conforme o art. 1090.

7. LOBO, Paulo. Direito Civil. Contratos. Ed. Saraiva. 201i. ia edição. p. i72
8. GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito Civil Brasileiro. Vol. 3 2008. 5ª edição. Editora
Saraiva. p. 39.
9. GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito Civil Brasileiro. Vol. 3 2008. 5• edição. Editcra
Saraiva. p. 39.
178 Direito Civil - Vol. 13 • Luciano Figueiredo e Roberto Figueiredo

Assim, a orientação à atividade interpretativa dos negócios ju-


rídicos se encontra, atualmente, positivada nos arts. 110 a 114 do
Código Civil vigente. São orientações gerais aplicáveis aos negócios
jurídicos e, por conseguinte, aos contratos, uma das principais mo-
dalidades dos negócios.
Passeando sobre estas regras interpretativas, verbera PAuLo
Lôso'º os seguintes critérios interpretativos aplicáveis aos contratos:
a) A intenção comum que deve ser levada em conta na inter-
pretação dos contratos é a que se exterioriza na declaração
de vontade negocial; ou seja: é a nela "consubstanciada", na
forma do art. 112 do Código Civil";
b) Na significação dos contratos, a intenção comum exterioriza-
da (conteúdo) prefere ao sentido literal da linguagem utili-
zada (forma), quando conflitantes; conforme o dito no art.
112 do Código Civil.

Logo, se o cabeçálho informar que o contrato é de doação, mas as


cláusulas veicularem uma compra e venda, prevalecerá esta última.
Isto, porque, como aduz MARIA HELENA D1N1z12 , a interpretação do contra-
to não deve ser uma mera exegese gramatical, mas sim uma ope-
ração mais verticalizada, buscando a real intenção dos envolvidos.

~ E na hora da prova?
Ano: 2009 Banca: FCC Órgão: TJ-PA Prova: Analista Judiciário - Oficial de
Justiça
A interpretação do contrato faz-se necessária quando existe divergên-
cia entre as partes sobre o efetivo sentido de uma cláusula. Neste
caso, é certo que
a) toda vez que surgir conflito levado ao conhecimento do Poder Ju-
diciário, o julgador 'deverá intervir e decidir a questão de acordo
com o seu convencimento, ainda que as partes tenham chegado a
uma composição em sentido contrário.

10. LOBO, Paulo. Direito Civil. Contratos. Ed. Saraiva. 2011. !'edição. p.177
11. Art. 112: Nas declarações de vontade se atenderá mais à intenção nelas
consubstanciada do que ao sentido literal da linguagem.
12. OINIZ, Maria Helena. Curso de Direito Civil Brasileiro. Teoria Geral das Obrigações
Contratuais e Extracontratuais. Vol. Ili. 27• edição. São Paulo: Saraiva, 201i. p. 89.
Cap. 4 • A Interpretação dos contratos 179

b) o sentido literal da linguagem é o que obrigatoriamente deve pre-


valecer em todos. os casos dê. dúvicla na interpretação do contrato,
c) havend,o conflito de inter~sses somente em casos' excepcionais o
ajuste pbderá ser determinado pel9 juiz.
d) faz-se mister em primeiro lugar, verificar qual a intenção comum
dos contratantes.
e) sendo o contrato um negócio jurídico, não pode ser interpretado
conforme a boa-fé e os usos do lugar de sua celebração.
Gabarito: d

., Atenção!
Interessante discussão doutrinária se liga a q~al â tei>'rta adotada• pelo
Código Civil no que tange à interpretação dos negóclosfurídicos. ·
Para CrusnANa Cl!AvEs oe fARiAs e NEl.SoN. R.osew·AlD1~, ó. vigerítê códigô CivH ·não
mais adota a teoria da vontade. Ao revésí adota a te0,riCJ; da éoliflançà,
a qual de.lxa em segundo plano ·<il literalidade· do teXto .e busca, median-
te significação, .a vçr:dadeira i~tenção dos. ç:teclarCJ;ntes. ·• .. ·.
N.ão importa~ apenas, o que as partes <:dntratantes qui~~'tam, .mas sim
o que elas, efetivamente, acordaram e .manifestaram •. ,
Entre mantes, malgrado. o poslciC)na~ento, de escol>s~pracitado, para
a tese majorit~ria é cl~rivfdç11t~:q~~ ~;;;S§.?i~Q Ci~~tP.~!"5i~te CC)!11C) ~0,­
luntarista, no q~e. t~rige a<>,s,,nçgqc1.o!> 11,1ríqtfOS~ se1a p ewan;:tr: P rie~
gócio da ,vontàde,'i;~l~ P'?r5)1.düi'1r• nó'l'.ârti,';i12 QUe'.; ' . · erpr~táÇ~d
d os negócios. se atend~.r~,(!l~Í~ ~jifl~e'.ôÇ~~ ~9:.cüJ.~\~.~+· do literal da
linguagefl'l;; · .. ,. 1• / • ""' ::·?< •· 0'/>: ,,, ·
obviamefjte, p<lréro~:.<ioe'q!.f~l.~'~!f,J~~~:,Wjr~r!t~r1~ .· ·
rador da· necessidáCJe de:1ntf agir.ético~ fürê~don a'll~
1

prestígiandó a confiança r'etacional. · · · · ·· ' '!"

e) O art. no codificado regula sobre a reserva mental, a qual


se caracteriza pela não exteriorização de uma vontade 14 •

i3. FARIAS, Cristiano Chaves. ROSENVALD, Nelson. Direito dos Contratos. Rio de Janei·
ro: Lumen Juris, 2011. p. 439-442.
14. Art. 110: A manifestação de vontade subsiste ainda que o seu autor haja feito
a reserva mental de não querer o que manifestou, salvo se dela o destinatário
tinha co1hecimento.
180 Direito Civil - Vol. 13 • Luciano figueiredo e Roberto Figueiredo

Nessa senda, se a parte fizer reserva mental de não se obrigar


ao que foi exteriorizada na declaração, esta (declaração) prevale-
cerá sobre aquela (reserva mental), persistindo a obrigação pac-
tuada como exigível. Assim, a reserva mental unilateral não tem
consequências para o negócio.
Todavia, caso a outra parte tenha conhecimento da reserva
mental e não se oponha a mesma, a obrigação deixará de ser
exigível entre os conhecedores da reserva, posto se verificar uma
reserva mental bilateral.
Exemplifica-se: por conta da fuga de minha cadel.a de casa, afi-
xei cartazes pela vizinhança prometendo o pagamento de RS 300,00
(trezentos reais) àquele que me trouxer o animal. Trata-se de uma
promessa de recompensa.
Todavia, antes do animal aparecer, informei ao meu vizinho de
porta que não irei adimplir os valores para quem viesse a en-
contrar o cachorro. Aqui, se qualquer pessoa trouxer o animal, a
exceção do meu vizinho, eu haveria de cumprir a promessa de
recompensa, pois para aqueles a reserva mental é unilateral. Em
relação ao meu vizinho, porém, não há obrigatoriedade, haja vista
que ele teve ciência da reserva mental, a qual é bilateral.

.- E na hora da prova?
Ano: 2009 Banca: CESPE órgão: SEAD-SE (FPH) Prova: Procurador
Certo ou Errado.
A manifestação de vontade subsiste ainda que seu autor haja feito a
reserva mental de não querer o que manifestou, salvo se dela o desti-
natário tinha conhecimento.
Gabarito: Certo

d) O art 111 do Código Civil preceitua que "o silêncio importa


anuência, quando as circunstâncias ou os usos o autorizarem,
e não for necessária a declaração da vontade". Tal regra geral
é replicada no art. 432, igualmente codificado.
A regra geral, então, é que o silêncio não pode ser considera-
do consentimento, salvo se preencher dois requisitos cumulativos
do comportamento concludente: 1) quando os usos (costumes) e
Cap. 4 • A Interpretação dos Contratos 181

circunstâncias o admitam e 2) não for exigível declaração de vonta-


de expressa (escrita, sinais, gestos).
Exemplifica-se com algumas hipóteses nas quais o silêncio oca-
siona anuência:
Em recente mudança, o art. 39 da Lei 8.245/91 (Lei do Inquilinato)
passou a verberar que "salvo disposição em contrário, qualquer
das garantias da locação se estendem até a efetiva devolução do
imóvel". Vê-se uma permanência da garantia pelo silêncio.

.- Atenção!
Registra-se qué n:ialgl'(ldO tal artigo, ~ Código.Civil~ no seu art. 819~ bém
como a SúmuÍa 214 do SUPERIO~ TRIBUNAL OE JUSTIÇA, afirmam que a fiança é
por escrito e merece Interpretação restritiva. lnfere.-se ª·controvérsia.
o tema ainda não mereceu posicionamento fechado <:\o STJ, sendo ne-
cessário ao candidato explicitar conhecimento tanto derredor do Códi·
go Civil, como da Súmula e da Lei
, . do Inquilinato.
.

Na doação pura, quando reste fixado prazo para aceitação,


se o donatário persistir em silêncio, será presumido o aceite
(CC, art. 539).
o art.49 do Código de Defesa do Consumidor aduz que toda
aquisição fora do estabelecimento comercial submete-se ao
crivo do consumidor, sendo possível enjeitar o produto, com
a respectiva devolução dos valores atualizados, em até 7
(sete) dias. A negativa do consumidor, na hipótese, não de-
manda justificativa, sendo decorrente apenas do seu não
contentamento. Verifica-se, assim, que se trata de uma ven-
da a contento. A proteção se deve por não ter o consumidor,
no ato da compra, acesso ao produto, mas tão somente à
sua mídia e imagens meramente ilustrativas. podendo ser
seduzido indevidamente. Caso, porém, deixe o consumidor
que o prazo em tela ultrapasse in albis (em branco, sem
manifestação), presume-se o aceite pelo seu silêncio.
Logo, recebido o produto comprado fora do estabelecimento
comercial e não manifestando a vontade de descontentamento em
7 (sete) dias, presume-se o aceite pelo silêncio o negócio estará
perfeito e acabado.
182 Direito Civil - Vol. 13 • Luciano Figueiredo e Roberto Figueiredo

Clarividente, portanto, que o comportamento concludente


pode, sim, gerar contratos, como bem afirma Jumrn MARTINS CosrA' 5•
Tal conclusão também pode ser proveniente de um pensamento
que caminhe com a teoria dos atos próprios, pensando-se na cla-
ra indicação comportamental sobre o fechamento de um contrato,
como, por exemplo, no início dos atos de execução. Entrementes,
apenas a análise das circunstâncias concretas poderá levar o ope-
rador do direito a esta conclusão.
e) Dispõe o art. 113 do Código Civil que "Os negócios jurídicos
devem ser interpretados conforme a boa-fé e os usos do lugar
de sua celebração". Conforme tal artigo, o contrato deve ser
interpretado em conformidade com a boa-fé objetiva.
Tal normatividade tem, inclusive, previsão específica na seara
contratual, quando afirma o art. 422 que "os contratantes são obri-
gados a guardar, assim na conclusão do contrato, como em sua execu-
ção, os princípios de probidade e boa-fé".
Para FRANc1sco AMARAL 16 acaba a boa-fé funcionando como uma re-
gra interpretativa-integrativa, posto servir não apenas para sig-
nificar o contrato, mas também para integrá-lo, incluindo deveres
anexos à avença, como a implícita cooperação, assistência técnica,
lealdade e sigilo, em alguns casos. Com efeito, ainda que não haja
cláusula expressa no contrato, é consabido a existência do dever
de sigilo na relação médico-paciente.
Ademais, segundo GusTAvo TEPED1No 17 , servirá igualmente a boa-fé
para deslindar questões omissas nos contratos, perquirindo o ope-
rador do direito sua solução mediante o que haveriam querido as
partes, consoante seu comportamento leal e as cláusulas reguladas
no pacto.
No mais se renova aqui tudo àquilo que fora dito sobre o tema
boa-fé no capítulo dedicado aos princípios contratuais, em espe-
cial acerca das funções deste corolário da eticidade, inclusive a

15. MARTINS-COSTA. Judith. O Método de Concreção e a Interpretação cios Contratos.


p. 131.
16. AMARAL, Francisco. Direito Civil - Introdução. P. 426.
17. TEPEDINO, Gustavo. Crise de fontes normativas e técnica legislativa na parte geral
do Código Civil de 2002. p. 31.
Cap. 4 • A Interpretação dos Contratos 183

interpretativa. Para aprofundamento do estudo da boa-fé, portan-


to, sesta regra de ouro da intepretação dos contratos, remete-se
ao capítulo dois deste volume.
f) Os usos (bons costumes) do local em que fora celebrado con-
trato devem ser levados em consideração, no momento de sua
significação, haja vista a ordem de aplicação dos costumes pelo
próprio legislador, no art. 113 do CC (costumes secundum /egem).
Interessante exemplo sobre o uso dos costumes nos é conferido
por MARcos DE CAMPOS Luow1c 18• Afirma este autor que em um contrato
destinado a produção agrícola, no qual há omissão sobre o pra-
zo contratual, deve este ser considerado como sendo de um ano,
como usualmente feito no país.

~ E na hora da prova?
Ano: 2013 Banca: CESPE órgão: ANTI Prova: Analista Administrativo
- Direito
Julgue os próximos itens, relativos a contratos.
Na celebração dos contratos, .as partes devem observar os limi.tes da
função social do contrato e os princípios da probidade e da boa-fé.
Gabarito: Correto

g) Nas pegadas do art. 114 do Código Civi1 19, os contratos benéfi-


cos - são os gratuitos, como a doação e a fiança-, bem como
a renúncia, devem ser interpretados estritamente. Merecem,
também, interpretação restritiva a fiança (art. 819 do CC e Sú-
mula 214 do STJ), a transação (Art. 843 do CC) e os negócios que
versem sobre direitos autorais (art. 4 da Lei 9.610/98). Sobre a
fiança, recorda-se que haverá de ser pactuada por escrito.
Das regras interpretativas supramencionadas, CRISTIANO CHAVES DE
FARIAS E NELSON RosrnvAL0 2º afirmam que a boa-fé é a regra de ouro,
devendo ter aplicação primaz e preferencial; o que concordamos.

18. LUDWIG, Marccs de campos. Usos e Costumes no Processo Obrigacional. p. 165.


19. Art. 114: Os ciegóciosjurídicos benéficos e a renuncia interpretam-se estritamente.
20. FARIAS, Cristiano Chaves. ROSENVALD, Nelson. Direito dos Contratos. Rio de
Janeiro: Lumen Juris, 2011. p. 436.
184 Direito Civil - Vol. 23 • Luciano Figueiredo e Roberto Figueiredo

Igualmente concordamos com tais autores ao elevarem a função


social do contrato a uma das regras interpretativas, ao passo que
o contrato deve ser significado de modo a alinhar os interesses in-
dividuais aos sociais, censurando o excesso de liberdade, sob pena
de responsabilidade objetiva por abuso de direito (art. 187 do CC).
Nessa senda, a liberdade de contratar será exercitada nos limites
da função social (art. 421 do CC). Sobre o tema função social, seu
conceito e desdobramentos, indicamos a leitura do capítulo desta
obra dedicado aos princípios dos contratos.

~ E na hora da prova?
A banca examinadora FCC, em concurso público realizado para o pro-
vimento do cargo de Procurador da UNICAMP, ano 2014, considerou
correta a seguinte alternativa: "A liberdade de contratar será exercida
em razão e nos limites da função social do contrato."

Verticalizando o estudo derredor da interpretação dos contra-


tos, RODOLFO PAMPLONA FILHO E PABLO STOLZE GAGLIAN0 21 afirmam existir outras
regras interpretativas objetivas, as quais podem ser extraídas do
direito comparado, em especial do Francês, e plenamente aplicá-
veis no Brasil. Muitos destas regras, recorda S1Lv10 Do SALVO VENOSA 22 ,
advém dos escritos de Porn1ER. São elas:
a) Quando uma cláusula é suscetível de dois sentidos, deve-se
interpretá-la de maneira que possa gerar algum efeito, e
não de modo que não produza qualquer efeito. Trata-se de
uma noção de maximização e conservação dos contratos;
b) Quando em um contrato os termos são suscetíveis de dois
sentidos (ambos factíveis), deve-se interpretá-los no sentido
que mais convém à natureza do negócio;
c) Nos contratos internacionais, naquilo que o contrato for am-
bíguo, deverá ser interpretado segundo o uso do país no
qual fora celebrado.

2i. FILHO, Rodolfo Pamplona e GAGLIANO, Pablo Stolze. Novo curso de Direito Civil,
vol. 4. Tomo 1. Ed. Saraiva. 2013. 9• edição, p. 217.
22. Teoria Geral das Obrigações e Teoria Geral dos Contratos. 10• edição. São Paulo:
Atlas, 2010, p. 465.
Cap. 4 • A Interpretação dos Contratos 185

d) O contrato deve ser significado em sua totalidade, de ma-


neira que as cláusulas antecessoras e sucessoras se somem
na significação da interpretada. Trata-se de uma noção de
unicidade contratual.
e) Por mais genéricos que sejam os termos em que foi con-
cebida uma convenção, ela somente compreende as coisas
sobre as quais os contraentes se propuseram tratar, e não
as coisas que eles não pensaram;
f) Quando o objeto da convenção é uma universalidade de
coisas, ele compreenderá todas as coisas particulares que
compõem aquela universalidade, incluindo aquelas de que
as partes não tiveram conhecimento. Isto, porque, o acessó-
rio segue a sorte do bem principal (princípio da gravitação
universal ou jurídica). Recorda-se, porém, que este preceito
não se aplica às pertenças, as quais não seguem a sorte do
bem principal (arts. 93 e 94 do CC);
g) Nos contratos, como nos testamentos, uma cláusula concebi-
da no plural se distribui muitas vezes e em muitas cláusulas
singulares.
Seguindo no estudo do tema, MARIA HELENA D1N1z" soma outras
regras:
a) Nos contratos de compra e venda, no que atina a extensão
do bem alienado, deve-se interpretar em favor do compra-
dor; porém todas as dúvidas deverão ser interpretadas con-
tra o devedor;
b) No que concerne ao vocábulo que se encontre ao final de
uma frase, contida no contrato ou em qualquer de suas cláu-
sulas, dever-se-á interpretá-lo como parte da frase toda, e
não somente da que a procede imediatamente, desde que
compatível, em gênero e número, com toda a frase;
c) Na interpretação contratual, considerar-se-á normas jurídi-
cas correspondentes;

23. DINIZ, Maria Helena. Curso de Direito Civil Brasileiro. Teoria Geral das Obrigações
Contratuais e Extracontratuais. Vol. Ili. zr edição. São Paulo: Saraiva, 201i. p. 91 e 92.
186 Direito Civil - Vol. 13 • LUciano Figueiredo e Roberto Figueiredo

d) Nas estipulações negociais, dever-se-á interpretar de modo


menos oneroso para o devedor;

e) Na antinomia entre duas cláusulas contratuais, o conflito


prejudicará o outorgante e não o outorgado;

f) Nos contratos gratuitos, a interpretação deve proceder-se


no sentido de fazê-lo o menos pesado possível para o de-
vedor, e nos onerosos no de alcançar o equilíbrio entre os
interesses das partes. Afinal, o contrato deve importar em
trocas úteis e justas, consoante o Equilíbrio ou Justiça con-
tratual (Enunciado 22 do CONSELHO DA Jusr1ÇA FEDERAL). Neste senti-
do, inclusive, é que caminha o art. 41 do projeto do Código
Europeu e Contratos;

g) Nos contratos e locação que se apresentar dúvidas, será


mister resolvê-las contra o locador;

h) Na dúvida entre cláusula impressa e datilografada, prevale-


cerá a segunda;

i) O contrato se deve interpretar em favor do promitente e


contra o estipulante que, podendo ser claro, não o foi;

j) No ato interpretativo, a expressões que, na norma contratu-


al, se apresentarem sem sentido, deverão ser rejeitadas e
tidas como não escritas;

., E na hora da prova?
Ano: 2009 Banca: FCC órgão: TRT - 16• REGIÃO (MA) Prova: Analista Judici-
ário - Área Judiciária
A respeito da interpretação de contratos, é certo dizer que
a) as cláusulas não podem ser revistas em hipótese alguma depois
da assinatura do contrato por todos os contratantes, a não ser por
determinação judicial em processo de conhecimento.
b) as expressões com mais de um sentido não devem, em caso de
dúvida, ser entendidas de maneira mais conforme à natureza e ao
objeto do contrato só podendo ser modificadas em juízo.
c) as cláusulas ambíguas não são interpretadas de acordo com o cos·
tume do lugar em que foram estipuladas.
Cap. 4 • A Interpretação dos Contratos 187

d) quando um contrato ou. umacláusutâ apre~~nta duplo sen~ido;: êfo-


ve-se ·intetpretá~R<>·.de maneir:a.;queJ>ossa gerar·alg1JIT1' e.f~lfo, e; ll~ó
de módo que não prodtlia tienhµm; · · · · · ··· • '
e) as cláusulas inscritas nas condições ge:~I~ elo contrato,: irripress.él~
ou formuladas por um dos contratantes, não são illtétpretadas, Hà
dúvida, em favor do outro.
Gabarito: d

Fincado no ideal de autonomia privada, nada impede que os


próprios contratantes façam uma espécie de glossário ao contrato,
conferindo significações a termos específicos. Exemplificando o dito,
é plenamente possível que as partes definam, dentro do seu contra-
to, o que entendem por caso fortuito e força maior, afirmando o que
excluirá e o que não excluirá a responsabilidade civil (CC, art. 393).
Justo por isto que o projeto do Código Europeu de Contratos
dispõe (art. 39, número dois), que "prevalecerá sobre o sentido co-
mum dos termos utilizados, aquele que os contratantes tiverem ex-
pressamente declarado atribuir-lhes".
Fato, que, a conferência de glossário e regras interpretativas
nos contratos, apesar de usual em pactos internacionais, não vem
sendo da praxe nos contratos nacionais. Todavia, não somente
apenas é possível, como recomendável, em alguns casos.

3. A INTERPRETAÇÃO DOS CONTRATOS DE ADESÃO


o contrato de adesão consiste em um pacto previamente con-
feccionado por uma das partes - em regra, a mais forte da relação
(hipersuficiente) - cabendo ao outro polo do pacto (hipossuficien-
te) aderir, ou não, ao bloco.
A característica básica do contrato de adesão é a limitação à
autonomia, tendo uma reduzida fase de formação contratual. Alia-
-se a isto o fato de hipersuficiente, em regra, fazer o melhor pacto
para si, sendo usual regras abusivas em face do hipossuficiente, a
quem acabam sendo impostas sucessivas renúncias a direitos.
A situação ganha contornos jurídicos mais preocupantes quando
o contrato de adesão veicula serviços essenciais e monopolizados,
188 Direito Civil - Vol. 13 • Luciano Figueiredo e Roberto figueiredo

a exemplo do fornecimento de água e luz, deixando o consumidor,


hipossuficiente, sem escolhas e coagido a contratar. Aqui, nas lições
de TERESA NEGRE1Ros 24, a vulnerabilidade do aderente é ainda maior, ante
a essencialidade do bem e sua finalidade existencial. Não assiste ao
hipossuficiente, sequer, o direito de optar por não contratar.
Apesar das mazelas do instrumento por adesão, sem dúvidas é
hoje uma importante realidade. Fruto da pós-modernidade e produ-
ção em série, a grande e esmagadora maioria dos contratos realiza-
dos são por adesão. Uma produção em massa, alinhada ao princípio
da repetição, precisa ser comercializada em massa. É, sem dúvidas
inviável que em cada venda haja uma longa negociação contratual. '
Neste cenário, hodiernamente são raros e escassos os contratos
praticados d; maneira paritária, no qual as partes discutem, larga-
ment~, as clausulas. Raras são rodadas de negociações, mudanças
de clausulas, discussões ...

Atento a esta situação, o legislador civilista de 2002 tratou de


veicular duas específicas normas interpretativas para os contratos
de adesão, estampadas nos arts. 423 e 424 25 • Para CR1sr1AN0 CHAVES DE
FARIAS E NELSON RosENVALD 26 o que se busca com tais regras é reeditar
o equilíbrio contratual, violado no nascimento do contrato ante a
relação desproporcional e ausência de tratativas.
Vamos às regras:

a) As cláusulas ambíguas ou contraditórias devem ser interpre-


tadas da forma mais favorável ao aderente.
Ora, se é o ofertante quem redigiu o contrato, ao aderente
deve ser resguardado, ao menos, o benefício da dúvida. Infere-se
aqui a presença do ideal in dubio contra proferentem ou contra
stipulatorem.

24. NEGREIROS, Teresa. Teoria do Contrato. Cit. p. 488/9 .


25. A;t: 423: quando ~ouver no contrato de adesão cláusulas ambíguas ou contradi-
tonas, dever-se a adotar a intepretação mais favorável ao aderente.
l\rt. 424: ~os contratos de adesão, são nulas as clausulas que estipulem a renun·
eia antec1pa~a do aderente a direito resultante da natureza co negócio.
2
6. FARl~S, Cnst1ano Chaves. ROSENVALD, Nelson. Direito dos Contratos. Rio de
Janeiro: Lumen Juris, 201i. p. 460.
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Cap. 4 • A Interpretação dos Contratos 189

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DlRErfü•ctvl.tE oO:~oNS'U~too • stoAVE ottNTE:riPRETAÇÃo oi:: CLÃU~
suLA··oti'ci()N1R.Afo~DE·;SEG '•, oE::·oA: 'FORM.Ç'.MÁls··, FAVORÁVEi; À

~~~~!f~;~~,l~~~~·á~' i~~â;:;~~i.~ta~~;~,~~~~~ta,·a~1omáti,ca
1 1

cobert,Ui:a»tpara,;~e~erf!ll . ~~§e$; .....•. .. . ·;() fllho de ."se-


i~ry_da~.;p'~~tid~·dtÍmt'qte:., .· ~Çi~.. ~9.p · .~é~ .garantidã: a
ref~tic!.â: ~ql)t~tt'urá'; 11ão:ap · 1~91'dàic~~> ·. Jar",,ma~ taro;
bémiaQ.fi\.~'~,qe· "sefil!ràda t?O~~~~,;tf:a, M~sa. hipõteiie.
de !élàção Cle êoilst1fn0 i , ,, . . •· t~li~~~i(..... ;' . . · .·.· atÓ de adesão,
. a.s••:.c:•.~t1st.1~s. co~tr;at~ai.~,·.·f:~~~~~~>~et~/~~~~P!\!,~;i~~go,1'~.dora; dey~m
s,er; li;tter,pretadas da f9rmé\;roai~,••favorâvet ~·~.lltra,part,.e, que figura
como. J:9!:1sun;iid()r,a ·afJ.eréflJ~~.df ac()t;Qo ctj~, 9r qµ~. d,lspõe o. art: 47
do CD~ ~sim~ deve-se enten~ér: .que a éxpres.s~.~ ~S,egbrada" ·abrange
também á ~segurada depemtenté", não se restringindo à "segurada
titulá~~ c:om efeito; caso a segu~dora pretendesse restringir o campo
de abrangência da cláusula contratual, haveria de·especificar ser esta
ap!icável apenas à titular do seguro contrata'do,. (REsp l.133.338-SP, Rei.
Mih. Paulo de Tarso Sanseverino, julgado em 2/4/2013)

~ E na hora da prova?
A banca examinadora FCC, em concurso público realizado para provi-
mento do cargo de técnico ministerial do MPE-CE, ano 2013, considerou
INCORRETA a seguinte alternativa: "Quando houver no contrato de ade-
são cláusulas ambíguas ou contraditórias, dever-se-á adotar a inter-
pretação mais favorável àquele que elaborou o contrato."

b) É nula a renúncia antecipada a direito em contrato de


adesão.
Vê-se aqui a clara aplicação dos princípios da boa-fé, probidade
e função social dos contratos. Decerto, se o contrário fosse possí-
vel, o ofertante aproveitaria de sua redação unilateral do contrato
para impor ao aderente sucessivas e amplas renúncias a direitos,
o que não se pode tolerar.
Nessa toada, pelo principio da especificidade das normas, toda
vez que for necessário uma interpretação dos contratos de adesão,
esses dois dispositivos terão de ser consultados, de pronto.
190 Direito Civil - Vol. 23 • Wciano Figueiredo e Roberto Figueiredo
1
1

~i~!!~~~~'~i./i'~ . · .· · 1:.~111f '.':s:;.: . , . '. •··. . , ...•....·.· .·.·


At~nt() ~o ~i't.{]>~.:·c1~{t~df~~ 1 ~eiOefesa do .. tons~f1liclor '-- o qual firma
1

o ,~p~\,~~rn9;~?J~~P,.:i,u~a,~mí~i~~r:~e ~ke~"~~é. P~f:rnite a aplicação de


1
º~~tf:~1(19f.~él~\:W~'5:!~~!1~fi,c:a~ ,â:~ consu~fülor -'- ..os ar:ts.. 423 e 424 do
cg;~l.l~:Sly•l· 1t~[11~ê~ cle~.«:.!11 s~r,1~.rl"' brados •9uand9 da significação das
~~t~~~;~~~~t~~~~~</:~~~,}~P:orta:teincicl.ênci~ . c~~soante. o princí-
.

So~li~~tªisto ; vétificaçã~ do,~art. 4t d4 ~9C,~,~~~J~ct.9. ~··. Qlla~ a.s. cláu-


sulas c()ntratlla•s deverão ·ser· interpretad~s .cté tfiodõ: ·mais.· favorável
a().c:;ons.t1mJdot:1 · · · · .·.· · ·. · · · ·
Nessa Unha de intelecção percebe"se que:
a). sé Ocontrato_de adesão for fruto de uma relação dvel - a exemplo
de uma locaçao de shopping center, na qual este impõe ao locatário
um modelo contratual .:. mister será a aplicação dos arts. 4 23 e 424
do Código Civil; ·. ·
b) Ca~o o contrato de adesão diga respeito ain.da a uma relação de
consumo - em q4e se terá um fornecedor e um consumidor como
a compra de um imóvel junto a uma incorporadora - mist~r será
n~o ~ó a ~plicação das arts. 4.23 e 424 do Código Civil, mas também
a mc1dênc1a das normas do Código de Defesa do consumidor.
1

Contrato Preliminar

1. INTRODUÇÃO, CONCEITO E NATUREZA JURÍDICA


Segundo as lições CARLOS RosERTO GoNçALVEs', "o contrato preliminar
é um ajuste provisório, preparatório no qual as partes prometem a
futura confecção de um contrato definitivo, sendo este o objeto deste
pactum contrahendo ou contrato-promessa".
Trata-se de uma das inúmeras inovações advindas do Código
Civil de 2002, posto a omissão do Código Civil anterior. Em verdade,
a omissão do Código de CLõv1s BEvtlÁQUA deveu-se ao próprio evoluir
do instituto, cujo prestígio era inexistente nos idos de 1916.
Historicamente, a ideia de um contrato promessa advém de
Roma, onde existiam as figuras do pactum de contrahendo, pactum de
mutuando e pactum de commodando. Os antecedentes legislativos tu-
piniquins foram a Lei de Incorporações (lei 4.591/64, art. 35, § 4°), a Lei
de Loteamentos (lei 6.766/79, art. 27) e o Decreto Lei 58/37, o último
inaugurando o uso da expressão compromisso de compra e venda.
Pl\uLO Lôso 2 firma que o "contrato preliminar é contrato mediante o
qual as partes se obrigam a celebrar outro contrato, em caráter defi-
nitivo. O objeto do contrato preliminar são as prestações e obrigações
de fazer, a;nda que o objeto destas sejam alienações de coisas".
Fundamenta-se o contrato preliminar no dever de concluir o
definitivo (um fazer) e, consequentemente, obter a prestação con-
vencionad 3.. Difere-se do contrato dito definitivo, pois neste a obri-
gação pode ser um dar, um fazer ou não fazer.

i. GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito Civil Brasileiro. Contratos e Atos Unilaterais.


VoL Ili. 7• edição. São Paulo: Saraiva, 2010 p. 161.
2. LÔBO, Paulo. Direito Civil. Contratos. São Paulo: Saraiva, 2011, p. 104.
192 Direito Cívil - Vol. 13 • Luciano Figueiredo e Roberto Figueiredo

Para PABLo Srnm GAGUANo e RoDOLFo PAMPLONA FILHo 3, o contrato prelimi-


nar é "uma avença através da qual as partes criam em favor de uma
ou mais delas a faculdade de exigir o cumprimento de um contrato
apenas projetado. Trata-se, portanto, de um negócio jurídico que tem
por objeto a obrigação de fazer um contrato futuro".
ORLANDO GoMEs 4 enxerga o contrato preliminar como uma "conven-
ção pela qual as partes criam em favor de uma delas, ou de cada
qual, a faculdade de exigir a imediata eficácia do contrato que proje-
taram." Acaba a figura preliminar funcionando como um mecanismo
de segurança, pois as partes obrigam-se a realização do pacto fu-
turo e definitivo, sendo alvo, até mesmo, de tutela específica, como
será visto adiante.
E na hora prova?
A banca examinadora Vunesp, em prova de concurso público
realizada para o provimento do cargo de analista administrativo,
SP-Urbanismo, considerou correta a seguinte assertiva: "Regular-
mente concluído o contrato preliminar, qualquer das partes pode
exigir a celebração do contrato definitivo."
Como contrato que o é, a figura preliminar já veicula todos os
parâmetros do negócio definitivo, como qualificação das partes,
identificação do objeto, forma de pagamento do preço ... Ademais,
como negócio jurídico que o é, o contrato preliminar há de obser-
var todos os elementos de validade dos negócios, tendo agente
capaz e legitimado; objeto lícito, possível, determinado ou deter-
minável; forma prescrita ou não defesa em lei e vontade exteriori-
zada livre e desembaraçadas.
Portanto, a natureza jurídica do contrato preliminar é de contra-
to e, por consequência, de negócio jurídico.

3. STOLZE GAGLIANO, Pablo. PAMPLONA FILHO. Rodolfo. Novo Curso de Direito Civil.
Contratos: Teoria Geral. VoL IV. Tomo 1. iia edição. São Paulo: Saraiva, 2015,
p. 186.
4. GOMES, Orlando. Contratos. p. i35.
s. Para aprofundamento do tema elementos de validade do negócio jurídico,
remete-se ao capítulo de teoria do fato, ato e negócio jurídico, o qual se
encontra no volume dedicado à parte geral.
Cap. 5 • Contrato Preliminar 193

~ Aten'ªQ!
O cóntrato.preliminar, com() viS'toj é contrato perfeito e acabadt>. Logo,
não deve ser confundido. com negocia,ções preliminá.res ou tratativas,
tema e~~udado quandodaJormáção do contrato. . ·
Recor~~2~e q~~ nas tratativas ·n.~ó há. obrigaÇões; mas rneras hegocia-
çõestorís<>antes a boa~fé f):ré~contratual. Tals.tratalivas; por vezes, são
até: mesmo; '\leicülaq~s ··mêdiant~ .protocolos de .intenções (minutas),
mas semp~e setn viés vináµtatlvo, . . ... ·. ·. .. . . . .·. ·.•
ÓutrossiÍii; das negociaçõ~$'.ptelimlnares (tratativas) pode decorrer um
não contrato, um contrato definithto ou uma figura preliminar.Veja-se,
portanto, que cómo contrato que o é, as trata tivas fazem parte do. iter
·de formação da figura da promessa. ·
D'outra banda, no contrato preliminar há obrigações previamente es-
tabelecidas, 'obrigatórias e exigíveis. Há vinculo decorrente de um con-
trato perfeito, acabado e autônomo.
Sintetizando .bem .o tema, CA10 MAR10 oA S1tvA PEREIRA6 firma que as negocia-
ções preliminares "não envolvem compromissos, nem geram obrigações
para os interessados, limitam~se a desbravar:. terreno e salientar conve-
niências e interesses ao passo que o contrato preliminar já é positivo no
sentido de precisar de parte a parte o contrato futµro."
Seguindo na busca de diferenciações conceituais, não se deve confun-
dir a promessa com a proposta. Esta, como visto no capítulo de forma-
ção dos contratos, nem sempre é obrigatória (CC, art. 428). Soma-se a
isto que a proposta caduca com o eventual falecimento do policitante.
Já o contrato preliminar é obrigatório e persistirá ainda que o con-
tratante venha a falecer, obrigando os seus herdeiros, ressalvadas as
casuísticas de obrigações personalíssimas.
Para aprofundamento do tema negociações preliminares e proposta,
indica-se a leitura do capítulo desta obra destinado à formação dos
contratos.

No que tange ao batismo do contrato preliminar, o mesmo n3o


é uniforme. Utilizam-se os termos promessa, pré-contrato, compro-
misso, promessa de contrato, antecontrato ... Não raro, as provas
e os manuais usam as expressões ora enunciadas como sinônimas.
No direito comparado, recorda CA10 MÃR10 DA S1LvA PrnE1RA7, há outras

6. SILVA PEREIRA, Caio Mário. Instituições de Direito Civil. Vol. Ili. p. 81.
7. SILVA PEREIRA, Caio Mário. Instituições de Direito Civil. Vol. Ili. p. 81.
194 Direito Civil - Vol. 13 • Luciano Figueiredo e Roberto Figueiredo

expressões, como o contract to make a contract, do direito norte


americano; Vorvetrag, do alemão; contrato preliminare ou antecon-
trato, do italiano; avant contrat ou promesse de contrat, do francês;
contracto preliminar do espanhol...
Não há restrições no uso da figura preliminar, sendo que qual-
quer modalidade de contrato poderá ser veiculada. Fato, porém,
que no tráfico jurídico o seu uso mais corrente relaciona-se à com-
pra e venda, pelo que dedica o presente capítulo tópico específico
ao seu tratamento. Outrossim, como adiante se verá, há relevante
discussão derredor de sua aplicabilidade à doação.
Mercadologicamente, a opção do uso da figura da promessa de-
corre de variadas circunstâncias, a exemplo de aguardo na regulari-
zação do registro imobiliário; imóvel ainda em período construtivo,
algum impedimento legal para confecção do contrato definitivo ...
Conforme obtempera S1Lv10 Do SALVO VENosA8 , o contrato, visto sob o
seu viés paritário, é fruto de grande esforço e negociação entre as
partes. "Em razão disso, pode às partes não parecer oportuno, pos-
sível ou conveniente contratar de forma definitiva, plena e acabada,
mas será talvez mais inconveniente nada contratar, sob pena de se
perder toda a fase preparatória. Talvez necessitem as partes de com-
pletar maiores estudos, aguardar melhor situação econômica ou re-
mover algum obstáculo que impeça, naquele momento, a contratação.
Nessa premissa, partem os interessados para uma contratação prévia,
antevendo o futuro contrato". Assim, vaticinam CR1sT1ANo CHAVES E NELSON
RosENVALD 9, concebe-se "o contrato preliminar como um instrumento ca-
paz de preencher variados interesses práticos em uma ordem privada
essencialmente dinâmica e plural".

lo Atenção!
CRISTIANO CHAVES E NELSON RosENVALD 10 realizam importante aproximação entre a
figura dos contratos preliminares e os chamados contratos normativos.

8. VENOSA, Sílvio do Salvo. Teoria Geral das Obrigações e Teoria Geral dos Contratos.
10ª edição. São Paulo: Atlas, 2010, p. 432.
9. CHAVES DE FARIAS, Cristiano. ROSENVALD, Nelson. Curso de Direito Civil. Contratos.
Teoria Geral e Contratos em Espécie. Vol. IV. 4ª edição. São Paulo: Atlas. 2015,
p. 90.
Cap. 5 • Contrato Preliminar 195

o .:ortrr~t~ n~tro~tt)Íq. rlâ~ ôbrigá as: p~tt~s·ã1.


ma,s ac,a;s<>):~.sSi~ d~lib~r;ern~· o$i .· · · · ·· · d~~fut
..~nça;:
·fugir ào c~ntel!,dô ~i:>r/atj~êl~;?fs .·.....· : ~.i:~'. f!~~~~~·
do contra~o coietiv~ de tí'àbàlhd~ Esté:hMfe'fu . , ridã6' tj:· .•. . . ... . t1f
!e disciplin?r. os cor1.trato5:JlldiVid4âis d~tfàliâl~o, rh~s·•nxa';(lirn'rmas· ê
imprescindíveis cláusulas gerais destá contratação lndi~iatiàt · · ·
Registra-se, ~in~a: que o çoritrato norrri.<ltivo nã9 obrig~ ~ fig~ra futura.
d~ c?ntrato 1~d1v1dual de trab~lho. ~n~remETntes~ se esta ~gwa; fut'ur?,
existir, havera de seguir as estrpulaçoes do contrato· normativo~ · ·
' ' f ' ' ' ,,; '

Derredor deste contrato preliminar - que nas lições de GusTAvo


T:_rrn~o, HELoísA HELENA BARBOSA e MARIA CEL1NA Boo1N DE MoRA1s", tem por fun-
çao asse~ra~ um contrato futuro cuja celebração, desde logo, é por
alguma razao mconveniente ou mesmo impossível" - que se passa a
aprofundar.

2. DISCIPLINA JURÍDICA NO VIGENTE CÓDIGO CIVIL


Inovando a legislação anterior, o Código Civil de 2002 dedica
toda uma seção ao tratamento dos contratos preliminares (CC, arts.
462 a 466).

A primeira notícia é que o contrato preliminar terá todos os


requisitos do contrato principal, à exceção da forma (CC, art. 4 62).
Infere-se, por conseguinte, que o contrato preliminar tem forma
livre, independentemente da forma exigida para o contrato princi-
pal. Nos demais temas formais, porém, o contrato preliminar equi-
para-se ao definitivo, tendo neste o seu paradigma.

.- E na hora da prova?
Ano: 2014 Banca: CESPE Órgão: Câmara dos Deputados Prova: Analista
Legislativo
Com relação ao direito dos contratos, julgue os itens a seguir.

10. Op. Cit., p. <:;O.


11. Código Civil interpretado. Conforme a Constituição da República. volume 11. Rio
de Janeiro: Renovar, 2006, p. 99.
196 Direito Civil - Vol. l3 • Luciano Figueiredo e Roberto f,'gueiredo

É possível a realização de um contrato preliminar que tenha por objeto


a obrigação de se concluir o contrato principal, devendo aquele, exceto
quanto à forma, conter todos os requisitos deste.

Gabarito: Certo

Segundo PAuLo Lõso 12, manteve o vigente Código a tradição na-


cional de liberdade de formas no contrato preliminar, a qual é im-
portantíssima para o seu corrente uso no Brasil. Ilustra-se com um
importante exemplo. Consoante o regramento do Código Civil, "não
dispondo a lei em contrário, a escritura pública é essencial à validade
dos negócios jurídicos que visem à constituição, transferência, modi-
ficação ou renúncia de direitos reais sobre imóveis de valor superior
a trinta vezes o maior salário mínimo vigente no País (CC, art. io8)".
Caso, porém, o negócio em comento seja um contrato preliminar,
sua forma será livre, pouco importando o valor do imóvel.
Nas lições de FLÁv10 TARTUcE' 3, o disposto no art. 462 do Código Civil
coloca um pá de cal sobre o assunto forma do contrato preliminar,
deixando cristalino que por decorrência do consensualismo contratual,
o contrato preliminar é informal, sendo nesta figura enfatizado o ideal
de liberdade de formas (CC, art. 107). Não há, portanto, nenhuma
atração de formas entre a figura definitiva e a preliminar, como bem
ensinam CR1sr1AN0 CHAVES E NELSON RosENVAL0' 4 • Assim, arremata FLÁv10 TARTUCE' 5
que "mesmo que o contrato definitivo deva ser celebmdo por escritura
pública, o preliminar pode ser lavrado por instrumento particular".

~ E na hora da prova?
A banca examinadora CESPE, em prova de concurso público realizado para
o cargo de Juiz do TJ-AC, ano 2012, considerou correta a seguinte alterna-
tiva: "Não se exige que o pactum de contrahendo seja irtStrumentallzado
com os mesmos requisitos formais do contrato definitivo a ser celebrado,
ainda que se exija, para este último, a celebração por escritura pública."

12. Op. Cit., p. 106.


13. TARTUCE, Flávio. Manual de Direito Civil. Volume Único. 4" edição. São Paulo:
Editora Método, 2014, p. 609.
14. Op. Cit., p. 94.
15. TARTUCE, Flávio. Manual de Direito Civil. Volume Único. 4~ edição. São Paulo:
Editora Método, 2014, p. 609.
Cap. 5 • Contrato Preliminar 197

.- E na hora da prova?
Ano: 2013 Banca: CESPE Órgão: TRT - Ba Região (PA e AP) Prova:· Analista
Judiciário, - Área Judiciária
Acerca dos contratos, assinale a opção correta.
a) s~rá nulo.() contrato qe, Pr~stação de serviços com prazo de dez
anôs d~. dúráçiio, por ofender norma de ordem pública.
b) Dada a impessoalidàde do contrato de .prestação .de serviços, o
prestador pode, mesmo sem autorização da outra parte, fazer com
que terceiro execute o serviço.
c) Se rio contrato de ádesão houver cláusulas ambfguas, o aderente
terá direito à decretação de sua nulidade.
d) Em se tratando de contrato de empreitada, não há responsabilida-
de solidária do empreitante pela indenização de acidente sofrido
por trabalhador contratado e dirigido pelo empreiteiro.
e) Ainda que para o contrato definitivo seja exigida a celebração por
escritura pública, o preliminar pode ser lavrado em instrumento
particular.
Gabarito: e

., Atenção!

Obviamente, porém, que toda liberdade em direito não é absoluta.


Malgrado a forma livre, curvar-se a promessa aos ditames do, art. 227
do Código Civil e 401 do Código de Processo Civil, para os quais negó-
cios que ultrapassem ao décupl<;> do salário, mínimo vigente não admi-
tem provâ 'exclusivamente testemunhal.Logo, em 'COntratóS prelimina-
res que envolvamol)jetosacima do mencionado valor, o caminho é sua
confecçilo através de instrumento escrito. ,

D'outra banda, nada impede que o contrato preliminar seja


mais extenso do que o definitivo; em vice e versa. Como ensinam
PAsLo SrnLZE GAGUANo e RoooLFo PAMPLONA F1LH0' 6 , são figuras independen-
tes, exigindo-se apenas que o preliminar tenha todos os requi-
sitos essenciais do principal (existência e validade); à exceção
da forma. Nessa esteira, caso o contrato principal demande, por

16. Op. Cit., p. 188.


198 Direito Civil - Vol. 13 • Luciano Figueiredo e Roberto Figueiredo

exemplo, vênia conjugal - fato que notadamente soe ocorrer em


compras e vendas de imóveis (CC, art. 1.647, 1) -, também a exigirá
o preliminar'7 •

~.· i: n<Ji~o~ ~ prqva? .


À tiari(;~ e~~.Ôiinaâórâ CESl"E, em prova concurso público realizadode.
para o prbvimento (lo cargq d(! Juiz do TJ"AC, ano 2012, considerou in-
correta. a segutiite. alternativa: "Nos termos do código Civil, o contrato
provisório constitui ~vença na qual os contratantes prometem comple-
mentar-o ajuste futuramente, no contrato definitivo, não se exigindo a
outorga uxória de contraentes casados, pois, no contrato provisório,
não se perquirla aptidão para validamente alienar.,,.

• eom'o se posic::í9n(lu ~ SuflERIOR TRIBÚNAL FEDERAL sobre o tema?


Haveria atgtín:trPr~Juíz() no:' fato dç> contrato preliminar não .veicular
todo. 0·91lj~to âô ptindpál7•1•. · <. • .
, ' _ "'-'.,'_:--:_'-:t·.;~0"··-~::-_· ,i.,-l:.::,,_,.:.'_;··-Í.·;::'_:,,,_,,,,-~-- - - .- :"•
o tema,~co11~0~ntefos ens.1name~tos de GusrAv~ TEPEOtNo; HEtotsA HE°'.tllÍ BAR-
.•... "•~ÉúN~.SpÍllN Q~,MoÍiA1$'8;.;t>or: muito tempo f()ra oojeto.de largo
· · · ·· !~p~uÇtell.êlaL Fa:to~ p(j.fém, que d.es~e. o .céle-
ao;~~ pu a jurisprudência do SuPREMo. TR•.-
·. · · .· · •· ...... 'J~r látlo, aduzindo que a ausência de
a-w~'º':cºrit~'t(t~preliminar é fator irnpedltivo de
. ~~Yfü.d~fll'Íitiv~:a,travé~ detutelt:t específü:;a; porém
riãij'êieteW'~n ··~~tâiàJr)'lpbssi6ifitàr ópedido'de pétdas e·da.nos (STF,
2 r:)~~ 8$~7\J..6)'.~efo
,.,,, ,.', '.-·'•"
Min~·MQreira
' ,_" ._. -
Al~es,. JIJh :1.1;09.1979);

Seguindo no tratamento relacionado ao contrato preliminar, fir-


ma o Código Civil a regra geral de sua irretratabilidade (CC, art.
463). Assim, caso o contrato preliminar não tenha uma linha sequer
sobre direito de arrependimento, não veiculando cláusula de retra-
tação, será o aludido pacto irretratável.
Inexiste, porém, impeditivo para que o contrato preliminar
veicule uma cláusula de arrependimento. Alias esta é até mesmo

17. Para aprofundamento do tema vênia conjugal, indica-se a leitura do capítulo


dedicado ao casamento, especificamente no volume de família e sucessões.
18. Código Civil Interpretado. Conforme a Constituição da República. Volume li. Rio
de janeiro: Renovar, 2006, p. 100.
Cap. 5 • Contrato Preliminar 199

muito usual, sendo, muitas vezes, atrelada a arras penitenciais, as


quais "quantificam o preço da desistência", trazendo uma penitên-
cia"'. Assim, se A realizou contrato com B no qual restaram entabu-
ladas arras penitenciais de RS 10.000,00 (dez mil reais), pagas por
A a B, se A desistir do pacto, perderá o valor de RS 10.000,00 (dez
mil reais) adimplidos. Caso, porém, B desista, haverá se pagar RS
20.000,00 (vinte mil reais) a A - devolução dos RS 10.000,00 (dez mil
reais) pagos por A, somados à penitência dos outros RS 10.000,00
(dez mil reais).
Nessa ordem de ideais, decorrerá a cláusula de arrependimento
da autonomia privada das partes, a qual é apta a restringir o inicial
caráter irretratável da promessa. Caso presente a cláusula de arre-
pendimento, poderá a parte notificar (denunciar) a contraparte, com
o escopo de resilir unilateralmente o pacto outrora firmado.
Concordamos, porém, com CR1sr1AN0 CHAVES E NELSON RosENVAL0 2 º no
sentido de que a prerrogativa de denúncia, quando presente a
cláusula de arrependimento, há de ser exercitada com tempera-
mentos, sob pena de ocasionar abuso de direito, apto a gerar res-
ponsabilidade civil objetiva (CC, art. i87). Não nos parece possível,
por exemplo, o arrependimento após o pagamento da última par-
cela do contrato. O comportamento concludente da parte que rece-
beu as parcelas seria contraditório ao seu ulterior comportamento
denunciativo do contrato, verificando-se o abuso pelo viés do nemo
porest venire contra factum proprium (proibição do comportamento
contraditório) e quebra do princípio da confiança.

.- E na hora da prova?
Em prova de concurso público realizada para o provimento do cargo de
Promotor de Justiça do MPE-PR, ano 2011, considerou INCORRETA a seguinte
alternativa: "O direito de arrependimento é ínsito à natureza do contrato
preliminar, que não pode, assim, ser objeto de execução específica."

19. Arras penitenciais traduzem um valor pago a título de sinal - visando marcar o
início da execução contrato - e devido pelo desistente em favor do prejudicado.
Para aprofundamento do tema, indica-se a leitura do capítulo dedicado ao tema
no volume de obrigações e responsabilidade civil.
20. Op. Ct., p. 97.
200 Direito Civil - Vol. 13 • Luciano Figueiredo e Roberto Figueiredo

>' E na hora da pr<>va?


Em prova de concurso público realizado para o provimento do cargo
de Juiz do TJ-SE, ano 2008, a seguinte alternativa foi considerada INCOR-
RETA: "O contrato preliminar é preparatório para um negócio definitivo
e destina-se a dar segurança às partes que querem celebrar o contra-
to; por essa razão é vedada a cláusula de arrependimento."

Seguindo no tratamento do tema no Código Civil, o contrato


preliminar deverá ser levado ao registro competente (art. 463, pa-
rágrafo único). No caso de imóveis, como bem pontua CA10 MÃR10 oA
S1LvA PERE1RA 21 , o registro competente será o de imóveis. Segue o autor
firmando que na casuística dos móveis, será o Registro de Títulos
e Documentos.
Como é consabido, a utilização da expressão deverá remeter a
uma obrigação. Mas, então, fica a dúvida: o que acontece se não
houver o aludido registro?
A doutrina, com o escopo de conservação d<>s atos, advoga
a tese de que a ausência do registro apenas impedirá a eficácia
erga-omnes do contrato. Assim, não tocaria o registro a validade do
pacto, mas apenas seus efeitos perante terceiros. Então, não exis-
tindo registro, o contrato será válido entre as partes, mas ineficaz
perante terceiros.
Certo, porém, que o registro é capaz de conferir importante
segurança ao contratante, impedindo práticas ilícitas. Impossibilita,
por exemplo, que uma incorporadora aliene o mesmo imóvel a
mais de uma pessoa, simultaneamente.
Como proceder na hipótese de descumprimento de um contrato
preliminar?
Veiculando tratamento processual sobre o tema, o legislador
civilista, nos arts. 464 e 465, regula derredor da tutela específica
do descumprimento do contrato preliminar. Curvando-se aos ideais
processualistas mais recentes, firma que diante do inadimplemento
do contrato preliminar poderá o prejudicado:

21. Instituições d e Direito Civil. Vol. Ili. p. 90.


Cap. 5 • Contrato Preliminar 201

a) Valer-se de tutela específica, requisitando ao juiz que subs-


titua à vontade do inadimplente e confira caráter definitivo
ao contrato preliminar, salvo se isto se opuser à natureza da
obrigação (CC, art. 464).
Por exemplo, se há uma promessa de locação e o locador nega-
-se a realizar o contrato definitivo, poderá o magistrado substituir
à sua vontade e fazê-lo, através de tutela específica.
b) Entrementes, se a natureza da obrigação não permitir (obriga-
ção personalíssima, infungível), ou não houver mais interesse do
credor no cumprimento (CC, art. 395, parágrafo único), valer-se-á
o contratante prejudicado das perdas e danos (CC, art. 465).
Vê-se o seguinte exemplo: caso contrate-se preliminarmente um
determinado e famoso cantor de ópera e ele não compareça e negue-
-se a ir, não há com substituí-lo, resolvendo-se em perdas e danos.

>' E na hora da prova?


Ano: 2014 Banca: VUNESP órgão: TJ·SP Prova: Titular de Serviços de Notas
e de Registros - Remoção
A propósito dos contratos, assinale a alternativ~ correta.
a) Tanto a cláusula resolutiva expressa, quanto a tácita, para opera-
rem os seus efeitos, dependem de interpelação judicial.
b) No contrato aleatório, por dizer respeito a coisas ou fatos futuros,
se não vierem eles a existir, o contrato simplesmente se resolve,
com o retorno das partes ao status quo ante, ainda que um dos
contratantes tenha assumido esse risco, em razão do princípio que
veda o enriquecimento sem causa de qualquer contratante.
c) A venda de ascendente a descendente é nula de pleno direito,
ainda que hajam nela consentido, expressamente, os outros des-
cendentes e o cônjuge do alienante.
d) Se o estipulante não der execução ao contrato preliminar, poderá
a outra parte considerá-lo desfeito, e pedir perdas e danos.
Gabarito: d

3. CLASSIFICAÇÃO DO CONTRATO PRELIMINAR


Classificar é um ato doutrinário. Logo, a depender do autor con-
sultado serão verificadas variações sobre o tema.
202 Direito Civil - Vol. 13 • LUciano Figueiredo e Roberto Figueiredo

MARIA HELENA D1N1z 22 veicula em sua obra importante classificação


derredor dos contratos preliminares. Assim, vaticina a Professora
Paulista que há, basicamente, dois tipos de contrato preliminares,
batizados como compromissos de contratos. São eles o Compro-
misso Unilateral de Contrato ou Contrato Opção e o Compromisso
Bilateral de Contrato.
PABLO SroLZE GAGLIANo e Rooou=o PAMPLONA F1LH0 2 ~ denominam tal clas-
sificação enunciada como Quanto à Retratabilidade do Contrato
Preliminar, aduzindo que os pactos poderão ser unilaterais ou
bilaterais.
ANA PRATA 24 chega a informar, em monografia específica sobre
o tema, que as promessas unilaterais e bilaterais apresentam-se
como "instrumentos negociais funcionalmente tão diversos que será,
no mínimo legítimo, questionar a justeza de sua classificação como
meras subespécies de um mesmo título". Fato, porém, que o Código
Civil reuniu as figuras unilateral e bilateral sob o título do contrato
preliminar.
fLÁv10 TARTUcE2 s informa que o Compromisso Unilateral de Contrato
(CC, arts. 463 e 465) consiste na hipótese em que somente uma das
partes assume um dever, uma obrigação de fazer um contrato defi-
nitivo. Nessa senda, para a contraparte há uma opção de celebrar
o contrato definitivo.
Tal modalidade de contrato ôpção está prevista no art. 466 do
vigente Código Civil, para o qual "se a promessa de contrato for
unilateral, o credor, sob pena de ficar a mesma sem efeito, deve-
rá manifestar-se no prazo nela previsto, ou inexistindo este, no que
lhe for razoavelmente assinado pelo devedor". Consoante o dito
por PAULO Lõso 26, o prazo para cumprimento, quando inexistente

22. DINIZ, Maria Helena. Curso de Direito Civil Brasileiro. Teoria Geral das Obrigações
e dos Contratos. São Paulo: Editora Saraiva, 2011, p. 642.
23. Op. Cit., p. 188.
2 . PRATA, Ana. o contrato Promessa e o seu Regime Civil. Coimbra: Alrnectina, 2001,
4
p. 186.
25. TARTUCE, Flávio. Manual de Direito Civil. Volume Único. 4ª edição. São Paulo:
Editora Método, 2014, p. 609.
26. Op. Cit., p. 106.
Cap. 5 • Contrato Preliminar 203

no contrato, será assinalado livremente pelo credor, através de


notificação judicial ou extrajudicial à outra parte, com certificação
de recebimento.

~ E na hora da prova?
Ano: 2009 Banca: FUNRIO Órgão: ELETROBRAS-FURNAS Prova: Advogado .
Em relação ao contrato preliminar, segundo o Código Civil/2002, é cor-
reto afirmar que · ·
a) o contrato preliminar, inclusive. quanto à forma, dev~ é:0 ntertodos
os requisitos essenciais ao çontrato a ser celebràdo. ··
b) se o estipulante não der execução ao contrato preliminan não. Pº"
derá a outra parte considerá-lo desfeito, e pedir perdas e danos~
e) se a promessa de contrato for unilateral, o credor, sob pena de
ficar a mesma sem efeito, deverá manifestar-se no prazo nela pre-
visto, ou, inexistindo este, no que lhe for razoavelmente assinado
pelo devedor. /

d) o contrato preliminar não precisa ser levado ao registro competente.


e) esgotado o prazo, poderá o juiz de ofício, suprir a vontade da
parte inadimplente, conferindo caráter provisório ao contrato pre-
liminar, salvo se a isto se opuser a natureza da obrigação.
Gabarito: c

o clássico exemplo deste compromisso unilateral era o arren-


damento mercantil ou leasing, figura contratual na qual o arren-
datário poderia assumir a opção de compra do bem, ao final do
contrato, mediante pagamento do VRG (valor residual garantido).
É o sistema, a grosso modo, denominado como locação com opção
de compra.

1- Atenção!
Há determinados contratos de leasing nos quais o VRG é cobrado de
forma antecipada, no curso do pacto, mês a mês. Tal conduta; nas
pegadas da Súmula 293 do SUPERIOR TRIBUNAL oE Jusr1çA, não descaracteriza o
arrendamento mercantil.
Curioso perceber que aqui houve mudança do posicionamento do STJ,
que entendida, na cancelada Súmula 263, que a antecipação do VRG
descaractedzaria a figura do arrendamento mercantil.
204 Direito Civil - Vol. 13 • Luciano Figueiredo e Roberto figueiredo

Ressalta-se, ainda, que S1Lv10 oo SALVO VENOSA21 defende diferenciação entre


o pacto de opção e o contrato preliminar unilateral. Segundo o autor
são negócios que partem de premissas distintas. Consistirla a opção
em um negócio rio qual o ofertante é obrigado a manter a oferta por
dado lapso temporal, conferindo à outra parte a .opçãb de aceitá-la, ou
não, dentro daquele prazo. Em .aceitando, dentro do lapso, temporal,
haverá forrnaçãp do contrato ,inqepe~del)tement,e de nova manifes-
tação dê vontade.ªº ofertailt~.'d oblato (à.ceitarite), portanto, possui
direito potestativo, Exemplifica o ~lltor com o Pact() de opÇ~o com a re-
serva de compra; e aquisiÇão cif:! serviços. Ocbrre, por exemplo, quando
se reserva uma inesa no restaurante, havendl> a opção de assegurar a
reserva desde que se chegue no horário.

Aprofundando na diferenciação, CRISTIANO CHAVES E NELSON ROSEllVALIJ28 afirmam


que a promessa unilateral, em regra, exigirá o contrato definitivo; en-
quanto que pacto de opção já é o contrato em si, conferindo a uma
das partes direito potestativo de impor, ou não, o contrato, desde que
atenta ao prazo decadencial entabulado.

Já no compromisso bilateral de contrato (CC, art. 466) as duas


partes assinam o instrumento, conjuntamente, e assumem, a obri-
gação de celebrar um contrato definitivo. Há, neste caso, segundo
CRISTIANO CHAVES E NELSON ROSENVALD 29 , um caráter sinalagmático, com de-
veres recíprocos. Obviamente que para esta figura ser plenamen-
te exigível, até mesmo mediante tutela específica, mister que no
contrato preliminar não conste cláusula de arrependimento, nas
pegadas do art. 463 do Código Civil. Exemplifica-se com a promessa
de venda e compra de imóveis.
Seguindo no estudo da classificação do contrato preliminar, PABLO
SroLZE GAcuANo e Rooo1.rn PAMPLONA F1LH0 3º propõem uma nova classifica-
ção: afeta apenas as promessas bilaterais e dizendo respeito à sua

27. Teoria Geral das Obrigações e Teoria Geral dos Contratos. 10• edição. São Paulo:
Atlas, 2010, p. 433.
28. urso de Direito Civil. Contratos. Teoria Geral e Contratos em Espécie. vai. IV. 4•
edição. São Paulo: Atlas. 2015, p. 102.
29. Curso de Direito Civil. Contratos. Teoria Geral e Contratos em Espécie. Vol. IV. 4•
edição. São Paulo: Atlas. 2015, p. 94.
30. Novo Curso de Direito Civil. Contratos: Teoria Geral. Vol. IV. Tome L 1ia edição.
São Paulo: Saraiva, 2015, p. i90.
Cap. 5 • Contrato Preliminar 205

retratabilidade. Com efeito, na promessa unilateral não faria senti-


do uma cláusula de arrependimento, pois, pela gênese do contra-
to, apenas uma das vontades será relevante para implementação,
ou não, da avença.
Pois bem. Quanto à retratabilidade os contratos bilaterais serão
retratáveis ou irretratáveis. Recorda-se que a presunção é de irre-
tratabilidade, salvo se houver cláusula de arrependimento, como
já pontuado (CC, art. 463).
Arrematando a classificação dos contratos preliminares, informa
ORLANDO GoMEs 31 que as promessas podem ser classificadas quanto à
onerosidade, sendo onerosas ou gratuitas. As onerosas são aque-
las na quais o exercício do direito de exigir o contrato definitivo
demanda contraprestação pecuniária. Já as gratuitas, não deman-
dam este pagamento.

4. É POSSÍVEL A PROMESSA DE DOAÇÃO


Dúvida interessante diz respeito à exigibilidade da promessa de
doação pura. Afinal, caso eu realize uma promessa de doação pura
e não a cumpra, o promitente donatário poderá exigir a entrega
judicial do objeto, através de tutela específica?
Afirma CR1snANo CHAVES E NELSON RosENVALo 32 que "a doutrina clássica
reputa inaceitável a extensão dos domínios dos contratos prelimina-
res ao contrato de doação". De fato, execução forçada e doação
pura parecem ser ideias que não caminham lado a lado. Isto, por-
que, o promitente doador está a desfazer-se de algo sem nenhuma
contraprestação pecuniária, por mera liberalidade. Assim, exige-se
que a intenção de doar (animus doandi) seja atual, pois este é o
fato gerador, a causa do contrato.
Logo, caso feita a promessa não seja intenção de doar quando
da confecção do contrato definitivo, doação não haverá. Animus
doandi atual seria condição sine qua non para aperfeiçoamento do

3i. GOMES, Orlando. Contratos. 24 ed. Rio de Janeiro: Forense, 2001, p. 135.
32. Curso de Direito Civil. Contratos. Teoria Geral e Contratos em Espécie. Vol. IV. 4•
edição. São Paulo: Atlas. 2015, p. io2.
206 Direito Civil - Vol. 13 • Luciano Figueiredo e Roberto Figueiredo

negócio principal. Nessa esteira de pensamento, como bem pontua


AGosr1NHo ALv1M3 3, "a promessa de doação poderá ser retratada até o
último instante, admitindo o arrependimento da liberalidade".

~·•. ~~0~1~,i~~n().~P ~l'ERI()~ JRlBUf'AL DE JusnÇA ~bn! p tema?


o
E~\6r~{râf()Jqtg~d~•.~o~~~. ~ssiínto~ o suPER10R TR1su~ oE J11ST1çA Ontorma-
tivo.:2~9;;Yââfí149.' ·a~\~big:~O(!~} .~.~s~verpu p~t:a inexigibllldílde. da. pro-
messa de''doaçtei;p~r:<:()nta•dà n.ete~sidáde ae atualidade do anímus
dóandk cit.a~se~ • ·.. i : ..· . .
1
. ·

PROME'.ssk llP~~~~'PJ~~~CONl:Rf\TO.•.
No caso d·o~.autos, Ó réucomprometeu,se a doar parcela de imóvel que
pende de regulàrizàc;ão acerca da propriedade ou, na impossibilidade,
percentualequivatente do aferido. com sua utilização ou aproveitamen-
to. Destat?IJ o Mjn. Relator gue o objeto central da avença firmada entre
as partes é a realização de futuró contrato, esse principal, de doação.
Logo~ o at:erto que.move a presente ação de cobrança. é contrato pre-
llmin.ar ou. pré~.c:ontrato. A inien~p clP .doador de .Praticar um ato de
Hberalidade é· o q4e se· considera req~islto ·inc:lispEmsável para a con-
figuráé;ão do cp.ntrato de doação~ se, no momento da celebração do
contrato pr~lirninar~ por\ óbvio, .estará presen!e a intenção de efetivar a
doaÇão .futurâi. não se
há cô~~ àfl.~r,n~r, .com tal. certez~, se, ªº·tempo .da
celebràÇã'ô •do tof)~~to prirtcipar, ~übsistirá a livre. determinação do do·
ador\de'eféil\r.lr'ó át()'M liberaliâ11de; ES<:tareceu o Min. Relator. que, se
não hâ :espôrttâtieidá~~i'ffo 0ató de doar no momento da celebração do
C()nt~t().defi.flltfvo~~~~·P.()ct':' C)COJ'r~r !> contrato~.E. ln casu• toma~do~se
em 'tonta'. ~Üe;'i içãô ~~ c;o.l>ran~ sul>Jacente é.. movida por contrato
prel(minàr<f~~ÓéiÇjC);pt.Jra,e~:paci:indo·do'pre~sup.psto de que tál aven•
ça ~ inexigíve.l Júdlçialíl:lente/re;vél~.:se à patente carência d.o direito de
aÇãq.; .especifl~menteq~ltJ razãc> fta impossibilidade Jurídica do •pedido,
· dey~odo, por;tanJo• .s~r extif!~()~P.h~lt.o.i;.~n;t .~x.~.me .do m~rito nos termos
do. ~rt 2~7~ VI;: d() crq. ls.sa p6;std1:à Tur111a, ~()'prosseguir o Julgamento,
conhecet(Q<Úí?türsd dó réu e.d~u·lhe proyim~nto. Preiudkad(). o exa-
me Cio recurso da' auti>ra: Preced~ntes Citados Cio STF:RE 122.054-RS, DJ
6/8/l.993; RE 1Ô5;862-PE, DJ 2ó/9/1tjá5; éÍo STJ: REsp 92.787-SP, or
26/5/1997.
(REsp 730,626-SP. Rék fy1in. Jorge si.l~rtezz.ii;.i,. julgado em 3/10/2006).

Nessa linha de intelecção, concordamos com PoNTEs oE M1RAN0A34


no sentido da impossibilidade de execução específica na promessa

33. Agostinho Alvim. Da Doação. p. 43.


34. PONTES DE MIRANDA, Francisco Cavalcanti. Tratado de Direito Privado. Vol. XLVI. p. 261.
Cap. 5 • Contrato Preliminar 207

de doação, restando, porém, ao prejudicando, eventual busca de


ressarcimento por perdas e danos. Na mesma linha de pensamento
coloca-se a doutrina de ANA PRATA 35, ao ensinar que a promessa de
doação pura é uma promessa precária, pois nela não é possível o
cumprimento forçado da obrigação, mas sim meras perdas e danos.
Enxergamos, inclusive, reparação por quebra de boa-fé e con-
fiança, na forma de abuso de direito, mormente da nemo postest
venire contra factum proprium (proibição do comportamento contra-
ditório), haja vista a quebra da expectativa ocasionada. De fato, se
houve comportamento concludente no momento da promessa de
doação e posterior comportamento contraditório apto a negar o
contrato definitivo, claro está a quebra de confiança e o comporta-
mento contraditório apto a caracterizar abuso de direito e conse-
quente responsabilidade civil objetiva (CC, art. 187).
E na hora da prova?
A banca CESPE, em prova de concurso público realizada para pro-
vimento do cargo de Juiz do TJ-PI, ano 2012, considerou a seguinte
alternativa INCORRETA: "Com o advento do Código Civil de 2002, a
promessa de doação que seja ato de liberalidade passou a encerrar
manifestação de vontade válida e, portanto, exigível na via judicial."

.- Atenção! . .
Digno de nota que há impertante ~osiciónament6 minoritário n.ó Brà.~il
admitindo .a exigibilidade da promessa de' do~ç~() pur~; (!om força 11os
princípios da, boa.·fé e fun.çíi:cr socla,t'do~ •co~!~~tps:::;Mll!lfA' CE~t~AiB()o1t1, oÉ
MORAIS36 deféf'lde quea·proméssa.de •d()aÇ~o•'eV,~Íféf~~:$el1dO exéquívél
atravé5. de ação COrlljnatprl~. S~gue. a:áq~?ra:) . . . . ··.·· ~.·() i~Ol(Jl~S
doandt n~c> é causá.cia'd~â(;ão, •. ,ma~áf>~r:i('•'.. . . ·. ·. ,o'bsicqlpgl.C:a ·
do indMduo, particular, qué. não'.déve,.sifr.abraÇac:la>pélo direito.
Seguindo; este p<>sicionamen,to minóritá17i() ;;.. o ql'.íãl.1icomo vist~; ·contê- ·
re exigibilidade à promes,sa de doação - ÇR1snArio (::!lAVEs oE FA.mAs E Ne~soN
RosENVAID veiculam três argumentos a favor da exigibilidade do contrato:

35. PRATt., Ana. o Contrato Promessa e o seu Regime Civil. Coimbra: Almedina, 2001, p. 37.
36, MORAIS, Maria Cetina Bodin de. Notas sobre Promessa de Doação. ln: NANNI, Gio-
vanni Ettore (coord.). Temas Relevantes do Direito Civil Contemporâneo. PRATA,
l\na. O Contrato Promessa e o :;eu Regime Civil. Coimb~a: Almedina, 2001, p. 37.
208 Direito CiVll - Vol. 13 • Luciano Figueiredo e Robe:rto Figueiredo

Primeiro Argumenta - o Código Civil, ao tratar do gênero contrata preli-


minar (CC, arts. 462 a 466), nãó excluiu a promessa de dóaçãa;
Segundo Argumento - O Código Civil adere à tearià da confiança, cami-
nhando com o ideal da boa-fé com apto a gerar uma postura leal e cola-
borativa. Logo, se fora prometida a doação, a mesma há de .ser cumprida;
Terceiro Argumento - Como.contrato preliminar que o é, a. promessa
d.e d,oaç~o. pr:es1.1me,i;;e irretratá11el (CC, art. 463), Assim; .ressalvada a
hipótese.em Que haja cláusula expressa de arrependimento, presume-
-se esta promessa com() irretratável. e exigível.

No que tange à doação com encargo, a dinâmica será outra, pois


no pacto há exigência de um ônus acessório. Nesse cenário plena-
mente possível, parece-nos, a exigibilidade da doação, desde que
adimplido o encargo, como bem posto por CA10 MÁRIO oA S1LvA PEREIRA 37 •
Caminhando com a doação com encargo, percebe-se a existência
do Enunciado 549 do CoNsELHo DA Jusr1çA FEDERAL, segundo o qual "a pro-
messa de doação no âmbito da transação constitui obrigação positiva
e perde o caráter de liberalidade previsto no art. 538 do Código Civil".
Trata-se de enunciado criado com o intuito de ocasionar exigibi-
lidade às doações pactuadas em transações, a exemplo de disso-
luções de sociedades conjugais. Se restar pactuada a transferência
de um imóvel em um acordo de divórcio, não é possível o arrepen-
dimento posterior, tendo, tal doação, força vinculante. o mesmo
raciocínio se aplica a eventuais transações sucessórias, nas quais
restou pactuado promessa de doação. Em ambos os casos não há
uma promessa de doação pura, mas sim onerosa, pois fruto de
uma transação, com concessões recíprocas e coisa duvidosa. No
particular concordamos com CRISTIANO CHAVES E NELSON RosrnvAw3 8 •

.. Com se pronunciou o SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA eo SUPREMO TRIBUNAL


FEDERAL sobre o tema?

A lógica do citado enunciado 549 vem sendo aplicada de forma vee-


mente para promessas de doações entre casais ou quando o casal

37. SILVA PEREIRA, Caio Mário. VoL llL p. 160-161.


38. Curso de Direito Civil. Contratos. Teoria Geral e Contratos em Espécie. Vol. IV. 4•
edição. São Paulo: Atlas. 2015, p, 105.
Cap. 5 • Contrato Preliminar 209

rea:flza , ~fu~ 9,oaÇât~ .'têf~~tre· •.a.·•..~· ·.·.u· p3r0•f:aw!.·.• ~. o'.·s.ud.•·.." A"·~.: • '"~º.o·.•.·.·,a·.r··...t.:·.·.·.ã·.·ª.•o\NI.· ." ·. e.·.~·m·.·.F·.·~.e:.E•ra•.A I·..· · ·~.· ·R.e· ·. ·Er.· ,
lnacti;nis~fv~J.,f,~t~t,~1~?~
.·.:•.·. . '. ..E'.'····.M··
.. .•.

-o 1
· ..•.

"
l229~4f~t~~~~~~~ff~), :a·negíqfu .· · :~~i~~~~.o.cta p~9{11essa
de dpação. àó' .c~nJ1Jg~ > os d~ casat (RE{1ó~P91/RSX. rals regras
Sã()':'~í>~L · ·· ' ·. · ,,;;{!~~f':'.lllR.rJ6'i~r,i.~9,~~p,~.~~,(,Í,r,dg.~jf~ diVór-

~io;is~~~
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tír1i6'
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···~r~;itisiç'~z~;.
' ,,. ' " " " 1" ,,,;.
'' ~it~ sucessório,
corno'firm~.·o SÚPERloRTRí~tÍNAL'oE'JuSTlçA.no'infõHWa .•. >· ''354; de2aas:·
DO~ÇÃo w~~~~s.1w~~D!T~~l·RS;;>~~0:gi, .) . :~':::;';j:{. ~·:·· .
•• i· ' , ,' ,·. . ' • ' '.·' ;; '
As partes:·:qúand<> daJaléÇímeofo·cio Cfeaijúsi(t>á,l~'tjlandó) é,it(a.~~r­
tura do inventário, enteoçl~ram firmar um cqntr'àfó particular' sobre à ·
cessão de direitas. dos filh,!>s par,a a rnãe, alé!l\ ;çla ,proi:nessa .c1e doação
quanto a todas os bens da. viúva meeira~. como forma de viabilizar a
partilha, Alega-se çlesobedeçida a necess~ria forma. pública, éontratada
a proibida herança de pessoa viva cor11 o usQ çle, it]devida promessa de
doação, além de existir coaçã(), em sua éelebraçãó: Nesta instância espe-
cial, diante. dessas peculiaridades, o Min. Reta.tor reconheceu a eftéácla
do instrumento particular para a: comprovaçãô "d<)íiegócio entabulado.
O Min. ~i Pargendler,, ertl seu yota-visJa,. a~_..àtompa,nhá-lo, aduziu, que
a promessa, ·no caso, caracterizar-se-ia.. c()mo 1.1ma condição do neg6-
cio~. não· seria jlpenas mera liberalldide. Já o vóta-vista da Min. Nancy
Andrighi; também to'nformé corri o do Relator,: afastou da cessão dos
direitos hereditários a passibilidade de se aventar renúncia e ressaltou
que, apesar de consumada em instrumento particular, essa manifestação
dos herdeiros recebeu a homologação do.juíz<>.mediànte termo. próprio
lavrado nas autos: mesmo inquinada de nula a posterior promessa de
doação, permaneceria íntegra a cessão; quisessem desconstituir a parti-
lha, deveriàm pautar,se pelo disposto no àrt.'1.030. do CPC. No que toca
à promessa de doação, a Mio: Nancy Andrighi firmou não .haver interesse
dos recorrentes, pois; mesmo que anuléi,da; à viúva: meeira poderia, inde-
pendentemente .de promessa,. doar a seus fillJos ó patrimônio amealhado
nos mesmos t.ermos do. acorda que se quer invalidar. Anotou, também,
não haver prejuízo à legítima das herdeiros necessários, o que afasta a
violação da art. l.176 do CC/1916. Quanto à alegação de uma das rés de
que estaria na. pólo errad() da ação, para a Ministra, aqµele .Ql,le iniçial-
mente se. coloca totalmente. co.ntra as pretensões d.o. autor não póde,
simplesmente, no cursa da ação, advogar em prol âó demandante contra
os,dema.is~J:>()deria, 19yanda muita, abster-se de Hiita'.r e reçonhecer a
procedência .dó pedida~ sem pretender transferir,$e pàra ·o. pólo ativo.
(RE~p 853~:1,33.sc,. Ret origi.~~r;io1fiAJn •.Hum~ert!>LCom~s,de.aârr<"'s;.Reh . .Para
acátctão.Min.AriPargendler(art.52;1v,.b;d<>RlsTJ)';•julgâdoem6/5/2008).
210 Direito Civll - Vol. 13 • Luciano Figueiredo e Roberto Figueiredo

1> E na hor.J·~a ~rov~? ..•........ ·. . .


É.m·prov~·dê. ~()ot~r:so ~@Vco •. ~eal.tza~~ pa~a ·q provirnentodó cargo
de titular de ~erviço.sde n?tas e r~gistros, TJ-SP, ano 2011, considerou
a seguinte assertiva: lm:órreta'ko Miador, na .doação. corn ·encargo, não
pode revo?r p, libefin(,iade em raz~() do descumprimento do encargo,
apenas poClê dêrnanda:r .sua ~xecução. ~

5. A PROMESSA DE COMPRA E VENDA DE IMÓVEIS E O DIREITO REAL DE


AQUISIÇÃO
A promessa de compra e venda de imóveis, nas palavras de
CRISTIANO CHAVES DE FARIAS E NELSON RosENVAL0 39, consiste em uma "espécie
de contrato preliminar bilateral pelo qual as partes, ou uma delas,
comprometem-se a celebrar adiante o contrato definitivo de compra
e venda. É negócio de segurança, destinado a conferir garantias às
partes, quanto à relação substancial em vista".
FLÃv10 TARTucE4º recorda que o anterior Código Civil não disciplina-
va o compromisso irretratável de compra e venda de imóveis, mas
trazia apenas no campo dos direitos das obrigações a figura do
contrato preliminar, cuja eficácia era, tão somente, entre as partes.
Tal conduta, quando da vigência do Código anterior, ocasionará
grande enfraquecimento do instituto.
Explica-se. Quando do advento do Código Civil de 1916, segundo
MARIA HELENA D1N1z4 ' , tinha-se como plenamente possível, na promessa
de compra e venda, a desistência do promitente vendedor quando
da conclusão da construção do imóvel, mesmo com as parcelas já
integralmente quitadas pelo promissário comprador. Para que se
operasse a desistência, bastava a devolução atualizada dos valo-
res ao promissário comprador. Afirma a autora paulista que "como
o art. 1.088 do Código Civil de 1916 permitia que o compromitente,
antes de celebrado o contrato definitivo, se arrependesse, desde que

39. FARIAS, Cristiano Chaves e; ROSENVALD, Nelson. Curso de Direito Civil. Reais.
Salvador: Editora JusPodivm, 2014, p. 825.
40. TARTUCE, Flávio. Direitos das Coisas. São Paulo: Editora Método, 2015, p. 424.
41. DINIZ, Maria Helena. Curso de Direito Civil Brasileiro. Direito das Coisas. São
Paulo: Editora Saraiva, 2011, p. 642.
Cap. 5 • Contrato Preliminar 211

respondesse por perdas e danos, não tinha, portanto, o compromis-


sário-comprador nenhum direito sobre o imóvel, se, descumprida a
obrigação pessoal, não possuísse meios jurídicos para fazer com que
o vendedor lhe desse a escritura prometida".
Neste cenário era muito usual incorporadoras realizarem pro-
messas de vendas e compras, utilizarem do capital pago pelo pro-
mitente comprador para construir o imóvel e, quando da finaliza-
ção das obras, desfazer a promessa, devolvendo os valores pagos,
devidamente atualizados. A operação era vantajosa à incorporado-
ra porque ela acabava por alienar o imóvel a um terceiro por va-
lor superior àquele devolvido ao promitente comprador originário,
diante da valorização imobiliária do período.
O direito, obviamente, não poderia assistir a esta situação de
braços cruzados. Algo precisava ser feito, diante do completo des-
virtuamento do instituto e abuso das incorporadoras. Ao promi-
tente comprador mister seria assegurar um mecanismo efetivo de
aquisição proprietária. Tal se deu com o advento do Decreto-Lei n°
58 de dezembro de 1937. Com esta normatividade, a promessa de
compra e venda passou a ter natureza jurídica de direito real de
aquisição a permitir o ajuizamento de ação de adjudicação compul-
sória (art_ 16), acaso quitado o preço não houvesse transferência
proprietária. Para tanto, afirmava a normatividade que a aludida
promessa presumia-se irretratável, deveria estar quitada e devi-
damente registrada.
Com o passar aos anos, a normatização do supracitado Decreto-
-Lei fora ganhando corpo e sendo difundida em outras normas e
construções jurisprudenciais. A LE1 DE REG1STRos Púeucos (Lei 6.015/73) - em
seu art. 167, inciso l, letra 9 - prescreveu a possibilidade jurídica de
se registrar contratos de compras e vendas de imóveis, atenta à ne-
cessidade do registro para o exercício da adjudicação compulsória.

> E na hora da prova?


Em prova de concurso público realizado para o provimento do cargo
de Juiz d:> TJ·DF, a seguinte alternativa foi considerada correta: "O direi-
to à adjudicação compulsória, quando exercido em face do promitente
vendedor, não se condiciona ao registro da promessa de compra e
venda no cartório do registro imobiliário"
212 Direito Civil - Vol. 13 • Luciano figueiredo e Roberto figueiredo

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·. ·• t .3~{L: 1,:·?~~'
; t:.ti;;Y· . . ·.
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.cop)bater eV:ef:\t.,.,al~;P~~i~~ui
ll~tâ <:ti>· rlêgódo: i>~Wl~~fiéc:t&'t:>r'B
..... ~~dq.p.t~Çci{, .' -· ,.·r· · · : ·ir
b)~ s~rhu1â· ii1 '" .1 '! g;sêA 1icà º re8fme1d~;~ec~Ji~~~A,"~#~i~~:t2~~~3;, ªº
compromjsso·de compri: e: .\.lenda nã~: Inscrito no.rf;?jstro :1mobÍUCÍrlo,
salvo .se o. promitente YfTndedqr se ofjrigou a éfetu?rº J:lepôsito",.
e) Súmula i68.;; "Admit~-se a. Inscrição Imobiliáriq d~ ~~'ri-ipromí~so de
comprá e venda no curso da àção". . . . . ..

O Código Civil de 1916, porém, persistia defasado. Foi, então,


com advento do Código Civil de 2002 que o direito de aquisição do
promitente comprador fora elevado à categoria de um novo direito
real, como bem afirma MARIA HELENA D1N1z 42 • Tal pensamento é de logo
comprovado com a leitura do art. i.225, VII, do Código Civil, o qual
elenca o direito real do promitente comprador no rol taxativo de
direitos reais.

Sustenta FLÃv10 TARTucE 43 , lastreado na forte doutrina de CA10 MÁR10


DA SILVA PEREIRA, SERPA LOPES, MARIA HELENA ÜINIZ, GUSTAVO TEPEOINO, CRISTIANO CHAVES
DE FARIAS E NELSON RosENVALD que "na doutrina contemporânea, vários es-
tudiosos demonstram a natureza do compromisso de compra e venda
registrado como direito real de aquisição, tema que parece ter sido
pacificado pelo Código Civil de 2002".

Para o ilustre doutrinador o atual Código Civil "superando um


velho debate" pôs fim a outras teses doutrinárias minoritárias, se-
gundo as quais a promessa de compra e venda de imóvel devida-
mente registrada em cartório seria ou um direito real de gozo e

42. DINIZ, Maria Helena. Curso de Direito Civil Brasileiro. Direito das Coisas. São
Paulo: Editora Saraiva, 2011, p. 641.
43. TARTUCE, Flávio. Direitos das Coisas. São Paulo: Editora Método, 2015, p. 425.
Cap. 5 • Contrato Preliminar 213

fruição, como defendido por S1Lv10 RoDRIGUEs, ou mesmo um direito


real de garantia, na forma afirmada por DARcv BmoNE.
Em síntese é possível aduzir que no que tange à natureza ju-
rídica do compromisso irretratável de compra e venda de imóvel
devidamente registrado, existem, em uma análise histórica, três
posicionamentos •
Posicionamento 1) - Majoritário: A promessa irretratável de
compra e venda de imóvel devidamente registrada tem natureza
jurídica de direito real de aquisição da propriedade. Nesse sen-
tido caminham CA10 MÁRIO DA S1LvA PEREIRA, SERPA LoPEs, MARIA HELENA D1N1z,
GUSTAVO TEPEDINO, FLÁVIO TARTUCE, CRISTIANO (HAVES DE FARIAS, NELSON ROSENVALD, MARIA
CtuNA BoDIM DE MoRA1s E HtLofsA HELENA BARBOZA. Esta é a tese com a qual
concordamos.
Posicionamento 2) - Minoritário: A promessa irretratável de
compra e venda de imóvel devidamente registrada tem natureza
jurídica de direito real de gozo e fruição. Trata-se do posicionamen-
to de SILVIO RODRIGUES.

Posicionamento 3) - Minoritário: A promessa irretratável de


compra e venda de imóvel devidamente registrada tem natureza
jurídica de direito real de garantia, como pontua DARcv BEssoNE.
Repisa-se que o fundamento normativo para reconhecer tratar-se
a promessa de compra e venda de imóveis um direito real de aquisi-
ção do promitente comprador está estampado no art. 1.225, VII e i.417
e i.418 do CC/02, como também no art. 5º do Decreto-Lei 58/1937 e, fi-
nalmente, no art. 25 da Lei Federal no 6.766/79. É o que afirmam CRISTIANO
CHAVES oE FARIAS E NELSON RosENVALD44 , bem como MARIA HELENA D1N1z45 •

,, CoMO o SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL já entendeu o .tema?


Na súmula 413 o SuPREMO TRIBUNAL FEoEAAL entendeu que "(} compromisso de
compra e venda de imóveis, ainda que não loteados, dá direito a ex.ecu-
ção compulsória, quando reunidos os requisitos legais".

44. FARIAS, Cristiano Chaves e; ROSENVALD, Nelson. Curso de Direito Civil. Reais.
Salvador: Editora JusPodivm, 2014, p. 826 e ss.
45. DINIZ, Maria Helena. Curso de Direito Civil Brasileiro. Direito das Coisas. São
Paulo: Editora Saraiva, 2011, p. 643-644.
214 Direito Civil - Vol. 13 • Luciano Figueiredo e Roberto Figueiredo

Destaca-se que a inserção do tema dentro da seara dos direitos


reais - contemplado, inclusive, no rol taxativo do art. i.225 do Có-
digo Civil - é o grande destaque deste assunto em relação à Codifi-
cação pretérita. Tal evolução, diga-se, veio em boa hora. O instituto
em apreço é de grande relevância constitucional, pois dialoga com
o direito à moradia (ar. 6°, CF/88), a função social da propriedade
(CF, art. 5°, XXII e XXlll) e toca à ordem econômica (CF, art. 170).
Ademais, em tendo nítida relação com contratos e possíveis
relações de consumo, não se olvida a aplicação do Código de De-
fesa do Consumidor sempre que se verifique a presença de um
fornecedor e de um consumidor na relação contratual, em atenção
aos arts. 2° e 3° da Lei Federal n° 8.078/90. O Código de Defesa do
Consumidor é normatização cogente e de ordem pública, merecen-
do destaque e preferência de aplicação em promessas de compras
e vendas entre fornecedores e consumidores (CDC, art. 10).

., Como o $uPeRioR TRIBUNAL o.e J.4snÇA já se manifestou sobre o tema?


No Recurso Especial no,950.473/MG, o SUPERIOR TRIBUNAL ·DE jUSTIÇA·entendeu
não apenas por a.df11itir,a irl.~id.ên~ia .do C.ó.Qi&o.•de Defesa do Cons.u-
midor, corno reconhecer·a legitimi~ade·atl'Va ád :caÍl~ànidoMinistédo
Público, notadáltler\té na défeS~ dÓ.direifo social dê moradia, em con-
formidade corrt ii. missão 'que lhe· foi confiada pelo art, 127 da consti-
tuição Fe.ctel1!:1.. · ·
··. . ''· ,'"' »"·~'}·' ,'• '·'·''····.~t:"··;\~'.·<~··.' ,',''
lnútr1erós s~o osjutgados no T111su.lfAi..oA C101\DAN1~ rf:!c0nhec.ef1dO a aplica-
ção.·dá·hegislação C?!lSl.!rnerista· a1situaçõ~s ·t;tue. envolvam ··!)rbmessas
de. compr:a~ e venda,s, sendo manso é pacífjço este .entendimento..

Conceituando o instituto já na moldura do novel Código Civil, afir-


ma CARLOS ROBERTO GoNÇALvEs46 que "consiste a promessa irretratável de
compra e venda no contrato pelo qual o promitente vendedor obriga-
-se a vender ao compromissário comprador determinado imóvel, pelo
preço, condições e modos convencionados, outorgando-lhe a escritura
pública definitiva quando houver o adimplemento da obrigação". Ar-
remata o autor: "o compromissário comprador, por sua vez, obriga-se

46. GONÇALVES, Carlos Roberto. Direitos das Coisas. São Paulo: Editora Saraiva, 2012,
p. 513
Cap. 5 • Contrato Preliminar 215

a pagar o preço e cumprir todas as condições estipuladas na avença,


adquirindo, em consequência, direito real sobre o imóvel, com a facul-
dade de reclamar outorga da escritura definitiva, ou sua adjudicação
compulsória havendo recusa por parte do promitente vendedor".
Mas quais são os requisitos necessários para a materialização
deste direito real no vigente Código Civil?
Verticalizando o assunto, o legislador civilista informa, nos arts.
i.417 e i.418, que o direito real de aquisição do promitente com-
prador demandará a existência de uma promessa de compra e
venda irretratável, quitada e devidamente registrada no Cartório
de Registro de Imóveis.
Adverte MARIA HELENA D1N1z47 que apenas o compromisso irretratável
de compra e venda de imóvel registrado é que ensejará o direito
real de aquisição. Arremata Carlos RoBERTo GoNÇALVEs 48 "trata-se, como
expressamente mencionado, de direito real à aquisição de imóvel para
o futuro. Exige-se, para que se configure: a) a inexistência de cláusula
de arrependimento; b) registro no Cartório de Registro de /móveis.
Nessa esteira, para o melhor entendimento sobre o instituto
mister perquirir sobre seus caracteres: irretratabilidade, quitação
e registro.
A irretratabilidade é presumida. Explica-se. Em sendo a pro-
messa de compra e venda um contrato preliminar, presume-se
irretratável. Para que seja possível a retratação, imperioso que
haja cláusula expressa neste sentido, a qual costuma ser denomi-
nadc. de cláusula de arrependimento (CC, art. 463). Outrossim, nada
impede que conjuntamente com o arrependimento seja pactuada
indenização, como a eventual perda das arras penitenciais (CC,
art. 420). Obviamente que o exercício ao arrependimento apenas
poderá ser realizado antes da quitação integral do preço, como já
trate.do neste capítulo.

47. CINIZ, Maria Helena. Curso de Direito Civil Brasileiro. Direito das Coisas. São
Pa:.ilo: Edito-a Saraiva, 2011, p. 645.
48. CONÇALVES, carlos Roberto. Direitos das Coisas. São Paulo: Editora Saraiva, 2012,
i:. 513
216 Direito Civil - Vol. 13 • Luciano Figueiredo e Roberto Figueiredo

> E na hora da prova?


Ano: 2013 Banca: CESPE Órgão: TRT - 10• REGIÃO (DF e TO) Prova: Analista
Judiciário - Área Judiciária
Com relação aos direitos reais, julgue os itens subsecutivos.
Na promessa de compra e venda de imóvel não loteado, pode-se in-
serir cláusula de arrependimento, contudo o exercício do direito de
retratação só será cabível antes do pagamento total do preço.
Gabarito: Correto

> Como se pronunciou o SuPReMo TRIBUNAL FeoeAAL sobre o tema?


Tratando. sobre arras penitenciais - as quais admitem o arrependi-
mento e excluem indenização suplementar - afirma o SUPREMO TRIBUNAL
fEOERAL, na. su~ Súmula 412, que "no compromisso de compra e venda
com clá.usula de arrependimento, a devolução do sinal, por quem o deu,
ou a sua restituição em dobro, por quem o recebeu, exclui indenização
maior, a título de perdas e danos, salvo os juros morat6rios e encargos
do processo".
Para aqueles que desejam maior aprofundamento sobre o tema arras,
indica-se a leitura no volume dedicado ao direito das obrigações.

Precisa sobre a irretratabilidade, então, a declaração de CARLOS Ro-


BERTo GoNÇALVES 49, ao informar que "constitui condição para o nascimen-
to do direito real. Não se reclama declaração expressa. Para a carac-
terização da irrevogabilidade basta a ausência de pactuação sobre o
direito de arrependimento. No silêncio do compromisso, pois, quanto
a esse direito, a regra é a irretratabilidade".
Em posicionamento interessante, aduz Flávio Tartuces0 - ao ana-
lisar o alcance do <trt. i.417 do CC e reconhecer a inadmissibilidade
do arrependimento no compromisso de compra e venda sujeito ao
regime do Decreto-Lei 58/37 - que a irretratabilidade é figura jurí-
dica que somente se admitirá nas promessas de compras e vendas
de imóveis que não forem devidamente registradas. Arremata que
"no caso do compromisso de compra e venda registrado na matrícula,

49. GONÇALVES, Carlos Roberto. Direitos das Coisas. São Paulo: Editora Saraiva, 2012,
p. 518.
50. TARTUCE, Flávio. Direitos das Coisas. São Paulo: Editora Método, 2015, p. 431.
Cap. s· Contrato Preliminar 217

a cláusula de arrependimento deve ser considerada corno nula, por


nulidade absoluta virtual, eis que a /ei proíbe a prática do ato sem
cominar sanção (art. 166, inc. VI, segunda parte, do CC/2002)".
Seguindo nos requisitos legais da adjudicação compulsória,
percebe-se que além de irretratável a promessa há de estar regis-
trada. Informa CARLos RosERro GoNÇALVEss 1 que "urna vez registrado, impe-
dido fica de alienar o bem, e, se o fizer, o compromissário comprador,
sendo titular do direito de sequela, pode reivindicar a propriedade
2
do imóvel". No mesmo sentido caminha MARIA HELENA D1N1zs ao tratar
dos efeitos desta promessa.

I> E na hora da prova?


Ano: 2014 Banca: FEPESE órgão: MPE-SC Prova: Promotor de Justiça
- Matutina
Analise os enuncia.dos das questões abaixo e assinàle se ele é Certo
ou Errado. ·
o direito à adjudicação compulsória quando exercido em face do pro-
mitente vendedor, se condiciona ao registro dei promessa de compra e
venda no cartório de registro imobiliário.
Gabarito: Correto

fato, todavia, que a imperiosidade do registro já é imposta à


figura em estudo não apenas por ser um direito real, mas também
por enquadrar-se como um contrato preliminar. O contrato prelimi-
nar, qualquer que seja, deverá ser levado ao registro competente,
na forma do parágrafo único do art. 463 do Código Civil.
Mas o que acontece se um contrato preliminar não for levado
ao registro competente?
Eis um belíssimo exemplo da crítica que se deve fazer à uti-
lização da literalidade rígida como suposta forma de interpre-
tar as normas - e recorde-se que literalidade não é técnica de

51. GONÇALVES, Carlos Roberto. Direitos das Coisas. São Paulo: Editora Saraiva, 2012,
p. 514.
52. DINIZ, Maria Helena. Curso de Direito Civil Brasileiro. Direito das Coisas. São
Paulo: Editora Saraiva, 2011, p. 651.
218 Direito Civil - Vol. 13 • LUciano Figueiredo e Robeno Figueiredo

hermenêutica, mas pressuposto de interpretação, afinal de contas


para se compreender o sentido de uma norma se deve, antes de
tudo, ler o seu texto.
Pela letra do artigo referido haveria um dever jurídico de regis-
tro no cartório competente de todo e qualquer contrato preliminar,
porquanto a norma utiliza o "deverá" de maneira impositiva. Entre-
mentes, a doutrina flexibiliza o rigor normativo para afirmar que o
referido preceito merece interpretação exclusivamente como fator
de eficácia (oponibilidade erga omnes) do negócio jurídico. É dizer:
onde se lê deverá, se compreenda poderá.
A respeito deste assunto colocam-se os Enunciados de n° 30 e
95 do CONSELHO DA JUSTIÇA FEDERAL: "A disposição do parágrafo único do art.
463 do novo Código Civil deve ser interpretada como fator de eficácia
perante terceiros". Logo, a consequência será apenas a perda da
oponibilidade erga omnes, como bem posto por CR1sr1AN0 CHAVES DE
FARIAS e NELSON RosENVAto 53. PARA FLAv10 TARrucE 54, acaba a doutrina trans-
formando o deve da redação do art. 463 em pode. Nessa ordem
de ideias, ainda que desprovido do registro o contrato preliminar
será válido e com eficácia inter partes, sendo exigível judicialmente.
E como proceder se a falta de registro for especificamente na
promessa de compra e venda de imóveis? Haveria perda da prer-
rogativa de adjudicação compulsória por desconfigurar o direito
real?
Fazendo uma leitura fincada apenas no Código Civil, em não
havendo registro do contrato significa dizer, sob o prisma da ju-
risdicidade, que não haverá direito real de aquisição. Estar-se-á
diante, seguindo na análise positivista, de um contrato preliminar,
também denominado de pré-contrato ou de contrato de promessa.
Esta figura produzirá efeitos jurídicos exclusivamente inter partes,
de modo que o credor estará autorizado apenas a postular tutela
jurisdicional de obrigação de fazer em face do devedor.

53. FARIAS, Cristiano Chaves e; ROSENVALD, Nelson. Curso de Direito Civil. Reais.
Salvador: Editora jusPodivm, 2014, p. 840-841.
54. TARTUCE, Flávio. Manual de Direito Civil - Volume Único. São Paulo: Editora
Método, 2014, p. 611.
Cap. 5 • Contrato Preliminar 219

Portanto, a ausência de registro colocará o compromisso ir-


retratável de compra e venda no regime jurídico do direito obri-
gacional, na disciplina dos arts. 462 a 466 do CC/02, no ambien-
te de um negócio jurídico preliminar, preparatório de contrato
principal.
Nessas condições, espera-se que o credor do contrato prelimi-
nar ajuíze ação de obrigação de fazer requerendo do Aparato Judi-
ciário que lhe assegure o resultado útil da demanda, fixando prazo
razoável, dentro do qual o devedor haverá de celebrar o contrato
definitivo. O Juiz da Causa estará autorizado, aqui, a adotar a medi-
da decisória que mais se aproxime do resultado prático desejado
pelo credor, seja por meio da fixação de astreintes, sejam mesmo
por expedição de mandado sub-rogatório (substitutivo) da vontade
do devedor, como autoriza o art. 464 do CC/02.
Evidentemente que a medida judicial que visa obrigar o deve-
dor a realizar a atividade específica de transferir a propriedade
celebrando o contrato principal pressupõe não estarmos diante de
uma promessa com cláusula de retratação - ou seja, de arrepen-
dimento -, hipótese em que, geralmente, o exercício deste direito
potestativo ensejará a incidência das arras ou sinal.
Interessante notar que o art. 465 do CC/02 autoriza ao credor
que não mais estiver desejoso de celebrar o contrato principal, a
possibilidade jurídica de requerer o desfazimento do contrato pre-
liminar mais as perdas e danos. Afinal, se o credor não mais tiver
interesse no cumprimento da obrigação, haverá inadimplemento
absoluto a ser resolvido mediante perdas e danos (CC, art. 395,
parágrafo único~.
Nessa toada,. se A prometeu vender um bem a B e antes do
registro da promessa de compra e venda, A o vende a C, que o
registra, A terá mero pedido de perdas e danos em face de B.
Caso, porém, B tivesse registrado a promessa antes de e, B po-
deria adjudicar o bem de C e este teria mero pedido de perdas
e danos em face de A. NAS PEGADAS DO ENUNCIADO 253 DO (ONSEUiO DA JUSTIÇA
FEDERAL "O promitente comprador, titular de direito real (art. 1.417),
tem a faculdade de reivindicar de terceiro o imóvel prometido à
venda".
220 Direito Civil - Vol. 13 • LUciano Figueiredo e Roberto figueiredo

~ Como se proll~nciou o SúPERIOR TRIBUNAL oe JusnÇA sobre o tema?


Em régrâ tem entendido o SuPER1oii TR1suNAL DE JusnÇA que o inadimplemento
negocial em situações como estas enseja apenas danos materiais. con-
tudo;. em casos de· exceção, o JR1suNAL DA C1DADAN1A vem admitindo também
o pagamento de danos morais (REsp. 1.129.881/RJ e REsp. 830.572/RJ). Na
mesma linha caminha o En.unciado 411 do C9NSELHo DAJuSTIÇA FEDERAL, firmando
que o descumprimento do. contrato pode ensej~r dan? ~ral "quando
envolver valorfundamental protegido· pela Ccinstituii;ho Federal de 1988'1•

~ Atenção!
Malgrado a legislação nacional exigir o registro para que a promessa
de compra e venda gere direito à adjudicação compulsória, o SuPERIOR
TRIBUNAL DE Jusr1ÇA, atento à função social da posse, não o exige para exer-
cício da adjudicação em face do promitente vendedor. Neste sentido,
caminha a Súmula 239 ao afirmar que "o direito à adjudicação compul-
sória não se condiciona ao registro do compromisso de compra e venda
no cartório de imóveis".
A doutrina francamente majoritária e a jurisprudência caminham no
sentido de que a aludida súmula 239 continua produzindo efeitos mes-
mo após o advento do Código Civil de 2002 e exigência de registro do
contrato de promessa. Nessa linha de intelecção já caminhava Ruv RosA-
oo oE AGu1AR55 , quando dos comentários ao Projeto do Código Civil; cita-se:
"Sabemos que as pessoas, quanto mais simples, menos atenção dão
à forma e à exigência de regularizar seus títulos. A experiência revela
que os contratos de promessa de compra e venda de imóveis nor-
malmente não são registrados. Não há nenhum óbice em atribuir-lhe
eficácia entre as partes, possível mesmo a ação de adjudicação, se o
imóvel continua registrado em nome do promitente vendedor. o Código
de Processo Civil (art. 466-B) não exige o registro do contrato para o
comprador ter direito de obter do juiz uma sentença que produza o
mesmo efeito do contrato a ser firmado".
Percebe-se, portanto, que o descumprimento do contrato preliminar
de promessa de compra e venda ao revés de ocasionar tutela de
uma obrigação de fazer, gera uma obrigação de dar coisa certa,
sendo obrigado o promitente vendedor a realizar a transferência
do bem. ·

55. AGUIAR, Ruy Rosado de. Projeto do Código Civil - as obrig:cções e os contratos,
RT, 775/27.
Cap. 5 • Contrato Preliminar 221

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Errhuiíê;~ó'cio a~Üi vÍsió;, ... · . . ·aui .. > .· . . . . .. ~~(i~:~iti:t.~á~ ~6~Es:
firmam. Que a lnfluê1u:ia franÇêsa{,::.·a'qu.at,ê.r,eS,po:(1$áyêl i>ela}1oção
de que a promessa de venda·· e ,compra vale·veri~ªi.QYaJld~ haja o
consentimento Jrretr~faveJ de a01bôs o$ .ê'nvolvl.dÔs.;;>ocaslóna Im-
portante discussão s.obre a real existência autônoma de uma figura
prelimln3:r. Afinal; a. promessa de'. compra e ve~d3:, ousarfamo.s dizer,
é uma êspécie de cautelar sátisfâtlva, p,ols déla J~ de<;orre a venda,
propriamente. · ·· · · · · · ·

Mas para que a aludida promessa de compra e venda gere


direito real de aquisição, segundo a lei, além de ser irretratável e
estar registrada, haverá de estar quitada. Obviamente, em sendo
um expediente de garantia é justo e aconselhável que a transfe-
rência proprietária apenas se dê quando da integral quitação do
preço.

56. Código Civil para Concursos. 2• edição. Editora JusPodivm. 2014. Salvador, página 904.
57. Código Civil para Concursos. 2• edição. Editora JusPodivm. 2014. Salvador, página 904.
58. Novo Código Civil Comentado. Ricardo Fiúza, p. 413.
222 Direito Civil - Vol. 13 • Luciano Figueiredo e Roberto Figueiredo

Afirma CARLOS RoaERTO GoNÇALVEs 59 que o resultado prático da pro-


messa de compra e venda é "adiar a transferência do domínio do
bem compromissado até que o preço seja totalmente pago, diferen-
ciando-se dele; porquanto dá lugar à adjudicação compulsória".

~ E na hqra ela prova?.


Ano: 2015 Banca: FCC Órgão:.TH~R Prova: Juiz sUostitÜto
Mediante promessa ele compra ~(yendá de imóvel, em que se não
pactuou·arrependirnento~ teletlra((o por insthfrnerítô particúlar, ·o pro-
mitente comprador . .
a) adquire direito real à sua aquisição, desde que seja irnitido na
posse.
b) não poderá adquirir direito real à sua aquisição, pois é necessária
a escritura pública.
c) adquire legalmente direito real à sua aquisição se o instrumento foi
registrado no Cartório de Registro de Imóveis.
d) não adquirirá direito real à aquisição do imóvel antes que ocorra
o pagamento integr~I do preço.
e) adquire direito real· à sua aquisição a partir do registro do ins-
trumento no Cartório de Registro de Títulos e Documentos, por-
que com essa providência o contrato se presume conhecido por
terceiros.
Gabarito: c

Mas e se o promitente comprador ainda não tiver quitado o


preço?
Na ausência de pagamento do preço contratado restará ao
promitente comprador apenas proteger a sua posse, pois não
haverá direito à adjudicação compulsória. A posse poderá ser
protegida por meio de embargos de terceiros. A previsão está
consagrada na jurisprudência na já citada súmula 84 do SuPER10R
TRIBUNAL DE jUSTIÇA.

59. GONÇALVES, Carlos Roberto. Direitos das Coisas. São Paulo: Editora Saraiva, 20 12 ,
p. 513.
Cap. 5 • Contrato Preliminar 223

~ ~t~IJÇíihJ! >· . .. . ·. . ·.· .· •. ·. . .> /· . ; .•. ·. . ·.....· <


AJurts~ruâêntia•dos tr,Illúnf1ls gut>.eri~ITe~·e~i~e ..t: 1tit~t~efação préyta;
. haja óu. não. registiO do ~oiiiratO,:(í~ •prpffles~~~: co~9:rnecf1nisrnP Jrrl-
presciildrYet· •ã constttuiçãõ~·a& deveilor 'eni m.o~~LS:obre o àssµntó·a
Súmula 76 do SUPERIOR.TRfllUNAL OE JusrtÇA, Segundo aqUaf;.;Afalta ~e reilstro
no compromisso de compra e venda de.imóvel nriq(Uspénsb a prévia
interpelação para constituir em mora o devedor". ·
outrossim, .um importante detalhe arespeito de~te <1,s~unto reside. no
fato de que à disciplina jurídica .ôra anansa(ja n~o .e~v91ve ·o tema do
parcelamento do solo urbano. éomo <1,dverte à dootrinà ,,.o tratamento
na Lei do Parcelamento do Solo Urbano (Lel,~~766/79y~diverso, pois aqui
os contratos de promessas serão rtecessaridmeríte itretrdtáveis, não ad-
mitindo disposição em contrário (art. 25). Démais disso, rto .contexto dessa
norma especial não há de falar-se em adjudicação compulsória, mas sim
de direita transferência em cartório, quando adimplldo o contrato de pro-
messa (art. 26)". A lição é de CRISTIANO CHAVES OE FARIAS, LUCIANO FIGUEIREDO, MARCOS
EHRHAROT júNIOR EWAGNER INÁCIO FREITAS DIAS60• .

Com efeito, a retratabilidade da promessa de compra e venda de imó-


veis apenas pode ser aposta para imóveis não loteados, por conta da
já citada Súmula 166 do SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL.
Adernais, nas incorporações imobiliáriàs, por conta da relação desi-
gual, resta igualmente vedada a cláusula de retratação, sob pena de
nulidade virtual e abstrata (art. 54 da Lei 10.931/2004, o qual altera o
art. 32, parágrafo segundo da Lei 4.591/64). Nada impede, porém, que
em eventuais repasses pelos adquirentes a terceiros, a cláus.ula de
retratação seja inserida.
Assim, por conta da impossibilidade d,e.retra,tabilid.à~e; defendem CR1s-
r1AN0 útAvEs º"
FAR1As E NmoN RosrnvAto61 que a expressã9 Compromisso de
Compra e Venda deve ser usada .nas nege>ciàções énvolyendo lotes
urbaoos e rurais, bem como incorporações imobiliárias. Já; a expressão
promessa de compra e venda deve ser verificada em imóveis não lo-
teados, cujo contrato poderá veicular Cláusula de retratação.
Explica-se. Compromissos são mais sólidos do que meras promessas.
A distinção, todavia, é bastante técnica, devendo apenas ser utilizada
por candidatos em provas subjetivas e/ou questões direcionadas.

60. Código Civil para Concursos. 2·' edição. Editora JusPodivm. 2014. Salvador, página 904.
6i. Curso de Direito Civil. Contratos. Teoria Geral e Contratos em Espécie. Vol. IV. 4ª
edição. São Paulo: Atlas. 2;n5, p. 109.
224 Direito Civil - Vol. 13 • Luciano Figueiredo e Roberto figueiredo

Atente-se que· o. art. :41 da Lei 6~7{?6/99, inovMct() o ~ist~ma nacional,


admite tran~mlss~Ô da, t.fü>~rled.âde iitló611iad~Ul1!éarné"nte em decor-
rênciá da. averbação tia qultàção do. contrai<> pr,ellminii.r .de compro·
misso, ainda que 'inexista contt'ato definltiyo. Assim, finnado o .contrato
preliminar e quitado, não será necessáriá,a escritur,a .pública do con-
trato ch.~finitiv?9.e.vendél ~.comprapara posterior reg:istr<> imol:>iliário,
sendo ~()~SÍ\,fêl !~ressai) d~ pfOntO~ nest~ fase ~egistraJ imobiliária.'.
Além çlisso~ a Lei ~ú8si99;. C()ni o. escopo g~Jmp[ementar loteamentos
de baixa renda, .introdu:z:i.u lmportC1,nte. mudança na lei 6.766/79 (art.
26, pa.râgrafo seXto), ao infor,mar que "os compromissos com compra e
venda, as cessqes e ás. promessas de cessão valerão com<> título para
o registro da propriedade do. lote adquirido, quando acompanhados
da respectiva pr,o\la de quitaÇão. Assim, pa.ra CR1sTIANo OiAvEi DE FARIAS ENEL-
soN RosENVALD62, em taiS hipóteses dispensa-se a sentença de adjudicação
compulsória, pois a averbação da quitação ao registro do contrato de
compromisso bastará para a obtenção proprietária. Trata-se de salutar
e econômica medida, pois dispensa o ato de lavratura da escritura de
compra e venda definitiva.
Pena, porém, que esta visão mais econômica não tenha contaminado
o legislador do Código Civil de 2002, o qual exige, após a promessa,
a lavratura de escritura· pública definitiva de compra e venda, para,
então, haver posterior registro imobiliário (cc, art. 3418). Há clara ci-
são, na ótica codificada, do domínio - adquirido com a promessa - e
da propriedade - apenas adquirida quando do contrato definitivo e
posterior registro imobiliário.
o sistema persiste, aqui, burocrático, lento e custoso, exigindo atos pú-
blicos sucessivos, quancto seria possível a exclusão da escritura defini-
tiva de venda e compra. Pior. Pensando-se na gênese do instituto, não
há relevante distinção entre a promessa irretratável e o compromisso.
Mas este, na prática, dispensa a escritura definitiva de venda e com-
pra, enquanto aquela, lenta e burocrática, a exige. Pecou o legislador
civilista e atentou contra toda a principiologia codificada.
Diante do pecado legislativo, há espaço de atuação do operador do
direito que, por analogia, poderá aplicar as regras do compromisso à
promessa irretratável, eliminar a fase de escritura definitiva e possibi-
litar o direto registro imobiliário mediante a promessa. Oxalá que em
um futuro próximo, isto aconteça.

62. Curso de Direito Civil. Contratos. Teoria Geral e Contratos em Espécie. Vol. IV. 4ª
edição. São Paulo: Atlas. 2015, p. no.
Cap. 5 • Contrato Preliminar 225

Regist~~se, todàvia, que·~ãr<ta~iptÕv~~·ê:i'âltitãr:2tjÍJelb:futuró 1abfóva­


cto.co111ieça·.as, disti.nÇões.~qúi:.~~st~§~:;· ;,:J.i};,;;:;,~~~t1x;li~~1;!;;;;,.ii::;~;i., ;;M~·.·U·<·.

~ . ~~ojá se~i~ie>nou·~~
At~nte>·a e$f~' sit~àÇãc>; .lf; .· ·
Relator' foi '(>' Minlstr() s!f
prort~~~a~,~~,i~m~ii~,~> ~~..·;,,,.",··
a) P~Óprias:' Ç()mo. S~lid~;~r;(l,í :. ,~w~~~a.~
um co.ntrato, preparatório' 1 a retrata·•
ção antes do definithid: E; itt;~·ti~&r ·tdnfê'~~fí:,:.ôe corn ta•·~·
~6~;1~;6vels noó"ió:~~\~Vf:;:~;~~'' l?''*''"'~'~~P·f~no
Estas figuras,.além da prorne.ssa (YQotad,i.'.! ·.· . ·.....• ;:c<1e01aociam:uma
vqnt;ide posterior, definitlya.i' 110.contrilt~,lgual!ll.e~t~.::,4,~.fi~itivo,. Alguns
dou.trinadores denominam está.figura cC>tnP pr~ffl,e~s~fü~o. firme, pois
admite retratação. . .. e • . . . . . .·· \ . :, ... ·.·· .

b) Impróprias: qúando o corítra~o prelirnJná~\~hfse~i~r~tratável, vale


por si mesmo, já ocasionado 'direito.ao ooj~to defjnltiyo, com auto-
mática àdjudicação compulsória. É' o que acontece na hipótese do
compromisso de compra e venda de imóveis !Oteados (urbanos ou
rurais) e incorporados. ·
Infere-se aqui que o próprio compromisso já traduz urna figura con-
tratual definitiva, com uma única manifestação de vontade. Alguns
doutrinadores denominam esta figura como promessa firme, pois não
admite retratação.
Registra-se que o SuPERIOR TRIBUNAL oE jusTIÇA valeu-se, na hipótese, dos ensi-
namentos de. ORLANDO GoMES e Jost OsõR10 DE.AzEVEDO JR., ambos expressamente
citados no aludido julgado oriundo da Quarta Turma e do ano de 1996.
Tratando sobre o tema, cita-se precedente mais recente do mesmo
SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA:
RECURSO ESPECIAL. DIREITO CIVIL. CONTRATO DE PROMESSA DE COMPRA E
VENDA. DIREITO REAL QUANDO REGISTRADO. ART. 1.225 DO CÓDIGO CIVIL. AR-
ROLAMENTO DE DIREITOS. INVENTÁRIO. ART. 993, INCISO IV, ALÍNEA "G", DO
CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL.
i. Inexiste violação do art. 535 do Código de Processo Civil se todas
as questões jurídicas relevantes para a solução da controvérsia são
apreciadas, de forma fundamentada, sobrevindo, porém, conclusão
em sentido contrário ao almejado pela parte.
226 Direito Civil - Vol. 13 • LUciano Figueiredo e Roberto Figueiredo

;·'J., A:~t9m~~$f.H~ :,ep;rnpr~'.~ ~end~ Ía~n~if.c~q~>Ç~Jt\.~l.~;t~1~~.r~ai!~c~r,~e·


·<iuanê,für · · · ·.~t;n~ôt§<ijíít;>J!SP;9'µ1;~ª~JF4~ªt ~f~r+~g·~~.~aii~:n1>·~a.11~rio
(le registr . : irfÍó'Íiéis,·o:4~etíii(j significa quê à.au~ênciit do registro

·;~~~~al~f'~~ ~.~:.~P.n~~r~~): . • JCi~~ .~~~~~ e. venda flca explf-


cifa:n()':ãrt'.::t~s,<l'' •.•......•... ~:16,~·.'pf'.'eV~ s~re~ irretratáveis os
compromissos de·~~rnp'ri~~ê, . .ess8~$ e'promes~as de cessão# o~
que atribuem. dÍr~lto. ~ a~.fudi . . . ã:~i tqij)P~l~~ri~ :,.et,. ~$.tll!ld,c> .feg!s~ra~
dos, conferem ·dtrelt~•.t~alôp~nlV'l a·ierce.lr'"s':\ ·. . •·'·.·· ' ··"·~··•:'•.·.··. ·
4; Portan~o; no· casÓ ''éoocréto} p'arece lógico admitir a~lncll.Jsãodos
direitos oriundos do contrato de promessa d.e compra e venda de lote
em inventário, ainda que sem .registro lmoblliârio. Na verdade; é fa-
cultado ao promitente comprador adjudicar compulsoriamente imóvel
objeto de .contrato de promessa de compra e. venda não registrado;
e a Lei n. 6.766/1979 admite .a tran1)missão de propriedade de lote tão
somente em decorrêncià de aver-baÇão da quitação. do contrato pre-
liminar, independentemente- de
cetebraçãe. de contrato definitivo, .por
isso ciue deve ser 1nventària40 o .dlreitodaí decorrente.
5. o compromisso dê comprá e venda de.imóvel é suscetívetqe ap~e­
ciaçãp econômica e transr:ni;;~íveta título inter vivo~ ou .caus;i T?.rt1s,
independentemente de registro.; porquanto 0 es~opo deste e ;primor-
dialmente resguardar o contratante em face de terceiros que almej~m
sobre o imóvel em queS'tão direito incompatível com a sua .pretensa o
aquisitivá, Q que não é o caso do~.au.tos~
6. RecursQ especial provido.
(REsp 1185383/MG. Rei. Min. Luis Felipe satomão; Quarta turma. DJe
5.5.2014)

···············~·-··-------------
Vícios Redibitórios

1. CONCEITO E ELEMENTOS CARACTERIZADORES

Vícios redibitórios denotam uma das garantias da teoria geral


dos contratos, aplicável às figuras onerosas, cujo escopo é resguar-
dar e garantir ao adquirente o bom e fiel recebimento do objeto
contratado, móvel ou imóvel. Lembra S1Lv10 Do SALVO VENOSA' que "o
alienante deve garantir ao adquirente que ele possa usufruir da coisa
conforme sua natureza e destinação", residindo, aqui, a razão de
existência da teoria dos vícios redibitórios.
Segundo PA\Jlo Lâao 2 , a origem histórica do instituto é Romana,
quando os edi curuis - uma espécie de juízes atuantes em mercados
- introduziram a acrio redhibitoria, permitindo aos adquirentes de
animais e escravos exigirem a devolução do preço pago, quando
o objeto da aquisição apresentavam defeitos ou doenças (vícios)
que o tornassem impróprio ao fim a que se destinavam. Em Roma,
assim como nos dias de hoje, o vício havia de ser preexistente ou
coexistente à entrega da coisa, demandando-se, ainda, o desco-
nhecimento por parte do adquirente sobre tais vícios.
Com a evolução do tema, ainda em Roma, alguns proprietários
passaram a preferir, ao revés do desfazimento do negócio (redibi-
ção), o abatimento do preço (quanti minoris), brotando uma segun-
da via de tutela. Conforme as lições de S1Lv10 Do SALvo VrnosA3, nasceu
o sistema romano de tutela, contando com um gênero, denominado

1. VENOSA, S lvio :lo Salvo. Teoria Geral das Obrigações e Teoria Geral dos Contratos.
10• edição. São Paulo: Atlas. 2010. p. 54i.
2. LOBO, Paulo. Direito Civil. Contratos. Ed. Saraiva. 201i. ia edição. p. 156.
3. VENOSA, Sílvio do Salvo. Teoria Geral das Obrigações e Teoria Geral dos Contratos.
10ª edição. São Paulo: Atlas, 2010. p. 544.

---------------------------------------------
228 Direito Civil - Vol. 13 • Luciano Figueiredo e Roberto figueiredo

de ações edilícias - em referência aos edis e aos editos que as pu-


blicaram - e duas espécies delas: a ação redibitória e a estimatória
(quanti minoris). Sistematicamente:

AçÕê:s Edilícias
. . Ação ~sti.riatói1~ ou Qua~Ú Minoris

Mas, afinal, o que são os vícios redibitórios para o Código Civil?


Entende-se por vícios redibitórios os defeitos ocultos, preexis-
tentes na coisa, que a acompanham após a sua tradição (entrega),
diminuindo o seu valor ou utilidade (CC, art. 441). São aplicáveis
aos contratos comutativos (onerosos e bilaterais) e tem como con-
sequência a propositura de uma das ações edilícias (redibitória
ou estimatória), com a possibilidade de cumulação de pedido de
perdas e danos, caso o alienante tenha incorrido em culpa (CC,
arts. 442 e 443).

~ E na hora da prova?
Ano: 2014 Banca: FMP-RS Órgão: PGE-AC Prova: Procurador do Estado
Quanto aos vícios redibitórios é correto afirmar que só dão direito:
Gabarito: b) à pretensão indenizatória por perdas e danos, se houver
conhecimento do vício pelo alienante.

Analiticamente, para a configuração dos vícios redibitórios, três


são os elementos necessários:

a) a existência de um contrato comutativo (one:-:so e bilate·


ral), sobre coisas móveis ou imóveis;
b) a verificação de que havia um defeito oculto antes da tradi-
ção, desconhecido por parte do adquirente médio;

e) a percepção de que o aludido defeito oculto acompanhou a


coisa após a sua entrega (tradição), diminuindo o seu valor
ou utilidade (é o chamado vício funcional).
Cap. 6 • Vícios Redibitórios 229

Exemplifica-se. Imagine que Caio vendeu o seu celular a Felipe.


Informou Caio, no ato da venda, que dentre as funções do aludido
aparelho, o mesmo gravaria vídeos. Felipe, ao chegar em casa e
após carregar o celular, verificou que o mesmo não estava gravan-
do vídeos. Há um defeito oculto, que preexiste na coisa e a acom-
panha após a sua entrega, diminuindo o seu valor ou utilidade.
Clarividente, então, a configuração do vício redibitório.
A doutrina veicula outros exemplos de defeitos graves, ocultos
e preexistentes passíveis de configurar vícios redibitórios. Cita-se:
a esterilidade do touro adquirido como reprodutor; o excessivo
aquecimento do motor veículo em subidas de ladeiras; as frequen-
tes inundações dos terrenos em virtude de chuvas ...

~ Atenção!
Vistos os requisitos colocad.os no Código .Civil;> forna~se. nítido que a
teoria dos vícios redibitórios fora estruturada cdrtí ós.e>lhos voltados à
obrigação de dar coisa certa., ná busca de defelto.S•rélatlyos ao objeto
do contrato. · ··i·., · · ·· · ·
Nessa esteira, não á possível lançar mão déssa teoria nós defeitos dos
serviços (obrigações de fazer) ou nos vícios de qúantidade, temas que
serão encaminhados para o campó do ressarcimento civil· por inadim-
plemento (CC, art. 389). Obtempera PAuLo Lõso 4 que há, no particular, cla-
ra diferenciação de tutela entre o Código Civil e o Código de.Defesa do
Consumidor, porquanto neste haver referência à falta de quantidade
ou ao defeito de qualidade.

O fundamento de tutela dos vícios redibitórios no Código Civil é


a garantia contratual do bom uso e gozo da coisa alienada, aliada
a vedação ao enriquecimento sem causa. Para CA10 MÃR10 DA S1LVA PEREI-
RAS, funda-se a tutela dos vícios redibitórios no Princípio da Garan-
tia. Liga-se, agora nas lições CR1sr1AN0 CHAVES DE FARIAS E NusoN RosENVALD 6, a
um dos mecanismos de tutela do contratante e busca de promoção
do equilíbrio material das prestações Oustiça contratual). Baseia-
-se na proteção contra a quebra da comutatividade contratual.

4. LOBO, Paulo. Direito Civil. Contratos. São Paulo: Saraiva. 2011. ia edição. p. 156.
5. SILVA PEREIRA, Caio Mário da. Instituições de Direito Civil. Vol. Ili. p. 123 e 124.
6. FARIAS, Cristiano Chaves. ROSENVALD, Nelson. Direito dos Contratos. São Paulo:
Atlas, 2015. p. 463.
230 Direito Civil - Vol. 13 • tuciano Figueiredo e Roberto Figueiredo

Retornando ao exemplo dado em linhas pretéritas, o fundamen-


to de tutela fica cristalino. Felipe adquiriu e pagou por um bem que,
dentre suas funções, gravasse vídeos. Ao receber o aparelho com
defeito, não percebeu o exato objeto da contratação, pelo qual ele,
Felipe, havia pago. A garantia, a comutatividade e a justiça contra-
tual foram, visivelmente, violadas.
Voltando os olhos aos elementos caracterizadores dos vícios
redibitórios, o direito nacional demanda que o contrato, necessa-
riamente, seja comutativo. Contratos comutativos são aqueles nos
quais é possível, previamente, enxergarmos o custo-benefício da
avença, por conter prestações certas e determinadas. O grande
exemplo é o contrato de compra e venda. Neste, comprador e ven-
dedor, preteritamente e em regra, tem a exata noção do custo-
-benefício.

• Atenção! ,
No direitô ÁletnãO; Verbera PAULO L011o7, à teotiéÍ dOS VÍCÍÓS rêdibfrórios
apenas se aplica às compras e venaas, excluJndo~se as déma1s modàU-
dades de contrátos comutativos. Néf.Brytsil ô carripó'f .rnais abrangente,
falando-se em vicios rêdi.bitórios êm qUalquer1119daUdade de contrato
comu~ativ.o(on.eros():e bilateral), sendo a éo1T1pra. venda, sem dúvi-
das, o prfocipâl exerl}pl6. .·· .·. ..· . ·. .·· .. ·••· .. . .•... ,. .•.. ·. ... . .. ·.....
Logo,. recor~~, MM11. Hm~~ D1N1z8 ti ~Õ$~iÍ)illdãde''cte. ~·pU(:açãq da_teotla
nas compras e vendas~ dações e.m pag~memo# cont,~tos, elT1pre~~a~a,.e
troca t>U p~rmuta. Ensina CARtos Ros~RTo GoNÇAtvÉs9 nã9 'inê:Jdífém as regras
dos vício~~. redjbit6rlos nos contrato~. gratuitos,;co.mg;à~ dOfiÇ.i)e~ puras.
caso~ ·porém,, a do.ação seja onerosa~ viável a. ínc!dê~da dqs vicios
redibitórios, .pois .verificada a·. oneros1dad.e e. btlé\ct~rahdade, (cc, art.
441). ~plica-se, então, a teoria dos.vícios r~dibitc)riqf-,,nfi~ doaçõe,s com
modo oú encargo,
~ . -'
remuneratóriase em colitempl~ção
' '- ~ ' ' ' ' ;
de casamento
futuro. ...
E seria viável sustent(lr, no Brasil, a tese de aplicação dos vícios redibi-
tórios em contratos aleatórios?

7. LOBO Paulo. Direito Civil. Contratos. Ed. Saraiva. 2on. ia edição. p. 157·
8. DINIZ, Maria Helena. Curso de Direito Civil Brasileiro. Teoria Geral das Obrigações
contratuais e Extracontratuais. Vol. Ili. 27 Edição. São Paulo: Saraiva, 2011. p. 139.
9. GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito Civil Brasileiro. São Paulo: Saraiva. Vol. 3 2010.
7ª edição. p. 118.
Cap. 6 • Vícios Redibitórios 231

Pe\a literálidade do art. 441 d.o cc, como visto,: ó$ vféiok reétiBitóriÕs'
tem o seu campo de irii:;idênci~ nos contratos cortjQtatlvos. Est.e é 'ô
caminiio úimâl seguido êm pi'OVas e o JYbsicionatnentô .dolÍtfiílâ~ÍÓ 1 ff~~~ .
carriente majoritário. ·
Entrementes, digno de nota que o Enunciado. 5$f1do CoNmH,o ?A Jusr1-
ÇA FEDERAL informa que No art. 441 do Código Civil deve ser interpretado
no sentido de abranger também os contratós aíeatói:Íos, desde que não
inclua os elementos aleatórios do contrato"; Defende o enunciado que
desde qüe o vício não diga respeito à álea do contrato, plenamente
viável seria a incidência da teoria.

É inviável a aplicação dos vícios redibitórios em contratos alea-


tórios, como no de seguro. Nestes a imprevisibilidade está no pró-
prio DNA contratual, havendo, sempre, um quê de variação.

., E na hora da prova?
A banca examinadora IADES, em prova de concurso público realizado
para o provimento do cargo de Advogado, UFBA, ano 2014, considerou
INCORRETA a seguinte alternativa: "A garantia dos vícios redibitórios
aplica-se aos contratos comutativos, aleatórios, gratuitos ou onerosos
e às doações com encargo, devendo os defeitos existir ao tempo do
contrato, tornar a coisa imprópria ao uso ou diversa da pretendida
pelo adquirente ou, ainda, diminuir-lhe o valor".

O defeito que gera o vício há de ser aquele perceptível ao ho-


mem médio, tido como adquirente comum. O que é um defeito
visível a um especialista, não será a um homem comum.
O vício não deve ser confundido com uma característica da pró-
pria coisa. Características próprias da coisa não são capazes de
ocasionar vícios redibitórios. Exemplifica-se com um carro de pas-
seio, o qual não pode ser utilizado para transporte de carga pesa-
da. Aqui não há vício, mas sim uma característica do objeto. Idem
sobre urr tablet, o qual não possui uma entrada USB. Nestes casos,
a tentativa de desfazimento do negócio por parte daquele que se
sentir ludibriado, não será crível pela teoria dos vícios redibitórios,
restando a possibilidade de busca da tutela da boa-fé, por eventu-
al ausência de cumprimento do dever de informação.
232 Direito Civil - Vol. 13 • Luciano Figueiredo e Roberto Figueiredo

O defeito oculto gerador do vício deve ser desconhecido pelo


adquirente, conforme ensina CARLOS RosERTo G::iNÇALVEs'°. Decerto, hoje
é plenamente possível a venda de objetos com pequenas avarias,
verbera S1Lv10 oo SALvo VENOSA", desde que haja informação derredor
da avaria, o consequente abatimento do preço e, obviamente, a
impossibilidade do adquirente reclamar eventual vício redibitório
relacionado àquela específica avaria. Assim colocam-se os feirões
de vendas de objetos com pequenas avarias, em preços mais
acessíveis.
E se o vício estiver presente em apenas uma das coisas vendi-
das conjuntamente?
Imaginem uma coleção de livros de Direito Civil, a qual pos-
sui um vício redibitório no Volume V, com a ausência de algumas
páginas. Neste caso, estaria o adquirente apto a redibir todo o
contrato?
Para situações como a em tela, o legislador civilista veicula nor-
matização especial, autorizando, tão somente, a redibição da coisa
defeituosa (CC, art. 503). É a chamada redibição parcial.
É viável a aplicação da dita redibição parcial nas casuísticas de
negócios jurídicos envolvendo uma pluralidade de prestações au-
tônomas. Logo, se há aquisição de um televisor e um DVD, havendo
defeito oculto apenas no primeiro item, conserva-se o contrato no
que tange ao segundo item, aplicando-se a redibição apenas ao
primeiro.

Malgrado a regra codificada, a doutrina trabalha com uma ex-


ceção. Se as coisas vendidas conjuntamente for'T!arem um todo
unitário - a exemplo de um par de sapatos, de ócu os ou de brincos
- restará autorizada a troca de todas elas, como bem ensina MARIA
HELENA ÜINIZ 12 •

10. GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito Civil Brasileiro. São Paulo: Saraiva, Vol. 3. 7•
edição. 2010. p. 131.
lL VENOSA, Sílvio do Salvo. Teoria Geral das Obrigações e Teoria Geral cios contra-
tos. 10ª edição. São Paulo: Atlas, 2010. p. 546.
12. D~NIZ, Maria H~lena. Curso de Direito Civil Brasileiro. Teoria Geral elas Obriga-
çoes Contratuais e Extracontratuais. Vol. Ili. 27• ediçã-0. São Paulo: saraiva, 201 i.
p. 147.
Cap. 6 • Vícios Redibitórios 233

~ E na hora da prova?
A banca examinadora VUNESP, em prova de concurso realizada para
o provimento do cargo de Analista Administrativo, SP-Urbanismo, ano
2014, considerou INCORRETA a seguinte alternativa: "Em. caso de coisas
vendidas conjuntamente, em regra, o defeito oculto de uma autoriza o
comprador a rejeitar todas elas, redibindo o contrato".

•:,;[~Li~!~~;;;
1
"" A··1;.,.nrs ··1·...
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. · ·:., :.:i.•.•... : ::.·.!',.•.•.· .·
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' '.·,•.i..•.•.•.· ·.,;.,·.·.•.
,«·i..i·;·;·'··..~%.'.}f.'..i,':,~;.~:•'. '.~.:;.«_;_}.:5 .·<;\ :. ::-
,·.11
·. ·. ·• · · . ··.. •c•.•'.?'•F• 1r~· ....... ·/
Não se deve Cofifundil: vícios, redibitórió~;'COfo stití:ltô: ~ó ~fróJ;,!
o erro, como· visto·. no. vqlume cledi~iidb'. à',iiafté:'J;.~~C'i~ílJ'.natü;e~á
Jurídica de vício de consentimeôtó~ send~·uffi·gq~í,V~~<>,xrelacionadc:} ·
à natureza do negócio; ao seu objeto 'Q,L!.~;t>'e~~Q~l)j;~t~,lloçâmpo:da
psique (interno), sendo uma falsa p:erc~pç~d'. ~~··r~~lii:lal:le'.: ·.• . · ·· • •.
Já o vício redibitório correlaciona-sé a:. ~rri dêf~it~.;'do opJeto. Aqlif o
adquirente não se equivocou sobre o pem adqulfido;; Não· há erro; o
contratante adquiriu exatamente o que'des~jáva;, todaviâ; o objeto foi
entregue defeituoso. ·•, ·
Nessa toada, se alguém adquiriu um relógio imaginando ser de ouro e
o mesmo, malgrado funcionar, é apenas foleadb a ouro, vício redibi-
tório não há. o relógio funciona. o que existe ê erro essencial quanto
ao objeto. Entrementes, em tendo o relógio defeito de funcionamento
em virtude de problema em uma peça interna, estaN;e-á diante d.e um
vício redibitório. · . · .
Em outro exemplo clássico, Jost FERNANDO S1MÃ0.13 recorda g~ aquisição de
candelabros supostamente de prata, os quais, em' verdade, são. de
latão. Não há defeito no candelabro, mas sim erro essencial quanto
ao o.bjeto.
A consequência do erro será a anulação do negócio, no prazo decàden-
cial de até quatro anos, contados da conclusão do ato (CC, arts. 171 e
178). Erro está no campo das invalidades do. negócio~ sendo um juízo
de inadequação ou impertinência. Já o vício redibitório levará à redibi-
ção ou ao abatimento proporcional do preço. (CC, art. 4j2), dialogàndo
com a eficácia do negócio.
E se houver entrega de coisa diversa da contratada?

i3. SIMÃO, José Fernando. Vícios do Produto no Novo Código Civil e no Código de
Defesa do Consumidor. São Paulo: Atlas, 2003, p. 75.
234 Direito Civil - Vol. 13 • LUciano Figueiredo e Roberto Figueiredo

Neste caso, lerribra'.',PAu~<> los()~, di~nff ~a atisêrtdá'.: .df r~fé~~nfiá ~xL


·ptéssa rio códtio•Ci~fü· Játtà 'cie. ciüalid~d~
' ' '•. '' :;,, .!•J'.
à'
•'o,•'~'"_;•',,_i?i\\xjf·-',{,'','~»,'.'.''''._,~{:•:;,;y>-~;'
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·com~!:· ·· ··' ·' ·icfde"víêio .do.·
i;··' {/,_'','.'.',' '·\'',:,;.•;'f•iz;'~•;,,c,, ~·

óbJeto;far•se~~ a, f!qqua(:(ramenfo na tese do. ina ... . emeritq f>à'rtiaE


," ' ,·- ': ",' , ':·.>:';:},-. :- -'.".:.; ;, ;, "<' .' :.:·" :-~ ._ '. ~ :_:'-'~' ·'-<,"',: ·.:: '.": ;;~,, ,:'s,_, ··-::.1 _, '. ;~ ·~·:' '. (i .,'', -.\ ':::~','; ··. "'~ -~ ,,.,
fÓ{ : -

Olesa.clo.P~de,rã;êl~(t~ar ~· çufV:pri~enfo do c<>,nt~tQ~· fitat~·á~ p~rcJás e


danos; ou. à· resolução Qo contrat(); mais as Perda.$ e danos~ A res<>tu-
ção dó' eontratoi àqúi/não será a sua rêdibição, pois não ~stá fJncada
no cumprimento COÍ1trat4al imperfeito, El(e1T1pliflC~7S~ Com a ÇOmpra
de urri carr91Jsa,qo 1T10.d.~l9,20g.e a. p~rçep~ão .<;!~ C1~~·\f9J.~nJ,~eg~~3 1.11w
veículo .i.013 •.Não h~\vício,. mas sim. inadimplemento~ com a,. entrega de
objeto diver5o, · · · · • ·
A mesma controv.érsia há no Código Civil Italiano e. Fr~~cês~ Tal~ porém,
não ocorre na Alemanha, onde há expressa mer:ição, à ausência de
qualidade como fato gerador de vícios recl,bitóriqs, ,Igualmente o .tema
encontra-se sanado nas relações de consumo nacionais, por haver re-
gramento expresso sobre o vício· de qualidade.
No inadimplemento contratual, registre-se, esta.r-se•á diante :do. des-
cumprimento do contrato,. com a entrega de coisa diversa. Já nós vícios
redibitórios, há cumprimento contratual, porém, imperfeito;

2. TUTELA JURÍDICA DO LESADO


Uma vez verificado o vício redibitório, o lesado poderá ajuizar
uma das Ações Edilícias (CC, art. 442) - seja a Redibitória ou a Esti-
matória (Quanti Minoris).
a) Ação Redibitória.
A redibição é uma medida drástica de desfazimento negocial,
com o enjeitamento da coisa por parte do alienante. O escopo é re-
dibir (resolver) o contrato, retornando ao status quo ante. Devolve-
-se o objeto defeituoso ao alienante, e este devolverá, ao compra-
dor, os valores outrora pagos, devidamente atualizados.
Não se exige, afirmam CRISTIANO CHAVES OE FARIAS E NELSON ROSENVAL0 15, um
vício de larga extensão para que seja concedida a prerrogativa da
redibição. Há, segundo os autores, "direito potestativo à redibição,
mesmo que o vício não seja apto a inutilizar completamente a coisa".

14. LÔBO, Paulo. Direito Civil. Contratos. São Paulo: Saraiva. 201i. ia edição. p. 162.
15. FARIAS, Cristiano Chaves. ROSENVALO, Nelson. Direito dos Contratos. São Paulo:
Atlas, 2015. p. 470.
'
Cap. 6 • Vícios Redibitórios 235
t
b) Ação Estimatória ou Quanti Minoris.
O objetivo é a manutenção do contrato. Diante do defeito, plei-
teia o adquirente um abatimento proporcional de valores. Estima-
-se o valor econômico do defeito e abate-se do preço pago. Assim,
por exemplo, caso o celular alienado não esteja gravando vídeos,
estima-se quanto valeria esta função ao aparelho e, ato contínuo,
realiza-se o abatimento do preço no respectivo montante.
As modalidades de Ações Edilícias são excludentes entre si,
falando-se em uma alternância de possibilidades. Não é crível plei-
tear a redibição (desfazimento do negócio) cumulada com o abati-
mento proporcional do preço (manutenção do negócio). O lesado
terá o direito de escolha de uma das possibilidades supramen-
cionadas, as quais se excluem entre si (electa uma via non datur
regressus ad alteram).

~ E na hora da prova?
Ano: 2010 Banca: TRT - 6R (PE) órgão: TRT - 6• Região (PE) Prova: Juiz do
Trabalho
Sobre os vícios redibitórios, observe as afirmações abaixo e, depóis,
assinale a alternativa CORRETA:
1. o vício somente é caracterizado como redibitório se o alienante da
coisa tiver conhecimento dele.
li. A garantia por vícios redibitórios dada pela lei ao contratante pre-
judicado constitui um dos efeitos diretos dos contratos comutativos.
111. A ação estimatória é o meio de que se pode servir o adquirente
para enjeitar a coisa por vícios ou defeitos ocultos.
IV. Para que o vício seja redibitório, é indispensável que ele torne a
coisa imprópria ao uso a que é destinada, não se admitindo a sua
caracterização em outra hipótese.
V. A ação quanti minoris, se exercitada pelo adquirente prejudicado,
não acarreta a redibição do contrato.
a) Apenas as assertivas 1e IV estão corretas.
b) Apenas as assertivas li e V estão corretas.
c) As assertivas li, Ili e V estão corretas.
236 Direito Civil - Vol. 13 • Luciano figueiredo e Roberto figueiredo

d) As assertivas 1, Ili e IV estão corretas.


e) As assertivas I, li e V estão corretas.
Gabarito: b

D'outra banda, caso o vício seja ínfimo, não prejudicando a fina-


lidade do contrato, é possível o afastamento da teoria dos vícios re-
dibitórios, como bem advoga FLAv10 TARrucE' 6 • É a simples aplicação dos
ideais de proporcionalidade e razoabilidade às relações privadas.
A configuração dos vícios redibitórios não demanda a presença
de culpa (lato sensu). Não se exige dolo (intenção) ou culpa (impru-
dência, imperícia ou negligência) por parte do alienante. Mesmo
diante da ignorância do vício, advoga CARLos RoaERTO GoNÇALVEs'7, haverá
a incidência da teoria dos vícios redibitórios, haja vista ser o fun-
damento teórico o princípio da garantia e a vedação ao enriqueci-
mento sem causa, em atenção à justiça contratual.
Nessa esteira de pensamento, para o exercício das pretensões
relacionadas às ações edilícias, não se demanda a culpa do alie-
nante. Caso, porém, haja a presença da culpa do alienante, confor-
me visto no volume dedicado às obrigações, será possível ao lesa-
do cumular o pleito de perdas e danos; falando-se em redibição,
mais perdas e danos; ou abatimento proporcional, mais perdas e
danos (CC, art. 443). Sistematicamente:

Ação Redibitória + Perdas e Danos


Ações Edilícias
(Presença de Culpa do Alienante)
Ação Estimatória + Perdas e Danos

~ Atenção!

a) O Código Civil anterior vedava a admissão de Ações Edilícias quan-


do a coisa fosse adquirida em hasta pública. Tal regra, porém, não

i6. TARTUCE, FLÁVIO. Manual ele Direito Civil. Volume único. 4 , edição. São Paulo·
Método, 2015. p. 626. ·
i7. GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito Civil Brasileiro. São Paulo: Saraiva. vol. . ?"
edição. 2010. p·. 132.
3
Cap. 6 • Vícios Redibitórios 237

t()ra repe,tid~ np có~ig9f~Jµ1Jytgeilt~~Jf~tã'"~~í;; ..


:· P*ls• ~,têgislifüo~.· to.1.;,~~r>r~~§ô:'nã,frl>r!)>teÇ,ã.p)J't
·P,ÓhU~a~ cíll~~gó .M fo~~l~;s#~;~~itç~§·~çc,. ~.··;e'.
Por cp11Ja· d~;<>;Qli$s~q, '~oi ••
1

dérrédof;d~átmcação'do~< . . "·
públi~';éfr1m"~~;~$··i>'>sici.. :1.~

:~'i®:~~írit~#~a~~i
rios p~ravendasrefuha$ta ! ica~{ ,,;:: ..... • ....
Pósidó.nameríto 2·. Pârà·CRíSJii~~:c:..~.•l.vil. •~•.1\.1i~iFi~~
. a h~sta ppblic(!..1Jm ato d~. i{Jl~~ri<)~ t:~g~oi~,fad ,,,
e contra a vontacfo do d.ev.edQr/ ,riã<J é ~t-ry~t.~·:j~e
vendedor pela garantia do bom .e~ta:d!Y'e ius~;~.Í(··f:'.
trajud. icial.~ poréQ1, diante d<? caráter votJtiy~i~~if~~i;V
Autores com a aplicaçãô do iristitutó.. "' <«, 1,'-·:<r,;~t', {3:' f~':;~

Parece-nos, o segundo pos~c;i 011amentp, rnai$faz()~y~I,~ '· ··.•··


b) De igual sorte, níio rep~teó Código CÍvil 1Vigente·a dispÔSiçã,ó exis-
tente no anterior, a qual Permltià.oàtá.sti:!.di'ent9 dosVíciosredibitó-
rios por cláusula contratual expressa. Assim; qºestfona~sé derredor
da (im)possibilidade de. cláusula expressa apta ~·excluir os vícios
redlbitórios. Mais uma vez, há dois posicionamentos:
Posicionamento i - Minoritário - Para JoNEs DE F1GuE1REDo'º• diante do pilar
da eticidade e impositividade da boa-fé, tem-se corflo impossível o
afastamento do sistema dos vícios redibitórios por cláusula expressa;
Posicionamento 2 - Majoritário - Para CR1sr1ANO Cwwés ÓE FARIAS E. NmoN
RosENVAL0 21 , S1Lv10 oo SALVO VENOSA22 e. MARIA HELENA Dm1z2 ' há· possibilidade de
exclusão contratual expressa da teoria dos vícios redibitórlos, em res-
peito à autonomia privada.

18. Novo Código Civil Comentado. p. 393.


19. FARIAS, Cristiano Chaves. ROSENVALD, Nelson. Direito dos Contratos. São Paulo:
Atlas, 2015. p. 468.
20. Novo Código Civil Comentado. p. 394.
2i. FARIAS, Cristiano Chaves. ROSENVALD, Nelson. Direito dos Contratos. São Paulo:
Atlas, 2015. p. 463.
22. VENOSA, Silvio do Salvo. Teoria Geral das Obrigações e Teoria Geral dos Contra-
tos. lo• edição. São Paulo: Atlas, 2010. p. 541.
23. Op. Cit., p. 148.
238 Direito Civil - Vol. 13 • Luciano Figueiredo e Roberto Figueiredo

A~uz aind.a. Venosa, ai~ tne~mo•.a;p,~ssi?llida.de de':1rnitigél,Ç~.~~à ~~ran~


tia, por cl~u$ula e".<pressa, e· ern. a~enção à autonol'llia,; ·com~ l.lfl1;J:tm-
trato que. ape.nas pq~~.i9iitt~, ~lan~e.·dovkio r~l'.fibfüf>rip}:õ a~atlmer)tó
propori::ional'do preÇó: invJabilfaando a rediblção .. ' · · ··· ·· ··
Fato que, pot'em, casd dcontrato em análise seja de cO~surnri~ alãflte ~o
regimé protetivocogefite diferénciado,·a cláusulá de exclusãó·dos v!Cios
redibitóri()s será· nula (cpc, art.. 51)'. Além disso~ tratándó,:sífde contrato
de adesão, igualmente nula. será a, cláusula ern <!ornerlt9~ p(>is ~ n~tá .a
renúncia antecipada a direito. em contrato· de attesãc) .(CC,:Lart~ ~2.tJ: ' :; :·
~ E na hora da prova?
" :·,' /• -~,

Ano: 2015 Banca: FCC órgão: SEFAZ-PI Prova: Analista do Tesouro


Estadual
De acordo com o Código Civil,
a) a garantia contra os vícios redibitórios independe de estipula-
ção expressa
b) nos contrato1s de adesão, pode-se renunciar antecipadamente
a direito inerente à natureza do negócio.
c) pode-se estipular,como objeto de contrato, herança de pessoa
viva que tenha sido interditada.
d) em contrato de adesão, quando houver cláusulas ambíguas ou
contraditórias, o juiz deverá interpretá-lo em favor. da parte
que o elaborou.
e) o contrato preliminar deve conter todos os requisitos dd con-
trato a ser celebrado, incluindo a forma.
. Gabarito: a

E o aumento·das garantias,· sei:;iapossívet?


',, ',' '//\,'\'(.'.,>" ' '
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,, ' , J ' \ ·':': ' /,:; ~

Tem-se como viável a dilataçãó, com imposição,·por exemplo, d.e uma


cláusula penal diànte de um vitio redibit6rio. Aqui há aumento de tüte-
la, por exe.rcído da autonomia, repousando a conduta em águas câlmas.
c) Segundo o vigente Código Civil, permanecerá a aplicação dos vícios
redibitórios mesmo que a coisa venha a perecer nas mã'os do ad-
quirente, desde que o pêrecirnento decorra de vício oculto, exis-
tçnte ao tempo da tradição. A premissa é clara: vícios redibit6rios
fundam-se no ideal de garantia, pouco importando a conduta do
agente (CC, art. 444). Outrossim, percebe-se ô afastamento da. teo-
ria do res perit domino sue (a coisa perece para o seu dono) diante
do fato do vício ser preexistente.
Cap. 6 • Vícios Redibitórios 239

E qual seda o prazo para exercício do direito?

Tendo em vista o objeto do direito das ações edilícias ser po-


testativo, os prazos para exercício são decadenciais - Enunciado 28
do CoNsELHo DA Jusr1ÇA FEDERAL e art. 445 do Código Civil. Percebe-se uma
primeira mudança em relação à legislação pretérita, a qual traba-
lhava com prazos prescricionais.
Além disso, ainda em cotejo com o Código Civil anterior, hodier-
namente os prazos foram dilatados. Trata-se de rara hipótese de
aumento de prazos, quando comparada a legislação pretérita à
atual.
Voltando os olhos ao Código Civil atua!, tem-se no art. 445 pra-
zos estampados tanto no seu caput, como em seus parágrafos pri-
meiro e segundo. Veja-se:
a) Prazos do caput.
Bens móveis 30 (trinta) dias, contados da entrega
efetiva;
Bens imóveis = 1 (hum) ano, contados da entrega
efetiva;
Utiliza-se o Código Civil, aqui, como marco inicial para o exercí-
cio do direito, a tradição ou entrega da coisa. Tal tradição, ensina
PAuLo Lõso'4, há de ser efetiva, com o real recebimento da coisa por
parte do adquirente. A tradição ficta, portanto, não é capaz de ser-
vir como marco inicial à contagem dos prazos para o exercício dos
direitos potestativos, decorrentes dos vícios redibitórios.

~ E na hora da prova?

Ano: 2014 Banca: TRF - 2• Região Órgão: TRF - 2• REGIÃO Prova: Juiz Federal
Assinale a opção correta:
a) Em regra, a garantia contra a evicção incide por força da própria
lei, tanto aos contratos onerosos quanto aos contratos gratuitos,
sendo que, nestes últimos, é lícita a cláusula que a afasta do ajuste.

24. LÔBO, Paulo. Direito Civil. Contratos. São Paulo: Saraiva. 2011. ia edição. p. i58.
240 Direito Civil - Vot. 23 • Luciano Figueiredo e Rooerro Figueiredo

b) A garantia contra os vícios redibitórios é especificidade do contrato


de compra e venda.
c) A garantia contra os vícios redibitórios abarca, em regra, os vícios
ostensivos.
d) A garantia contra os vícios redibitórios e contra os riscos da evic-
ção, no Código Civil, pressupõe a culpa do alienante, ao contrário
do sistema do Código de Defesa do Consumidor, que é objetivo.
e) No Código Civil, presente o vício redibitório., em regra o adquirente
decai do direito de obter a redibição ou o abatimento do preço
no prazo de trinta dias se a coisa for móvel, e de um ano se for
imóvel, contado da entrega efetiva.
Gabarito: e

.- Cuidado!
Se o adquirente já estava na posse da coisa, o prazo cairá pela meta-
de, sendo corítâ.do da alienação. Logo, ter-se-á.:
- Bens móveis = 15 (quinze) dias, contados da alienação;
- Bens imóveis = 6 (seis) meses, contados da alienação;

Exemplifica-se. Imagine que João (comprador/alienatário) ad-


quiriu uma sala de Caio (vendedor/alienante). Caso haja a pre-
sença um vício redibitório, João terá o prazo de um ano, contados
da entrega efetiva, para ajuizamento de uma das ações edilícias e
exercício dos seus respectivos direitos potestativos. Entrementes,
se João já era locatário das salas de Caio antes da venda - leia-se:
já estava na posse da coisa -, o prazo cairá pela metade (seis me-
ses), contando-se, agora, da data da alienação.
A redução, aqui, como advogam PABLo SroLZE GAGUANo E RoooLFo PAM-
PLONA F1LH0 25 , decorre da presunção de que se o adquirente já estava
na posse da coisa, já tinha ciência do vício. Tal justificativa, porém,
arrematam os Autores, nem sempre é equânime, pois a posse de
apenas um dia do imóvel já seria passível de reduzir do prazo pela
metade e, seguramente, não conferira aos adquirentes maior pos-
sibilidade de acesso aos defeitos.

25. FILHO, Rodolfo Pamplona e GAGLIANO, Pablo Stolze. Novo Curso de Direito Civil,
vol. 4. Tomo 1. São Paulo: Saraiva. 2015. 1ia edição, p. 235.
Cap. 6 • Vícios Redibitórios 241

b) Prazos do Parágrafo Primeiro.


Se o defeito, por sua natureza, apenas puder ser conhecido
mais tarde, o prazo será de:
Bens móveis = i8o (cento e oitenta) dias, contados da ciência
do vício;
Bens imóveis = i (hum) ano, contados da ciência do vício;
Diante da dificuldade maior de ciência deste vício, o legislador
alterou o termo a quo de contagem dos prazos, o deslocando
para a ciência. Outrossim dilatou o prazo relacionado aos bens
móveis.
Ao que parece, seguiu o legislador civilista as pegadas do Códi-
go de Defesa do Consumidor, o qual já propugnava a alteração do
termo inicial de contagem do prazo quando o vício, por sua natu-
reza, apenas puder ser conhecido mais tarde.

.- como o Superior Tribuna! de Justiça tem ~ manifestado sobre o


tema?
DIREITO CIVIL. VÍCIO REDIBITÓRíO É PAAzO DECAOENtiAL
Quando o vício oculto, por sua natureza, só puder. ser conhecido mais
tarde (art. 445, § lº;. CC), o ad9uire,nte de befl!. móvel t.erá o prazo. de
trinta dias (art. 445, caput; dó cc)r a ·partir da ciência·. desse· defeito,
para (!Xércer ó direitp de ·?l>ter a·\redibição 9:P . ªb~tif1Je~~o nOJ>reço,
désdé que o conhecimento (,lo'Víci9 ocorra' dentro t:togra~o de c~~to.~
oitenta t:tias .da aq1Jisiçã~. do b~ip;,O. pf;;tz;~ dec.ad~n,eia~ par<l~?'ercíc10
do direito de o.bter a. redibição ou abati.menta. no'prt:çôdf'. .bell;l mó7vel
é o previsto no ca.purdo art;. 44$·do cc, i~to é~ trinta dias. o § l~.d.o
art. 445· do cc apenas delimitaf'QUe; se o vício somente se reyel.~r. ma1.s
tarde em razão de sua natureza, o ptàzo de 3.0 dias fluirá ,a pa.rtir do
conh~cimento desse. defeÍtó~. t:t.esde q1,1e, revela.do. até 9, pr(lz:o .l'Tlá>!:il'Tl()
de i8o dias com relação aos pe.ns móveis. Desse fiiodo; na, caso de ví-
cio oculto e'm coisa móvel, o ad.qulrente tem o prazo máximo de ce.f'lto
e oitenta dias piu:a perce.ber q vfcici e, se .o notar neste período, !em
o prazo de decadênc::ia c:te trm~a dias,a partir da verlflcaç~o do vicio~
para ajuizar a ação redibitória. Nesse sentido, o. enunc::ladQ 174 do CJF
dispõe que: "Em se tratand°: de vício oculto, o adquirente tem ~s pra-
zos dó caput do .art. 445 p~r~ ~bt~r reciibição óu ~bafi1J'1~1'1t?: d~ ~~~ço,
desde que os vícios se revelem nos prazos estabelec1t:tos no. paragrafo
242 Direito Civil - Vol. 13 • Luciano Figueiredo e Roberto Figueiredo

prilnetro, flulndo,~ntretanto,. a· partif do conhecimeÍlto do defeito".


RE~p J.09s.,8ª2~sP,:i~el~ Min. Maria· isa bel Gallotti~ julga dó em. 9/12/2<>í4,
óJe 19/12/'i.014. · · · · ..·· ·

b) Prazos do Parágrafo Segundo.


Na hipótese de venda de animais, os prazos serão guiados pe-
las Leis Especiais e, em sua falta, pelos usos e costumes do local.
Nas hipóteses em que for possível o pleito de perdas e danos,
por culpa do alienante (CC, art. 443), caso o lesado opte apenas
pelo exercício da reparação civil, não pleiteando a redibição ou 0
abatimento proporcional do preço, concordamos com CR1sr1AN0 CHAVES
DE FARIAS E NmoN RosENVALD 26 no sentido de que o prazo prescricional
da pretensão será o de três anos, afastando-se os decadenciais
do art. 445 e aplicando-se a regra geral da reparação civil (CC, art.
206, p. 3, V). Fala-se em prazo prescricional, e não decadencial, por
dizer respeito tão somente à reparação civil, não envolvendo as
consequências dos vícios redibitórios. 2 1 28

., ·Atenção!
a) PaftiC(Jlar:mente discorç:lamos ç:Ia doutrina majoritária no sentido de
que os vícios redibit6rios apenas seriam aplicados aos defeitos ocúltos.
caminhando com MARm Luiz DELGA0027 ~ FtAv10 TARrucE 28, entendemos que o .·.
art. 445 do. C:ódlgo Civ.il, a.o veiculat;prazos para vícios. q(Je ape.nas pos·
sa.m ser conhecidçis. mais tarde (defeitos ()CUitos- art .. 445; parágrafo
primeirJ>)~ bé;m Ç()Íl!º .prazos de re~ra. geral (arv 445, ~qput), contempla
como:wcios.r~d!l?i~otio.s tanto os oç~ltos (p,arágrafo.pr:imeiro), cc:)rno .os
aparentes (cqput). · · ~V t<•. ·. · . · .· · .·· · ·
Spmos~.l'(e~t~. p9,Ôto~· rn!~orlél, Nes~~.senda, diante (la Jrlaioria. da dOIJ·
trina,,optou~~e nesta obr.a por apenas faZ:.~restaftindamentada nota
o. a
de discórdia,. tendo segui dó capitulo doutrina majóritária cobrada
em provas concursais.

26. FARIAS, Cristiano Chaves. ROSENVALD, Nelson. Direito dos Contratos. São Paulo:
Atlas, 2015. p. 47i.
27. DELGADO, Mário Luiz. Posfácio. Introdução Crítica ao Código Civil. Org. Lucas Abreu
Barroso. Rio de Janeiro: Forense, 2006. p. DLXXXV.
28. TARTUCE, FLÁVIO. Manual de Direito Civil. Volume único. 4ª edição. São Paulo:
Método, 2015. p. 624.
Cap. 6 • Vícios Redibitórios 243

P~ o ··~untici~~ .i,t5 d~ Cq11s~u10 ·~f. lilsr~~ FEo~líf.L exter11a 1.popltiopânl~~tÓ•·


·· não ~~;ot;t~t}P:~ q~~~~rri()~I~~~~~ :cl9s f!~a~os. cl~.ÇjlQ.etf~i.<t" l~~ip;
nac1os .~()~ vít.•()~· reclibl~6:rtos~·prese1te$~noar~t: 44s.kfac ~ó .• ;'ctyll~(
s~gund9. º.•e6ün<it~~o~ 1 0· Par~il";ito)Jrl!tffYil'Ó. ~e1iuía··.prazosc;t~\Í~~~n­
c1a, ao passo quê caput trabàlha com pratos de exercício do dfrelto.
Explica-se: pará coisas :m6veis, :<> vício oculto haverá. de ser detectado
em até 180 .(cento e. oitenta;) diàs; já para im~veis, em at~ ;i (hum) àllo.
Detectado o víci()1 o. aç:lqulreríte.terá o prazo de 30 (trinta dias) pàra
1116veis'. e. um} (ht1JU)a;m~ P.<traJm~veis.>. para exercitar o direlfoà re-
dlbição ou ab'atiíiu~nto':pr'oporc!o~al:do J?re.ço. . . · ·
Como dito, o. EriÜnciançlo não possui largo alcance .doutrinário e jUris-
prudencial; devendo, porém~ o leitor ficar atento às futuras manifesta-
ções dos pretórios nacionais sobre o tema:.
c) A doutrina, a exemplo dê MARIA HElENAD1~1z29, firma exceções ao sist.e·
ma de contagem dos praz:os do Código Civil. Na hipótese de máqul•
n.as, por exemplo, o prazo rião deve ser contado da entrega, mas
sim.do fina;l! ele.sua experimentação~ a qual costuma durar dias. No
caso de animais ... se o vício for fruto de doença pretérita, poste-
rior~ente manifesta;.da, p~or con~~ do período de incubação - h~ de
ser visto o prazo da manifestação da patologia.
d) É plenamente possível>que as partes, mediante convenção, c:lila-
tem os prazos de garantia pelos v(cios redibitórios. Tem-se aql!i o
que denomina a do.utrina.de gar;antia convencional ou volUntária. E
como ficará a garantià legal? ·
Na forma do art. 446 do Código Civil, os prazos de vícios rediblt6rios
não correrão enquanto estiver em curso a cláusula de garantia conven-
cional. Tecnicamente~ vê-se esp~cífic.a e 1(1,ICI, hipótese legal de impedi-
mento do prazo decad;encia,!. · · ··
Que fique claro: os prazos de ga;r~ntia 'conv~ncional e legal serão curnu·
lados. lnicialmente .. correrá a garantia convendonal e, apenas finda
esta, iniciará o e.urso da garantia legal.
Em. qµalquerhlp.ót~s~í,J)()rérh, p (ldquiref)te há de denunciar o defeito
nos trintà dias se~úínte.s ao seu·.desi::obrhttento, sob pena de decadên-
cia. Tal denúncia pode.ser Judidal ou extrajudicial, dialogando com o
dever anexo de informação e o duty to .mitigate the loss, decorrente
da boa-fé. Tais temas foram visitados no volume de Responsabilidade
Civil, ao tratarmos do abuso de direito.

29. DINIZ. Maria Helena. Curso de Direito Civil Brasileiro. Teoria Geral das Obrigações Con·
tratuais e Extracontratuais. VoL llL 27• edição. São Paulo: Saraiva, 2011. p. 144 e 145.
244 Direito Civil - Vol. 13 • Luciano Figueiredo e Roberro Figueiredo

~ E na hora da prova?
Ano: 2012 Banca: TJ-DFT órgão: TJ-DFT Prova: Juiz
A respeito dos vícios redibitórios nas relações regidas pelo Código Ci-
vil, analise as proposições abaixo e assinale a alternativa correta.
1. A coisa recebida em virtude de doação onerosa pode ser enjeitada
por vício ou defeito oculto;
li. Se a coisa perecer em poder do alienatário, por vício oculto já exis-
tente ao tempo da tradição, não m.ais subsiste a responsabilidade
do alienante.
Ili. O desconhecimento do alienante é indiferente e deverá restituir o
que recebeu com perdas e danos, tal como o que sabia do vício ou
defeito da coisa ao tempo do negócio.
IV. Na constância de cláusula de garantia não correm os prazos extinti-
vos do direito de obter a redibição ou o abatimento do preço, mas
deve o adquirente denunciar o defeito ao alienante nos trinta dias
subseqüentes ao seu descobrimento, sob pena de decadência.
a) Apenas as proposições li e IV estão corretas.
b) Apenas as proposições 1e Ili estão corretas.
c) Apenas a proposição IV está correta.
d) Apenas as proposições 1e IV estão corretas.
Gabarito: d

E no Código de Defesa do Consumidor, a teoria dos vícios redi-


bitórios é igual à do Código Civil?
Seguramente que não.
Verificada uma relação de consumo, o tratamento dos vícios
redibitórios civilista torna-se subsidiário, prevalecendo a normati-
zação especial e diferenciada do Código de Defesa do Consumidor.
Isto, porque, enquanto o legislador civilista parte da premissa de
contratos entre pares (iguais ou quase iguais), o Código de Defesa
do Consumidor repousa na máxima de partes assimétricas.
Cientes do fato de que esta obra não se trata de construção
consumerista, enuncia-se abaixo as principais diferenciações do
tratamento dos vícios redibitórios no Código de Defesa do Consu-
midor, em cotejo com o Código Civil. São elas (art. 18 a 26 do CDC):
Cap. 6 • Vícios Redibitórios 245

a) A possibilidade de transferência (inversão) do ônus da pro-


va ao fornecedor, no que diz respeito à preexistência do
vício, desde que verificada a verossimilhança das alegações
ou a hipossuficiência do consumidor (CDC, art. 6, VIII);
b) Veicula o coe, de forma mais detalhada, a classificação dos
vícios, pois estes englobam impropriedade ou inadequação
do produto ou serviço. Assim o CDC contempla, na tutela dos
vícios redibitórios, obrigações de fazer (serviços) e inade-
quações. No CDC a proteção dos vícios redibitórios funda-se
em uma Teoria da Qualidade.
c) Fala-se, dentro da ótica do Código de Defesa do Consumidor,
em: a) Vícios do Produto (oculto, aparente, de qualidade, de
quantidade e de informação) e b) Vícios do Serviço (oculto,
aparente, de qualidade, de quantidade e de informação);
d) Os prazos decadenciais veiculados no CDC são diversos em
relação ao Código Civil. O art. 26 do CDC trabalha com 30
(trinta) dias para bens não duráveis e 90 (noventa) dias para
bens duráveis. Obsta a decadência a reclamação compro-
vadamente formulada perante o fornecedor, até que haja
ciência de sua resposta negativa e inequívoca. Ademais, nos
vícios de difícil percepção, o prazo apenas será iniciado de
sua ciência.

~ Como o SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA tem se manifestado acerca do


tema?
DIREITO DO CONSU.MIDOR. VÍCIO OCULTO. DEFEITO MANIFESTADO APÔS O TÉR-
MINO DA GARANTIA CONTRATUAL. OBSERVÂNCIA DA VIDA ÚTIL DO PRODUTO.
o fornecedor responde por vício oculto de produto durável decorrente
da própria fabricação e não do desgaste natu.rat gerado pela fruição
ordinária, desde que haja reclamação dentro do prazo decadencial de
noventa dias após evidenciado o defeito, ainda que o vício se manifes-
te somente após o término do prazo de garantia contratual, devendo
ser observado como limite temporal para o surgimento do defeito o
critério de vida útil do bem.

e) No CDC, as consequências possíveis, à escolha consumidor


(direito potestativo), diante dos vícios, são:
246 Direito Civil - Vol. 13 • LUciano Figueiredo e Roberto Figueiredo

a) Vício de Qualidade do Produto: Caso o fornecedor não


o sane em trinta dias, o consumidor poderá escolher
entre a i. Substituição do Produto; ou ii. A Restituição
do Preço ou iii. o Abatimento Proporcional da Preço;
b) Vício de Quantidade do Produto: Caso o fornecedor não
o sane em trinta dias, o consumidor poderá escolher
entre a i. Substituição do Produto; ou ii. A Restituição
do Preço; ou iii. o Abatimento Proporcional do Preço ou
iv. a Complementação do Peso ou Medida
c) Vício de Serviço: i. Devolução do Preço; ou ii. Abatimen-
to do Preço ou iii. Reexecução do Serviço.
Se no pedido de substituição do produto viciado não houver
um igual, o consumidor terá direito ao equivalente mais próximo,
reembolsando o fornecedor, ou recebendo reembolso, a depender
da variação de preço para cima, ou para baixo, em relação ao
produto originário.
É possível que o prazo de trinta dias para que o fornecedor
sane o vício do produto seja reduzido ou ampliado, não podendo,
todavia, ser aquém de sete ou superior a cento e oitenta dias.
se o vício do produto for tão extenso a ponto da substituição
das peças viciadas comprometer a qualidade ou características do
produto, ou diminuir-lhe o valor, bem como se tratando de produto
essencial, o consumidor, de pronto, poderá requisitar a redibição
do contrato.
f) No coe, caso haja uma cadeia de fornecedores participantes
da produção, circulação e distribuição dos produtos, todos
responderão solidariamente pelos danos. Em se tratando de
serviços, responderá o contratado ou subcontratado, mes-
mo que mero prestador de serviço ou autônomo. À exceção
é a hipótese de produto in natura, quando responderá o
produtor e, caso este não seja identificado, o fornecedor
imediato;
g) No Código de Defesa do Consumidor, diante do caráter co-
gente das normas, resta nula de pleno direito a renúncia à
garantia dos vícios redibitórios (CDC, art. 25). Ademais, na
Cap. 6 • Vícios Redibitórios 247

seara de consumo, a garantia legal dos vícios redibitórios é


automática, não demandando nenhum termo escrito (CDC,
art. 24).

~Atenção!.

o que se entende pela desrriateri~iização dos vícios redlbit6rios?


Apô:f a evolução tecnológicá experfrnenfad.a pelà soçiedade mul1dlat
sobretudo devido ,à. era• éfafnformação, com a grande troca de C:onhe~
cimentos advinda dos ·avánços dos. sistemás. de comunicação,. o· co•
nhedmento passou a consi5tir em um bem de valor supremo. Assim, a
propriedade imaterial galgou valoração econ.Ômka bastante superior à
da propriedade material, se.ndo o know-how e a tecnologia objetos de
cobiça e sigilo entre as grandes empresas. ·
o avanço dos ~elos tecnológicos tem gerado um aumento do tráfe-
go contratual por vias eletrônicas, notadamente através do comércio
eletrônico;
Nessa linha de intelecção, CLÃuo1A LIMA MARQUEs3<l observa que os pro-
duto.s e serviços oferecidos aos consumidores, Igualmente, sofreram
transformações, modificando-se os modelos de vícios. Diuturnamen-
te, portanto, é possível observar-se como m()dalidades de vícios dà
informação:
a) Vícios de lnforrJilações Stricto Sensu: Relativos à incongruência entre
a informa,ção pré.contratual (publicidade) e o produto ou serviço en-
tregue ao consumidor;
b) Vício do Produto Informacional ou Elet.rônico: Sendo este um víci.o
de qualidade ou quantidade do produto ou serviç-0 apto a ocasionar
quebra da confiança do consumidor, como falhas em seguranças de
dados, expondo a vida pessoal do lesado.

Vencido o capítulo dedicado aos vícios redibitórios, uma das


modalidades de garantias contratuais, é hora de avançar, aden-
trando o tratamento de uma segunda modalidade de garantia: a
evicção.

30. MARQUES, Cláudia Lima. Confiança no Comércio Eletrônico. p. 86 87.


248 Direito Civil - Vol. 13 • LUciono Figueiredo e Roberto figueiredo

~ E na hora da prova?
Ano: 2014 Banca: UFMT órgão: MPE-MT Prova: Promotor de Justiça
Sobre os preceitos constantes no Código Civil a respeito Dos Vícios Re-
dibitórios, analise as assertivas.
1. A coisa recebida em virtude de contrato comutativo ou doação
onerosa pode ser enjeitada por vícios ou defeitos ocultos, que a
tornem imprópria ao uso a que é destinada, ou lhe diminuam o
valor.
li. Se o alienante conhecia o vício ou defeito da coisa, restituirá so-
mente o valor recebido pelo negócio e as despesas do contrato.
Ili. A responsabilidade do alienante subsiste ainda que a coisa pereça
em poder do alienatário, se perecer por vído oculto, já existente
ao tempo da tradição.
IV. O prazo decadencial para o ajuizamento da ação redibitória ou da
ação quanti minoris é de quinze dias, no caso de bens móveis, e de
um ano, no caso de bens imóveis, contado da entrega efetiva.
Estão corretas as assertivas:
a) 1e li, apenas.
b) 1, Ili e IV, apenas.
c) li, Ili e IV, apenas.
d) li e IV, apenas.
e) 1e Ili, apenas ..
Gabarito: e

~ E na hora da prova?
Ano: 2013 Banca: TJ-RS Órgão: TJ-RS Prova: Titular de Serviços de Notas
e de Registros
Em relação aos vícios redibitórios:
1. é inaplicável a disposição do anigo 441 do Código Civil, concernen-
te aos vícios redibitórios, às doações onerosas.
li. são duas as ações edilícias: a redibitória e a estimatória.
Ili. a ação quami minoris acarreta a redibição do contrato.
IV. a ação redibitória consiste na resolução do contrato.
cap. 6 • Vícios Redibitórios 249

v. na ação redibitória, se o alienante conhecia o vício ou defeito da


coisa, o adquirente fará jus à restituição do que pagou com perdas
e danos.
Estão corretas as afirmativas:
a) 1, li, IV e V.
b) Ili e V, somente.
c) 1 e Ili, somente
d) li, IV e V, somente
Gabarito: d
'
1
'
1
Capítulo 1

Evieção

1. CONCEITO, FUNDAMENTO E PERSONAGENS


Etimologicamente "evicção" significa perda. Afirmar que algo
evenceu é o mesmo que afirmar que algo se perdeu. Fato, porém,
que o uso do signo evicção como perda, 110 vocabulário corrente,
não é algo frequente.
Historicamente a noção de evicção remete à construção roma-
na. Nasceu, consoante as lições de PAsLo Srnm GAGUANo E RoooLFo PAM-
PLONA FtLHo', das formalidades da mancipatio, ou do negócio menos
formal batizado de stipulatio. Ensina S1Lv10 oo SALVO VrnosA 2 que se
um adquirente pela mancipatio era demandando por um terceiro,
antes de ocorrer a usucapião, poderia chamar o vendedor para
que ele se apresentasse em juízo, para assisti-lo e defende-lo na
lide. Se o vendedor se negasse a comparecer, ou, se mesmo com-
parecendo, o adquirente visse a ser privado da coisa, teria este
último a chamada actio auctoritatis, para obter o dobro do preço
que havia pago no negócio.
Firma CARLOS RoBERTO GoNçALVEs3 que a palavra evicção vem do latim
evincere, significando ser vencido em um pleito relativo a coisa
adquirida por terceiro. Hodiernamente a evicção é urna garantia
contra a perda, por parte do adquirente (evicto), da posse ou pro-
priedade da coisa transferida, por força de uma sentença judicial
ou ato administrativo que reconheceu direito de terceiro (evictor).

1. FILHO, Rodolfo Pamplona e GAGLIANO, Pablo Stolze. NOVO Curso de Direito Civil,
vol. 4. Tomo 1. Ed. Saraiva. 2015. 11' edição, p. 243.
2. VEHOSA, Silvio do Salvo. Teoria Geral das Obrigações e Teoria Geral dos Contratos.
10• edição. São Paulo: Atlas, 2010. p. 564.
3. GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito Civil Brasileiro. Vol. 3. 7• edição. São Paulo:
Saraiva. 2010. p. 142.
252 Oíreito Civil - Vol. 13 • LUclano Figueiredo e Roberto Figueiredo

Tecnicamente ev1cçao, assim como os vícios red ibitórios, rela-


ciona-se a uma garantia da Teoria Geral dos Contratos, aplicável
às figuras onerosas. Visa resguardar o adquirente de uma eventual
alienação a non domino - leia-se: alienação de coisa por aquele que
não é o seu titular. Com efeito, o alienante é obrigado não apenas
a entregar ao adquirente a coisa alienada, mas também a garantir
o seu uso e gozo (princípio da garantia).
Pauta-se a evicção na proibição do enriquecimento ilícito por
parte daquele que alienou al30 que não lhe pertence. Por consequ-
ência, promove o instituto da evicção o ideal de eticidade (boa-fé)
e justiça contratual (equivalência material) nas relações privadas,
visando às trocas úteis e justas dentro do liame obrigacional.
Dialogando com a garantia, ensina PAuLo Lôso4, não demanda
a configuração da evicção culpa do alienante. Equilíbrio e justiça
contratual não tem como fato gerador conduta culposa, sendo a
responsabilidade civil de índole objetiva.
Nesse cenário, crível perceber que evicção e vícios redibitórios
são consequências implícitas dos contratos comutativos. Em feliz
síntese versando sobre a relação do princípio da garantia, evicção
e vícios redibitórios, ensina S1Lv10 Do SALVO VENoSA 5 que a evicção ga-
rante contra defeitos de direito; enquanto que os vícios redibitó-
rios garantem contra defeitos materiais.
CRISTIANO CHAVES DE FARIAS E NELSON ROSENVALD 6, caminhando em pensa-
mento próximo, afirmam que o adquirente será prmegido quanto
à funcionalidade e a substância do bem, seja diante da existência
de vícios ocultos que tornem a coisa imprópria para seu uso (vícios
redibitórios), seja no tocante à legitimidade do direito que lhe é
transferido (evicção). Prosseguem os autores afirma;ido que evic-
ção liga-se a própria noção de sinalagma contratual, seja em um
viés: a) genético (sinalagma genético) - representativo da corres-
pectividade contratual ao tempo do nascimento do negócio jurídico

4. LOBO, Paulo. Direito Civil. Contratos. São Paulo: Saraiva. 201i. I> edição. p. 154·
s. VENOSA, Silvio do Salvo. Teoria Geral das Obrigações e Teoria Geral dos Contratos.
10• edição. São Paulo: Atlas, 2010. p. 563.
6. FARIAS, Cristiano Chaves. ROSENVALD, Nelson. Direito dos Cont:-atos. São Paulo:
Atlas, 2015. p. 485 / 488-489.
Cap. 7 • Evicção 253

e b) funcional (sinalagma funcional) - visando à preservação a cor-


respectividade ao longo da execução do contrato.

>- AteoçãO!. . .· . . . .. . . .. . ... · .·• . . /•i •, . t .


Advlndo.a.•evicção,da•.n<w~~J~tlca, sufraÇa'o:art;. ~S,1:t~r~m~~<1~lnã.;9s~r.
apliçâ\íet.o i11S,tifút().~e. sà,bia.~ .ad(\ulrente.ser.a.col~a
' - -. , i ,, ' , -·. .,
.. a;lh~j~~~u litigiosa;
··> ,,,. "' .,_ . .'
,·, -., ' ·: •,, 'i"•"{,'~ ·' '.;'

Analisando o conceito e objetivo da evicção, verifica-se que a


sua configuração exige a presença três personagens fundamentais:
a) Alienante / vendedor - Aquele que realiza uma venda a non
domino, tendo a obrigação de transferência do domínio da
coisa e respondendo pelos riscos da evicção, diante dos lu-
cros obtidos na alienação;
b) Adquirente / Evicto - Aquele que fez a aquisição da coisa e
restou frustrado em seu direito de permanecer com o bem
adquirido, sofrendo a perda (evicção). Evicto é quem per-
deu a coisa;
c) Terceiro / Evictor - o titular do direito anteriormente violado
que retoma a coisa do evicto, exercitando seu direito de seque-
la e causando a evicção (perda). Evictor é quem ganha a coisa.
Exemplifica-se. Imagine que João (alienante) venda, indevida-
mente (alienação a non domino), a Caio (adquirente e futuro evicto)
o carro de Marcelo (terceiro cujo direito foi violado; futuro evic-
tor). Marcelo, obviamente, não assistirá a lesão de seu direito de
propriedade de braços cruzados. Afinal, em sendo proprietário do
veículo, terá a prerrogativa da sequela ou reivindicação (ir atrás da
coisa onde quer que esteja e nas mãos de quem quer que esteja -
CC, art. i.228). Ao reaver o bem, Marcelo (evictor) gerará, licitamen-
te, a evicção de Caio (evicto), quem pagou pela coisa e ficou sem o
bem. Logo, terá Caio direito de buscar, em face de João (alienante
a non domino) as prerrogativas decorrentes da perda (evicção).

~ E na hora da prova?
Ano: 2014 Banca: CESPE órgão: TJ-CE Prova: Analista Judiciário - Área
Judiciária
254 Direito Civil - Vol. 13 • Luciano Figueiredo e Roberto Figueiredo

Ricardo compróu uma motocicleta de Manoel, firmando coo.trato em


que não constél.va nenhuma .cláusula expressa sobre a evicção. Após
um m~s de uso, a motocicleta foi apreendida por um oficial de justiça,
que foi à casa d.e Ricardo cumprir mandado jodkiál de busca e apreen-
são fruto dé ação judlcial.Jnstado por Ricardo, Manóel declaroo desco-
nhec~~ a ação. judicial q11é originou o referido mandado; alegando que
adquiriu a motocicleta de terceiro.
Co~siderando _essa situação. hipotética e· o dispo~to no Código Civil,
assinale a opçao correta. ·
a) Manoel responderá pelo dan~ somente se for comprovada a sua
má-fé.
b) Ricardo não terá direito à indenização pela perda do veículo em
razão da liberdade de contratar. '
c) Manoel não responderá pelo dano experimentado por Ricardo,
haja vista que inexiste medida judicial aplicável a essa situação.
d) Ricardo deverá demandar judicialmente Manoel, que responderá
pela evicção. 1
e) Manoel não responderá pelo dano experimentado por Ricardo,
porque não tinha cónhecimento da ação judicial e do mandado.
Gabarito: d

2. REQUISITOS CONFIGURADORES DA EVICÇÃO

Visitando o Código Civil, em especial aos arts. 447 e ss., inferem-


-se como requisitos necessários à configuração da evicção:
a) aquisição onerosa de um bem, até mesmo em hasta pública;
b) perda da posse ou da propriedade (total ou parcial) - priva-
ção do direito do adquirente;

c) prolação de sentença judicial ou execução de ato


administrativo.
Passaremos a detalhar tais requisitos.

A) Aquisição Onerosa de um Bem, até mesmo em Hasta Pública.


Para que haja evicção, a aquisição patrimonial há de ser one-
rosa, como no clássico exemplo c1a compra e venda. Afinal, caso
Cap. 7 • Evicção 255

não o seja, perda não haverá por parte do adquirente, mas, tão
somente, a frustração de um ganho, ensina MARIA HELENA D1N1z1. Nessa
esteira, na seara gratuita não há de falar-se em evicção, a exem-
plo de doações puras. Todavia, sendo a doação onerosa (doação
modal), em vista do caráter oneroso do negócio, será plenamente
possível a aplicação da evicção (CC, art. 552).

• Atenção!
Ensinél.. Cf*R+os .R<l!IER1'.(). GoNÇAWE$8 .que em \l:áfia:s. legisJa~õ~s ~.·~etna eviéção
é· regutaqo de~tro dó. te~a•.compr,á. e vet;íd~, àPl!,(~lidi:;~s~: ·à penas· êl
esta flgura. o Código civil, de form(l dJyersa, .tràta ~~\assi.n\fo na Teoria
Geral dos Contratos, impondo o princípio da garantil:t:•atóda e qualquer
figura onerósa.
Segundo MARIA HELENA D1mz9 o direito à garantia da evicçã9 é um. elefllento
natural dos contratos comutativos (onerosos e bilaterais), que estabe-
leçam obrigação de transferir domínio, posse ou uso de certa coisa.
Aplica-se, portanto, evicçã9 n.a compra e venda, troca ou permuta, da-
ção em pagamento, partilhª de acervo hereditário, parceria pecuária ...
No Brasil,. por coriseguinte,aVançou"se no model.o Rq.mano de evicção.
Este, ele f,ªt~, ªp.enas re.conhecia .íl. evicção, incialmente, na compra e
venda~ Em terras brasilis; como vÍsto,a evicção é ciategoria aplicável
aos contratos onerosos, cuja causa é o enriquecimento, como verbe-
ram CRISTIANO CHAVES DE FARIAS E NELSON ROSENVAL010•
Sustentando interessante posicionamento, advogam CRISTIANO ·CHAVES oE
FARIAS E NELSON RosENVAto11, possibilidade de responsabilidade civil nas do-
ações puras (gratuitas), nas quais o doador, dolosamente, transfira
por liberalid(lde a propriedade de um bem que, sabidafllente,. não lhe
pertence. Aplicar-se-á à ríormatizàção.geral do. art. 392 do Código Civil,
a qual imporá .a responsabilidade. por dolo, nos cMtratos benéficos,
àquele a quem não aproveite à lil::íeralidade - no <:aso, o doador.

7. DINIZ, Maria Helena. Curso de Direito Civil Brasileiro. Teoria Geral das Obrigações
Contraêuais e Extracontratuais. Vol. Ili. 27' edição. São Paulo: Saraiva, 2011. p. 15 i.
8. GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito Civil Brasileiro. Vol. 3. 7' edição. São Paulo:
saraiva. 2010. p. 141.
9. Contra:uais e Extracontratuais. Vol. Ili. 27' Edição. São Paulo: Saraiva, 201i. p. tMJ.
10. FARIAS, Cristiano Chaves. ROSENVALD, Nelson. Direito cios Contratos. Sáo Paulo:
Atlas, 2015. p. 487.
11. FARIAS, Cristiano Chaves. ROSENVALD, Nelson. Direito cios Contratos. São Paulo:
Atlas, 2015. p. 487-488.
256 Direito Civil - Vol. 13 • Lllciano Figueiredo e Roberto Figueiredo

Colocando uma pá de cal nas discussões doutrinárias pretéritas,


o Código Civil é expresso em consignar a aplicação do instituto da
evicção às vendas realizadas em hasta pública (CC, art. 447). Assim,
caso joana realize a aquisição de um bem em hasta pública e,
posteriormente, venha a sofrer a sua perda, terá joana (evicta) a
prerrogativa de exercitar a garantia da evicção.

~ E na hora da prova?
A banca examinadora VUNESP, em prova de concurso público realiza-
do para o provimento do cargo de Titular de Serviços de Notas e de
Registros - Remoção, TJ-SP, ano 2014, considerou INCORRETA .a seguinte
alternativa: "Nos contratos onerosos, o alienante responde pela evic-
ção, mas esta garantia não subsiste se a aquisição se tenha realizada
em hasta pública".

~ E na hora da prova?
A banca examinadora Copese-UFT, em prova de concurso público reali-
zado para o provimento do cargo de Analista jurídico, DPE-TO, ano 2012,
considerou correta a seguinte alternativa: "nos contratos onerosos, o
alienante responde pela evicção. Subsiste esta garantia ainda que a
aquisição se tenha realizado em hasta pública."

Questão polêmica, porém, é saber em face de quem o evicto em


hasta pública exercitará a prerrogativa de sua garantia?
Como consabido, a arrematação em hasta pública não é con-
tratual, falando-se em uma expropriação forçada. o bem é pe-
nhorado e extraído do patrimônio do executado sem concurso de
vontade, ou mesmo contra ela. Há alienação coativa.
FREDIE SouzA D101rn ]R. 12 , dissertando sobre o tema, exDlicita os pos-
síveis posicionamentos no que tange ao responsável pela evicção
em hasta pública:

a) Para ARAKEN DE Assis, adotando o pensamento de L1EBMAN, cabe-


ria o exercício da evicção em face do devedor-executado.
Este enriqueceu indevidamente, ao passo que teve uma

i2. DIDIER JÚNIOR, Fredie Souza. Regras Processuais no Novo Código Civil. São Paulo:
Saraiva, 2004, p. 78.
Cap. 7 • Evicção 257

dívida saldada por patrimônio de terceiro não garantidor.


E mais: é o patrimônio do devedor-executado que deverá
suportar a execução processual em análise;
b) Segue o processualista (ARAKEN DE Assis) firmando que caso o
devedor-executado fosse insolvente, poderia o evicto voltar-
-se conta o credor-exequente, ao passo que este embolsou
valores para pagamento de um débito de outrem, haven-
do enriquecimento sem causa. Fala-se em responsabilida-
de subsidiária do credor-exequente, diante, até mesmo, da
possível insolvência do devedor-executado, conforme coloca
HUMBERTO THEODoRo júN10R1' . Para MARco AuRÉuo BEZERRA DE MEL0 14 seria
possível, até mesmo, buscar as eventuais garantias dadas
pelos credores-exequentes, quando da execução;
c) ARAKEN DE Assis vai além e, acompanhando WILARD DE (ASTRO VILAR,
defende que, em vista da evicção sofrida pelo arrematante,
o Estado poderia ser solidariamente responsabilizado com
as partes da relação processual, pois todo o procedimento
aconteceu dentro do Poder Judiciário, com sua chancela;
Analisando o tema, PABLo SrnLzE GAGUANo E RoDOLFO PAMPLONA F1LH0 15 , de
seu turno, afirmam que:
a) Apenas verificam a responsabilidade civil do devedor-execu-
tado caso este tenha agido de má-fé. Para os autores, agin-
do o executado de boa-fé, caso houvesse a perda (evicção)
por parte do arrematante (adquirente-evicto), esta estaria
acobertada pela álea do negócio, sendo assumido o prejuízo
pelo próprio adquirente;
b) Não compactuam da possibilidade de responsabilidade do
credor-exequente, quem, segundo os autores, era titular de
um crédito e o recebeu, nada interferindo para a evicção;
c) Não enxergam a possibilidade de responsabilização do Esta-
do-Juiz se houve respeito ao devido processo legal, mais uma

i3. THEODORO JÚNIOR, Humberto. Curso de Direito Processual Civil. Vol. li, p. 216.
14. MELO. Marco Aurélio Bezerra de. Novo Código Civil Anotado. Vol. Ili. p. 60.
is. FILHO, Rodolfo Pamplona e GAGLIANO, Pablo Stolze. Novo Curso de Direito Civil,
vol. 4. Tomo 1. São Paulo: Saraiva. 2015. lia edição, p. 245.
258 Direito Civil - Vol. 13 • Luciano Figueiredo e Roberto Figueiredo

vez por conta da álea envolvida no negócio e impossibilidade


do Poder Judiciário furtar-se a conduzir o processo, atentos à
inafastabilidade ou ubiquidade (art. 5, XXXV, do CF/88).
Para CARLos RoeERrn GoNçALvEs' 6 , seguindo PoNrEs DE M1RANDA' 7 e S1Lv10 Do
SAtvo VrnosA' 8 , deve-se exigir o valor do credor ou credores beneficia-
dos com a arrematação, ou, ainda, em face do devedor-executado
que, eventualmente, tenha recebido saldo remanescente, caso a
alienação tenha tido produto monetário superior ao da execução.
FLÁv10 TARTUcE' 9 defende a responsabilidade imediata do devedor
ou réu da ação, na hipótese de evicção em decorrência de hasta
pública. Segundo o autor, responde o devedor por ser o primeiro
beneficiado com a arrematação, ao livrar-se da dívida. Segue o ra-
ciocínio arrematando que o autor ou credor da demanda primitiva,
beneficiado com o recebimento dos créditos, há de ter responsabi-
lidade subsidiária ao devedor, por ter recebido os valores.
CRISTIANO CHAVES DE FARIAS E NELSON ROSENVALD 20 , caminham com ALEXANDRE
FREITAS CÃMARA 21 , defendem que:
a) Responderá, primeiramente, o executado, pois ele que os-
tenta posição de devedor, tendo sido beneficiado pelo des-
fecho da execução;
b) Subsidiariamente ao executado, responderá o credor-exe-
quente. Tecnicamente ele não seria parte legítima na de-
manda, pois nunca figurou como titular de direito relativo
ao bem evencido. Entrementes, sua responsabilidade terá
como fato gerador o princípio geral do enriquecimento sem
causa, ao passo que teve satisfação de seu crédito através
da alienação de patrimônio alheio;

16. GONÇALVES, Carlos Roberto. Oireito Civil Brasileiro. Vol. 3. 7ª edição. São Paulo:
Saraiva. 2010. p. 147.
17. PONTES DE MIRANDA, Tratado de Direito Privado. V. 38. p. 181.
18. VENOSA, Silvio do Salvo. Op. Cit., p. 573.
i9. TARTUCE, FLÁVIO. Manual de Direito Civil. Volume único. 4ª edição. São Paulo:
Método, 2015. p. 63i.
20. FARIAS, Cristiano Chaves. ROSENVALO, Nelson. Direito dos Contratos. São Paulo:
Atlas, 2015. p. 493.
2i. FARIAS, Cristiano Chaves. ROSENVALO, Nelson. Direito dos Contratos. São Paulo:
Atlas, 20;5. p. 493.
Cap. 7 • Evicção 259

c) Seguindo a linha de subsidiariedade, responderá o Estado,


com esteio na teoria do abuso de direito (CC, art. 187) e,
em especial, na proibição do comportamento contraditório
(nemo potest venire contra factum proprium). Ao fazer a hasta
pública o Estado gera no adquirente confiança de aquisição
de um bem idôneo, sendo tal confiança posteriormente que-
brada, em função da evicção. Não compartilham os autores
a linha da solidariedade, pois esta não se presume, não
havendo na situação posta nem lei e nem convenção impu-
tando solidariedade (CC, art. 265).
Data vênia, concordamos com o último posicionamento supraci-
tado, fazendo um único retoque: enxergamos, sim, a responsabili-
dade estatal solidária, tendo por fundamento o art. 942 do Código
Civil, haja vista ter o Estado concorrido com atos (hasta pública)
para a lesão (evicção). O tema, porém, como aqui retratado, é dos
mais polêmicos, carecendo de posicionamento avalizado do Supe-
rior Tribunal de Justiça.
B) Perda da Posse ou da Propriedade (Total ou Parcial) - Priva-
ção do Direito do Adquirente.
Além da aquisição onerosa ou em hasta pública, para que se
configure a evicção, necessária a perda da coisa, em virtude de
direito anterior de outrem. Tal evicção (perda) pode ser através de
ato administrativo ou decisão judicial.
Perda aqui deve ser significada sob o ponto de vista jurídico,
com privação da posse ou da propriedade por direito anterior de
outrem. Fundamental, por conseguinte, a verificação de que a per-
da se deve a fato pretérito do negócio. Perdas em virtude de fatos
posteriores hão de ser suportadas pelo adquirente, consoante a
regra do res perit domino sue.
C) Prolação de Sentença Judicial ou Execução de Ato
Administrativo.
Pode-se verificar a perda da posse ou propriedade da coisa
por decisão judicial em ação reivindicatória - ainda que em sede
liminar-, ou por auto executoriedade de ato administrativo, como
uma apreensão de veículo pela polícia em uma blitz, por queixa de
roubo ou falsificação documental.
260 Direito Civil - Vol. 13 • Luciano Figueiredo e Roberto Figueiredo

Aqui se deve ficar atento. É usual a construção doutrinaria no sen-


tido de que há evicção em função de decisão judicial., como bem pos-
to por ORLANDO GoMEs22 , BEVILÁQUA23 e tantos outros. Trata-se, ainda hoje,
de herança histórica do Código Civil de 1916, o qual, expressamente,
demandava decisão judicial para que restasse configurada a evicção.
Hodiernamente, porém, o Código Civil de 2002 não m:ais exige
a decisão judicial como requisito configurador da evicção. Alia-se
a isto a percepção de que a evicção poderá se dar independente-
mente de decisão judicial. Como bem ensina PAULO lõsD24, nada impe-
de que a evicção ocorra em decorrêncic.. de um ato administrativo
como apreensão policial por força de uma blitz, sendo a casuístic~
acolhida pela doutrina e jurisprudência. Verberam CR1;r1AM CHAVES E
NELSON RosENVALD 25 que evicção poderá acontecer em função do aban-
dono do bem por parte do alienante, que opta por não oefender-
-se na demanda proposta pelo real titular do direito; ou em função
de reconhecimento de direito extrajudicial por parte de terceiro·
ou, ainda, em implemento de condição resolutiva. '
Hoje é tranquilo o posicionamento no sentido da possibilidade
de perda do objeto pela evicção independentemente de decisão
judicial pretérita, sendo plurais os julgados admitindo e:. evicção
nas perdas por atos administrativos, por exemplo.

~ Como se pronunciou o Superior Tribunal de Justiça sobre o tema?


·Acolhendo a tese de aplicação da evicção em decorrência de perda
por ato administrativo, firma o TRIBUNAL DA CIDADANIA:
[ ... ] para o exercício do direito que da evicção resu.lta ao adquirente,
não é exigido prévia sentença judicial, bastando que ele fique privado
do bem por ato de autoridade administrativa.
(REsp 259.726. No mesmo sentido, REsp 19.391 e 129.427)

o mesmo SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA já consignou que o exercício das


prerrogativas decorrentes evicção não exige o trânsito em julgado
da decisão da ação reivindicatória, bastando a perca da coisa,
ainda que por medida liminar (Informativo 519).

22. GOMES, Orlando. Op. Cit., p. 97.


23. BEVILÁQUA, Clóvis. Op. Cit., p. 241.
24. LOBO, Paulo. Direito Civil. Contratos. São Paulo: Saraiva. 2c1i. ia ediç2o. p. 1 52.
25. FARIAS, Cristiano Chaves. ROSENVALD, Nelson. Direito dos Contratos. São Paulo:
Atlas, 2015. p. 493.
Cap. 7 • Evlcção 261

~ E na hora da prova?
A banca examinadora VUNESP, em prova de concurso público realizado
para o provimento do cargo de Titular de Serviços de Notas e de Regis-
tros - Remoção, TJ-SP, ano 2014, considerou incorreta a seguinte alter-
nativa: "A caracterização da evicção só se dará pela perda definitiva
da propriedade por sentença judicial".

É o exemplo de Luciano (evicto), quem adquiriu o veículo de Ana


(terceira prejudicada e futura evictora) nas mãos de Hugo (alienan-
te a non domino). Caso Ana tenha registrado Boletim de Ocorrência
e Luciano seja parado em uma blitz, sendo reconhecido o carro
como roubado, automaticamente o veículo será apreendido, em
virtude da autoexecutoriedade do ato administrativo. Aqui, clara-
mente, há evicção.
E meras restrições a direitos, como o tombamento do imóvel,
geram evicção?
Não. Como bem obtempera PAULO Lõso 26, se há limitação legal de
direito urbanístico, não se cogita de evicção, pois é o próprio direi-
to que está limitado e não a titularidade da coisa.

~ Como já se manifestou o Superior Tribunal de Justiça sobre o tema?


Para que haja evicção, mister a perda da posse ou da propriedade. Meras
restrições ao direito de propriedade não ocasionarão evicção. Exemplifica-
-se com o tombamento, conforme já se pronunciou o SuPERJoR TRIBUNAL oE JusnÇA:
Direito civil e direito processual civil. Promessa de compra e venda.
Ação de adjudicação compulsória. Imóvel tombado. Inexistência de
hipótese de ensejar evicção. 1 - As restrições decorrentes do tom-
bamento não ensejam a evicção, já que não acarretam a perda do
domínio, da posse ou do uso da coisa alienada e não há atribuição
do bem, seja por ato judicial ou administrativo a outrem que tenha
direito anterior ao contrato aquisitivo. li - O reexame das provas que
demonstraria a ignorância, por parte do adquirente, quanto aos ônus
que pesavam sobre o imóvel alienado não enseja recurso especial.
Aplicação da súmula 7 desta Corte. Ili - Recurso especial não conhe-
cido. (STJ, REsp 4op79/PB (2002/0005955-3), Dj 23-9-2002, p. 359, RSTJ
163/309, Rei. Min. Antônio de Pádua Ribeiro, j. 21-5-2002. 3 Turma)

26. LOBO, Paulo. Direito Civil. Contratos. São Paulo: Saraiva. 2011. lª edição. p. 151.
262 Direito Civil - Vol. 13 • tuciano Figueiredo e Roberto Figueiredo
1
t
(

E no caso de desapropriação?
A perda da posse ou da propriedade há de decorrer de direito
do evictor por fato pretérito. Na correta lição de CARLOS RosERTo GoN-
ÇALvEs27, em sendo a perda decorrente de fato gerador posterior à
alienação, não há de se falar em evicção. Exemplifica o professor
com a desapropriação. Se já tiver sido expedido o decreto de de-
sapropriação antes da realização do negócio, possível verificar-se
a evicção, ainda que a expropriação seja apenas posterior. Toda-
via, se a expedição do decreto de desapropriação deu-se apenas
após a realização do negócio, não é crível a arguição da garantia
da evicção. O mesmo pensamento é também compartilhado por
S1Lv10 DO SALVO VENOSA28 , CRISTIANO CHAVES DE FARIAS E NELSON RosENVALD 29.

E na dação em pagamento, há evicção?


Sim. Ocorrendo a evicção da dação em pagamento, a quitação
ficará sem efeito e será reestabelecida a obrigação primitiva (CC,
art. 359). A noção é óbvia: se o bem dado em pagamento, para
quitação da dívida, foi perdido pelo credor, nada mais lógico do
que restabelecer a obrigação primitiva, ressalvados direitos de
terceiros.
E na transação? O que fazer se houver evicção?
Se a evicção, porém, ocorrer em uma transação, não renascerá
a obrigação primitiva, tendo o evicto direito à reclamação das per-
das e danos, nos moldes da tutela da evicção (CC, art. 845).
Explica-se. A Transação, recorda-se, demanda dois requisitos
cumulativos para sua configuração:
a) Res dubia - Coisa duvidosa
b) Concessões recíprocas

27. GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito Civil Brasileiro. Vol. 3. 7' edição. São Paulo:
Saraiva. 2010. p. 11,6.
28. VENOSA, Silvio do Salvo. Teoria Geral das Obrigações e Teoria Geral dos Contratos.
10• edição. São Paulo: Atlas, 2010. p. 566.
29. FARIAS, Cristiano Chaves. ROSENVALD, Nelson. Direito dos Contratos. São Paulo:
Atlas, 2015. p. 493.
1 Cap. 7 • Evicção 263

A transação, assim, trás consigo um quê de imprevisibilidade


(álea), diante da dubiedade da coisa. Logo, a evicção é um fator
possível dentro desta álea negocial, não reestabelecendo o negó-
cio primitivo.
E nas doações? Há evicção?
Aplica-se a evicção na doação para casamento futuro com certa
e determinada pessoa, havendo, aqui, uma espécie sui generes de
onerosidade negocial (CC, art. 552). O mesmo dig,a-se às doações
remuneratórias (CC, art. 540) e com modo ou encargo, nas quais se
aplicará evicção dos limites da prestação imposta ao donatário.
E no campo sucessório, há evicção?
No campo sucessório (CC, art. i.939, Ili) há evicção no legado,
caducando a deixa legatária se sofrer o legatário a perda da coi-
sa. Neste caso, não terá o legatário ação contra os herdeiros do
testador.
Entrementes, na sucessão legítima, diante da evicção, o herdei-
ro poderá exigir dos demais coerdeiros indenização corresponden-
te, nos limites das cotas hereditárias. Tal direito à evicção não se
dará, porém: a) se ocorrer a perda após a partilha de bens e b) se
o evicto for o culpado pela evicção.
Em direito societário, fala-se em evicção?
Incide a evicção no capital social integralizado, respondendo o
sócio pela evicção do bem cujo uso, posse ou domínio transmitiu-se
à sociedade (CC, art. i.005).

1> Atenção!
E o que seria uma evicção invertida?
Instituto àfeto ao direito .italiano, conforme ensinam CR1sr1AN0 CHAvEs oE
fARtAs E NnsoN R:>SENVAto'º, trata-se de interessante fenômeno. através do
qual o adquirente não obteve o direito eficazmente, mas acaba por
adquiri-lo por outro título, sem a cooperação do devedor.

30. FARIAS, Cristiano Chaves. ROSENVALD, Nelson. Direito dos Contratos. São Paulo:
Atlas, 2015. p. 485 / 488·489.
264 Direito Civil - Vol. 13 • Luciano Figueiredo e Roberto Figuei.·edo

Exemplifica-se: A transmite a P\Opriedade a B, .sendo que C é o .real


titular do direito. Todavia~ e taíec~ e é justam~nte B é o seu herdeiro.
Ainda assim B poderia demandar A pelá evicção, porquanto o desequi-
líbrio contratual congênito da relação primitiva. Vêcse que B pagou o
preço e A não transmitiu a propriedade prometida, tendo B a adqui-
rido. por título. ·• ·

Interessantes impactos no tema ev1cçao decorrem da Lei


13.097/15 - furto da Medida Provisória 656/2014 -, a qual inaugura
um sistema de concentração de dados nas matrículas imobiliárias
no direito nacional.
Em virtude da Lei 13.097/15, o terceiro de boa-fé que adquire
propriedade ou outros direitos reais de fundo imobiliário, será
preservado da perda do direito, caso, posteriormente, algum
titular postular eventual prerrogativa fundada em ato jurídico
precedente não registrado ou averbado na matrícula do imóvel.
Exemplifica-se. João adquiriu um imóvel de Caio, Este (Caio), de
seu turno, comprou de Maria. Caso Aline argua eventual direito
por vício da venda de Maria a Caio, esta evicção não atingirá a
João, se nenhuma ressalva constar do registo imobfüário quando
da aquisição (art. 54) 31 •

3i. Art. 54. Os negocios jurídicos que tenham por fim constituir, transferir ou
modificar direitos reais sobre imóveis são eficazes em relação a atos jurídicos
precedentes, nas hipóteses em que não tenham sido registradas ou averbadas
na matrícula do imóvel as seguintes informações:
1 - registro de citação de ações reais ou pessoais reipersecutór:as;
li - averbação, por solicitação do interessado, de constrição judkial, do
ajuizamento de ação de execução ou de fase de cumprimen:o de sentença,
procedendo-se nos termos previstos do art. 615-A da Lei nº 5.869, de 11 de
janeiro de 1973 - Código de Processo Civil;
Ili - averbação de restrição administrativa ou convencional ao gozo de direiros
registrados, de indisponibilidade ou de outros ônus quando previstos em lei; e
IV - averbação, mediante decisão judicial, da existência de outro tipo de
ação cujos resultados ou responsabilidade patrimonial possam reduzir seu
proprietário à insolvência, nos termos do inciso li do art. 593 da Lei nº 5.869, de
11 de janeiro de 1973 - Código de Processo Civil.
Parágrafo único. Não poderão ser opostas situações jurídicas não constantes
da matrícula no Registro de Imóveis, inclusive para fins de evicção, ao terceiro
de boa-fé que adquirir ou receber em garantia direitos reais sobre o imóvel,
ressalvados o disposto nos arts. 129 e 130 da Lei no 11.101, de 9 de feve·eiro de
Cap. 7 • Evicção 265

Nessa toada, registros e averbações relativos a atos jurídicos


que importem em modificações de direitos sobre imóveis deverão
ser anotados na matrícula do imóvel, tendo sido reservado um pra-
zo para anotações por fatos pretéritos de até dois anos anteriores
à sua vigência.
Outra notícia digna de nota, em função do advento da Lei
13.097/2015, é uma melhor tutela jurídica imobiliária aos consumi-
dores adquirentes de unidades imobiliárias integrantes de incorpo-
rações, parcelamento de solo urbano ou condomínio de lotes urba-
nos, sempre quando registrados. Tais consumidores terão garantia
de conservação dos bens adquiridos mesmo em face de dívidas
contraídas preteritamente pelo empreendedor ou incorporador
(art. 55) 32 • Trata-se de notável incremento à pauta mínima de tutela
do consumidor, estabelecida no CDC.
Em uma última notícia sobre este novel diploma legislativo (Lei
13.097.15), ressalva-se que sua incidência não atingirá os imóveis
da União, Estados, Distrito Federal, Municípios, Autarquias e Funda-
ções Públicas (art. 58).

3. DIREITOS DO EVICTO
Uma vez sofrida a perda, o evicto terá, em face do alienante,
pretensão de cunho indenizatório, na qual pleiteará, salvo esti-
pulação em contrário, além da restituição integral do preço e das
quantias que pagou, cumulativamente (CC, art. 450):
a) indenização dos frutos que tiver sido obrigado a restituir;
b) indenização das despesas dos contratos e pelos prejuízos
que diretamente resultarem da evicção;

2005, e as hipóceses de aquisição e extinção da propriedade que independam


de registro de título de imóvel.
32. Art. 55. A alienação ou oneração de unidades autônomas integrantes de incor-
poração imobiliária, parcelamento do solo ou condomínio edilício, devidamente
registrada, não poderá ser objeto de evicção ou de decretação de ineficá-
cia, mas eventuais credores do alienante ficam sub-rogados no preço ou no
eventual crédito imobiliário, sem prejuízo das perdas e danos imputáveis ao
incorporador ou empreendedor, decorrentes de seu dolo ou culpa, bem como
da aplicação das disposições constantes da Lei no 8.078, de 11 de setembro de
1990. (Vigência).
266 Direito Civil - Vol. 13 • LUclano Figueiredo e Roberto Figueiredo

c) custas judiciais e honorários de advogado por ele constituído

Infere-se que o ressarcimento é amplo, tendo o Código Civil de


2002 dilatado o rol em relação ao pretérito, com custas judiciais e
honorários de advogado, como doutrina S1Lv10 oo SALVO VrnosA33. Ver-
bera CARLOS RosERTo GoNÇALVEs 34 que tal reparação incluíra o tributo de
transmissão, despesas de lavratura de registro e escritura, juros,
correção monetária ... Entendemos, com fulcro no ideal da repa-
ração integral, que se possibilita, até mesmo, pleito de eventuais
locações perdidas, honorários periciais, honorários contratuais de
advogado ...

., Atenção!
No que tange às indenizações pelas benfeitorias, o legislador civilista
veicula comando legal .expresso. A premissa é que a responsabilidade
indenizat6rià pelas benfeitorias realizadas. na coisa pelo evicto, será
do evictor. A noção é simples: o evictor quem ficará torn a coisa e, con-
sequentemente, usufruirá das benfeitorias. caso, porém, o evictor não
abone (indenize) as l:lenfeitorias necessárias e úteis, estas haverão de
ser pagas pelo alienante (CC, art. 453).

E na hora da prova?
Ano: 2012 Banca: CESPE órgão: MPE-PI Prova: Promotor de Justiça
Assinale a opção correta a respeito da evicção.
a) As partes podem, por cláusula expressa, maximizar a responsabili-
dade pela evicção, mas não podem diminuí-la.
b) As benfeitorias necessárias ou úteis que não tenham sido reembol-
sadas ao que sofreu a evicção terão de ser pagas pelo alienante.
c) Será legítima a demanda pela evicção por parte do adquirente que,
assumindo o risco, tenha conhecimento de que a coisa é alheia ou
litigiosa.
d) De acordo com a lei civil, para poder exercitar o direito que da
evicção lhe resulte, o adquirente poderá notificar do litígio apenas

33. VENOSA, Sílvio do Salvo. Teoria Geral das Obrigações e Teoria Geral dos Contratos.
10ª edição. São Paulo: Atlas, 2010. p. 569.
34. GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito Civil Brasileiro. Vol. 3. r edição. São Paulo:
Saraiva. 2010. p. i50.
Cap. 7 • Evicção 267

o alienante imediato, sendo-lhe defeso fazer a denominada denun-


ciação por saltos.
e) Havendo cláusula excludente da garantia da evicção, se esta ocor-
rer, o evicto não terá nenhum direito a reclamar.
Gabarito: b

Entrementes, se as benfeitorias houverem sido feitas pelo alie-


nante e indenizadas ao evicto pelo evictor, quando este (evicto)
pleitear a indenização em face daquele (alienante), do montante
devido há de ser abatido o valor das benfeitorias indenizadas (CC,
art. 454). Tem-se aqui preceito ético, visando evitar o enriqueci-
mento sem causa. Decerto, não deve o evicto ser indenizado pelas
mesmas benfeitorias por duas oportunidades.

., E na hora da prova?
Ano: 2012 Banca: FUMARC órgão: TJ-MG Prova: Técnico Judiciário
Relativamente à evicção, somente urna das alternativas abaixo é
C<:"JRRETA.
Assinale-a:
a) A responsabilidade do alienante não subsiste ainda que a coisa
pereça em poder do alienatário, mesmo que por vício oculto já
existente ao tempo da tradição.
I>) Se as benfeitorias abonadas ao que sofreu a evicção tiverem sido
feitas pelo alienante, o valor delas será levado em conta na resti-
tuição devida.
c) Não podem as partes, por força de cláusula expressa, reforçar,
diminuir ou excluir a responsabilidade pela evicção.
d) Pode o adquirente demandar pela evicção, mesmo sabendo que a
coisa era alheia ou litigiosa.
Gabarito: b

Em relação às benfeitorias voluptuárias, o Código Civil é omis-


so no tema evicção. Concordamos com PABLO Srnm GAGLIANo E RoooLrn
PAMPLOHA F1LH03 5 pela aplicação analógica do art. i.219 do Código Civil,

35. flLHO, Rodolfo Pamplona e GAGLIANO, Pablo Stolze. Novo Curso de Direito Civil,
vol. 4. Tomo L São Paulo: Saraiva. 2015. 11• edição, p. 256.
268 Direito Civil - Vol. 13 • LUclano Figueiredo e Roberto Figu.e.redo

o qual regula a indenização das benfeitorias ao possuidor de boa-


-fé. Logo, as benfeitorias voluptuárias, quando realizadas de boa-fé
e não indenizadas, poderão ser removidas (levantadas), sem de-
trimento da coisa.
Seguindo a aplicação por analogia das regras indenizatórias das
benfeitorias do possuidor de boa-fé, advoga MAR11\ HELENA D1N1z 36 a
possibilidade do direito de retenção do bem, por parte do evicto,
até o abono. Outrossim, diante da boa-fé as benfeitorias deverão
se indenizadas consoante o seu valor atual, incluindo-se a pJus valia
(CC, art. i.222).
Para o SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA, a indenização t.2.mbém deverá
abranger as acessões, a exemplo de plantações e construções (STJ,
REsp. 139.178). Para CRISTIANO CHAVES DE FARIAS E NELSON RosEWALD 37 aqui há
aplicação da boa-fé subjetiva, em atenção à ignorância do vício
subjetivo que atingia a coisa (CC, art. i.255).
A obrigação de indenizar subsistirá para o alienante ainda que
a coisa esteja deteriorada, salvo na hipótese de dolo do adqui-
rente (CC, art. 451). Logo, mesmo que a coisa alienada não estives-
se em perfeito estado (deteriorada), em havendo evicção, terá o
evicto direito ao ressarcimento; salvo se houver dolo de sua parte.
Que fique claro: caso o adquirente adquira coisa que sabe estar
deteriorada, não poderá, posteriormente, demandar pela evicção.
Verifica-se importante preceito ético.
Entrementes, se o evicto já havia sido anteriormente compen-
sado pelas deteriorações - a exemplo de indenização securitária,
ou se o evicto havia recebido valores na veílda do produto da
demolição do bem -, o alienante poderá deduzir tais valores do
preço a ser restituído, como regra ética (CC, art. 452). Da mesma
forma que deseja o legislador a reparação pela e'Jicção, não é
intuito legislativo que a perda (evicção) torne-se fonte de riqueza
indevida ao evicto.

36. DINIZ, Maria Helena. Curso de Direito Civil Brasileiro. Teoria Ge:-al das Obrigações
Contratuais e Extracontratuais. Vol. Ili. 27• edição. São Paulo: Saraiva, 2011.
p. 503.
37. FARIAS, Cristiano Chaves. ROSENVALD, Nelson. Direito dos Crn:ratos. São Paulo:
Atlas, 2015. p. 485 / 488-489.
Cap. 7 • Evicção 269

A evicção poderá ser total ou parcial, ocasionando perda de


todo o objeto da alienação, ou parte dele. Exemplifica-se com a
venda de 100 hectares, havendo em uma primeira situação a perda
de todos os 100 hectares (evicção total), ou, em uma outra situa-
ção, a perda de 70 hectares (evicção parcial). Em outro exemplo de
evicção parcial, relembra-se a casuística do cidadão que adquiriu
trinta automóveis, dos quais 15 (quinze) vieram com documentação
falsa, sofrendo evicção parcial.
Em sendo parcial, a tutela da evicção será diferenciada, varian-
do segundo a análise do caso concreto. Explica-se:
a) Sendo parcial, porém considerável, poderá o evicto optar
entre a dissolução do contrato ou a restituição proporcional
do preço em relação ao desfalque sofrido. Tratam-se de hi-
póteses excludentes (concurso de direito ou de pretensões),
não podendo o evicto as cumular;
b) Sendo parcial, porém não considerável, terá o evicto direi-
to, tão somente, à indenização.
A análise da perda considerável far-se-á segundo um critério de
finalidade da coisa. Será considerável a perda que, acaso conheci-
da pelo adquirente antes do negócio, inviabilizaria a contratação.
A verificação vai além da quantidade perdida, dialogando com a
qualidade. Exemplifica-se com a perda de uma pequena fração de
terra de uma fazenda por evicção; fração esta na qual se localiza,
justamente, o manancial de água de um dos principais fatos gera-
dores da aquisição. Aqui, seguramente, falar-se-á em evicção total.
Seja a evicção total ou parcial, o preço a ser restituído levará
em consideração o valor da coisa à época que se evenceu. Obvia-
mente, na parcial o ressarcimento será proporcional ao desfalque
sofrido (CC, art. 450)

~ E na hora da prova?
A banca examinadora TJ-SC, em prova de concurso público realizado
para o provimento do cargo de Juiz, TJ-SC, ano 2013, considerou correta
a seguinte alternativa: "Em casos de evicção parcial, mas considerável,
o evicto poderá optar entre a rescisão do contrato e a restituição da
parte do preço correspondente ao desfalque sofrido".
270 Direito Civil - Vol. 13 • Luciano Figueiredo e Roberto Figueiredo

Pela redação do Código Civil, responderá o alienante pela plus


valia (valorização econômica) do bem entre a data da alienação e
da perda, conforme afirma CARLOS RoBERTO GoNçALvEs 38 •
E se ao revés de aumento do preço, entre a data da alienação
e da evicção houver diminuição (menor valia), o que fazer? Seria o
alienante premiado com a possibilidade de indenizar o evicto com
valores inferiores ao da venda, ou haveria de garantir o mínimo de
restituição do preço pago à época da evicção?
Nas pegadas dos ensinamentos de CARLOS RoBERTO GoNÇALvEs 39, have-
ria necessidade de garantia, ao menos, da restituição dos valores
pagos, ao passo que o caput do art. 450 informa tal obrigação ao
alienante. Logo, em uma interpretação sistemática, apenas deve-
-se considerar o parágrafo único - ao mencionar o preço à época
da perda - nas casuísticas de plus valia (aumento do preço) 4º. Diver-
gindo do dito coloca-se a doutrina de WASHINGTON DE BARROS MoNTEIR04 ',
para quem se o valor atual da coisa for menor do que o pago pelo
adquirente, receberá este indenização menor, considerando-se o
art. 450 tanto na plus valia, como na menor valia.

~ Como já se pronunciou o Superior Tribunal de Justiça sobre o tema?


o SUPERIOR TRIBUNAL oE Jusr1ÇA firma a noção de ressarcimento, ao menos,
de valores aptos à aquisição de outro bem equivalente, por parte do
evicto. Cita-se~
Perdida a propriedade do bem, o evicto há de ser indenizado com im-
portância que lhe propicie adquirir outro equivalente. Não constitui re-
paração completa a simples devolução d.o que foi pago, ainda com cor-
reção monetária. (REsp 248.423-MG. 3 Turma. Rei. Min. Eduardo Ribeiro).

38. GONÇALVES, carlos Roberto. Direito Civil Brasileiro. Vol. 3.. 7• edição. São Paulo:
Saraiva. 2010. p. 150-151.
39. GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito Civil Brasileiro. Vol. 3. 7ª edição. São Paulo:
Saraiva. 2010. p. 150-15 i.
40. Discorda-se, aqui, de Caio Mário, para quem o adquirente sofreria a menor
valia na e'1icção parcial, apenas não sendo aplicável tal menor valia na
total. Particularmente, data venio, advogamos a ideia de inaplicabilidade de
responsabilidade do adquirente pela menor valia tanto na evicção total, corno
na parcial, diante da interpretação sistemática do art. 450 já posta.
41. MONTEIRO, Washington de Barros. Op. Cit., p. 66.
Cap. 7 • Evicção 271

E qual seria o prazo para exercício das pretensões decorrentes


da evicção?
Curioso observar que o Código Civil não delimita prazos espe-
cíficos para o exercício dessas pretensões decorrentes da evicção.
Olhando para o Código Civil com sistematicidade, tendo em vista
ser uma pretensão de reparação civil, o prazo prescricional será
de três anos (art. 206, p. 3, V), com o que concordamos com PABLo
STOlZE GAGUANO E RODOLFO PAMPLONA F1LH042 •
Seria possível às partes majorar, minorar ou, até mesmo, excluir
as garantias decorrentes da evicção?
Em homenagem à autonomia privada, o Código Civil vigente, na
forma do art. 448, permite às partes, desde que por cláusula ex-
pressa, majorar, minorar, ou até mesmo excluir as garantias decor-
rentes da evicção. É viável, por exemplo, que além das prerrogati-
vas do art. 450 do Código Civil, reste pactuada uma cláusula penal
para 'hipótese de evicção, com restituição do valor pago em dobro;
ou ajuste de cauções pessoais ou reais. Igualmente viável, d'outra
banda, que seja expressamente afastada, para o evicto, uma das
prerrogativas do citado art. 450, com minorações.

~ Atenção~
Emp?siêióriá'füe~!Ô 'i~teré§sante, .StLvío Rooru~uEs'3 aduz qu~ extensão
ª•
da garantia f!â() poêf~rá ir além do prejuízo> do adql!irente, s.ób pena
de enrigueeimertt() semca:vsa.. Com. efei~o~ o limite da reparação é. a
extensão dq darw(prlnçípio dà reparação int~gral - CC, art, 944), não
seiJ.no. >ti~.Yel, P?~ e)(.empJo( s~glfro. de. dél~o acima1 d.o v.alor do objeto
seguradÓ.(CC, art. 765). o Código Chíilporém, ressalta"se, não trás esta
restrição no tema evicção, ao regular a majoração no art. 448.

Deve-se ter uma redobrada atenção à cláusula expressa de ex-


clusão da evicção, também chamada de cláusula de irresponsa-
bilidade ou non praestaenda evictione. Mesmo diante desta cláu-
sula terá o evicto direito ao ressarcimento das quantias pagas,

42. =1LHO, Rodolfo Parnplona e GAGLIANO, Pablo Stolze. Novo Curso de Direito Civil,
'JOI. 4. Torno 1. São Paulo: Saraiva. 2015. llª edição, p. 253-254.
43. iWDRIGUES, Sílvio. Direito Civil. Vol. 3. p. n5.
272 Direito Civil - Vol. 13 • Luciano Figueiredo e Roberto Figueiredo

afastando-se, tão somente, as demais prerrogativas do art. 450


codificado, como custas judiciais, honorários, frutos, benfeitorias e
outras despesas.
Registra-se que para o evicto não ter direito a nada, além da
cláusula expressa, mister que ele (evicto) seja informado sobre o
risco da evicção e o assuma (CC, art. 449). Para CARLOS Roemo GoNçAL-
vEs44, neste cenário, o adquirente submete-se a um contrato aleató-
rio, assumindo certo nível de risco (CC, art. 460).

~ E na hora da prova?
Ano: 2015 Banca: FCC órgão: TJ-GO Prova: Juiz Substituto
Renato adquiriu imóvel e assinou contrato no âmbito do qual foi excluí-
da, por cláusula expressa, a responsabilidade pela evicção. A cláusula é
a) válida, mas, se Renato restar evicto, terá direito de receber o pre-
ço que pagou pelo imóvel, ainda que soubesse do risco da evicção.
b) válida, excluindo, em qualquer caso, o direito de Renato receber
quaisquer valores em caso de evicção.
c) nula, porque fere preceito de ordem pública.
d) válida, mas, se Renato restar evicto, terá direito de receber o pre-
ço que pagou pelo imóvel, se não soube do risco da evicção ou se,
dele informado, não o assumiu.
e) válida, mas, se Renato restar evicto, terá direito de receber o pre-
ço que pagou pelo imóvel mais indenização pelos prejuízos decor-
rentes da evicção, tais como despesas de contrato e custas judi-
ciais, se não soube do risco da evicção ou se, dele informado, não
o assumiu.
Gabarito: d

Em síntese:
Situação i:

Cláusula Expressa de Exclusão da Garartia


+
Conhecimento e Assunção do Risco de Evicção pelo Adquirente
Isenção de toda e qualquer responsabilidade por parte do alienante.

44. GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito Civil Brasileiro. Vol. 3. 7• edição. São Paulo:
Saraiva. 2010. p. i44.
Cap. 7 • Evicção 273

Situação 2:

Cláusula Expressa de Exclusão da Garantia

Ciência Específica de Conhecimento do Risco de Evicção pelo Adquirente

Responsabilidade do alienante apenas pelos valores pagos pelo adquirente.

Situação 3:

Cláusula Expressa de Exclusão da Garantia

Ciência Específica de Conhecimento do Risco de Evicção pelo Adquirente

Assunção do Risco da Evicção pelo Adquirente

Responsabilidade do alienante apenas pelos valores pagos pelo adquirente.

~ Atenção!
Há importantes observações sobre o tema exclusão dá evicção:
a) RedÓrdâ'-se que além da exclusão conVeneioriat d~ evféç~o (cc, arts.
448 e 449), tem-se a chamada exclusão legal (CC,:art. 457), a qual sé
dará quando o adquirente sabia ser a coisa alheia ou. litigiosa. Aqui
a exclusão é imposta, em atenção ao primado da bol:Mé;

~ E na hora da prova?
Ano: 2014 Banca: VUNESP órgão: SP-URBANISMO Prova: Analista
Administrativo
Sobre o instituto da evicção, é correto afirmar que:
a) a aquisição em hasta pública inibe que o evicto pleiteie restitui-
ção do preço.
b) constatada a evicção, o alienante deve restituir em dobro o
valor pago, a título de sanção civil, legalmente prevista.
c) se no momento da aquisição o adquirente sabia que a coisa era
litigiosa, não poderá demandar pela evicção.
d) por tratar-se de questão de ordem pública, é nula de pleno
direito a cláusula que excluir a responsabilidade pela evicção.
274 Direito Civil - Vol. 13 • Wciano Figueiredo e Roberto Figueiredo

e) em caso de evicção parcial, ainda que considerável, o adqui-


rente não pode exigir a rescisão do contrato, ressalvado seu di·
reito à restituição de valor proporcional ao prejuízo suportado.
Gabarito: c

1> E na hora da prova?


Ano: 2013 Banca: FCC órgão: MPE-AM Prova: Agente Técnico - Jurídico
A responsabilidade pela evicção
a) pode ser excluída mediante cláusula expressa, mas, se esta
se der, tem o evicto direito a receber o que pagou pela coisa
evicta, se não soube do risco da evicção.
b) não pode ser excluída pelas partes.
c) pode ser excluída mediante cláusula expressa, mas, se esta
se der, tem o evicto direito a receber o que pagou pela coisa
evicta, soubesse ou não do risco da evicção.
d) pode ser excluída, mas não diminuída, mediante cláusula ex-
pressa, mas, se· esta se der, tem o evicto direito a receber o
que pagou pela coisa evicta mais indenização pelos prejuízos
que resultarem da evicção, se não soube do risco da evicção
e) pode ser excluída mediante cláusula expressa, mas, se esta se
der, tem o evicto direito a receber o que pagou pela coisa evic-
ta mais indenização pelos prejuízos que resultarem da evicção,
soubesse ou não do risco da evicção.
Gabarito: a

Dúvida intéressante, veiculada na obra de GRtsTIANo CttAl/Es DE FARIAS E NELSON


RosENVALo•s, relaciona-se à sanção aplicável ao alienante conhecedor do
fato de estar a vender um bem que sofrerá evicção. O que fazer?
o Código Civil quedou-se silente em norma espetífica derredor do as-
sunto. concordamos com os autores no sentido de configuração de
dolo negativo (CC, art. 147), apto a ocasionar a anulação do ato de
alienação, cóm a consequente restituição atualizada dos valores pa-
gos,. somada a possível pleito indenizatório.

45 . FARIAS. Cristiano Chaves. ROSENVALD. Nelson. Direito dos Contratos. São Paulo:
Atlas. 2015. p. 505.
Cap. 7 • Evicção 275

A rioção é sirnple.s; màlgràêio à responsàbllídade civff d6'.'áli'ériadte; f"la


evicção, 'porser objetivei clecorrente .do1;>rlncfpi0· dá.r~fa~tia(e não
demandando a pres~nça d~ tulpa, càsó e~ta (culpei) .esteja rr~sente,
impõe-se uma sanção màls'\iérticaUzada:·· · ··· ·
b) Por conta.do sistema protetivo ~ogente das relações de consumo,
entendemos, assim co1110.. i.>11uLo lõao~6, como abusiva e ihválida a
cláusula excludente, ou que venha a minorar as garantias decor-
rentes da evicção, no. çaropo do consumidor (coe. Art. 51). Nada im-
pede, porém, qu~ m:n: cQIJv~nǪ~ fornecedor e consumi.dor dilatem
as garantias, progredindo no sistema protetivo;

I' E na hora da prova?

A banca examinadora Consultec, em prova de concurso realizado


para o provimento do cargo de Conciliador, TJ-BA, ano 2010, consi-
deroo correta a seguinte alternativa: "Na evicção, as partes podem,
através de cláusula expressa, reforçar, excluir e diminuir a respon-
sabilidade, exceto matéria de relação de consumo".

c) Em contratos por adesão entendemos ser nula a renúncia às prer-


rogativas da evi<:ção, pois é nula a renúncia antecipada a direito
em contrato ele adesão (CC, art. 42.4). ·
d) Atenta-se que precisa ser expressa a majoração, minoração ou
exdusão .da garantia da evicção. A incidência da evicção, porém,
diante do silêrn;:io d() contrato, será automática, p.o.is decorrente. da
boa-fé e prinqplo da gárantia, bastando.· que s~ esteja
d.iante de
uma figura coritréitual onerosa, conforme vaticina; MARIA HmNA D1N1z47 •

4. COMO EXERCITAR A PRERROGATIVA DA EVICÇÃO?


Tema de calorosos embates doutrinários e jurisprudenciais diz
respeito aos mecanismos de exercício das pretensões relacionadas
à evicção. Isto, porque, em um cenário de direito intertemporal,
tem-se:

46. LOBO, Paulo. Direito Civil. Contratos. São Paulo: Saraiva. 2011. ia edição. p. 153·
47. DINIZ. Maria Helena. Curso de Direito Civil Brasileiro. Teoria Geral das Obrigações
Contr<1.tuais e Extracontratuais. Vol. Ili. 27" edição. São Paulo: Saraiva. 2011. p. 154.
276 Direito Civil - Vol. 13 • Luciano Figueiredo e Robe110 Figueiredo

a) O Código de Processo Civil de 1973 (art. 70 e ss.);


b) O Código Civil de 2002 (art. 456);
c) O Novo Código de Processo Civil de 2015 (art. 125 e ss.).
o tema, como já se vê nessas primeiras linhas, é objeto de im-
portantes entrechoques intertemporais. Atento a isto e com o fito
de preparar o leitor a um amplo debate sobre o assunto, perpas-
sará o presente tópico pela evolução do instituto desde o CPC/73,
avançando pelas modificações sofridas quando da vigência rlo
CC/02 e adentrando a normatização do NCPC/15.
O CPC/73, no seu art. 70 e ss., regula o tema denunciação da lide.
Denunciação é um mecanismo de intervenção de terceiros, através
do qual se une, em uma única demanda, uma ação principal e uma
regressiva. O ganho, de fato, com a denunciação da lide, diz respeito à
celeridade e economicidade, ao passo que se terá julgadas - na mes-
ma sentença e em capítulos apartados - a lide principal e a acessória.
Pois bem. O CPC/73 abre o tratamento legislativo da denunciação
da lide verberando a sua obrigatoriedade na hipótese de evicção
(CPC, art. 70, 1). Tal obrigatoriedade, porém, há muito vem sendo
afastada pela doutrina e jurisprudência majoritárias~ª.
Há, até mesmo, o Enunciado 434 do CoNsELHo DA Jusr1çA FEDERAL, de
autoria de MARcos JoRGE CATALAN, no sentido de que "a ausência de de-
nunciação da lide ao alienante na evicção, não impede o exercício de
pretensão reparatória por meio de via autônoma". Entrementes, a
ausência de denunciação da lide e o ajuizamento posterior da ação
autônoma levarão a um procedimento bem mais lento e burocrati-
zado, havendo a necessidade de aguardo da decisão da ação prin-
cipal para, apenas futuramente, ser proposta a ação regressiva.

~ Como já se pronunciou o Superior Tribunal de Justiça sobre o tema?


O Tribunal da Cidadania, há muito, segue o entendimento majoritário
no sentido da ausência de obrigatoriedade de denundação da lide na

48. Coloca-se como exemplos de doutrinadores que já afastavam a obrigatoriedade


da denunciação da lide para o exercício da evicção: Pab.o Stolze Gagliano e
Rodolfo Pamplona Filho (Op. Cit., p. 261); Carlos Roberto Gonçalves (Op. Cit., i49);
Cristiano Chaves de Farias e Nelson Rosenvald (Op. Cit., p. ;08).
Cap. 7 • Evicção 277

evicção. Cita-se aresto de 1999, apenas para sufragar o quão antiga é a


premiSsa de possibilidade de ressarcimento pela vlá autônoma:
Evicção. Indenização. Denunciação da lide. (falta). i . Por não se ter de-
nunciado, quándo reivindicada a coisa por terceiro, nã_9 impede se plei-
teie "a devolução do preço. de coisa vendida, se não provado que o
alienante sabia db risco dessa-evitção ou, em déle sabendo, que não o
assumirá". Em tal sentido, precedent~s do STJ: REsp's 9,552 e 22.148, Dj's
de 03.8.92 e 05.4.93. 2. A pretensão de simples reexame de prova não
enseja recurso especial (Súmula 7). 3. Recurso especial não conhecido,
(STJ, REsp 132. 258/RJ (1997/0034131-3) DJ 17.4.2000, p, 56, RDTRJ A4/52,
Rei. Min. Nilson Naves, j. 6.1ü999, 3 Turma) · · · · ·
No mesmo sentido asseverou o Superior Tribunal de Justiça, no infor-
mativo no 519:
DIREITO PROCESSUAL CIVIL DESNECESSIDADE DA. DENUNCIAÇÃO DA UDE AO
ALIENANTE NA AÇÃO EM QUE TERCEIRO REIVINDICA A COISA DO EVICTO. .
O exercício do direito oriundo da evicção independe da denunciação
da lide ao alienante do bem na ação em que terceiro reivindique a
coisa. O STJ entende que o direito do evicto de recobrar o preço que
pagou pela coisa evicta independe, para ser exercitado, de ele ter
denunciado a lide ao alienante na ação em que terceiro reivindique a
coisa. A falta da denunciação da lide apenas acarretará para o réu a
perda da pretensão regressiva, privando-o da imediata obtenção do
título executivo contra o obrigado regressivamente. Restará ao evic-
to, ainda, o direito de ajuizar ação autônoma. Precedentes citados:
REsp 255.639-SP, Terceira Turma, DJ 11/6/2001, e AgRg no Ag i.323.028-GO,
Quarta Turma, DJe 25/10/2012. REsp i.332.112-GO, Rei. Min. Luís Felipe
Salomão, julgado em 21/3/2013.

A tese da possibilidade de ação regressiva autônoma na evicção


funda-se no fato de ser o direito de ação incondicionado, aliado
à inafastabilidade da jurisdição e da vedação ao enriquecimento
sem causa.
Feita a denunciação da lide, seja pela réu ou pelo autor (CPC/73,
art. n), instaura-se uma lide principal (reivindicatória) e uma se-
cundária (denunciação). A sentença, como dito, apreciará a princi-
pal e, caso procedente, já avançará em um novo capítulo sobre a
secundária (denunciação), valendo o decisum como título executivo
(CPC/73, art. 76). Tem-se uma sentença formalmente una, mas ma-
terialmente dúplice.
278 Direito Civil - Vol. 13 • Luciano Figueiredo e Roberto Figueiredo

Seguindo na disciplina do tema no CPC/73, este afirma que em


sendo o denunciado revel, cumprirá ao denunciante persistir na
defesa até o final da demanda (CPC, art. 75, li). O Código Civil de
2002, todavia, modificou o entendimento no particular, regulando
no art. 456 que em sendo o denunciado revel, e a ação manifesta-
mente procedente, poderá o denunciante (adquirente/evito) dei-
xar de oferecer contestação e de utilizar-se de recursos. Para FRED1E
Dm1ER JúN10R49, o Código Civil, no particular, acabou por corrigir um
equívoco histórico do CPC/73.
Na hipótese de uma cadeia de vendas a non domino, percebia-
-se, na vigência do CPC/73, a possibilidade de denunciações suces-
sivas (art. 73). Tal fato, porém, tornava o processo extremamente
tumultuado, mostrando-se, nas palavras de CARLos RoaERTo GoNçALvEss0 ,
prejudicial ao demandante. Assim, arremata o Autor, a denunciação
sucessiva deverá ser proibida pelo Juiz, reservando-se a possibili-
dade de eventuai_s lesados proporem demandas autônomas.
Justo por isso, agora na ótica de S1Lv10 oo SALvo VENOsAs 1 , que o CPC/73
afirmava que a partir da segunda denunciação o denunciado será
intimado, mas não citado, integrando o plano material, mas não
processual da relação. Não se tornaria, automaticamente, parte.
Novamente inovando a legislação processual de 1973, o CC/02,
no seu art. 456, acabou por permitir, além da denunciação suces-
siva, a chamada per saltum, através da qual poderia o adquirente
denunciar não só o alienante imediato, mas qualquer outro da ca-
deia. Tal denunciação criou grande resistência entre os processu-
alistas, porquanto permitir relação de direito processual, sem a
respectiva ligação material.
Malgrado as resistências, logo fora editado o Enunciado 29 do
CoNmHo oA JusT1çA FEDERAL, afirmando que "a interpretação do art. 456 do
novo Código Civil permite ao evicto a denunciação direta de lide por
salto (per saltum)". Para os civilistas, a ausência de relação direta

49. Op. Cit., p. 83-92.


50. GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito Civil Brasileiro. Vol. 3. 7• edição. São Paulo:
Saraiva. 2010. p. 148.
51. VENOSA, Silvio do Salvo. Teoria Geral das Obrigações e Teoria Geral dos Contratos.
10• edição. São Paulo: Atlas, 2010. p. 566.
Cap. 7 • Evicção 279

'
.
!'
' de direito material não seria empecilho à denunciação, a qual se
justificaria com base na função social dos contratos, como colocam
CRISTIANO CHAVES OE FARIAS E NELSON RoSENVALOs 2 •

~ E na hora da prova?
A banca examiiladora FCC, em prova de concurso público realizado
para o provimento.do cargo de Analista Judiciário -Área Administrati-
va, TRE-RS, ano 2010, considerou correta a seguinte alternativa: "para
poder exercitar o direito que da evicção lhe resulta, o adquirente no-
tificará do l.itfgio o alienante imediato, ou qualquer dos anteriores,
quando e como lhe determinarem as leis do processo".

Mas como ficará o terna com o Novo Código de Processo Civil?


Na ótica no novel Código de Processo Civil, admite-se a denun-
ciação da lide - promovida por qualquer das partes (autor ou réu) -
do alienante imediato no processo relativo à coisa cujo domínio foi
transferido ao denunciante, a fim de que possa exercer os direitos
que da evicção lhe resultam (CPC, art. 125).
Até então, o sistema de 2015 seguia a premissa do de 73. Pro-
gredindo, porém, na ordem jurídica positiva pretérita, o NCPC,
expressamente, garante o exercício das prerrogativas da evicção
através de ação autônoma, seja quando a denunciação da lide for
indeferida, seja quando a referida denunciação deixar de ser pro-
movida ou não for permitida (CPC, art. 125, § 12).
No particular, pelo já posto neste tópico, apenas adequou-se o
Código de Processo Civil de 2015 ao posicionamento doutrinário e
jurisprudenàal majoritários. Consolidou-se, portanto, o pensamen-
to há muito construído na doutrina e jurisprudência no sentido de
que a ausência de denunciação da lide gera apenas a preclusão do
direi:o da parte promovê-la, sendo possível a ação autônoma de
regresso (Enunciado 120 do Fórum Permanente de Processualistas
Civis e 434 do Conselho da Justiça Federal).
Seguindo nas modificações legislativas, o NCPC tratou de disci-
plinar o instituto da rlenunciação sucessiva da lide, restringindo

52. FARIAS, Cristiano Chaves. ROSENVALO, Nelson. Direito dos Contratos. São Paulo:
Atlas, 2015. p. 510.
280 Direito Civil - Vol. i3 • Luciano Figueiredo e Roberto Figueiredo

a uma única oportunidade, dirigida pelo denunciado em face de


seu antecessor imediato na cadeia dominial, ou de quem seja
responsável por indenizá-lo. Por conta da restrição a uma única
oportunidade, não poderá o denunciado sucessivo promover nova
denunciação, cabendo o exercício de eventual hipótese de direito
mediante ação autônoma (CPC, art. 125, § 22). Mais uma vez houve
adequação do NCPC ao posicionamento doutrinário dominante, o
qual enxergava prejuízos ao Demandante caso as denunciações su-
cessivas ocasionassem um longo processo, com inúmeras partes.
Exemplifica-se. João vendeu um bem a Antônio, quem vendeu
a Maria e esta a Ricardo. Ricardo sofreu evicção em ação reivindi-
catória ajuizada por Caio. Ricardo poderá denunciar a lide Maria
e esta, por sua vez, Antônio (uma única denunciação sucessiva).
Antônio, querendo, apenas terá ação autônoma em face de João.
Seguindo a doutrina já consolidada, o cumprimento da sentença
diretamente contra o denunciado é admissível em qualquer hipóte-
se de denunciação da lide fundada no inciso li do art. 125 (Enuncia-
do 121 do Fórum Permanente de Processualistas Civis).
o NCPC, assim como o de 1973, mantém-se silente sobre a de-
nunciação da lide per saltum. Tal fato, mais uma vez, trará grandes
embates, como os já existentes nos dias de hoje, sobre a (im)pos-
sibilidade de denunciação por saltos, diante da omissão do NCPC e
possibilidade do CC (art. 456). Ao que parece, haveremos de espe-
rar notícias jurisprudenciais sobre o assunto. Para que fique claro,
no exemplo dado discute-se se Ricardo, ao revés de denunciar
Maria, poderia denunciar diretamente Antônio ou João, em saltos,
mesmo sem relação de direito material.
Sob o ponto de vista procedimental, os legitimados a realizarem
a denunciação da lide, segundo o NCPC, são (NCPC, arts. 126 e 131):
a) Autor, sendo requerida na petição inicial, devendo ser pro-
movida no prazo de até trinta dias, sob pena de ineficácia;
b) Réu, sendo realizada a denunciação na contestação e deven-
do ser promovida no prazo de até trinta dias, sob pena de
ineficácia.
caso a denunciação seja feita pelo autor, o denunciado poderá
assumir a posição de litisconsorte do denunciante e acrescentar
Cap. 7 • Evicção 281

novos argumentos à petição inicial, procedendo, em seguida, à ci-


tação do réu (NCPC, art. 127).
Inovando a legislação pretérita, o NCPC regula derredor da de-
nunciação da lide realizada pelo Réu (CPC, art. 128). Nesta:
a) se o denunciado contestar o pedido formulado pelo autor, o
processo prosseguirá, tendo, na ação principal, em litiscon-
sórcio, denunciante e denunciado;
b) se o denunciado for revel, o denunciante poderá deixar de
prosseguir com sua defesa, eventualmente oferecida, e abs-
ter-se de recorrer, restringindo sua atuação à ação regressi-
va. Caminha aqui o NCPC com os ditames do parágrafo único
do art. 456 do Código Civil, em claro avanço à legislação
pretérita e harmonização do sistema;
c) se o denunciado confessar os fatos alegados pelo autor na
ação principal, o denunciante poderá prosseguir com sua
defesa ou, aderindo a tal reconhecimento, pedir apenas a
procedência da ação em regresso.
Diante da conexão das demandas, lide principal e acessória
(denunciação) serão analisadas conjuntamente, em capítulos su-
cessivos. A denunciação da lide agrega ao processo originário uma
nova lide, regressiva, eventual e antecipada. Mantém-se a lógica do
CPC vigente. Assim (CPC, art. 129):
a) Se o denunciante for vencido na ação principal, o juiz passa-
rá ao julgamento da denunciação da lide;
b) Em sendo o denunciante vencedor, a ação de denunciação
não terá o seu pedido examinado, sem prejuízo da conde-
nação do denunciante ao pagampnto d:::is verbas de sucum-
bência, em favor do denunciado.

~ Fiquem atentos!
Caso, todavia, seja vencido o denunciante na ação principal e não
tenha tido resistência à denunciação da lide, não cabe a condenação
do denunciado nas verbas de sucumbência (Enunciado 122 do Fórum
Permanente de Processualistas Civis).
282 Direito Civil - Vol. 13 • Luciano Figueiredo e Roberto Figueiredo

Em vistas de concentração dos atos, celeridade e econom1c1-


dade, procedente o pedido da ação principal, pode o autor, se
for o caso, requerer o cumprimento da sentença também contra o
denunciado, nos limites da condenação deste na ação regressiva
(CPC, art. 128, parágrafo único).

.. ~;'~te,içia~/i . . . ..•. ••.. •· ...·.' ;


Em.. 11m'a út~ima. obs~cya~~ota'qúàril~rrt~ve.dlál<lgo;~mpt~lllamatértat
e'ilr<>~es~t.i~t, rec91:~~~s"~1 .cíue íl'~s·p·egaaas cto art.\99, 1lí;!tfo•codígti ç1~
vi Crestará. irilP.e~ido oú suspenso o prazo presi::rkionàl<'dõ adqUitente
em face do alienante, pendendo ação de evicção.
A Exceção do Contrato Não
Cumprido
(Exceptio Non Adimpleti
Contractus)

l. INTRODUÇÃO, CONCEITO E NATUREZA JURÍDICA


A exceção do contrato não cumprido, também nomeada de ex-
ceptio n:on adímpleti contractus, consiste em instituto de enorme
aplicabilidade prática. Em sendo da ordem do dia, é assunto do-
tado de importância ímpar para os operadores do direito, sejam
aqueles dedicados ao foro, sejam os estudiosos que buscam a car-
reira pública.
Como recorda SERPA LoPES', há certa divergência histórica sobre a
origem do instituto. Alguns são partidários do seu surgimento em
Roma; enquanto outros são defensores do aparecimento no direi-
to canônico. Fato é que, de origem romana ou canônica, o tema
propagou-se na história e persiste até os dias atuais, tendo sido
regulado, no Brasil, tanto no Código Civil de 1916 (art. i.092), como
no atual (arts. 476 e 477).
Conceitualmente, consiste a exceção do contrato não cumprido
em uma exceção substancial (defesa indireta de mérito), através
da qual a parte demandada pela execução de um contrato, argui
que deixou de cumpri-lo pelo fato da contraparte ainda não ter sa-
tisfeito a respectiva prestação correspondente. Traduz, então, uma

1. Exceções Subsiancia.is: Exceção do Contrato Não Cumprido (Exceptio non adimpfeti


controctu:>). Rio de Janeiro: Freitas Bastos, 1959, p. 136.
r
284 Direito Civil - Vol. 13 • Luciano Figueiredo e Roberto figueiredo

cláusula resolutiva tácita do contrato, como bem posto por S1Lv10 Do


SALVO VENosA 2 , pois poderá ocasionar a extinção do contrato bilateral
e sinalagmático nos casos de mútuo descumprimento do ajuste.
Remete o instituto à noção de ser natural que em contratos nos
quais haja prestações recíprocas e correspondentes, o descumpri-
mento de uma delas, por um dos contraentes, autorize a mesma
conduta por parte do cocontratante.
Nas lições de MARIA HELENA D1N1z~, "a exceptio no adimpleti contractus
é uma defesa oponível pelo contratante demandando contra o cocon-
tratante inadimplente, em que o demandando se recusa a cumprir a
obrigação, sob a alegação de não ter aquele que a reclama, cumprido
o seu dever, dado que cada contratante está sujeito ao estrito adim-
plemento do contrato".
FLÃv10 TARrucE\ analisando o art. 476 do Código Civil, informa que
"por esse dispositivo, uma parte somente pode exigir que a outra
cumpra com sua obrigação, se primeiro cumprir com a própria (moda-
lidade de exceptio doli, relacionada à boa-fé objetiva)."
Para PABLO STOLZE GAGLIANO e RODOLFO PAMPLONA F1LH0 5, a exceção do con-
trato não cumprido consiste em "um meio de defesa, pelo qual a
parte demandada pela execução de um contrato pode arguir que dei-
xou de cumpri-lo pelo fato da outra também não ter satisfeito a pres-
tação correspondente".
Nos ensinamentos de GusrAvo TErED1No, HELoísA HELENA BARBOSA e MARIA
CHINA BoD1N DE MoAA1s6 , a exceção do contrato não cumprido é "uma
causa impeditiva da exigibilidade da prestação, sendo esta exigibili-
dade diferida para o momento em que a prestação do reclamante for
cumprida".

2. Teoria Geral das Obrigações e Teoria Geral dos Contratos. 10• edição. São Paulo:
Atlas, 2010, p. 513.
3. Curso de Direito Civil Brasileiro. Teoria das Obrigações Contratuais e
Extracontratuais. Vol. Ili. 27• edição. São Paulo: Saraiva, 2011, p. 137·
4. Manual de Direito Civil. Volume Único. t" edição. São Paulo: Método, 2014, p. 646.
5. Novo Curso de Direito Civil. Contratos: Teoria Geral. Vol. IV. Tomo 1. iia edição.
São Paulo: Saraiva, 2015, p. 299.
6. Código Civil Interpretado. Conforme a Constituição da República. Volume li. Rio
de Janeiro: Renovar, 2006, p. 124.
Cap. 8 • A Exceção do Contrato Não Cumprido 285

Pois bem. Exemplificando a aplicação do instituto, CR1sr1AN0 CHAVES


DE FARIAS E NELSON RoNsENVALD1 afirmam que "será licito ao lojista interrom-
per o pagamento de prestações de um contrato de direito de reservas
comercial de espaço em um shopping center, quando o empreendedor
descumpre a sua obrigação de instalar uma loja "ancora" no local
previsto em detrimento do lojista". PAULO Lôso8 , veiculando exemplo
ainda mais didático e correlacionado com a compra e venda, firma
que nas pegadas do art. 491 do Código Civil "não sendo a venda
à crédito, o vendedor não é o obrigado a entregar a coisa antes de
receber o objeto", por conta da exceção do contrato não cumprido.
Analisando sob o ponto de vista processual, trata-se de um
mecanismo de defesa condizente com uma exceção substancial,
veiculando uma defesa em sentido material e indireta de mérito.
Não restam combatidas questões formais do pacto. O que se com-
bate, sendo arguido como tese apta a comprovar o descumprimen-
to da avença, é que descumpriu o demandado com a sua parte
do contrato, por não ter a outra parte cumprido com a respectiva
contraprestação. Paralisa-se a pretensão autoral de cumprimento
obrigacional ante a alegação do réu de inexistir o adimplemento
da contraprestação devida. Obsta-se o exercício do direito do autor
de executar o contrato, ocasionando a improcedência da demanda,
em virtude de um direito do réu.
Chama-se, portanto, de exceção substancial por arguir o réu
um direito em sua defesa. É dilatória, ao passo que caso o autor
cumpra com a contraprestação correspondente, poderá exigir o
seu direito. Trazendo importante enquadramento sobre o instituto,
verbera FRrn1E Dm1ER JúN10R9 :
Exceção, em sentido processual, é defesa, qualquer que
seja ela (de mérito, ou não; direta, ou não; peremptória
ou dilatória etc.). Exceção substancial é uma espécie de si-
tuação jurídica ativa (direito subjetivo em sentido amplo)
- trata-se de um fenômeno de direito material.

7. Curso de Direito Civil. Contratos. Teoria Geral e Contratos em Espécie. Vol. IV. 3•
edição. Salvador: JusPodivm. 2013, p. 579
8. Direito Civil. Contratos. São Paulo: Saraiva, 2011, p. 169.
9. Curso de Direito Processual Civil. Introdução ao Direito Processual Civil e
Processo de Conhecimento. Vol. 1. i5• edição. Salvac1or: JusPodivm, 2013, p. 538.
286 Direito Civil - Vol. 13 • ltlciano Figueiredo e Roberto Figueiredo

A exceção substancial é uma defesa - daí a aproximação


dos termos, que costumam ser confundidos. Assim como o
autor afirma um direito em sua demanda, o réu pode afir-
mar um direito em sua defesa. [ ... ]
Não é diverso o pensamento de ALEXANDRE FRrnAs CÃMARA'º, para
quem exceção, "em sentido mais amplo, designa defesa ou, em sen-
tido mais estrito, as matérias de defesa que só podem ser conhecidas
se forem suscitadas pela parte (como a conhecida exceção de não
cumprimento de contrato, "exceptio no adimpleti contractus") ... ".
Ensina PAULO Lõso" ser uma exceção dilatórias ou retardatórias,
de maneira que, a qualquer tempo, a outra parte a quem foram
opostas poderá cumprir com a obrigação e extingui-la.

~ Atenção!
Malgrado o tema exceção do contrato não cumprido, em regra, ser
arguido em sede de defesa, não se olvida a possibilidade de arguição
do tema em inicial
É possível que diante do inadimplemento de um dos contratantes, o
desejo da outra parte não seja o pleito de cumprimento do contrato,
mas sim sua resolução. É possível, ainda, que, para tanto - resolver
o contrato - seja necessária interpelação· judicial, por não haver no
contrato cláusula resolutória expressa (CC, art. 474). Nesta interpelação
resolutória, poderá aparecer na inicial o tema exceção do contrato não
cumprido. No particular, concordamos com FlÁv10 TARTUcE 12 •

O fundamento da exceptio reside na boa-fé objetiva. O sistema


jurídico pretende que haja uma execução simultânea das obriga-
ções. A segurança do comércio jurídico demanda o respeito pelas
obrigações assumidas, de modo a unir o destino das duas pres-
tações. Logo, cada obrigação só será executada à medida que a
outra também o seja. Assim afirmam os doutrinadores CR1sr1AN0 CHAvEs
E NELSON RosENVALD' 3•

10. Lições de Direito Processual Civil. Vol. 1. 10ª edição. l<io de 1aneiro: Lumen Juris,
2004, p. 343.
11. Direito Civil. Contratos. São Paulo: Saraiva, 2011, p. 17i.
n. Manual de Direito Civil. Volume único. 4' edição. São Paulo: Método, 2014, p. 646.
13. Curso de Direito Civil. contratos. Teoria Geral e Contratos em Espécie. Vol. IV. 3•
edição. Salvador: JusPodivm. 2013, p. 580.
Cap. 8 • A Exceção do Contrato Não Cumprido 287

Pelo próprio conceito do instituto, infere-se que apenas é apli-


cável a exceção do contrato não cumprido às avenças bilaterais,
nas quais há direitos e deveres recíprocos. Decerto, a bilateralida-
de do contrato é exigida na própria redação do art. 476 do Código
Civil. ln verbis:
Art. 476. Nos contratos bilaterais, nenhum dos contratantes,
antes de cumprida a sua obrigação, pode exigir o imple-
mento da do outro. (grifos nossos)

~ E na hora da prova?
Ano: 2013 Banca: FCC órgão: TRT - 1• REGIÃO (RJ) Prova: Juiz do Trabalho
Substituto
Nos contratos bilaterais, nenhum dos contratantes, antes de cumprida
sua obrigação, pode exigir o implemento da do outro. Este enunciado
refere-se
a) à exceção do contrato não cumprido.
b) à objeção de pré-executividade.
c) à exceção de pré-executividade.
d) ao princípio que veda o enriquecimento sem causa.
e) ao princípio que veda a onerosidade excessiva.
Gabarito: a

Mas basta ser o contrato bilateral?


Decerto que não!
Além de bilateral, há de ser sinalagmático, com prestações cor-
relatas. Leia-se: mister a dependência recíproca das prestações.
Soma-se a isto, segundo a doutrina S1Lv10 RoDR1GuEs 14, a necessidade
de prestações simultâneas ou correlatas. Para o renomado dou-
trinador "é mister que as prestações sejam simultâneas, pois, caso
contrário, sendo diferente o momento da exigibilidade, não podem as
partes invocar tai defesa". Exige-se que haja uma espécie de depen-
dência recíproca das prestações.

14. Direito Civil. Vol. 3. Editora Atlas. Oitava edição. p. 83


288 Direito Civil - Vol. 13 • Luciano Figueiredo e Roberto Figllleiredo

~ E na hora da prova?
Ano: 2015 Banca: FCC órgão: TJ-PE Prova: Juiz Substituto
Considere o seguinte texto de Miguel Maria de Serpa Lopes: Da estru-
tura jurídica da EXCEPTIO NON ADIMPLETI CONTRACTUS - Como a própria
denominação o indica, a exceptio non ad. contractus constitui uma das
modalidades das exceções substanciais. Pertence à classe das exce-
ções dilatórias, segundo uns, embora outros a entendam pertinente
à categoria das exceções peremptórias. Como quer que seja, convém
assinalar, antes de tudo, que a ex. n. ad. contractus paralisa a ação do
autor ante a alegação do réu de não ter recebido a contraprestação
que lhe é devida, estando o cumprimento de sua obrigação, a seu
turno, dependente do adimplemento da prestação do demandante (in
Exceções Substanciais: Exceção de contrato não cumprido (Exceptio non
adimpleti .contractus) -p. 135 - Livraria Freitas Bastos S/A, 1959).
Por isso, o autor pode concluir que ela só encontra e só pode encon-
trar clima propício,
a) em qualquer modalidade de contrato consensual.
b) onde não existir uma vinculação bilateral.
c) onde houver uma vinculação sinalagmática.
d) nos contratos unilaterais.
e) nos contratos reais.
Gabarito: c

~ Atenção!

GUSTAVO TEPEDINO, HELOÍSA HELENA BARBOSA e MARIA CEUNA BoolN DE MO;;:AIS'', advertem
que a exceção do contrato não cumprido apenas tem incidência nos
contratos bilaterais perfeitos, os quais são entendidos com simulta-
neidade de prestações e créditos e débitos recíprocos. Exemplifica-se
com a compra e venda, na qual o comprador tem o direito de exigir a
entrega da coisa, diante do dever do devedor em entregar o aludido
bem; já o devedor tem o direito de recebimento do preço, diante do
dever do comprador de pagá-lo.

15. Código Civil Interpretado. Conforme a Co11stituição da Repúbflca. Volume li. Rio
de Janeiro: Renovar, 2006, p. 125.
Cap. 8 • A Exceção do Contrato Não Cumprido 289

~e~y"ê,~.:~~i~U~J.~~~'â,'.pt~té~ t~~~iÓ4~qu~riã'g ~·h·~pifoa à.,~x~eçãÓ .• d6 .·


contratq·;nã(f tl\fDJ:>rido, em. Col}t~atos ·. bllater;als :.l"P,eljeiJ~'.S;. Es.tes .. são
. entêriilitl~~;,êo;ffi,õ::âguelés éiu~ hli ato dé. sua fortn~~ão criám deveres
a àpenas úlll~ dás ·parte~, má,s nb seu decorrer, por circunstãhc(as ex-
.cepcionà.is, Dodem Qarh.iga:r à deveres também à outra parte. É o·càso
. d.o contrató ~~.~~P.Qsi.to:.em c.JL\,eicapenas o âepos,itário terià. deyerés, a
priori,m~~:ôor&'iJal ó:aeposi~à.~i~, .eventualmente,· po~erá ter peveres
· 1mpbstós;·:êt.;ffio·ode'.ressarêiJ'·à.§despesas nece~sá~ias:·do deJ:>ositário
·ccc;art;~4~J;;;':;,,.,., · · ···

Ressalta MARIA HELENA D1N1z 16, com clareza solar, que se a lei ou
o próprio contrato determinar sucessão no cumprimento obriga-
cional, determinando quem deverá adimplir primeiro com a pres-
tação, não é possível ao imputado, em primeiro lugar, exigir do
outro o cumprimento obrigacional, antes de cumprida com a sua
prestação. Destarte, o primeiro cumpridor não poderá alegar que
não adimpliu com o seu dever por não ter a outra parte cumprido
com a sua prestação; afinal, o contrato ou a lei estabeleciam ordem
diversa.
A exceção não reclama o conteúdo do contrato, ou nega a exis-
tência da obrigação. O que se discute é, justamente, a exigibilidade
obrigacional. S1Lv10 RooR1cuEs' 7 complementa o raciocínio afirmando
que "a exceção paralisa a ação do autor, ante a alegação do réu
de não haver recebido a contraprestação devida; não se debate o
mérito do direto arguido, nem o excipiente nega a obrigação; apenas
contesta sua exigibilidade, em face de não haver o exceptio adimplido
o contrato".
Nessa esteira, em sendo exceção substancial, como visto, o ma-
gistrado há de reconheça-la apenas mediante pedido da parte, não
sendo possível ser conhecida ex officio. Vaticina FREDIE D101rn JúN10R 18
que "não se permite ao magistrado o conhecimento de ofício de exce-
ções substanciais por serem elas espécie de contradireito do réu em

16. Curso de Direito Civil Brasileiro. Teoria das Obrigações Contratuais e


Extracontratuais. Vol. Ili. 27• edição. São Paulo: Saraiva, 2011, p. 138.
17. Direito Civil. Vol. 3. Editora Atlas. Oitava edição. p. 85
18. Curso de Direito Processual Civil. Introdução ao Direito Processual Civil e
Processo de Conhecimento. Vol. 1. 15ª edição. Salvador: JusPodivm, 2013, p. 543.
290 Direito Civil - Vol. 23 • Luciano Figueiredo e Roberto Figueíredo

face do autor. Assim, violaria a regra da congruência (arts. 128 e 460


do CPC) o magistrado que levasse em consideração exceções substan-
ciais não alegadas pelo réu. São exemplos de exceção substancial: a
prescrição, o direito de retenção (Art. 1.219 do CC-2002), a exceção do
contrato não cumprido (art. 476 do CC-2002) etc."
Em correlação com os planos do negócio jurídico, é possível
aproximar a exceção do contrato não cumprido com o plano de
eficácia dos negócios. Sem dúvidas, é um instituto ligado não à
confecção do ato (existência e validade), mas sim aos seus efeitos
(eficácia). o intento é retardar ou neutralizar o cumprimento (os
efeitos) do contrato 19• Não se discute o conteúdo do contrato, nem
se nega a existência da obrigação ou tenta extingui-la; o que se
pretende, apenas, é impedir a exigibilidade.
o momento de arguição é no prazo de resposta, em sede de
contestação, ao passo que a exceção consiste no oposto da ação
demandada. Como bem recorda S1Lvto RooR1GuEs 20, a arguição indepen-
derá da causa geradora do inadimplemento. Ainda que a recusa
do cumprimento correlacione-se com má-fé, caso fortuito, força
maior... em qualquer circunstância será possível arguir a exceção.
Isto, porque, o instituto liga-se a situações nas quais há prestações
correlatas, de maneira que o mero descumprimento de uma delas,
ensejará a legitimação de não cumprir com a outra.
Obviamente que por conta da eticidade relacional o tema há de
ser analisado com temperamentos. Nessa toada, não é possível,
por exemplo, que o descumprimento de uma obrigação secundária
- a exemplo do locador não realizar pequenos reparos no imóvel
- autorize a tese da exceção para o inadimplemento de uma obri-
gação principal - não pagamento dos alugueis.
Ainda nas correlações com outros institutos do direito civil, a dou-
trina costuma buscar o paralelo da exceção do contrato não cumprido
com a venire contra factum proprium e o tu quoque. Correlaciona-se

19. Para os desejosos em aprofundamento derredor dos planos dos negócios jurí·
dicos, indica-se a leitura do Volume dedicado à Parte Geral (Vol. X), no qual, no
capítulo direcionado aos negócios jurídicos, é realizada detida análise derredor
os seus planos.
20. Direito Civil. Vol. 3. Editora Atlas. 8• edição. p. 77.
cap. 8 • A Exceção do Contrato Não Cumprido 291

à ideia de abuso do direito e vedação à surpresa. Afinal, não é crível


que aquele que não cumpriu com sua parte do contrato exija que a
outra parte a cumpra, como bem vaticina PAuLo Lõso 21 •
E seria possível uma exceção parcial do contrato (exceptio non
rite adimplete contractus)?
Seguramente. Esta acontece quando uma parte cumpre ape-
nas parcialmente as suas obrigações, pelo que não pode exigir a
contraprestação correlata. Segundo MARIA HELENA D1N1z22 , "se houver
cumprimento incompleto, defeituoso ou inexato da prestação por um
dos contratantes, admite-se a exceptio non rite adimpleti contractus,
em que o outro poderá recusar-se a cumprir a sua obrigação até que
aquela prestação se complete ou melhore". Na exceção parcial, como
pontua PAuLo Lõso 23 , pouco importa se a inexecução é quantitativa
ou qualitativa. Basta, no caso concreto, que haja um adimplemento
insatisfatório ou ruim.
ORLANDO GoMEs 2 • afirma que a diferença entre a exceptio non adim-
pleti contractus (total) e a exceptio non rite adimpleti contractus
(parcial), além da extensão, relaciona-se com o ônus da prova. De
acordo com o professor, na total o ônus é de quem descumpriu a
obrigação. Já na incompleta (parcial), será de quem argui a exce-
ção, pois há presunção de cumprimento obrigacional regular.
Feita a introdução, avançaremos à sistematização dos elemen-
tos necessários à arguição da exceção.

2. ELEMENTOS CARACTERIZADORES
O que se faz necessário para que se configure a exceção do
contrato não cumprido?
a) Existência de um contrato bilateral, sinalagmático e de pres-
tações simultâneas: O instituto necessita que as prestações
sejam recíprocas, com obrigações de ambos; ou seja: que de
uma prestação origine a outra, no mesmo momento.

2i. Direito Civil. C::mtratos. São Paulo: Saraiva, 2011, p. 170.


22. Curso ele Direiw Civil Brasileiro. Teoria das Obrigações Contratuais e Extracontra-
tuais. Vol. Ili. 27" edição. São Paulo: Saraiva, 2011, p. 138.
23. Direito Civil. Contratos. São Paulo: Saraiva, 2011, p. 169.
24. Direito Civil. Contratos. p. 92.
292 Direito Civil - Vol. 13 • LUciano Figueiredo e Roberto Figveiredo

b) Demanda de uma das partes pelo cumprimento do pac-


tuado: Somente há sentido na invocação de uma exceção
substancial se há provocação, sendo impossível acontecer
aplicação de ofício. O instituto da exceção é arguido em de-
fesa. Como visto no item anterior, excepcionalmente há que
defenda a possibilidade de arguição da exceção em inicial.
c) Prévio Descumprimento da Prestação pelo Demandante: Se
a parte que demanda o cumprimento tiver adimplido inte-
gralmente a sua obrigação, possui direito de exigir da con-
traparte que cumpra com a sua, em um exercício regular de
direito. Aqui não haverá campo para a aplicação do instituto
da exceção do contrato não cumprido.

3. RESTRIÇÃO DA APLICAÇÃO DO INSTITUTO

Os Códigos Civis de 1916 e de 2002 não traziam possibilidade


de restrição à aplicação da exceção do contrato não cumprido.
Todavia, há na doutrina posicionamento no sentido de que, a
depender da situação tática, poderão as partes, no exercício da
sua autonomia da privada afastar a incidência da cláusula em
comento.
O sempre atento CARLOS Rosrnro GoNçALvEs 25 cita a existência da cláu-
sula solve et repet (pague e depois reclame), pela qual se obriga o
contratante a cumprir com a sua prestação mesmo diante do des-
cumprimento da do outro, resignando-se a, posteriormente, voltar-
-se contra este, para pedir o cumprimento e/ou as perdas e danos.
Cláusula solve et repet, então, importa na renúncia contratual
de opor a exceção do contrato não cumprido, fundada no principio
da autonomia.
Mas a cláusula solve et repet poderá ser veiculada em qualquer
contrato?
A resposta é negativa e demanda uma detida análise do caso
concreto.

25. Direito Civil Brasileiro. Contratos e Atos Unilaterais. VoL Ili. 7ª edição. São Paulo:
Saraiva, 2010 p. i66
Cap. 8 • A Exceção do Contrato Não Cumprido 293

Defende CARLOS RosERTo GoNçALVEs 26 que poderão as partes, no con-


trato administrativo, por exemplo, veiculá-la, restando à parte
prejudicada apenas uma futura ação de ressarcimento diante do
inadimplemento estatal.
',·,~-.,;,, ,'·•;; ,,'.'> ,· , /:J',:;,,,~,,,,,>Ç •,,,,,,· ' ,,d!f/t};,\' I ·\ '• •" "''·, ' '"''' ',' '

•.. . ,, -- ~ .. . . . •... , ,, .\i'/ .,:,,::.~· '<'s~'"f ,,."·{·· :'.:\"'.~.Y~"f;'


~j ~~~Çj~!·· i'.<.•fii~.;, ,/ .• ,,,•. J. ···~~~:)/' .~
;~:M~.·~~fa.-~t~:g~~ ·.
,•!',• ;:;.,.•. ,' •. . • ;.· •.

EJQ ·. ,,, ... Yf,)j;,i:;;f~!~~~~~t âfü:a aa:·

~ · · ·, . . . . faft9•1í~i4f~do liÍ~tq~ ..,'ffrfi~t~t~~;. , .·• .~~(j{Jp~~M~\sAwfósêm ::


~AtiÍo F1lJio2~foã,g:se: admili.~: ~f~nãô'd9)::9ntra!<t·ªPf11i{li~P'ati~6
contf.lt~sadin1fitst~ativos;.·p'.ôf,êóhta.·d(> .C:oroÍ~f:íÍ),'.da'C~C>~tioü(da(le ê(t()

t,.~,~~~f~~~c~1':t~Í~'Ft~~~~,~~j'f~W.~::,n4y•"'º ·'~º
HoélH~rnamente; pbrtanto, êppssívet a apllc~ç~()'dg<institute da.exce-
ção .'.4o fo~tratO. Ílão CUmpridb à adminJstraÇã()jp~~li<;at porém, C()fl1
tem~erarnentos: A alteração de. pensamento,. vaticina (ás.o 'ANtONIO BAN-
OEIAA bE MELo~9, veio em boa hora; Ao passo qµe "a.~r:a~os prolonsados de
pasamento, violações continuadas ao dever d.e:.. efetriar os reajustes cabí-
veis, ou as co.rreções monetárias devidas, autorlzaiiio, em muitos casos,
a que o contratado interrompa suas prestações sob invocaçêlo da cláusula
de exceptio.non adimpliti COflff<tctÍJS". I

Neste cenário, a legislação hoje vigente limita a exceção do contrato


não cumprido contra a administração pública, determinando que o Es-
tado poderá paralisar o pagamento da concessionária por 90 (noventa)
dias, sendo o executor obrigado a persistir com ..o seu intento, haja
vista a continuidade do serviço públic(). Houve temperamento. Entre a
continuidade e o inadimplemento, prevaleceu a ponderação.

26. Direito Civil Brasileiro. Contratos e Atos Unilaterais. Vol. Ili. 7ª edição. São Paulo:
Saraiva, 2010 p. 165.
27. Manual de Direito Administrativo. 19' edição. Rio de Janeiro: Lumen 1uris, 2008.
p. 180.
28. Art. 78, Constituem motivo para rescisão do contrato:
XV - o atraso superior a 90 (noventa) dias dos pagamentos devidos pela Admi-
nistração decorrentes de obras, serviços ou fornecimento, ou parcelas destes,
já recebidos ou executados, salvo em caso de calamidade pública, grave pertur-
bação da ordem interna ou guerra, assegurado ao contratado o direito de optar
pela suspensão do cumprimento de suas obrigações até que seja normalizada
a situação.
29. Curso de Direito Administrativo. 26• edição. São Paulo: Malheiros, p. 292.
294 Direito Civil - Vol. 13 • Luciano Figueiredo e Roberto Figueiredo

Há, erjr re~~ g.er~;t•.u.ma espéci~ de mitigaçªo à arg.u.içªp da exceção


do coi1trafo ri~(r cutnpri(jo, hayendo o !)articular de arcar fom todo$
os cusfos~ tnesrílcri:tiaíitê tro lh~ditflpleín~nto estatal; pC>r rtoventa dias;
fruto de urna cláusul~ ·exorbitànte cogente.
Seguin(ló .nas ~e~d~s ·J:fo ~eS,mo arti~Õ de. lei,. nos.. casos de cala mi"
êfadê>fi'úblita; · grav~: perturtfa.~ão' tlá ·. ôrtlem. interna ou. guerra, mes-
mo diante. do tncu01pr,imento;esta.tal, nã.() P()derá o· particular. resolver
o contrato adminÍ$trativo.com base. rio instituto. da exce窺· Rest~rá,
aqui, ª() párticul':l~ diante do iriadhnptem~ríto, o exerdcic) do direito de
suspensão do confr~to, até qlJe sefa regularizadá a situação. .
caso 0 atraso/ porém, inferior aos noventa. dias, gere prejuízos de
grandes mÓntas ao particular, concordamos com os ensinamentos de
Jost oos SANros CARVALHO F1rno30 no sentido do particular pleitear rescisão
judicial do contrato, valendo-se, até mesmo, de prévia ação cautelar
com pedido de imediata suspensão ·na execução do pacto.
Ainda sobre o tema, é mister analisar o outro lado da moeda. o que
fazer caso o usuário paralise com o pagamento. Exemplifica-se com um
particular que paralisa com o pagamento da sua taxa e energia elétri-
ca. É. possível que a administração corte com o serviço?
TERESA NecRe1Ros31 propõe·· a "adoçãó de uma disciplina legal de índole tute-
lar para a exceptio, díversá da disciplina aplicável às demais espécies de
contratos. Sugere a autora à mitigação dos efeitos do artigo 476 do C6digo
Civil, nas hip6teses de inadimplemento em contratos voltados à satisfação
de necessidades existências, tais como saiíde, educação e segurança".
CRISTIANO CHAVES E NELSON RosENVAL0 32 afirmam "que a arbitraria paralisação
de serviços essen.ciais que compõem o mfnimo existencial corresponde
ao exercfcio de. umdireito d.e fotma repro.vável, desumana e ilegal. o
prestéldor do servíi;o piíblico deverá éxercêr stia àtividade de maneira
adequ(lda, eficiente, segura e contínua e, .em caso de atraso por parte do
usuário não poderia cortar o seu fornecimento, expondo o consumidor ao
rídico e ao constrangUnento".
Parecê-nos que tão questão, para ser resoivida, deve caminhar com a
ponderação de interesses no caso concreto. Não é crível, por exemplo,
que o inadimplemento no pagamento de energia elétrica por um hospital

30. Manual de Direito Administrativo. 19ª edição. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2008. p. 180.
3i. Teoria do Contrato. Editora Renovar. 2• edição. p. 484
32. curso de Direito Civil. Contratos. Teoria Geral e Contratos em Espécie. Vol. IV. 3ª
edição. Salvador: JusPodivm. 2013. p. 581
Cap. 8 • A Exceção do Contrato Não Cumprido 295

ocaslorte·o cori:e imediato.de energiél.Mas~ igualJTle(lte,·nã~~ posst~.el


à.s. concessfonárias de serviç?s públicos a'rcarem •cóm inadimpl~nciás
1 desmedidas; sob pena de que!1ra do sistemii.• · ,, · ·

l De mais amais, no quetange. às pe:~soas físicas quer:esidam em Unida-


des residenciais de baixa renda, bem como Indígenas e Quilombolas,
fora criada, pelo Governo Federal, a tarifa social. Assim, os Indígenas e
Quilombolas chegam a ter redução de iooºk (cem por cento), enquanto
que os residentes em unidades de baixa renda possuem até. 65~k (ses-
senta e cinco por cento).

Volta-se à questão inicial posta: a cláusula solve et repet poderá


ser aplicada em todo e qualquer tipo de contrato?
Na casuística do contrato de adesão, a resposta é negativa.
Isto, porque, é nula a renúncia antecipada a direito em contrato de
adesão (CC, art. 424). Logo, não é possível que haja uma renúncia
ao direito de arguição da exceção do contrato não cumprido, sob
pena de nulidade desta cláusula solve et repet.
A coisa piora, ainda mais, em sede de defesa d·o consumidor;
seja pelo fato dos contratos de consumo, em regra, serem de ade-
são; seja pelo próprio sistema protetiva da seara consumerista.
A hipossuficiência, o dirigismo estatal, a interpretação relativa ao
contrato de adesão, a busca de equivalência material, a boa-fé e a
função social seriam apenas alguns argumentos passíveis de serem
invocados para arguir a nulidade da cláusula solve e! repet no caso
concreto.
Parece-nos, portanto, que nas relações de consumo eventual
renúncia à arguição da exceção do contrato não cumprido, por
parte do consumidor, configura cláusula nula, porquanto sua abusi-
vidade (CDC, art. 51). A nulidade será da cláusula, e não do contrato
como um todo, o qual há de ser conservado em atenção ao princí-
pio da conservação dos atos.

4. EXCEÇÃO DE REFORÇO DE GARANTIA

Conforme verificado, a incidência da exceção do contrato não


cumprido perpassa pela necessidade de prévio descumprimento
do ajuste.
296 Direito CivB - Vol. 13 • Luciano Figueiredo e Roberto Figueiredo

Mas e se o contrato já tiver sido celebrado e houver, após o ato


de sua celebração, fundado receio de seu futuro inadimplemento,
em razão da diminuição patrimonial da parte contrária?
Aqui, que fique claro, o contrato ainda não fora descumprido.
O que há, porém, f: um grande receio de futuro inadimplemento.
O que fazer?
O art. 477 regula a casuística 33, protegendo a parte que possui o
fundado receio, em medida correlacionada à eticidade. Tal artigo
procura acautelar os interesses do que deve pagar em primeiro
lugar, protegendo-o contra alterações da situação patrimonial do
outro contraente, após a celebração do pacto, como bem assinala
CARLOS ROBERTO GoNÇALVEs3 4 •

Nessa senda, autoriza o artigo, por exemplo, a um vendedor


que realizou o contrato em prestações de pagamento sucessivas
por parte do comprador, que não entregue a coisa, se há fundado
receio de que inexistirá pagamento. Poderá, nesta hipótese, o ven-
dedor reclamar garantia ou pagamento integral do preço, somente
assim sendo compelido a entregar a sua cota parte no contrato.
Exercitará, este vendedor, retenção permitida em lei.
Nessa toada, não poderá o comprador exigir a entrega da coisa
antes de conferida a garantia ou pago o preço como um todo, ao
passo que, em exigindo, poderá ser arguida a exceção substancial
da exceção do contrato não cumprido.
Para que fique daro, veicula-se mais um exemplo. Imagine que
João (comprador) comprou um grande maquinário de Caio (vende-
dor), em prestações. Restou ajustado o pagamento em dez pres-
taç?es e que a entrega das máquinas, por parte de Caio, dar-se-ia
apos o pagamento da sexta prestação. Imagina-se, ainda, que após
o pagamento da qu:arta prestação resta amplamente divulgado na

33. Art. 477. Se, der-·ois de concluído o contrato, sobrevier a uma das partes
con:ratantes diminuição em seu patrimônio capaz de comprometer ou tornar
duv1dos~ a prestaçã~ :>ela qual se obrigou, pode a outra recusar-se à prestação
que lhe incumbe, ate que aquela satisfaça a que lhe compete ou dê garantia
bastante de satisfazê- a.
34. Direi.to Civil Brasileiro. Contratos e Atos Unilaterais. VoL 111. 7ª edição. São Paulo:
Saraiva, 2010. p. 165
Cap. 8 • A Exceção do Contrato Não Cumprido 297

mídia que Caio "quebrou" e está passando por momentos muito di-
fíceis. Neste caso, João poderá condicionar a entrega das máquinas
não mais apenas ao pagamento das seis parcelas, mas sim à quita-
ção integral do preço ou conferência de garantias de cumprimento,
sob pena de resolução do contrato (CC, art. 477).
Percebe-se que a análise aqui, como pontua PAuLo Lõso' 5, é obje-
tiva. Pouco importa se a posterior diminuição patrimonial fora per-
petrada de má-fé. O que salta aos olhos é que há, objetivamente,
diminuição patrimonial, embaraços ao cumprimento do contrato.
Obviamente, arremata o autor, o arguidor da exceção de garantia
não poderá estar em mora; afinal, não é crível que aquele que
esteja em mora exija do outro que garanta o cumprimento da pres-
tação futura.
De mais a mais, atento ao princípio da conservação dos atos
- estudado na parte geral, ao tratar dos negócios jurídicos -, o
contrato, sempre que possível, há. de ser conservado. Logo, en-
tendemos salutar a inicial oportunidade de conferência de garan-
tias idôneas ou quitação do preço para, na impossibilidade destas
condutas, proceder-se com a resolução do contrato. A resolução
sempre deverá ser a ultima ratio.

._ E na hora da prova?
É correto afirmar que a exceção do contrato não cumprido
a) é aplicada tão somente em determinadas espécies de contratos
bilaterais, conforme específicas previsões legais.
b) depende de expressa convenção, por escrito, entre as partes.
c) consiste na faculdade de não cumprimento das obrigações, por
urna das partes, em razão da existência de condições suspensivas.
d) não tem previsão no ordenamento jurídico brasileiro, mas o institu-
to tem larga aplicação, por construção doutrinária e jurisprudencial.
e) pode ocorrer em caso de diminuição do patrimônio de uma das
partes, capaz de comprometer a prestação pela qual se obrigou.

Gabarito: e

35. Direito Civil. Contratos. São Paulo: Saraiva, 2011, p. 171.


298 Direito Civil - Vol. 13 • Luciano Figueiredo e Roberto Figueiredo

.·~. '.A~nção!
Jú~'.m~~~â~y~11.e fLÃy1.o.j!lerucE36,. possuUrnpor:tante relação com o que a
. dg:µ~finaí·.c~·r:n<IJas~.119,.d.ireito norte aJ1·1ericano e inglês, vem chaman-
ao 'dê qúel.Jra antecipada' dO' contrato ou inadimplemento antecipado
(antecipated breach .of contra d). ·
Se uma das partes perceber na situação concreta que há fundado risco
de descumprimento por parte do outro contraente, poderá antecipar-
cse, pleiteando, d~ pronto, garantias ou, ~m não conseguindo estas,
at~ n;.esmo a extinçãt:> do contrato.•
Nesta linha de intelecção, importante a consulta ao Enunciado 437 do
CoNsEtno DA JuSTiçA FEDERAL, segundo o qual Na resolução da relação jurídica
contratual também pode decorrer do inadimplemento antecipado".
E o que seria a exceção de Inseguridade?
A expressão remonta PONTES DE MIRANDA, como recordam GUSTAVO TEPEDINO,
HELOíSA HELENA BARBOSA e MARIA CELINA BDDIN DE MoRA1s3r.
Vê-se a exceção de inseguridade, nas lições do Professor CR1sr1AN0 sE
SouZA lANm138, quando uma das partes, por conduta própria, submete
o contrato a grande risco de descumprimento, Aqui, poderá a parte
inocente, atenta à boà"fé, suspender a contraprestação, posto que não
poderá o outro contratante, que colocou em risco o cumprimento do
contrato, beneficiar-se de sua conduta (vedação de beneficiar-se da
própria torpeza).
Aplica-se, por analogia, o já mencionado art. 477 do Código Civil, sendo
suspensa a execução do contrato até que haja garantia ou cumpri-
mento integral da outra parte; quem, por conduta própria, colocou o
adimplemento da avença em .risco.
Jrata.-se .de aplicação, no cenário nacional; do já adotado pelo art. 71
da Convenção de Viena da.s Nações Unidas. sobre Contratos de Compra
e Veooa·.Íiíternaeional de Mertádorias.
A doutrina nacional adotou o. assunto no.Enunciado 438 do CoNsEtHo oA
JuSTtÇA FEDERAL, para o qualNa exceção de inseguridade, prevista no art. 477,
também pode ser oposta à parte Cl,Jja cdnduta põe manifestamente em
risco a execução do programa contratual":

36. Manual de Direito Civil. Volume único. 4• edição. São Paulo: Método, 2014, p. 646.
37. Citado por Flávio Tartuce em Manual de Direito Civil. Volume único. 4ª edição.
São Paulo: Método, 2014, p. 646.
38. Citado por Flávio Tartuce em Manual de Direito Civil. Volume único. 4• edição.
São Paulo: Método, 2014, p. 646.
Cap. 8 • A Exceção do Contrato Não Cumprido 299

outro exemplo interes.sante ·de exceção ele. insêguri.dade pe('ceb~,~~'·no


contrat(). ele 1mútuo': q1.1and9 .ve.rbe~.·9 art•. 599 dQ1(:.óqigo;.:Civihq1.1.e!.fo
do
mutuqnte pode exigir ~r~ntiq. da. restitulçã(); se ani~s . yençimetttb. o
ITH1tUárlÓ sofrer notól-ia mudança em SUa SÍtUaÇã() econô.in,iC,(]!'. ·.· .
Como O SuP~RIOR TRIBUNAL DE Júsr1~ manifesto O-se sobre Otema?'
"o descumprimento parcial na entrega de unid~de.imobiliária, â~~im
como o receio concrett:> de que o promitente vende<!or não tr.ansferirá
o imóve! ao promitente comprador, impô~ a aplica~ã9 do in~tltuto da
exceção do contrato não currÍpridó. isso porque se tem a<exceptfô no
adimpleticontractuscomo meio de defesa, pois nos contratOs bilaterais,
nenhum dos contraentes, antes de cumprida a s.ua obrigaçãt:>, pqde exi-
gir o implemento da do outro. E se, depois de concluído o contrato> em
especial nos contratos de prestação de continuada, e.comprovada a
dificuldade de outro contratante· em ·adimplir a sua .obrigação, poderá
ser recusada a prestação. que lhe cabe, at~ qye se.pre,ste .garanti~ do
sinalagma a ser cu111prido" · ·
(REsp u93.739/SP. Rei. Min. Massami Uye(la•.. oJI 03:09.;zo12: lnformêiiivo
496) .

5. ADIMPLEMENTO SUBSTANCIAL
Este capítulo dedica-se a tratar do tema exceção do contrato não
cumprido, o qual está, topograficamente, dentre as hipóteses de re-
solução contratual reguladas no Código Civil. o assunto é intimamente
ligado à Teoria Geral dos Contratos e às Obrigações, pois autoriza a ex-
tinção do vínculo por imputação de descumprimento a uma das partes.
A casuística, entretanto, demonstra que o direito de pedir judicial-
mente a resolução obrigacional deve ser implementado dentro dos
limites da razoabilidade, proporcionalidade, conservação do negócio
jurídico, do interesse econômico do credor. da eticidade, da vedação
ao abuso e da função social do contrato. Em outras palavras: não é juri-
dicamente razoável "abrir mão" de um contrato, e resolvê-lo, quando a
eficácia interna daquele ajuste ainda evidencie a presença de interesse
jurídico-econômico a beneficiar quem postula a extinção contratual.
Exemplo ilustrativo do aqui afirmado é a teoria do inadimplemento
mínimo - também chamada de adimplemento substancial ou substantial
perfo1mance - a limitar o exercício do direito de resolver um contrato.
300 Direito Civil - Vol. 13 • Luciano Figueiredo e Roberto Figueiredo

Mas o que é a teoria do adimplemento substancial?

Trata-se de aplicação da razoabilidade e proporcionalidade às


relações obrigacionais. Assim, caso já tenha sido verificado o adim-
plemento substancial da avença, não há de se falar na imputação de
largas penalidades ao devedor, mas sim de sanções proporcionais.
A tese, que fique claro, não objetiva o perdão da dívida ou a aplica-
ção do princípio da bagatela. Ao revés. O inadimplente deve sofrer
com as consequências da sua conduta; no nível de sua ausência de
pagamento. Por exemplo: aquele que já quitou 95ºb (noventa e cinco
por cento do preço), não deve ser penalizado da mesma forma que
alguém que apenas quitou 10ºb (dez por cento) do valor.

A linha de pensamento aqui explicitada, há muito, já vem sendo


incorporada pela doutrina. O Enunciado 361 do CoNsEtHo DA Jusr1ÇA FEDERAL
firma que "O adimplemento substancial decorre dos princípios gerais
contratuais, de modo a fazer preponderar ô função social do contrato
e o princípio da boa-fé, balizando a aplicação do art. 475". A substantial
performance significa isto: adimplida quase toda a obrigação, não
caber2 a extinção do contrato, mas apenas outros efeitos jurídicos,
visando sempre a manutenção da avença corno numa "eficácia in-
terna da função social dos contratos, entre as partes contratantes". É
justo assim que se coloca o Enunciado 360 do CoNSELHo oA JusT1ÇA FEOERAL.
Nessa ótica, agora na forma do Enunciado 586 do CoNsELHo DA JusT1ÇA
FEDERAL, "para a caracterização do adimplemento substancial levam-se
em conta tanto aspectos quantitativos quanto qualitativos".

.. Como se posiciona o SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA sobre o tema?


Já entendeu o SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA, verbi gratia, que a falta de pa-
gamento de apenas uma prestação no contrato de financiamento não
autoriza busca e apreensão do veículo, mas apenas a cobrança dos
valores em aberto, ante o adimplemento substancial (REsp. 272.739-01-
MG e REsp. 469.577/SC).

Outrossim, o mesmo TRIBUNAL DA CIDADANIA Já referendou que o atra-


so no pagamento da última parcela do p:-êmio do contrato de se-
guro, não permite a seguradora suscitar inadimplemento absoluto
do segurado (REsp. 293.722-SP).
Cap. 8 • A Exceção do Contrato Não Cumprido 301

,. E na hora da prova?
A banca CESPE, no concurso para Procurador do Estado da PGE-BA, ano
de 2014, considerou correta a seguinte assertiva: "A teoria do adimple-
mento substancial impõe limites ao exercício do direito potestativo de
resolução de um contrato",

Caminhando de mãos dadas com a ética, firma a doutrina que


"a cobrança de encargos e parcelas indevidas ou abusivas impede
a caracterização da mora do devedor", agora no Enunciado 354 do
CONSELHO DA JUSTIÇA FEDERAL.

•t;~~~~:t!~~l~;~;~~~d~~~lln~:
dajurisprU,'d~JJ~iª:~pnada.lia.Segunda··~e)ãq~d~s~e.Jr:ibural~.~· cobran<;~
de énca,rgos.il~gais e abushtos descaracteriza a mora do devedor. A ju~
rispru~êqr;i.a (testa C9rteJª as~entou .qµe.~quele querer;ebe.pagarnen-
to .indevido· deye .restituí-lo para impedir .ol..,~nrlqu~cimento. indevido,
presdndinpC> da discussão.~·. respeito de erro de 'pagamento. Agravo
regimental desprovido (SuPER10R Trusu.NAL oE JuSTJÇA, ÀgRg río REsp. 903;592/RS).
. . j . • •·•. ' . . ••. • . /: ' •
A cobrança d~ encargos excessivos .descaracteriza a tilora do devedor,
entendimento que tem amparo na jurisprudêncià paéificada da Segun-
da Seção do STJ [ ..• ] Agravo improvido (SUPERIOR TmsUNAL DE JusnÇA, AgRg. No
REsp. 793.588/RS).

A jurisprudência dos tribunais superiores já pacificou o entendi-


mento sobre. a teoria do inadimplemento mínimo de modo a, respei-
tando a nova visão do direito-civil constitucional e repersonificado,
valorizar a cláusula geral da dignidade humana, harmonizando-a com
os direitos de crédito e a função social dos contratos.
Pois bem. Trazendo tais premissas à análise da exceção do con-
trato não cumprido, infere-se que o adimplemento substancial pode
ser uma mitigação à resolução do contrato por exceção do contrato
não cumprido. Como bem pontuam GusTAvo TEPED1No, HEwfsA HLENA BARBOSA
e MARIA CEUNA BoDIN DE MoRA1s39, "quando a outra parte tenha prestado de
forma suficientemente satisfatória, tendo alcançado resultado tão

39. Código Civil Interpretado. Conforme a Constituição da República. Volume li. Rio
de Janeiro: Renovar, 2006, p. 126.
302 Direito Civil - Vol. 13 • Luciano Figueiredo e Roberto Figueiredo

próximo do almejado, que o equiltbrio contratual não ficou prejudicado",


deve-se, em atenção à boa-fé e função socioeconômica do contrato,
impossibilitar a aplicação da exceptio e buscar a conservação do ato.

~·· Como~ assunto foi cobrado em concurso?


em córicursopara Defensor PÓblico SP/2012 o tema foi cobrado da se-
gtifnte maneira: "A caracterização âo adimplemento substancial das
V

obrigações produz .os seguintes .efeitos: inaugurar oli ratificar a possi-


bilJdade de o credor perseguir o ressarcimento pelas perdas e danos;
· obstar a resolução unilateral do contrato; impedir que o credor argua
a exceção do contrato não cumprido; descaracterizar a impossibilidade
absoluta de cumprimento da obrigação. Exceto liberar o devedor da
obrigação."
Extinção dos Contratos

1. INTRODUÇÃO
O contrato, como relação jurídica que é, nasce, se desenvolve
e morre (extingue-se). No particular, o contrato retrata a vida. Du-
rante as páginas escritas até então, visitamos todo o desenrolar da
criação e desenvolvimento dos contratos. Já é momento de tratar-
mos da sua extinção.
As primeiras notas derredor do estudo da extinção dos contra-
tos, porém, não são animadoras. A doutrina, ao debruçar-se sobre
o tema, o faz de forma confusa. Muitos reúnem, sob o signo extin-
ção, hipóteses de desfazimentos contratuais por causas anteriores,
concomitantes e posteriores à formação dos contratos, os quais
remetem ao plano de eficácia do negócio.
Data vênia, pensamos que o capítulo de extinção dos contratos
deveria versar tão somente sobre fatos geradores extintivos poste-
riores à formação dos contratos (dissolutórios). Os fatos geradores
anteriores e concomitantes, em verdade, são impeditivos à forma-
ção do vínculo, dialogando de maneira mais clara com as inexistên-
cias e invalidades (nulidades absolutas e relativas).

~ Como já se pronunciou o SuPERioR TRIBUNAL oe JusrtçA sobre o têma?


se o contrato é nulo, não há o que se resolver (extinguir). Cita-se ares-
to do Tribunal da Cidadania:
DIREITO PROCESSUAL CIVIL E DIREITO CIVIL. RECONHECIMENTO. DA NULIDA-
DE DO CONTRATO E. SEU EFEITO SOBRE AÇÃO ORDINÁRIA DE RESOLUÇÃO DE
PROMESSA DE COMPRA E VENDA DE IMÓVEL LOCALIZADO EM LOTEAMENTO
IRREGULAR.
Deve ser extinto sem resolução de mérito o processo decorrente do
ajuizamento, por loteador, de ação ordinária com o intuito de, em razão
304 Direito Civil - Vol. 13 • LUciano Figueiredo e Roberto Figueiredo

.. da s4J:t i.n<1.d!mplêncra:, (igs a.d9ui.r~nt,es do l'),t~. •re~5iqgl.r; ~cmttfl;~()


ile i>ri> . . . à de cqfl')pra e vel)da de imó\fel ,.lltbano. lt:1t~a..dP, :S.~!lt o
devid9··~~~J~i~~rp ~9 re~~e<;.tiyg pàrcelarnento d9 ~.ôlo;. nç~· t~rílj§~ ~i Lef ·
6.766/19i~: [)~~Ja.to1 · ·.· . 1,:(.tput. c\a..~ei 6~ 66" · · ·
bre.0:1:faré~l~ft):~,
ou pfometêr'i\leõ
registra<! ...·. . .·
do aüt0r
1

ve.nda.a.eohiprô\fa~o.r ...... r~gul~f . íf. >·.º:'


ou da incorpQrª$~.O';.~Ó!JS'o,a.nt~.im~v~ o a.11.'.4(;,~~i
teador. não p~detâ.füÍ'ldamentar' qúat(fuer atãó'oi,i;~ ...... sa .· .·. · •· 1ente
Lei sem aptesenta~ão,dos regjstros e~ont~atO~·a. q~~1ela.1$,~t1referer-•
Trata~se .de•1exigeneia.'d~corrénte.do .p·riodpí<i.segynciô1fM~µaLa.v911~
da de dos. atos Jud(floos <fePencle de c>.bfetol(çltg, ;ele ffiocl.9 queiª )!eiJpª:
irregula,r de .imóvel. situado ·~m. IOtearrumto:oão re,gi.t!a.rJµ..gp. c9,;nstl~ul
ato jurídico com objeto ilícito, conforme afirmam .a qo{Jt,rifta. ~ aju~is~
prudência. Dessà forma., .constatada a fllcltude do ()lJJeto ,d() contrat()
em análise (promessa de wmpra e vendatde.JmóYel;IÓt~<lci~ sem o
devido registro do respectivó parcelamento do.sol()..urbaÍlo); deve-sê
concluir pela sua nufid~de. Por c;onse~uinte, car:acterizada ·~Jmpossibi­
lidade jurídic;:t do pedido, o processo deve ser extintó.sem.resÓlução
do mérito, nos termos do an. 2~7, VI, do ~PC:. · ' .·
(REsp l.304.370-SP, Rei. Min. Paulo de Tarso Sanseverino, julgado em
24/4/2014. lnf. 543).

Verificando o grande mar de discordâncias doutrinárias sobre


o tema, MARIA HELENA D1~1z 1 aduz que "a falta de sistematização, a ex-
cessiva preocupação com minúcias inconsequentes, as divergências
terminológicas apresentadas na doutrina e as vacilações nos conceitos
e classificações dificultam o estudo dos modos extintivos do contrato
quanto à delimitaçã::i e classificação de todos os fatores suscetíveis
de, num dado momento, porem fim a uma relação contratual. Não há
uma teoria que ponha termo à confusão reinante sobre esse assunto".
Feito este aparte inicial, optamos em seguir o estudo do tema
consoante os posicionamentos doutrinários e jurisprudenciais do-
minantes, abordando os meandros controversos no avançar dos

1. DINIZ, Maria Helena. ::urso de Direito Civil Brasileiro. Teoria Geral das Obrigações
Contratuais e Extracontratuais. Vol. Ili. 27" edição. São Paulo: Saraiva, 2011. p. i65.
Cap. 9 • Extinção dos Contratos 305

assuntos. A opção tem como base o objetivo desta obra: capacita-


ção dos leitores para o exercício das carreiras jurídicas.

2. SISTEMATIZAÇÃO DO TEMA
segundo PAULO Lôso 2 , a extinção dos contratos acompanhará, em
geral, os mesmos parâmetros da extinção das obrigações. Podem
ser extintas as obrigações e, consequentemente, os contratos, pelo
seu cumprimento, pelo advento do termo final, pela consignação
em pagamento, pela remissão, pela imputação ao pagamento, pela
dação em pagamento, pela compensação, pela confusão, pela no-
vação, pelo pagamento por sub-rogação ...
D'outra banda, ressaltam CR1sr1ANO CHAVES DE FARIAS E Nnsor> RosENVALD 3
que nem toda extinção contratual ocasionará extinção obrigacional.
Por vezes, há permanência do respectivo crédito. Exemplifica-se
com contrato de locação, o qual malgrado extinto por devolução
do bem, poderá dar causa a cobrança de eventuais alugueis em
aberto.
Diante deste cenário, razão assiste a ORLANDO GoMES4 , ao afirmar
que extinção contratual contempla todo e qualquer ato pelo qual
o contrato deixa de existir. Logo, os contratos poderão ser extin-
tos por suas formas naturais (normais), ou não usuais (anormais).
Seguindo essa lógica, detalharemos as hipóteses de extinção dos
contratos, uma a uma, partindo desses dois grandes grupos.

3. EXTINÇÃO NATURAL (NORMAL) DOS CONTRATOS


Nas lições de PABLO STOLZE GAGLIANO E RODOLFO PAMPLONA FILHOS, entende-
-se por extinção natural do contrato o seu desfazimento por motivo
previsto e razoavelmente esperado pelas partes. Trataremos de
algumas dessas causas naturais.

2. LÔBO, Paulo. Direito Civil. Contratos. São Paulo: Saraiva. 201i. ia edição.
p. 195-196.
3. FARIAS, Cristiano Chaves. ROSENVALD, Nelson. Direito dos Contratos. São Paulo:
Atlas, 2015. p. 519.
4. GOMES, Orlando. Contratos. 26• edição. p. 170-172.
5. FILHO, Rodolfo Pamplona e GAGLIANO, Pablo Stolze. Novo Curso de Direito Civil,
vol. 4. Tomo 1. São Paulo: Saraiva. 2015. 11• edição, p. 270.
306 Direito Civil - Vol. 13 • Luciano Figueiredo e Roberto Figueiredo

A primeira causa natural é o cumprimento do contrato. Como


soe ser ensinado, o contrato nasce para ser cumprido. A sina da
obrigação é a sua transitoriedade. Aduz S1Lv10 oo SALVO VENOSA6 que não
existem obrigações perenes, pois a eternidade não é característica
do direito pessoal. A execução do contrato, com sua solutio, é o seu
fim natural, gerando a quitação e não suscitando maiores repercus-
sões sob a ótica do direito, doutrina MARIA HELENA D1N1z 7•
Atentos à noção de obrigação como um processo (CLóv1s oo Couro
ES1LvA8), é clarividente que o contrato há de ser enxergado como um
conjunto de atos concatenados rumo ao seu adimplemento (extin-
ção natural). Englobará o cumprimento não apenas em atenção aos
deveres principais do pacto (obrigação simples), mas também aos
anexos, em uma leitura ampla do liame obrigacional, calcada na
boa-fé e função social (obrigação complexa).
Coloca-se, por conseguinte, a ampla necessidade de cumpri-
mento dos deveres contratuais, diante do fenômeno das obriga-
ções complexas. Vaticina Jurnrn MART1Ns-CosrA9 que as prestações, ho-
diernamente, são divididas em dois momentos: a) Objetivo, o qual
dialoga com o plano econômico contratual e a prestação principal,
como a entrega de um veículo, a prestação dos serviços e b) Sub-
jetivo, relacionado à cooperação e conduta dos sujeitos envolvidos
no enlace, respeitoso aos deveres anexos contratuais.
Adimplido o contrato, extingue-se a obrigação com efeitos ex
nunc. É o exemplo de uma prestação de serviços, na qual já fora
pago o preço e executada a prestação.
A segunda hipótese de extinção natural dos contratos é o seu
desfazimento pela implementação de fatores eficaciais, como o
advento do termo final. Em um contrato de assistência técnica, por
exemplo, há uma data limite. Uma vez alcançado o termo ad quem,
há automática extinção do vínculo de garantia.

6. VENOSA, Sílvio do Salvo. Teoria Geral das Obrigações e Teoria Geral dos Contratos.
10• edição. São Paulo: Atlas, 2010. p. 505.
7. DINIZ, Maria Helena. Curso de Direito Civil Brasileiro. Teoria Geral das Obrigações
Con:ratuais e Extracontratuais. Vol. Ili. 27• edição. São Paulo: Saraiva, 2011. p. 176.
8. ln Obrigações, 1976. Apud Flávio Tartuce. Op. Cit., p. 30.
9. MARTINS-COSTA, Judith. Comentários ao novo Código Civil. p. 24.
Cap. 9 • Extinção dos Contratos 307

Ainda no plano da eficácia, é possível o ajuste de uma condição


resolutiva como apta a extinguir o vínculo, a exemplo de uma doa-
ção de cotas periódicas até que o indivíduo consiga um emprego.
Com o advento do emprego, há resolução automática do pacto,
com efeitos ex nunc. Em outro exemplo de condição resolutiva tem-
-se a retrovenda, quando o vendedor recobrar o bem imóvel ven-
dido no prazo decadencial máximo de até três anos, restituindo o
preço e demais despesas autorizadas por escrito, além das benfei-
torias necessárias (CC, art. 505).
Extinto o contrato pelo cumprimento, igualmente extintas as
obrigações decorrentes do pacto, à exceção dos deveres decor-
rente da pós-eficácia objetiva do vínculo, em atenção à boa-fé
contratual - tema estudado no capítulo dedicado aos princípios
contratuais.
Vencidas as chamadas causas normais de extinção do contrato,
é momento de avançarmos às hipóteses excepcionais.

4. EXTINÇÃO ANORMAL DOS CONTRATOS


Narra CARLos Rosrnro GoNÇALVEs'º que por vezes o contrato é dissolvi-
do sem ter alcançado o seu desiderato; leia-se: sem que as obriga-
ções tenham sido cumpridas. Neste caso, estar-se-á diante de uma
extinção anormal do ajuste.
A extinção anormal do contrato poderá decorrer de causa: a)
Anterior ou Contemporânea à sua Formação ou de b) Causa Poste-
rior à sua Formação. Trataremos desses conjuntos de hipóteses de
forma analítica.

4.1. Extinção Anormal por Causa Anterior ou Contemporânea à For-


mação do Contrato
Tendo o contrato vício de validade, estar-se-á diante de uma
extinção por nulidade, seja absoluta ou relativa. Verifica-se vício
congênito, decorrente da formação do ajuste.

10. GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito Civil Brasileiro. Vol. 3. 7ª edição. São Paulo:
Saraiva. 2010. p. 128.
308 Direito Civil - Vol. 13 • Luciano Figueiredo e Roberto Figueiredo

De rigor, o contrato absolutamente nulo sequer fora abraçado


pelo ordenamento jurídico. Mas, materialmente, é possível que te-
nha produzido efeitos, falando-se em sua extinção. Obtempera S1Lv10
DE SALVO VENOSA" ser inegável que o contrato nulo deixa rastros, os
quais não podem ser ignorados. Mesmo conferindo efeitos ex tunc
à extinção por nulidade absoluta, os rastros contratuais haverão
de ser analisados, com eventuais indenizações por benfeitorias,
direito de retenção, perdas e danos ...
Situação diversa é verificada nas anulabilidades (nulidades rela-
tivas). Nestas os efeitos da extinção serão ex nunc, quando não for
possível reestabelecer às partes ao status quo ante (CC, art. 177 e
182) ..As consequências materiais ocasionadas até a data da anula-
ção do vínculo hão de ser analisadas, ponderadas e solucionadas.

• Atenção!
Defende MARIA HELENA DINIZ 12 que a anulablliclacl~. ft~Q (l~yefj,~ Ser incllJÍda
dentre as causas de dissolução do contrato, por refratar defeito no
enlace que apenas ocasionará a parali~ação dos
efeitos dó contrato
após o seu reconhecimento judicial, çom efeitos ex mmcf;~ ·
tom respeito a grande doutrinadora, citamos o seu pensamento e ou-
samos divergir, porquanto a possiblidade da nulidade relativa operar
efeitos ex tunc (CC, art. 182).

Seguindo no passeio pelas hipóteses de extinção dos contratos


por causas anteriores ou contemporâneas à sua formação, infere-se a
redibição, decorrente de um vício redibitório (CC, art. 441). Este tema
foi tratado em capítulo específico, para o qual se remete o leitor.

• E na hora da prova?
Ano: 2014 Banca: CESPE órgão: Câmara dos Deputados Prova: Analista
Legislativo
Tendo em vista que determinadas situações táticas, anteriores, contem-
porâneas ou supervenientes à celebração da avença, podem motivar

11. VEtWSA, Sílvio do Sa Ivo. Teoria Geral das Obrigações e Teoria Geral dos Contratos.
1oa edição. São Paulo: Atlas, 2010. p. 177.
12. OJNIZ, Maria Helena. Curso de Direito Civil Brasileiro. Teoria Geral das Obrigações
Contratuais e Extracontratuais. Vol. Ili. 27• edição. São Paulo: Saraiva, 2011. p. i78.
Cap. 9 • Extinção dos Contratos 309

a cessação da produção dos seus efeitos de modo anormal, como, por


exemplo, entre outros, a resilição, a resolução, a rescisão, a morte
do contratante, caso fortuito ou força maior, julgue o item seguinte, a
respeito da extinção dos contratos:
A nulidade~ a anulabilidade e a redibição são causas anteriOres ou
contemporâneas à formação do côntrat-0 e que podem acarretar a sua
extinção .anormal.
Gabarito: Correto

Persistindo na análise das hipóteses de extinção dos contratos


por causa anterior ou contemporânea, verifica-se o direito de ar-
rependimento eventualmente pactuado pelas partes. A prerrogati-
va de retrato há de vir regulada no contrato, em atenção à autono-
mia privada. Ocorrendo o exercício do direito de arrependimento,
mister verificar, no próprio contrato, se foram pactuadas arras e de
qual maneira, pois 13 :
a) sendo arras penitenciais, o desistente terá sobre si o ônus
da perda das arras, impossibilitando pleito indenizatório su-
plementar. Aqui as arras serão a punição' pelo exercício do
direito de arrependimento (CC, art. 420). Caso o desistente
seja aquele que conferiu as arras, as perderá em favor do
outro contraente; caso o desistente seja aquele que recebeu
as arras, haverá de restituí-las em dobro (arras recebidas
mais o equivalente da desistência);

• E na hora da prova?

Em prova de concurso público realizado para o provimento do cargo


de Titular de serviços de notas e registros, TJ-DFT, ano 2014, a banca
Cespe considerou incorreta a seguinte alternativa: HNos contratos sole-
nes, é possível a previsão de cláusulas de arrependimento, mediante
ressarcimento dos prejuízos consistente na guarda das arras recebidas
e perdas e danos".

13. Para o aprofundamento do tema arras, indica-se a leitura do tópico específico


constante no volume de obrigações.
31 O Direito Civil - Vol. 13 • Luciano Figueiredo e Roberto Figueiredo

O erro da questão está no fato da impossibilidade de pleitear


indenização suplementar.
b) Tratando-se de arras confirmatórias, estas não garantirão
indenização pelo arrependimento. Então o desistente per-
derá, em favor do outro, as arras, possibilitando pleito de
indenização suplementar, comprovada eventuais perdas e
danos (CC, art. 419).
o direito de arrependimento há de ser exercitado no prazo
decadencial convencionado no contrato (decadência convencional)
ou, no silêncio deste, antes da execução da avença, afirma CARLOS
RosERTo GoNÇALVEs' 4 • Destarte, sendo disciplinado o direito ao arrepen-
dimento e inexistindo prazo para o seu exercício, uma vez cumpri-
do o contrato haverá renúncia tácita à prerrogativa de desistência.
E se as arras forem abusivas?
o Código Civil, ao tratar do tema cláusula penal, veicula em
seu art. 413 que caso haja o cumprimento parcial da obrigação
ou a cláusula penal seja manifestamente excessiva, o juiz deverá
reduzi-la equitativamente. Entretanto, a regra em questão não fora
replicada no tema arras.
Doutrina RoDR1co TosCANO DE BR1ro 15 que em um sistema jurídico vol-
tado à manutenção da preservação do sinalagma, a interpretação
conforme os princípios sociais do contrato impõe a busca de meca-
nismos para a estabilização dos pactos e promoção de sua equiva-
lência material. Seguindo essa premissa há o Enunciado 165 do CoN-
snHo DA Jusr1ÇA FEDERAL, para o qual "em caso de penalidade, aplica-se a
regra do art. 413 ao sinal, sejam arras confirmatórias ou penitenciais".
Portanto, em uma concepção doutrinária, plenamente viável a
intervenção judicial para adequação das arras abusivas, realizan-
do-se analogia com o art. 413 do Código Civil, o qual disciplina a
possibilidade à cláusula penal.

14. GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito Civil Brasileiro. Vol. 3. 7" edição. São Paulo:
Saraiva. p. 181.
15. BRITO, Rodrigo Toscano de. Função social dos contratos como princípio orientador.
p. 139.
í1. Cap. 9 • Extinção dos Contratos 311

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rep~tj,cllr,tl~.~.t~· i~g~lr. Na~. c~~pfas: reâltz~efa..~:l~ira•· q~.~i;,t~§.~l~.~!mi·~~~.•
ª•
comerdal,teráó cohsuinidor; a'utqmatka!llente; pférfoga,tiv~ clé''ar.:
rependimeO'to, desdt? que exercida no ptâzo décadencfaÚ de àtésete
dias, contados do recebimento do produto ou.da assinatura do coritra~
to. Em se atrependendo,·receberá o·corfsumicloro rêembolsc)4ntegral
e atualizado dos valores pagos ... retorno ao.,stqt«s. quo (coe, ar;t"49);.
A normatlzaçãoprotetiva do.t<.msumidorveicu.la uma espécie cógêntê
a
de venda contento, pois o consumldqr, desde que obediente o prazó,
não precisará imputar defeito à coisa, bastando a .devolução 4i:> Pf\?du-
to por descontentamento. · · · · ·· ···
A ratio normativa é clara: em comprando fora, do estabeledmer1to co-
mercial o consumidor estará mais exposto, pois não foi átê a tóJa e,
muitas vezes, não teve acesso ao objeto vendido, pautando sua córtdu~
ta impulsiva apenas na visualização de uma. imagem meramente ilus-
trativa. A tutela diferenciada impõe-se, diante da ausência da devida
reflexão à aquisição do produto.

Prosseguindo nas casuísticas extintivas de desfazimento do con-


trato por causa anterior ou concomitante à sua formação, coloca-se
a cláusula resolutória expressa, também chamada de pacto comis-
sário ou cláusula resolutória convencional.

1> Atenção! .
o
Não se deve toilfundlr pacto comi~sórid#o qual consiste a clâu~1Jia
resolutóriâ expre~sâ, com a ctáusµla Çomiss~ria, a qual autoriz.aria, o
credór pignoratício, anticrétko ou hipotecário a. ficar com o objeto (.la
garantia, acaso a dívida não seja.paga em seu vencimento.
o ordenamehto j1,1rídico nacional permite à pacto comissôrio (éc, art.
474), e nuliflca a cláusula comissôria,{CC, .art. 1428). o tema cláusula
comissória será aprofundado no. volume de Direito Reais, especifica-
mente ao tratarmos dos Direitos Reais de Garantia.

Cláusula resolutória expressa é aquela que afirma a possibili-


dade de resolução do contrato diante do inadimplemento de uma
das partes. o seu objetivo é acautelar o possível descumprimento
contratual.
312 Direito Cívil - Vol. 13 • Luciano Figueiredo e Roberto Figueiredo

O grande ganho de inserção da cláusula resolutória convencio-


nal é a desnecessidade de interpelação judicial para a resolução
do pacto (CC, art. 474). A cláusula resolutória produzirá os seus
efeitos extintivos independentemente de pronunciamento judicial,
como bem posto pelo Enunciado 436 do CoNSELHo DA Jusr1çA FEDERAL.

• E na hora da prova?
Ano: 2012 Banca: FCC órgão: MPE·PE Prova: Analista Ministerial - Área
Jurídica
A cláusula resolutiva expressa, em regra,
a) opera de pleno direito.
b) depende de interpelação judicial.
c) depende de prévia notificação da outra parte.
d) é proibida pelo ordenamento jurídico brasileiro.
e) só é válida em contratos aleatórios.
Gabarito: a

Apesar da desnecessidade de interpelação judicial, aconselha-


-se uma notificação extrajudicial à contraparte, para que ela seja
cientificada sobre o término do pacto, observando-se o dever ane-
xo de informação.

Para CRISTIANO CHAVES DE FARIAS E NELSON ROSENW.LD 16 a cláusula resolutória


expressa não deve ser genérica, sendo interessante precisar as
prestações de cada uma das partes e quais delas, acaso descum-
pridas, encaminharão a resolução do contrato.

E nas relações de consumo, caberia a cláusula resolutória


expressa?

Sim, é possível, desde que funcione como alternativa à escolha


do consumidor (CDC, art. 54, parágrafo segundo). Caberá ao consu-
midor optar entre a resolução ou a manutenção do contrato, sendo
abusiva e consequentemente nula cláusula contratual que lhe retire
tal direito (CDC, art. 51).

16. FARIAS, Cristiano Chaves. ROSENVALD, Nelson. Direito dos Contratos. Sao Paulo:
Atlas, 2015. p. 525.
Cap. 9 • Extinção dos Contratos 313

• E na hora da prova?

Em prova de concurso público realizado para o provimento do cargo


de Promotor de Justiça, MPE-MG, ano 2010, considerou-se correta a
seguinte alternativa: "É permitida a.. cláusula resolutória nos contratos
de consumo."

Caso haja pleito de resolução do contrato, automaticamente se-


rão restituídas as partes ao status quo ante, sendo um consectário
lógico da decisão a devolução dos valores pagos.

~ ·eom 5e prónun,::iou o sli~~oyi'TJ9:euNAL oe JIJS'T,IÇt. sqb~ e> tema? ...


·DIREITO CMI,. DESffECES$1DAOE)~~.PEl)IDO EXPRESSO .D() PROMITENTE COM~
PRAOOR, EM AÇÃO DE RESOL\JÇÃÓ DE~COfnRATO DE PRO~~SSA PE COMPRA E
VENDA, PARA RESJlTUIÇÃO D() PREÇO .PAGO. .
o juiz, ao d.ecretar .a resolução de contrato de promessa de com-
pra e .venda d.é ilTl6vel, ·dév~. determinar ao promitente vendedor
a restituição das parcelas d() preço pagas peJo promitente compra-
dor, ainda que não tenha havido pedido expresso nesse sentido. A
resolução, própria dos contratos bilaterais, consiste basicamente na
extinção do contrato pelo inadimplemento definitivo do devedor, cons-
tituindo direito formativo extintivo, pois ocasiona, com o seu exercício,
a desconstituição da relação obrigacional e a liberação do credor e do
devedor de suas obrigações (eficácia liberatória). Além disso, resulta
também da resolução do contrato uma nova relação obrigacional, a
relação de liquidação, na qual serão tratados os direitos do credor e
do devedor à restituição das prestações já efetivadas e o direito do
credor à indenização por perdas e danos. A eficácia restitutória cons-
titui, portanto, consequência natural e indissociável da resolução do
contrato. Assim, na ação de resolução de contrato de compra e venda,
não há necessidade de o devedor, na contestação ou em reconvenção,
requerer a devolução das prestações entregues ao credor, a qual pode
e deve ser determinada de ofício pelo juiz como decorrência lógica da
decretação de resolução do contrato. Importante ressaltar, ainda, que
o credor, da mesma forma e em decorrência do mesmo pedido de
resolução, também possui o direito de receber eventuais prestações
entregues ao devedor. Precedentes citados: REsp 300.721-SP, Quarta Tur-
ma, DJ 29/10/2001, e REsp 97.538-SP, Terceira Turma, DJ 8/5/2000.
(REsp 1.286.144-MG, Rei. Min. Paulo de Tarso Sanseverino, julgado em
7/3/2013. Informativo 518)
314 Direito Civil - Vol. 13 • Luciano Fígueiredo e Roberto Figueiredo

E nos contratos de adesão, caberia a aludida cláusula resolu-


tória expressa?
Atento ao primado da justiça contratual e do equilíbrio material
entre as prestações (Enunciado 22 do CoNsELHo DA Jusr1çA FEDERAL), enten-
demos pela nulidade da cláusula resolutória expressa no pacto de
adesão, por importar renúncia antecipada a direito (CC, art. 424) 11.

~ Atenção!
o Decreto~Lei número 745/99 regula a necessidade de prévia interpe-
lação judicial nas resoluções de promessas de compras e vendas de
imóveis não loteados, ainda quando presente no contrato cláusula re-
solutória expressa. Neste caso deve ser conferido ao comprador o
prazo de 15 (quinze) dias para purgar a mora.
o mesmo pensamento aplica-se ao compromisso de. compra e venda
de imóveis loteados (Decretq-Lei 58/1937 e Lei 6.766/1979), à alienação
fiduciária em garanti;i (Lei 4.728/65 e Decreto-Lei 911/69) e ao arrenda-
mento residencial (Lei l0.188/01).
,",, ', ',' ;/, '

No contrato de arrendamento mercantil, também chamado de leasing,


aduz a súmula 369 do SUPERIOR TR1auNAL DE JuS11ÇA que "ainda que haja cláusu-
la resolútiva expressa, ~'necessária a notificaçéio prévia do arrendatário
para constltuf~lo em mora" (Lei 6.099/74).
A resolução por via extl"fljudicial mediante n?tificação do devedor está
prevista riatei.dé Parcelamento de Solo Urbano (art. 32 da Lei 6766/79).
A resolução, aqui, dispensa providência judicial, decorrendo automatica-
mente do transcurso, ln a/bis, do prazo de trinta dias concedidos na no-
tificação, autorizando o .vendedor a obter o cancelamento da averbação.
Já nos condomínios em edificações e incoi;porações imobiliárias (Lei
4.591/94), regula-se acerca da resolução convencional do contrato após
o atraso de três. prestações .do preço d~ constr:ução, mediante notifi-
cação com o prazo de dez dias para purgar a mora, conforme fixado
no contrato.
Em todos os casos supracitados, sinalizam CRISTIANO CHAVES OE FARIAS E NELSON
RosENV.4Lo' 8, a mora persistirá automátiea (ex re), constituindo-se desde o
seu termo. A notificação, porém, assumirá o posto de condição essen-
cial ã eficácia da dissolução da avença.

17. No mesmo sentido: FARIAS, Cristiano Chaves. ROSENVALD, Nelson. Direito dos
Cont~atos. São Paulo: Atlas, 2015. p. 527.
18. FARIJl.S, Cristiano Chaves. ROSENVALD, Nelson. Direito dos Contratos. São Paulo:
Atlas. 2015. p. 526.
Cap. 9 • Extinção dos Contratos 315

1
l.
Sobre o tema, segue interessante julgamento do Superior Tribu-
nal de Justiça:
RESCISÃO. COMPROMISSO. COMPRA E VENDA. ESBULHO.
A questão está em saber se, diante de compromisso de
compra e venda de bem imóvel com cláusula resolutória
expressa, pode haver ação direta de reintegração de pos-
se após notificação da mora, com deferimento de liminar,
ou se há necessidade de prévia resolução judicial do pré-
-contrato. O Min. Relator destacou que este Superior Tribu-
nal preconiza ser imprescindível a prévia manifestação ju-
dicial na hipótese de rescisão de compromisso de compra
e venda de imóvel, para que seja consumada a resolução
do contrato, ainda que existente cláusula resolutória ex-
pressa, diante da necessidade de observância do princípio
da boa-fé objetiva a nortear os contratos. Por conseguin-
te, não há falar em antecipação de tutela reintegratória de
posse antes de resolvido o contrato de compromisso de
compra e venda, pois, somente após a resolução é que po-
derá haver posse injusta e será avaliado o alegado esbulho
possessório. Diante disso, a Turma conheceu em parte do
recurso e, nessa parte, deu-lhe provimento para afastar a
concessão da tutela antecipada. Precedentes citados: REsp
817.983-BA, DJ 28/8/2006; REsp 653.081-PR, DJ 9/5/2005; REsp
647.672-SP, DJ 20/8/2007; REsp 813.979-ES, DJ 9/3/2009; AgRg no
Ag i.004.405-RS, DJ 15/9/2008; REsp 204.246-MG, DJ 24/2/2003,
e REsp 237.539-SP, DJ 8/3/2000.
(REsp 620.787-SP, Rei. Min. Luis Felipe Salomão, julgado em
14/4/2009. lnf. 390).

4.2. Extinção Anormal por Causa Superveniente à Formação dos


Contratos

Analisando as causas de extinção dos contratos por fato gera-


dor superveniente, fala-se, principalmente, em resilição, resolução,
rescisão. Além dessas, há outras causas extintivas supervenientes,
a exemplo de exceção do contrato não cumprido, imprevisão, re-
solução antecipada, falecimento da parte em contrato personalíssi-
mo ... Sobre tais temas que se passará a falar.
316 Direito Civil - Vol. 13 • Luciano Figueiredo e Roberto Figueiredo

4.2.1. Resillção

O tenno resilição, nas lições de S1Lv10 Do SALVO VENosA 19, vem do Direi-
to Francês, significando o desfazimento voluntário do contrato. Para
CARLOS ROBERTO GoNÇALvEs 20 , resilir vem do latim resi/ire, significando voltar
atrás. Resilição é o desfazimento fundado na vontade, não deman-
dando inadimplemento obrigacional, como bem ensina ORLANDO GoMEs 21 •
Voltando os olhos ao Código Civil, resilição é o desfazimento do
con,trato por ato de vontade, de uma ou de ambas as partes, com
efeitos ex nunc, não sendo atingida a validade e a eficácia anterior
do contrato. É um gênero que engloba a modalidade unilateral
(denúncia) e a bilateral (distrato).

~ E na hora da prova?
Ano: 2014 Banca: CESPE órgão: TJ-CE Prova: Analista Judiciário - Área
Judiciária
João, mediante contrato firmado, prestava assistência técnica de com-
putadores à empresa de Mário. João e Mário, por mútuo consenso,
resolveram por fim à relação contratual.
Nessa situação hipotética, considerando o que dispõe a doutrina majo-
ritária sobre a matéria, caracterizou-se a
a) resolução bilateral do contrato.
b) revogação do contrato.
c) anulação do contrato.
d) inexistência contratual.
e) resi!ição bilateral do contrato.
Gabarito: e

No distrato, a mesma vontade criadora de um vínculo contra-


tual será apta a ocasionar a sua extinção. Distrato, para PABLO SroLzE
GAGLIANO E RoooLFo PAMPLONA F1LH0", é o negócio jurídico que estabele-

19. VENOSA, Sílvio do Salvo. Teoria Geral das Obrigações e Teoria Geral dos contratos.
Io• edição. São Paulo: Atlas, 2010. p. 183.
20. GON~ALVES, Carlos Roberto. Direito Civil Brasileiro. Vol. 3. 7• edição. São Paulo:
Saraiva. 2010. p. 201.
2i. GOMES, Orlando. Contratos. Op. Cit., p. 217.
22. FILHO, Rodolfo Pamplona e GAGLIANO, Pablo Stolze. Novo curso de Direito Civil
vol. 4- Tomo 1. São Paulo: Saraiva. 2015. 11' edição, p. 277. '
Cap. 9 • Extinção dos Contratos 317

ce o fim do vínculo contratual, disciplinando as consequências da


extinção. Forma-se um novo contrato para extinguir o existente,
conforme PAULO Lõso 2 3. CRISTIANO CHAVES DE FARIAS E NmoN RosENVALD 24 afirmam
que a resilição bilateral é um novo contrato, cujo teor é simultane-
amente igual e oposto ao do contrato primitivo.
o distrato é um contrato liberatório e solutório do pacto ori-
ginário, tendo efeitos ex nunc, operando-se independentemente
de pronunciamento judicial. Fundando-se na autonomia privada,
ensina ORLANDO GoMEs25 que qualquer contrato pode ser resilido bila-
teralmente. O distrato, porém, geralmente é utilizado nos contratos
de execução continuada, celebrados por prazo indeterminado. É
o caso de um contrato de prestação de serviços de um escritório
de advocacia com uma grande empresa, por prazo indeterminado.
Aqui, em sendo da vontade da empresa e do escritório, a mesma
vontade que ocasionou a contratação poderá dissolver o vínculo.
o distrato deve dedicar-se a regular os meandros do desfazi-
mento do contrato originário. Por ser figura autônoma, o eventual
descumprimento do distrato não fará renascer o contrato origina-
riamente desfeito. Ainda por conta da autonomia, o distrato po-
derá trazer cláusulas penais - tanto compensatória, como morató-
ria - e poderá sofrer controle judicial, acaso abusivo. Nessa ótica,
vem sendo proibido no distrato de relação de consumo a pena de
decaimento, a qual impõe a perda de todos os valores pagos até
então (arts. 51 e 53 do CDC).

.- E na hora da prova?

Em prova de concurso público realizado para o provimento do cargo


de Titular de serviços de notas e registros, TJ-DFT, ano 2014, a banca
Cespe considerou incorreta a seguinte alternativa: "Em se tratando de
contrato de execução continuada, as prestações efetivadas na relação
de consumo não são restituídas, porquanto a resolução não tem efeito
relativamente ao passado".

23. LÔBO, Paulo. Direito Civil. Contratos. São Paulo: Saraiva. 2011. 1• edição. p. 198.
24. FARIAS, Cristiano Chaves. ROSENVALD, Nelson. Direito dos Contratos. São Paulo:
Atlas, 2015. p. 525.
25. GOMES, Orlando. Contratos. 24• edição. Rio de Janeiro: Forense, 2001, p. 185.
318 Direito Civil - Vol. 13 • Luciano Figueiredo e Roberto Figueiredo

>- Como já SC: prorwriciou o SuPE~Olt ~RIBUNA.~ õe Jusm;.uob(e o tema?


DIREITO CIVIL E 1)0 CONSUMIDOR.
,.',',,i' ,"'"> J-' ,,,,'
"' ',,
ABUS!VIDADI;
"'; "" ,,"',
DE CLÃUSULÁ
·' '., ' '
DE Dl~fo.
É abusiva a clâu$U,t<t;<le.dist~<ltÔ'- flxada.n.ó contexto de compra e
venda imoblliá'rià .. hie.dianie::é
p~giu'fle.nt~ .én:i . prestações - que estabe-
leça a possibilidade de
a construtora. vendedora promover a reten-
ção imegrctl ouà.;âevolução ínflnfa dó valor das parcelas adimplidas
pelo consumidor distratante•. Isso porque os arts. 53 e 51, IV, do coe
coíbe.m cláusula de. decaimento 9~e determ.ine a retenção de valor in-
tegral ou substancial das prestações pagas, por consubstanciar vanta-
gem exagerada do Incorporador. Nesse contexto, o art. 53 dispõe que,
nos "contratos de compra e venda de móveis ou imóveis mediante
pagamento em prestações, bem corno nas alienações fiduciárias em
garantia, consideram-se nulas de pleno direito as cláusulas que esta-
beleçam a perda total das prestações pagas em benefício do credor
que, em razão do inadimplemento, pleitear a resolução do contrato e
a retomada do produto alienado". o inciso IV do art. 51, por sua vez,
estabelece que são nulas de pleno direito,.entre outras, as cláusulas
contratuais relativas ao fornecimento de produtos e serviços que es-
tabeleçam obrigações consideradas iníquas, abusivas, que coloquem o
consumidor em desvàntagem exagerada ou sejam incompatíveis com
a boa-fé ou a equidade. Além disso, o fato de o distrato pressupor um
contrató anterior não implica desfiguração da sua natureza contratual.
Isso porque, conforme o disposto no art. art. 472 do CC, "o distrato faz-
-se pela mesma forma exigida para o contrato", o que implica afirmar
que o distrato nada ma.is é que um novo contrato, distinto ao contrato.
primitivo. Dessa forma, como em qualquer outro contrato, um instru-
mento de distrato poderá, eventualmente, ser eivado de vícios, os
quais, por.sua vez, serão passíveis de revisão em juízo, sobretudo no
campo das relações consurnerfatas. Em outras palavras, as disposições
estabelecidas em um insfrumento de distrato são, como quaisquer ou-
tras disposições contratuais, passíveis de anulação por abusividade.
(REsp 1.132.943-PE, Rei. Min. Luis Felipe Sàlomão, Julgado em 27/8/2013.
Informativo 530).

Questão de fortes embates doutrinários diz respeito à forma do


distrato. O art. 472 do Código Civil estabelece que o distrato faz-
-se pela mesma forma exigida para o contrato. Assim, caso o con-
trato tenha forma vinculada, o distrato a terá. Exemplifica-se com
compras e vendas de imóveis cujo valor ultrapasse a trinta vezes
o valor do maior salário mínimo vigente no país, as quais hão de
Cap. 9 • Extinção dos Contratos
1 319

r ser feitas mediante escritura pública (CC, art. 108). Nesse sentido,
eventual distrato há, igualmente, de obedecer à forma pública. Em
outro exemplo coloca-se à fiança, a qual há de ser feita por escrito
(CC, art. 819). Na mesma linha o distrato caminhará por escrito.

~ E na hora da prova?
Em concurso público realizado para o provimento do cargo de Técnico
Ministerial do MPE-CE, ano 2013, a banca FCC, considerou incorreta a
seguinte afirmação: "O distrato faz-se sempre pela forma escrita".

~ E na hora da prova?
Em prova de concurso público realizado para o provimento do cargo
de Promotor do MPE-RS, ano 2012, considerou-se correta a seguinte
alternativa: "O distrato formaliza-se pela mesma forma exigida pelo
contrato".

._ E na hora da prova?
Ano: 2014 Banca: FCC Órgão: DPE-PB Prova: Defensor Público
Arnaldo contratou, por telefone, serviço de TV a cabo por meio do
qual recebeu, em comodato, aparelho de recepção de sinal. Passado
algum tempo, informou, também por telefone, que desejava realizar
distrato, além de ser indenizado pelo que gastou nas despesas com o
uso da coisa, consistentes em aquisição de tei~visor compatível com a
tecnologia do aparelho de recepção de sinal. A prestadora de serviço
informou que, para realização do distrato, Arnaldo deveria.assinar um
instrumento escrito. Além disto, recusou-se a indenizar Arnaldo e exigiu
de volta o aparelho de recepção de sinal. A P"estadora de serviço
a) tem razão quanto à forma do distrato, que deve ser feito por es-
crito, quanto a não indenizar Arnaldo pelas despesas com o uso da
coisa e pela exigência na devolução ao aparelho.
b) tem razão quanto à forma do distrato, que deve ser feito por es-
crito, e também quanto à exigência da devolução do aparelho,
obrigando-se, contudo, a indenizar Arnaldo pelas despesas com o
uso da coisa.
c) não tem razão quanto à forma do distrato, que poderá ser feito por
telefone, tampouco quanto a não indenizar Arnaldo pelas despesas
com o uso da coisa ou quanto à exigência da devolução do aparelho.
r
1
[.
320 Direito Civil - Vol. 13 • Luciano Figueired:i e Roberto Figueiredo ~

d) não tem razão quanto à forma do distrato, que poderá ser feito
pelo telefone, nem quànto a não indenizar Arnaldo pelas despesas
com o uso da coisa, mas está correta quanto à exigência da devo-
lução do aparelho.
e) não tem razão quanto à forma do distrato, que poderá ser feito
por telefone, mas possui quanto a não indenizar Arnaldo pelas
despesas com o uso da. coisa e pela exigência na devolução do
aparelho.
Gabarito: e

Como visto, caso o distrato não obedeça à forma vinculada do


contrato, a consequência será sua nulidade absoluta, por desres-
peito à forma (CC, art. 166). Em sendo nulo, o distrato não pro-
moverá o desfazimento do contrato originário, o qual persistirá
produzindo os seus efeitos.
D'outra banda, seguindo a dicção do Código Civil, em sendo a
forma do contrato livre, o distrato também o será, mesmo que 0
contrato originário tenha sido celebrado de uma maneira especí-
fica, a exemplo de escritura pública. Nessa linha de raciocínio ca-
minha o Enunciado 584 do CoNSELHo DA JusnçA FEDERAL, ao verberar que
"desde que não haja forma exigida para a substância do contrato
admite-se que o distrato seja pactuado por forma /ivre".26 '

., Atenção!
Apesar de o Código Civil afirmar que o distrato apenas terá forma vincu-
lada caso o contrato originário o tenha, por cuidado, na prática forense,
sugere:se que o desfazimento contratual seja realizado de maneira pa-
ralela a confecção do ato. Assim ensina o Jurista Italiano MEssiNEo'6.
~in?a que, o contra~o tenha forma livre, mas tenha sido feito por escrito, o
md1~ado e ~ue o distrato, malgrado a forma livre, também seja feito por
escrito. É o ideal do paralelismo de formas e a noção de que o desfazi-
mento deve seguir a forma originária do pacw. como diz ULPIANO, "nada é
tão natural quanto cada espécie de contrato anular-se pelo mesmo recurso
com que foi contratado. Assim o contrato verbal se desfaz verbalmente".

26. Apud. GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito Cívil Brasileiro. Vol. 3. 7• edição. São
Paulo: Saraiva. 2010. p. 202-203.
Cap. 9 • Extinção dos Contratos 321

Vencida a discussão sobre a forma do distrato, lembra-se que a


quitação sempre poderá ser veiculada por instrumento particular (CC,
art. 320). Nessa esteira, ainda que o contrato tenha sido pactuado por
escritura pública, a quitação poderá sê-lo por instrumento particular.
Já a resilição unilateral, também denominada de denúncia,
ocorre quando o desfazimento do contrato é realizado pela mani-
festação de vontade de apenas uma das partes. Verbera PAULO Lõso 2 1
ser direito potestativo extintivo ou direito formativo extintivo,
pois a parte tem a prerrogativa de não mais querer permanecer
em contrato.
Segundo ORLANDO GoMEs 28 a prerrogativa da resilição unilateral po-
derá ser utilizada nos contratos de duração indeterminada; con-
tratos por execução continuada ou periódica; contratos nos quais
a execução ainda não foi iniciada; contratos benéficos e nos con-
tratos atividades.
Em virtude do primado da força obrigatória dos contratos (pac-
to sunt servanda), pontuam PABLO SroLZE GAGLIANO E RoDoLFo PAMPLONA F1LH0 2 9
que a denúncia não deve ser hipótese corrente. Justo por isso,
o Código Civil apenas a possibilita caso haja permissivo implícito
ou expresso em lei, demandando, invariavelmente, comunicação à
contraparte (CC, art. 473).

.- E na hora da prova?
Em prova de concurso público realizado para o provimento do cargo de
Advogado Eletrobras-Fumas, ano 2009, a banca Funrio julgou incorreta a se-
guinte assertiva: "A resilição unilateral opera mediante denúncia notificada
à outra parte, apenas nos casos em que a lei expressamente o permitir."

27. LÔBO, Paulo. Direito Civil. Contratos. São Paulo: Saraiva. 2011. ia edição. p. i97.
28. GOMES, Orlando. Contratos. 24• edição. Rio de Janeiro: Forense, 2001, p. 207.
29. FILHO, Rodolfo Pamplona e GAGUANO, Pablo Stolze. Novo Curso de Direito Civil,
vol. 4. Tomo 1. São Paulo: Saraiva. 2015. 11• edição, p. 279.
322 Direito Civil - Vol. 13 • Luciano Figueiredo e Roberto Figueiredo

Particularmente advogamos pensamento um pouco diverso. O


permissivo implícito para a denúncia deve ser corriqueiro, em vista
da autonomia. Não é crível que alguém reste adstrito a um contrato
que não deseje. Assim como há autonomia para contratar, deve
haver autonomia para retirar-se do ajuste. o contrato não pode
tornar-se uma prisão obrigacional. A questão que se coloca, porém,
é justamente derredor da (des)necessidade indenizatória, o que
há de ser verificado no caso concreto. Há certos contratos que,
por sua própria natureza, admitem o desfazimento por mera de-
claração unilateral de vontade, como o depósito, o comodato e o
mandato. Outros, todavia, demandam maior atenção com questões
reparatórias, como os ajustes por prazos determinados.
Em clara atenção à ética e à confiança, o legislador civilista
afirma que será ineficaz a resilição unilateral caso um das partes
tenha realizado vultosos investimentos à execução do contrato e
ainda não haja transcorrido prazo compatível com a natureza e
vulto dos investimentos. Exemplo salutar seria o comodato de um
imóvel, no qual o comodatário fez amplas e autorizadas reformas
e, pouco tempo depois, o comodante requereu a devolução do
bem, sem que tenha transcorrido prazo compatível com a natureza
e vulto dos investimentos. O que fazer com os investimentos feitos
de boa-fé em função do ajuste?
Para situações como a em comento há o parágrafo único do art.
473, o qual impõe, nas lições de PAULO Lõso 3º, um tempo de suspensão
necessário a compensar os investimentos realizados ou, agora nos
dizeres de CRISTIANO CHAVES oE FARIAS E NELSON RosrnvALo 3', a extensão com-
pulsória da vigência do contrato. Ressalta CARLos RoBERTo GoNÇALVEs32 que
haverá uma espécie de tutela específica, convertendo o contrato,
que poderia ser extinto por vontade de uma das partes, em um
contrato comum, com duração e prazo compatível com a natureza
e vulto dos investimentos. Liga-se a norma à vedação do abuso de
direito de resilir, em claro diálogo com a boa-fé e confiança.

30. LÔBO . Paulo. Direito Civil. Contratos. São Paulo: Saraiva. 2011. l ' edição. p. i98.
3i. FARlllS, Cristiano Chaves. ROSENVALD, Nelson. Direito dos Contratos. São Paulo:
Atlas. 2015. p. 535.
32. GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito Civil Brasileiro. Vol. 3. 7ª edição. São Paulo:
Saraiva. 2010. p. 2oi.
1
!
Cap. 9 • Extinção dos Contratos 323

!
" Como já se pronunciou o SUPERIOR TRIBUNAi., DE ;JusnÇA sobre o tema.?
1 PROCESSUALCIViL RECURSO ESPECIAL. JUÍZO QE ADMIS!)IBIUDAOE. NECESSI-
DADE DE REVISÃO DO CONTEXTO FÁTICO-PROBATÓRIO, SÚMULA 7/STJ. APLICA-
ÇÃO. CERCEAMENTO DE DEFESA. INEXISTÊNCIA. MEOIDÀ CAUTELAR QUE MAN-
TÉM, POR PRAZO INDETERMINADO, A VIGÊNCIA DE CONTRATO. VIOLAÇÃO AO
PRINCÍPIO DA AUTONOMIA DA VONTADE.
A pretensão de reexame de prova não enseja recurso especial. Aplica-
ção da Súmula 7/STJ.
A interpretação de cláusula contrátual não enseja recurso especial.
Aplicação da Súmula 5/STJ.
Dada a natureza do procedimento cautelar, não está o juízo obrigado a
produzir provas que seriam necessárias para uma conclusão definitiva
sobre a lide. Se a parte requerente consegue demonstrar o 'fumus boni
iuris' e o 'periculum in mora', ao passo que a parte requerida não con-
segue demonstrar, de plano, as razões táticas de sua contrariedade,
isso basta para que seja deferida a cautela, não havendo que se falar
em cerceamento de defesa.
o exame da função social do contrato é um convite ao Poder Judi-
ciário, para que ele construa soluções justas,· rente ã realidade da
vida, prestigiando prestações jurisdicionais intermediárias, razoáveis,
harmonizadoras e que, sendo encontradas caso a caso, não cheguem
a aniquilar nenhum dos outros valores que orientam o ordenamento
jurídico, corno a autonomia da vontade,
Não se deve admitir que a função social do contrato, princípio aber-
to que é, seja utilizada como pretexto para manter duas sociedades
empresárias ligadas por vínculo contratual durante um longo e indefi-
nido período. Na hipótese vertente a medida liminar foi deferida aos
18.08.2003, e, por isto, há mais de 5 anos as partes estão obrigadas a
estarem contratadas.
A regra do art. 473, par. único, do CC/02, tomada por analogia, pode
solucionar litígios como o presente, onde uma das partes do contrato
afirma, com plausibilidade, ter feito grande investimento e o Poder
Judiciário não constata, em cognição sumária, prova de sua· culpa· a
justificar a resolução imediata do negócio jurídico. Pode-se permitir a
continuidade do negócio durante prazo razoável, para que as partes
organizem o término de sua relação negocial. O prazo dá às partes a
possibilidade de ampliar sua base de clientes, de fornecedores e de
realizar as rescisões trabalhistas eventualmente necessárias.
Recurso Especial parcialmente provido.
(REsp 972.436/BA. Rei. Min. Nancy Andrighi. DJ 12.6.2009).
324 Direito Civil - Vol. 23 • Luciano Figueiredo e Roberto Figueiredo

BOAFÊO J~ AH.··. ·~·· ·• ; . · . · · •· · ..· .


. ·r~i~~s~~,~~:~~~fJ~~~i~~~~ri:t»'~:;~º)
•~eícl1Jo~~·.;~Ç~tr~~~.rj'Jd.~~· ~o~t.r~; ~~montadora d . . . : 9(3:'."~e~
corrent~;:·o~fei13,tnió s~r ~oricessíonária. el5êlüsivà:" 11a;rtgiã9 ·

::.~;; ~~i#J~~tJt~t!{fi:~t
< ~~i~f
~s suas,:a • • .... . :-1~l~g!)IÍ ~q . ·.· . lsão qçico •. ·. .....·· , có11ijgu~:
ran.do. átlyso: e.to, poCl.e,r; eç()nÕl!llco·. e..exérdcfo árl:ii~~~i~;{de, pqsiçã()
dominante,elTl jác~põ,.qufdisp9ein os arts: 21, "ze;3oiJqqps da.teJn•.
6.729/197~. (tel Ferrari): Pleiteo4:a.concessão de.li.minar para imposição.
da continuida(i.e d(I contrato nós seus exatos termos, àté q,flnal da de-
manda principál a ser proposta~ abstendo~se à referida. montadora de
nomear outra c-0ncessI.onária para a região de exclus.ivi(jade sob pena
de multa, bem como para permitir à ree-0rrida a utilizaçãó. da .integra-
lidade do saldo depositado em sua conta no fundo de capitalização, A ·
liminar foi concedida pelo juízo de piso em outubro de 2006 e, contra a
decisão; foi interposto agravo d.e instrumento, despr-0vidctmonoi,:rati-
camente (art. 557, caput, do CPC), em um primeiro momento e também
pelo colegiadô ein um segundo momento, em sede de agravo interno.
No REsp, preliminarmente, foi afastada a incidência do art. 542, § 30, do
CPC, uma vez que esta Corte Superior tem temperado a regra ordinária
de retenção do recurso especial no caso de decisão concessiva de limi-
nar em ação cautelar, pois, ln casu, isso inviabilizaria a própria solução
da controvérsia tratada nesse momento processual, haja vista que, por
ocasião da eventual ratificação do recurso, o próprio mérito da ação
já teria sido julgado e mostrar-se-ia irrelevante a.discussã-0 acerca da
tutela provisória. No mérito, a celeuma travada nos autos. diz respeito
à possibilidade de. o Judiciário determinar a manutenção forçada de
contrato de co.ncessão com.erc:ial de venda de veículos automotbres
celebrado por prazo indeterminado, malgrado tenha o concedente ma-
nifestado sua vontade de não mais prosseguir na avença. No exame da
matéria, entendeu-se que, apesar dos fundamentos levantados pelo
acórdão recorrido, insculpidos todos no princípio da boa-fé objetiva,
afigura-se por demais elastecido o alcance atribuído pelo tribunal a
qu~ ao _mencionado princípio. Isso porque o princípio da bóa~fé objeti-
va 1mpoe aos contratantes um padrão de conduta pautada ná probida-
de, assim na conclusão do contrato, como em sua execução,. conforme
dispõe o a.rt. 422 do CC/2002. Nessa linha, embora o comportamento
exigido dos contratantes deva pautar-se pela boa-fé contratual. t.al di-
retriz .não obriga.as partes a se manterem vinculadas contratu;tmcnte
Cap. 9 • Extinção dos Contratos 325

Fato, porém, que certos contratos não admitirão esta conti-


nuidade, pois pautados na confiança. É o exemplo do mandato.
Assim, ao revés da manutenção do pacto, melhor será a estipu-
lação de perdas e danos, como defende CA10 MÁRIO DA S1LvA PERE1RA33.
Exemplifica-se com um escritório que, contratado por uma grande
empresa para contínua prestação de serviços de advocacia, faz
altos investimentos com a contratação de pessoas e maquinário,
sendo, logo depois, surpreendido com uma denúncia. Não há como
obrigar uma empresa a permanecer com um determinado advoga-
do. Todavia, os danos hão de ser indenizados. O pensamento em
comento valerá, até mesmo, para revogações em atos de império,
como concessões, autorizações e permissivos de serviços públicos.

I> Como o SUPERIOR TRIBUNAL DE lu511ÇA se manifestou ~bre o tema?


PERMISSÃO. SERVIÇO PÚBLICO. INl)ENIZAÇÃO.
Cuida-se de REsp em que se busca dese-0nstituir acórdão que condenou
a ora recorrente ao pagamento de.danos materiais à orarecorrida em
decorrência da rescisão não motivada do contrato de permissão de
serviços lotéricos. Nesta instância especial, entendeu-s.e que, .embora
a permissão de serviços lotéricos seja caracterizada pela di.sc.riciona-
riedade, unilateralidade e precariedade, o que autorizaria a. rescisão

33. SILVA PEREIRA, Caio Mário da. Instituições de Direito Civil. Vol. ili. p. 153-154.
326 Direito Civil - Vol. 13 • Luciano Figueiredo e Roberto Figueiredo

unilate[<tl•petó;P;oC!er peff111$$i~~~r!<>,. e:riit, h.fpótesestespecíflcas, erri•qué


se. real~za, i~"~~~'t,tt~m<>~.e "~'}() fi':~rf;~ ~>,(í;>l~~Q~C> d()sei'Viço delegado,
é poss1vel. .or~cor:i~eclment() .1:10.dJre1t() à .. 1nde11izaÇãcf pelos ·referidos
'
gastos. _Na esp~cie, ô. per~~s$i6náricf ie,alizpt:r significa.tivo investimento
para a mstala~o cio :próprio empreenqin;iento .destinado à execução do
se~iço i>;úblicq: delega.1:1,a;· i!lth.isi)(e. mediMte atesto.· de padronização
do poder concedente. Tpd~via, após poucos rneses do início da ativida·
de delegada, a concêdenté resciôdií.i .unilatêra!meote a permissão, sem
qualq1,1er justificativa ou indicação .de: destumprirmmt.o contratual ·pelo
a
permissionário. Assim, in casu, concluiu-se que rescisão por ato unila-
teral da Administração Pública impõe à concedente a obrigação de inde~
nizar o permissionário pelos danos materiais relacionados à instalação
da casa lotérica. Diante disso, a Turma conheceu parcialmente do re-
curso e nessa parte, negou-lhe provimento. Precedentes citados: EREsp
737.741-RJ, DJe 21/8/2009, e AgRg no REsp 929.310-RS, Dje 12/11/2009.
(REsp 1.021.113-RJ, Rei. Min. Mauro Campbell Marques, julgado em
11/10/2011. Informativo 485).

A resilição unilateral será agitada através de denúncia, a qual


poderá ser motivada (cheia), ou imotivada (vazia). Por vezes auto-
riza o legislador a denúncia mesmo que imotivada, como na casuís-
tica de retomada do imóvel, ao término do contrato de locação re-
sidencial, com prazo igual ou superior a trinta meses (Lei 8.245/91,
art. 46) .

._ Atenção!
É possível que a resilição tenha denominações específicas:
a) Revogação é termo técnico utilizado para resilição unilateral do
mandante (contratante), no contrato de mandato (CC, art. 682, 1). o
fato gerador do mandato é a confiança. lnêxistindo fidúcia, poderá o
contratante, ad nutum, revogar o instrumento.
Além do contrato de mandato, .o ·termo rev 0 gação também é usado
no contrato de doação, quando houver ingratidão ou inexecução do
encargo (CC, art. 555).
Revogação, portanto, é a retirada dos efeitos de um ato jurídico prévio.
b) Renúncia é signo utilizado para resilição unilàteral do mandatário
(procurador) no contrato de mandato. Igualmente possível falar-se de
outras modalidades de renúncia, como no caso do credor que perdoa
a dívida (remissão), realizando uma renúncia ao seu crédito.
'
f
t1
t
Cap. 9 • Extinção dos Contratos

c) Resgate é o ato de libertar alguma cqisa .de uma obrigaçãó,. õnÜsLóu


encargo que estava vinculaqo, ou cumprir uma obrigação de ~arate~
327

pessoal. Infere-se o resgate, recorda MAR(A· HELENA D1N1z34, na ~lpot~ca ~ ·


na enfiteuse. .. . .·
O enfiteuta poderá resgatar o foro, após dez anos, media.nte pagam~n~
to ao senhoril direto de um laudêmio, que será de 2,5º'1 (dois ~ rnéio
por cento) sobre o valor atual da propr:iedade plena e de dez pe;t:I$~~~
an.1,.1ai.s., E~ti~gue-se, assim, a. enfiteuse,. por concentração do domfnfo
nas rnâos do .enfiteuta (CC/16, .art. 963 e· art. 2.038 do. ee/oi). · .·..·..•... ··
d) Exoneração por ato unilateral, lembrada por flÃv10 TARTUCE3s, ê~bível
no contrato de fiança por prazo indeterminado. O fiador poderá oojif,i~
car o afiançado (credor) de sua saída do polo de garantia, per5istin!io
responsável por sessenta dias após a notificação (CC, art. 835).
Mutatis mutandi, tem-se a mesma hipótese na locação de imóveis ur-
banos, quando o fiador é comunicado sobre divórcio ou dissolução
da união estável do locatário (devedor), exercitando seu direito de
retirada no prazo de até 30 (trinta) dias. Neste caso, persistirá o fiador
responsável por mais 120 (cento e vinte) dias após a comunicação ao
afiançado (credor/ locador) - art. 12 da Lei 8.245/91 (Lei do Inquilinato).
A saída do fiador na locação de imóveis urbanos, igualmente poderá
acontecer na prorrogação do vínculo locatício por prazo indetermina-
do, momento em que persistirá responsável pelo prazo.de 120 (cento
e vinte) dias após a dita notificação - art. 39, X da Lei 8.245/9i.

4.2.2. Resolução
Na teoria geral dos contratos, o termo resolução significa extin-
ção do contrato fundada no seu descumprimento. Tal descumpri-
mento poderá ser:
a) sem culpa (involuntário), quando a obrigação simplesmente
se resolverá,
b) com culpa (voluntário), quando o lesado poderá optar pelo
(CC, art. 475):

34. DINIZ, Maria Helena. curso de Direito Civil Brasileiro. Teoria Geral das Obrigações
Contratuais e Extracontratuais. Vol. Ili. 27" edição. São Paulo: Saraiva, 2011. p. i88.
35. TARTUCE, FLÁVIO. Manual de Direito Civil. Volume único. 4• edição. São Paulo:
Método, 2015. p. 640.
328 Direito Civil - Vol. 13 • Luciano Figueiredo e Roberto Figueiredo

b.1) pedido de resolução do contrato, cumulado com per-


das e danos; ou
b.2) cumprimento do contrato, cumulado com perdas e
danos.

~ E na hora da prova?
Em prova de concurso público realizado para o provimento do cargo
de Advogado Eletrobras-Furnas, ano 2009, a banca Funrio julgou incor-
reta a seguinte assertiva: "A parte lesada pelo inadimplemento pode
pedir a resolução do contrato, se não preferir exigir-lhe o cumprimen-
to. A opção pela segunda hipótese não confere direito ao pleito de
indenização por perdas e danos".

A expressão culpa, no inadimplemento culposo, é utilizada de


forma lata, englobando tanto o dolo (intenção), como a culpa stricto
sensu (imprudência, negligência e imperícia).
Outrossim, a cumulação com as perdas e danos demandará - na
correta interpretação doutrinaria realizada pelo Enunciado 31 do
CONSELHO oA Jusr1:A FEDERAL - imputação de culpa ao devedor.
O inadimplemento hábil a gerar a resolução do contrato será
absoluto. CRISTIANO CHAVES DE FARIAS E NELSON RosENVAL0 36 admitem, com base
no art. 395 do Código Civil, o chamado inadimplemento por fato
relativo ao interesse do credor. Ocorre quando diante do inadim-
plemento relativo, uma vez que ainda seria possível o cumprimen-
to obrigacional, o credor informa o seu desinteresse no adimple-
mento tardio (inadimplemento absoluto por fato do credor). É o
exemplo de um animador de festas que chega atrasado ao evento.
Ainda seria possível o cumprimento. Todavia, caso o credor não
mais tenha interesse, o inadimplemento torna-se absoluto.
Veja-se que o inadimplemento por fato relativo ao interesse
do credor demanda dois requisitos: a) Objetivo: o inadimplemento
e b) Subjetivo: ausência de interesse do credor no cumprimento
obrigacional.

36. n Direito das Obrigações. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2006, p. 352.
Cap. 9 • Extinção dos Contratos 329

De mais a mais, recorda-se que hodiernamente o cumprimento


do contrato demanda atenção não apenas a obrigação principal,
mas também aos deveres anexos. Adimplir significa atender todos
os interesses do credor, sejam estes ligados à prestação propria-
mente dita, sejam relacionados à proteção, informação e coopera-
ção presentes durante o todo processo obrigacional.
Acaso haja descumprimento de um desses deveres de conduta,
o adimplemento não será satisfatório, estando-se diante de um
adimplemento fraco, com uma clara violação positiva do contrato.
Para PAuLo Lôso 37 , coloca-se então a possibilidade do lesado valer-se
dos caminhos do art. 475 do Código Civil, requisitando a resolução
do contrato.
o dito está em sintonia com o Enunciado 24 do CoNsELHo DA Jusr1çA
FEOERAL, segundo o qual "em virtude do princípio da boa-fé, positivado
no art. 422 do novo Código Civil, a violação dos deveres anexos consti·
tui espécie de inadimplemento, independentemente de culpa".
Passa-se ao detalhamento das hipóteses de resolução: descum-
primento involuntário e, posteriormente, o voluntário.
O descumprimento involuntário da avença, a exemplo do caso
fortuito (evento imprevisível) e da força maior (evento inevitável),
terá como consequência o simples desfazimento do contrato, retor-
nando as partes ao status quo ante.
O fato gerador da inexecução involuntária há de ser: a) super-
veniente, não sendo congênito à formação do contrato; b) objetivo,
não dizendo respeito à figura do devedor; c) total, atingindo toda
prestação, pois se parcial o credor poderá ter interesse no cumpri-
mento fracionado, d) definitivo, pois caso transitório possibilitará o
posterior cumprimento e e) Inevitável para o devedor, como bem
sinaliza MARIA HELENA D1N1z 38 •
Exemplifica-se. Na compra de um automóvel, na qual já se
fora pago um sinal de RS 10.000,00 (dez mil reais) e o carro foi

37. LÔBO, Paulo. Direito Civil. Contratos. São Paulo: Saraiva. 201i. ia edição. p. 201.
38. DINIZ, Maria Helena. Curso de Direito Civil Brasileiro. Teoria Geral das Obrigações
Contratuais e Extracontratuais. Vol. Ili. 27• edição. São Paulo: Sa,.aiva, 201i.
p. 183.
'
330 Direito Civil - Vol. 13 • Luciano Figueiredo e Roberto Figueiredo

posteriormente roubado, antes da entrega (fortuito). O contrato


restará desfeito e o vendedor haverá de devolver os RS io.000,00
(dez mil reais) atualizados, retornando ao status quo ante. Ao re- 1
tornar à situação anterior à negociação, a resolução em tela terá
efeitos ex tunc, como sinaliza CARLOS RosERTO GoNÇALVEs39 •

• E na hora da prova?
Jl.no: 2012 Banca: TJ-PR órgão: TJ-PR Prova: Assessor Jurídico
Eleutério firmou contrato de compra e venda de uma moto. marca Uz,
modelo Az., com Atanagildo. No momento da assinatura do contrato,
Eleutério pagou a Atanagildo a importância de RS 6.000,00 (seis mil
reais), a título de sinal de negócio. Para infelicidade de ambos, no dia
da entrega, a moto foi roubada.
Quanto a esse caso, assinale a alternativa correta.
a) Atanagildo tem a opção de entregar a Eleutério outra motocicleta,
em substituição àquela que fora roubada.
b) Caso Atanagilcfo alegue a existência de caso fortuito, não há que se
falar em resoluçã 0 do contrato.
c) o contrato firmado pelas partes sofrerá resolução, em virtude
da falta superveniente do objeto, e o valor pago como sinal será
restituído.
d) Eleutério pode exigir de Atanagildo a entrega de outra moto.
Gabarito: c

• A~en~()!
Há. hipóteses excepcionais nas q11ais m,es1110 diante do caso fortuito,
havera< responsabilidade civil; são elás~O: .
a) Mora{ Na tnora - seja do devedor ou ifo C!redór - o causador do
átraso responderá; airída que· a perda do objeto decorra de caso
fortuito ou força maior. É a batizada perpei:uaçãoda obrigação (Per-
petuatio obligationis). As únicas excludentes passíveis de incidência

39. GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito Civil Brasileiro. Vol. 3. 7ª edição. São Paulo:
Saraiva. 2010. p. 191.
40. Para aprofundamento do tema caso fortuito e força maior, indica-se a leitura do
volume dedicado à responsabilidade civil, em especial o tópico relacionado às
excludentes de responsabilidade civil.
.
.
.

'
1
Cap. 9 • Extinção dos Contratos

na mpra são .a comprovação de isenç~o de'<:ulp~, ou <:iue 0 e.vento


ac:0ntecer;ia ·. ~J.ndá · qu~ '.ª · ollrigaçãq llouyesse sid0:oP()rtunarhente.
331

q!mpri.da.(art. 399 do cc)~ · · ·· · · ··· · · · ·• · ·


b) Perda do
Óbj~to nas C>brf~ações de Dar tois~ írtterta,
cà~oi~·r~f~2
rida.perda oc:orra antes da escolha, respondetá o.deveclor.·áinda
qµe na hipótese de caso fort.uito ou to.rr;çi mal()r (art; 246. d~ êc):
Justo por. isto, afirma-se em direito obrigacioo~I que 0 gêriel:9 nao
perece nunca. · ·
c) AUtdnomia.Privada. Da leitura do a;rt: 393 do Cê o.bsetvà-se qµ<f•as
partes, no exercício da liberdade coiJtratu~l. :i:)odél-a;o ex~ressa~
mente afastar a incidência da exck1dente d.o caso fortuitO e da for~
ça maior: Seria a .consensual exclusão da exclt.Ídente, em promoção
à autono~ia privada. É usual verificar-se, por cláusula expres!!a,
responsabilidade da empresa locadora de geradores de energia
ainda no caso fortuito ou na força .maior. Alguns doutrinadores, a
exemplo de FLÁVIO TARTUCE4', denominam esta cláusula de assunção
convencional.
d) Fortuifo Interno. Com base nos ensinamentos. de AGOsrt!ilf~ ALv1M, a
doutrina e a jurisprudência firmam. diferenciação entre o fortuito.
interno e o externo. Interno é o fortuito ligadó à pessoa ou cQisa
do agente ou sua empresa. Já o externo decorre de fator estra-
nho à. pessoa do devedor ou sua· empresa, tendo causa ligada à
natureza, como raio, queda de barreiras e inundações. o fortuito
Interno apenas excluirá responsabilidade civil caso esta seja sub-
jetiva (fundada na culpa). Todavia, na objetiva, fundada na. teoria
d.o risco, não exclui. Justo por isto, nã() é exclude.nte de. responsa-
biHdade civil a derrapagem na chuva, 0 estouro de pneus, a que6ra
de barra d.e direção, o mal súbito do motorista; ;o rompimento dos
freios~ todos. relacionados ao contrato çle trarispQfte - res~or;isabh
lidade objetiva por relação de consumo 'e ooriga'çãô.de resultado.
No. que tange ao fortuito externo, sempre será exdúdente .de res-
a
ponsabilidade civil, equiparando~se força maior. . ..

• Como se pronunciou o Superior Tribunal de Justiça?


o SUPERIOR TRIBUNAL OE JUSTIÇA adota a tese de AGOSTINHO ALVlM no que tange a
divisão do fortuito em interno e externo, bem como a impossibilida-
de de afastamento da responsabilidade objetiva por fortuito interno.
Nesse sentido:

41. Op. Cit., p. 561.


332 Direito Civil - Vol. 13 • Luciano Figueiredo e Roberto Figueiredo

AGRAVO. REGl1\4f:NT~l,.N() Aq~~(l;,P,~}~sr~u.fl.1E~O'. PROc;ESSUA,l, CIVIL:. RES•


. PONSABIUDADç: ÇIVIL TRAN$PORTE AÉREO. J>ROBLEMJ\$."fÉCNlc;OS~ FORTUITO
INTERNO. RISCO DA ATl\fÍQÃQ~. VAL9R QJ\ INl)ENIZAÇÃ(). MODEAAÇÃO. RtvJ-
sÃo. súMu.LA N. rtsrj. ·· · ··
1. A ocorrência de prol)lentâs 1:é~nicoknãb ;é. cÔitsfüerada hipótese de.
caso fortuJto ..04 ·M. fçt,ça.maicn"t+m~s ;si.ri· fa~oipfü;erehte .àos próptios
riscos.da atividade·,erPPl;esªrjàl:9e t~ns~orte a~reo ~fortul.to internq),.
não sendo ·possívekpoJs, afast~... ~~responsabfüdade da empresa .de
aviaçã<> e;· cpns~cu;ieHt~mt?~r~r~ ~e~e.f d~ indétílzar. > . . ··.
2:·é inviável, por fót~ 9P'é?bice,ei-evi~fo na súmula n. 7 do STJ, a revi-
são do quantumjru!enizatório efri sede de recurso especial, exceto nas
hipóteses em que ti vafor fixa,d9seja.irrlsôrio ou exorbitante. .
3. Agravo regirnentat despr(,)vh:19 ,pc>r novos fundamentos. (STJ .. AgRg
no Ag 13;io356 /'RJ~ AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO DE INSTRUMEN.TO
2010/0091553-0:.Relator: Ministro João Otávio de Noronha. Quarta Turma.
Data do Julgamento: 14,04.2011).
A tese aplica-se, até mesmo, no qu~ tange à .responsabilidade civil do
. Estado, equiparando-se o fortuií:() externo à força maior (Act of Cod). Jâ
decidiu o 'mesmo .STf: ·
Administr~tivo. Respcinsabilidadê Civil do Estado. Força maior. A força
maior exclui a responsabilidade civil do Estado quando descaracteriza
o nexo de causalidade entre o evento danoso e o serviço público; não
se qualifica como tal a tentativa de roubo de veículo apreendido por
trafegar sem licença, que se encontrava sob a guarda da repartição pú-
blica, porque nesse caso o Estado deve estar preparado para enfrentar
a pequena. criminalidade. Responsabilidade pelos danos causados no
veículo. Recurso Especial não conhecido.(STJ. REsp 1997/0039492-1, DJ
2-3-98, p. 62, Relator: Ministro Ari Pargendler).
Assalto à mão armada iniciado dentro de estacionamento coberto de hi-
permercado. Tentativa de estupro. Morte da vítima ocorrida fora do es-
tabelecimento, em ato contínuo. Relação de consumo. Fato do serviço.
Força maior. Hipermercado e shopping center. Prestação de segurança
aos bens e à integridade física do consumidor. Atividade inerente ao
negócio. Excludente afastada [ •.• ] A prestação de segurança aos bens
e à integridade físiça do .consumidor .é inerente a atividade comercial
desenvolvid.a pelo hipermercado e pelo shopping Center, porquanto a
principal diferença .existente entre. estes estabelecimentos e os centros
comerciais tradicionais reside justamente na criação de um ambiente
seguro para.a realização de compras e afins, capaz de induzir e condu-
zir o consutriidor a tais praças privilegiadas, de forma a incrementar o
Cap. 9 • Extinção dos Contratos 333

, ' ' ' ~ ',, 'f.:<; '; , , /;;, ,\~ 'i ·/ '·i"-!1 /·~:·'

vol~.o:J~;ge.ven<:l~ ·
~~ti)(:lg~~~
.civ!t ~~s~e~,P~t
consµw~~~&Jl!,> .íi .~~
.tQ à mãô·~r'f1Ja · ...• JJ q.µalq(I
~~~Ji0tf~~~l~(~~1lt4~~1~}~~~1H"
.,. Com<> ~assunto foi oobradQ enu:ioncurso?
No tocante ao fortuito interno, tratando-se de.responsabilidade objetiva,
a prova para Analista Adinlnistrativo - Direlto/TCE-ES, banca CESPE, ano
de 2013, considerou correta a afirmativa: "'As instituições financeiras res-
pondem objetivamente pelos da.nos gerados pórfortí.íito interno relativo
a fraudes e delitos praticados por terceiros no âmbito de operações
bancárias".
Já a banca CESPE, no concurso Cartório TJ-BA, ano de 2014, con-
siderou INCORRETA a seguinte assertiva: "O caso fortuito ou a for-
ça maior constituem excludentes de responsabilidade, motivo por
que a instituição bancária não responde pelos danos causados ao
consumidor, em razão de abertura de conta-corrente por terceiro
mediante a utilização de documentos falsos".
d) Contrato de Comodato. O art. 583 do Código Civil afirma que
se o objeto do comodato se encontrar em situação de risco,
juntamente com outros do comodatário, este não pode pre-
ferir a salvação dos seus e abandonar os do comodante, sob
pena de responder pelo dano ocorrido, ainda que se possa
atribuir caso fortuito ou força maior.
Ainda versando sobre hipóteses de resolução do contrato, co-
loca-se a extinção pela perda superveniente da prestação fim do
contrato.
Trata-se, segundo CRISTIANO CHAVES DE FARIAS E NELSON ROSENVALD 42 , de ins-
tituto nascido no common /aw, tendo como precedente o coronation
cases. Nestes cases, sacadas e terraços foram locados com a única
finalidade dos locatários presenciarem a cerimônia de coroação
do Rei Edward VII. Entrementes, houve cancelamento do percurso,

42. FARIAS, Cristiano Chaves. ROSENVALD, Nelson. Direito dos Contratos. São Paulo:
Atlas, 2015. p. 569.
334 Direito Civil - Vol. 13 • Luciano Figueiredo e Roberto Figueiredo

perdendo o aludido contrato de locação sua finalidade, por razão


estranha a conduta de qualquer dos contratantes.
Cediço que o fim do contrato é a realização dos interesses con-
cretos das partes contratantes. Em vista da alteração do suporte
tático por conduta estranha às partes, houve frustração da finali-
dade, perdendo o ajuste sua razão de ser. Como consequência,
coloca-se a extinção pela perda da prestação fim do contrato, ha-
vendo retorno ao status quo ante, sem nenhum tipo de indenização,
por ser uma resolução involuntária.
Na linha do dito cita-se o Enunciado 166 do CoNsELHo DA Jusr1ÇA FE-
DERAL, segundo o qual "a frustração do fim do contrato como hipótese
que não se confunde com a impossibilidade da prestação ou com a
excessiva onerosidade, tem guarida no direito brasileiro pela aplica-
ção do art. 421 do Código Civil".

~ E na hora da prova?
Em prova de concurso, público para o provimento do cargo de Procu-
rador do Trabalho, considerou-se incorreta· a seguinte alternativa: "a
frustração do fim do contrato, que não se confunde com a impossibili-
dade da prestação ou com a excessiva onerosidade, não tem guarida
no Código Civil."

Caso, porém, o descumprimento seja voluntário (culposo), em


razão de conduta de um dos contratantes apta a gerar prejuízo
ao outro (dano e nexo causal), nascerá ao lesado a prerrogativa
do pleito extintivo, mediante resolução, cumulado com perdas e
danos.
Fala-se em prerrogativa diante de um cenário de tutela específi-
ca, conferindo-se ao lesado, ao lado da possibilidade de resolução
da avença, o pedido de seu implemento, igualmente cumulado com
perdas e danos.
As perdas e danos, obviamente, hão de ser guiadas pelo ideal
da reparação integral, vedando-se excessos. Doutrina KARL lARENz 43
que a indenização na hipótese deverá contemplar tanto o interesse

43. LARElllZ, Karl, Derecho de obligationes. p. 95.


Cap. 9 • Extinção dos Contratos 335

positivo - entendido como o acréscimo patrimonial que seria ex-


perimentado pelo credor na hipótese do cumprimento - como o
negativo - compreendido como o dano à confiança, haja vista ter o
credor sido lesado em sua confiança e ter perdido outras oportu-
nidades negociais.
O próprio contrato poderá regular sobre o montante indenizató-
rio na hipótese de descumprimento obrigacional, veiculando cláu-
sula penal compensatória, caso haja completo inadimplemento;
ou uma cláusula penal moratória, na hipótese de inadimplemento
relativo. Tal tema foi visitado em tópico específico no volume de
obrigações, para o qual se remete o leitor.
A resolução pela inexecução voluntária, para CPRLos Rosrnro GoN-
ÇALVES44, terá efeitos ex tunc, ressalvada a casuística de contrato de
trato sucessivo, quando os efeitos serão ex nunc, preservando-se
os atos anteriormente praticados. Exemplifica-se. Em um contrato
de prestação de serviços no qual o contratante, após dez meses,
passa a inadimplir suas prestações, a resolução não atingirá as
parcelas anteriormente pagas ou os serviços já executados.

~ E na hora da prova?

Em prova de concurso público realizado para o provimento do car-


go de Juiz do TJ-AC, ano 2012, a banca CESPE considerou incorreta a
seguinte alternativa: "Nos contratos de trato sucessivo, a resolução
por inexecução voluntária produz efeitos ex tunc. extinguindo o que foi
executado e obrigando as restituições recíprocas".

A banca CESPE, em prova de concurso público realizado para


o provimento do cargo de Titular de serviços de notas e registros,
TJ-DFT, ano 2014, considerou correta a seguinte alternativa: "A re-
solução por inexecução voluntária implica a extinção retroativa do
contrato, opera ex tunc caso este seja de execução única, descons-
titui os efeitos jurídicos produzidos e determina a restituição das
prestações cumpridas.

44, GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito Civil Brasileiro. Vol. 3. 7• edição. São Paulo:
Saraiva, 2010. p. 184.
336 Direito Civil - Vol. 13 • Luciano Figueiredo e Roberto Figueiredo

{~~~'~ .. ;"q~~~~~-J;ç~~ T&,~t~~~~~


deo~le a i:fre$édça: ;~~ .int,cm~ss,e ju":fdlco~eéo~ômif91 a .~e~etlciat qU,em .
pp~tülá,;,~ua: extipÇ~()í ~~tê~~se•..C!>IJTO·.~ .~iLVA~~a"ufu adimplemento.tãq .
·. prõ,5cJrúC)l~o ~~sl!\~a~() Oq~.' que;: tenfjo:em.vi~t·<l'<l conduta qaspa:r-
tes, s~ excll.!l. ô d!.re~to de r<~solução~ permitindo tão sómente' pleito.
indé.niza:tórfq. . . ' .;. ,· < ; ·
ExeritpJo Hustrâii).,p do áfitmâdo é a te;ona doJ~adimplemento míni-
mo -, ta.mbétn c!Jámada: de àdlmplementp s~.b!!ta~cia:I, ou substantlal
perforin~'nci~ ' a iimltar .o exercício do ~i~eitQ' potes,tatÍvo de resolver
um contrato.
''!
.
,,,'
.
Caso já tenha sido verificado· o adimplemento suqstandal da avença,
n.ão hK<:fe.seJalafna imputação de largas penalidades ao devedor,
mas. sim de sanções proporcionais. Registre-se: a tese não objetiva o
perd~o, qá'díyic,fá~oy a aplicação do princípio da bagatela (insignificân-
.cia). Ao. revés.O iiu11climplente . . háde sofre.r colTI as consequências da
sl!a. co,qd!Jt(l, porétrJ ?º nível d;;t sua ausência de pagamento. Aquele
qu~ j;i qlJi~ou .9?°4,~noyenta e cinco .por ~ent()) do preçó, por exemplo,
não devé'.ser pef!aHzado da mesma torma, qtJ~;alguém que apenas
qultóü lO°k (dez por céntó) .i::lo valor. . ·· ' · ··
Porta~to,: "O aâlmplemento substancial decorre dbs princípios gerais con-
tratuais, .de modo fr fazer preponderar à funçlio social do contrato e o
pr/ncfpió da boa-fé; balizando. a ap/icaçlió do art:. · 475" (Enunciado 361
do CJF)•. A substantiàf performance significa isto: .adimplida quase toda
a obrigação, nãq ~aberá a extinção do contrato,. mas apenas outros
efoitos juríi:licos,.vl.$ando sempre a manutençãó dà avença como numa
"eficácia .iflterna da funçlio spcial dos cQntratos, entre as partes contra·
tantes'- (Eriúnciado' 360 doCJF). ·

45. LÔBO, Paulo. Direito Civil. Contratos. São Paulo: Saraiva. 201i. ia edição. p. 199.
cap. 9 • Extinção dos Contratos 337

.,. Como esse assunto foi cobrado em concurso?


Em concurso para Defensor Público SP/201~ foi considerada co~reta a
seguinte assertiva "A caracterização do ad1mplemento s~bstanc1al da.s
obrigações produz os seguintes efeitos: inaugurar ou ratificar a poss1-
bTdade de 0 credor perseguir o ressarcimento pelas perdas e danos;
~
0a exceçãoresolução
1
star a unilateral do contrato; impedi_r que .º cred?r. ~rgua
do contrato não cumprido; descaracten~ar a 1mposs1b1hdade
absoluta de cumprimento da obrigação. Exceto liberar o devedor da
obrigação."
338 Direito Civil - Vol. 13 • Luciano Figueiredo e Roberto Figueiredo
l
._ E na hora da prova?
A banca CESPE, no concurso para Procurador do Estado da PGE-BA, ano
de 2014, considerou correta a seguinte assertiva: "A teoria do adimple-
mento substancial impõe limites ao exercício do direito potestativo de
resolução de um contrato".

Dúvida interessante diz respeito à (im)possibilidade do contrato


trazer, antecipadamente, uma renúncia à possibilidade de resolu-
ção. É possível?
Entendem CRISTIANO CHAVES DE FARIAS E NELSON ROSENVALD 46 que sim, por
conta da autonomia privada. Avançam, obviamente, para impossi-
bilitar a conduta nos contratos de adesão (CC, art. 424) - diante da
nulidade de renúncia antecipada a direitos - e nos contratos de
consumo - por conta da abusividade da cláusula (CDC, art. 51).
Mas será necessário o contrato disciplinar, expressamente, o
direito de resolução, ou seria este uma cláusula implícita?
Todo contrato bilateral trás consigo uma cláusula resolutória
tácita (legal). A bilateralidade impõe onerosidade a ambas as par-
tes, sendo o descumprimento culposo de uma delas fato gerador
para a resolução do pacto. É sensitivo que se Caio e João têm um
contrato bilateral e há descumprimento de João, assiste a Caio o
direito de resolver o contrato.
Para tanto, todavia, por ser a cláusula resolutória tácita, haverá
Caio de interpelar judicialmente João, dando prazo razoável ao
cumprimento obrigacional e configurando a mora ex persona (CC,
arts. 397 e 474). Caso, todavia, a cláusula resolutória seja expres-
sa, interpelação judicial não será necessária, como enfrentado no
tópico destinado à extinção dos contratos por causa anterior ou
concomitante à sua formação.

~ E na hora da prova?
Ano: 2014 Banca: VUNESP órgão: IPT-SP Prova: Advogado
Sobre a cláusula resolutiva tácita, assinale a alternativa correta.

46. FARIAS, Cristiano Chaves. ROSENVALD, Nelson. Direito dos Contratos. São Paulo:
Atlas, 2015. p. 549.
l
1
!
cap. 9 • Extinção dos Contratos 339

a) Opera de pleno direito.


b) Depende de interpelação judicial.
c) Opera mediante denúncia notificada extrajudicial.
d) Não terá eficácia se o contratado se recusar a aceitá-la.
e) Não está prevista no ordenamento brasileiro.
Gabarito: b

E seria possível uma resolução antecipada do contrato por pro-


vável inadimplemento?
Questão interessante sobre a qual repousam, ao menos, duas
casuísticas. Primus, quando o possível inadimpr.emento ocorrer por
falta de recursos. Secundus, quando o pos5.ível inadimplemento
ocorrer por mero desejo da parte.
PAuLo Lôso47, analisando a primeira situação - possível inadimple-
mento por falta de recursos - defende ser possível a resolução an-
tecipada do contrato, baseando seu pensamento em interessante
precedente oriundo do SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA (REsp 309.626). Neste,
diante da falência da contraparte, pediu-se a resolução do contra-
to, haja vista a clara possibilidade de inadimple.11ento futuro.
Data vênia, compartilhamos da possibilidade de resolução an-
tecipada por possível inadimplemento, mas como medida subsidi-
ária. Isso, porque, o fundado risco de inadimplemento futuro da
contraparte gera a possibilidade do pleito ce garantias, aliada a
suspensão do contrato. É o que a doutrina batiza como cláusula
de inseguridade (CC, art. 477), a qual "pode ser oposta a parte cuja
conduta põe manifestamente em risco e execução do programa con·
tratual" (Enunciado 438 do CONSELHO DA )USTIÇA FEDERAL).
Entendemos que caso haja fundado risco de inadimplemento,
atento ao pilar da conservação dos contratos, primeiro devem ser
pedidas garantias ao potencial inadimplente e, acaso não apresen-
tadas, possibilitar-se-á a resolução do negócio.

47. LÕBO, Paulo. Direito Civil. Contratos. São Paulo: Sarai·:a. 2011. ia edição. p. 201.
340 Direito Civil - Vol. 13 • Luciano Figueiredo e Roberto Figueiredo

Tratando sobre a segunda hip6tese - resolução antecipada do


contrato por possível inadimplemento voluntário -, posiciona-se
S1Lv10 DE SALVO VENOSA48 em sentido positivo. o Professor Paulista, nar-
rando o surgimento do estudo do tema, recorda sua gêneses no
common law, onde foi batizado como onticipatory breach of contract.
Consoante esta teoria, adotada em largos julgados ingleses e
norte americanos, caso um dos contratantes revele claramente sua
intenção de não cumprir com a sua contraprestação, poderá a con-
traparte significar esta conduta como inadimplemento contratual,
requisitando, antecipadamente, a resolução do pacto. No Brasil,
arremata o Autor, mesmo diante da lacuna legislativa é possível
lançarmos mão do instituto, o qual demandará ação judicial.
Parece-nos que esta segunda hipótese tem clara relação com o
instituto da violação positiva do contrato e desrespeito à confiança
e boa-fé, com cristalina conduta em abuso de direito.
Fato, que, a doutrina vem abraçando a noção da resolução por
inadimplemento antecipado. O Enunciado 437 do CoNSELHo DA Jusr1çA
FEDERAL, por exemplo, informa que a resolução da relação jurídica
contratual também pode decorrer do inadimplemento antecipado. A
jurisprudência caminha na mesma linha.

., cOmo se pronundou o SuPERIOR TRIBUNAL oe JusnÇA sobre o tema?


"o descumprimento parcial na entrega da unidade imobiliária assim
·corno ó reÇéio co.ncreto. dé que o proítiiterítevencíedornãó tra~sferirá
o imóvel ao pron'litenie· comprador impõe a apUcaÇão do instituto da
exceção d.o .cQntrato não.cumprid(). Isso P()i<l!Je se tem'ª exceptio non
adimpteti cpritra.ctus como .meio de defesà, pojs; nos. contratos bilate-
rais~ ner:ihum dos.. cont.raentes; antes de. curnp[ida a sua. obrigação,
pode exigir o implemento da do óutró. E se, depois dé concluído o
contrato, em especial nos contratos de prestação continuadà, e com-
provad~ a dlflcutdade do outro coptratante em adimplir sua obrigação,
poderá seOeclJS\lcfa a1 pre,staçã() !lUe lhe cab~~ até que se. preste ga-
rantia dê que:o sitt<1.las1n\l sefá, é~~prido." •·. ·. .·. •·· .·.•. ·.
(STJ, REsp. 1.i973/sP, Rel.Miri; M~~sa!mi Uyeda, j~ 03.05.12, Informativo 496).

48. VENOSA, Silvio do Salvo. Teoria Geral das Obrigações e Teoria Geral dos Contratos.
10• edição. São Paulo: Atlas, 2010. p. 541.
Cap. 9 • Extinção dos Contratos 341

. .· .. ~ 1;··

~:=~~e~~ dó~~~~;~; ·'~m,.iniêfes~i.nte~iJi~t~~~tfl~~i~~;~\t~~LJl~~,f~~··


solutótias exp~éssas e· táçitâ~~;fi(m~qiJ~ âril~~.~<ltfrf~jl~[ffl .~f~iÍQtlcia:~·
mentojudici~I; ·.·.. , ,;J: ' , . . ... '" ·;:'. ,·,},,:'... A •

Na primeira (expr~lisâ~; comÔ"'<1 POO:Pri()'rcontr~~(i;j;Ji~)l~'·!l res~lUção


e esta iriqêpe11~e~·de JlfQlli.J@,Çi~riJ.erit()dtJ~ici.ª)j '.~1~~~~i,lãO,· ~.e~.· me-
rament~ decla~tqtl~. Ç()WJ<.~~~ilp~,,~x:. Jl;!P,f·.i~.j.,, . · .· .. · · .~&Y~ct.() <>
caso), a interpelaÇ~ó,JIJdicli:ll.~~tá re~e.ssá,r~~Pél.f:ih9 i~fQ~sfazi-
mento ct<> pactq~ tendo efeit.~s:descon~1:itútiv()s:~.}.~k·;n. . ..>
outrossim; obt~m~era S1Lv1~ DEiSAl,yoV,iiKo~~ q~~i~;;fg~~I~
ser judicializaçbis..Pela necés~i(Jacle d~ .tHsÇus~{)ê$..(q~ . tr()s ·temas,
como a (in)existência>de .ittadimplgmentP;;()m()ota,~t~iind.enizatório
das perdas e dan~s, direitp cte retenção •.• ·· · · ) '((;•.'{\:., :\ '";t ·:~'· · '. • '

Por fim, não se olvida a existência de outras casuísticas de reso-


lução dos contrato, a exemplo da teoria da imprevisão, tratada em
capítulo apartado. Idem sobre a exceção do contrato não cumprido.
É crível, ainda a extinção do contrato pelo falecimento do contratado,
caso a obrigação seja personalíssima. Aqui, doutrinam PAsLO Smm GAGLIA-
No ERoDOLFo PAMPLONA F1LH051, a extinção terá efeitos êx nunc, tendo o con-
trato produzido seus efeitos até a data do falecimento do contratado.
Para ORLANDO GoMEs52, estar-se-á diante da chamada cessação contratual.
Em não sendo, porém, a obrigação personalíssima, o contrato
obrigará aos herdeiros, não sendo a morte fator extintivo da obri-
gação. Logo, no direito brasileiro não é regra a mors omnio solvit,
pois a morte não levará, automaticamente, à extinção do contrato.

4.2.3. Rescisão
A teoria geral dos contratos, sob o ponto de vista do direi-
to positivo, não conceitua o termo rescisão. Fala-se em distrato,

49. GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito Civil Brasileiro. Vol. 3. 7ª edição. São Paulo:
Saraiva. 2010. p. 181.
50. VENOSA, Silvio do Salvo. Teoria Geral das Obrigações e Teoria Geral dos Contra-
tos. 10• edição. São Paulo: Atlas, 2010. p. 511.
5i. FILHO, Rodolfo Pamplona e GAGLIANO, Pablo Stolze. Novo Curso de Direito Civil,
vol. 4. Tomo 1. São Paulo: Saraiva. 2015. 11• edição, p. 296.
52. GOMES, Orlando. Contratos. 26• edição. Rio de Janeiro: Forense, 2007. p. 228.
342 Direito Civil - Vol. 13 • Luciano Figueiredo e Roberto Figueiredo

resilição, resolução, mas não há uma linha sobre rescisão. Em vista


da omissão legislativa, inúmeros são os posicionamentos doutriná-
rios. Abaixo se sintetiza algumas importantes opiniões:
a) Em um sentido genérico e impreciso, o termo rescisão costu-
ma ser utilizado como sinônimo do gênero extinção do con-
trato, alcançando este uso tanto a doutrina civilista, como a
de outros ramos do direito, a exemplo do trabalhista, ensi-
nam PABLO STOLZE GAGLIANO E RODOLFO PAMPLONA FILHO 53 •
b) PAuLo Lôso 54 aponta que foi justamente o uso indiscriminado
da expressão rescisão que a fez, na prática, aproximar-se do
gênero extinção, confundindo-se, por vezes, com resolução.
Rescisão seria o modo de extinguir o contrato em virtude de
fator distinto, tanto do inadimplemento obrigacional, quan-
to da impossibilidade da obrigação. Rescinde-se o contrato,
arremata o Autor, em razão de vício de direito (evicção), ou
de vício do objeto (vício redibitório)
c) Rescisão significa, entre nós, extinção da relação contratual
por culpa, malgrado, originariamente, ligar-se ao desfazi-
mento contratual pela lesão. Afirma S1Lv10 DE SALvo VENosA55 que
diuturnamente a expressão rescisão vem sendo utilizada
no mesmo sentido de resilir, como desfazimento por ato de
vontade.
d) Para CARLOS RoBERTo GoNçALVEs 56, rescisão, entre nós, é utilizada
como sinônimo de resolução e de resilição. Todavia, em me-
l.hor técnica, deveria ser significada como a dissolução dos
contratos nas hipóteses de lesão e estado de perigo 57 • O
mesmo pensamento é externado por ORLANDO GoMEs58 •

53. FILHO, Rodolfo Pamplona e GAGLIANO, Pablo Stolze. Novo Curso de Direito Civil,
vol. 4. Tomo 1. São Paulo: Saraiva. 2015. 1ia edição, p. 295.
54. LÔBC, Paulo. Direito Civil. Contratos. São Paulo: Saraiva. 2011. ia edição. p. 197.
55. VENOSA, Silvio do Salvo. Teoria Geral das Obrigações e Teoria Geral dos Contratos.
10• edição. São Paulo: Atlas, 2010. p. 508.
56. GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito Civil Brasileiro. Vol. 3. 7" edição. São Paulo:
Saraiva. 2010. p. 206.
57. Para aprofundamento do tema lesão e estado de perigo, indica-se a leitura do
capítulo dedicado aos defeitos do negócio jurídico, no volume de parte geral.
58. GOMES, Orlando. Op. Cit., p. n3.
Cap. 9 • Extinção dos Contratos 343

e) Para FLÁv10 TARTUCE 59 há rescisão contratual quando verificada a


extinção do contrato por fatos posteriores ou supervenientes
à sua celebração, tendo uma das partes sofrido prejuízo. Se-
gue o Autor informando que a rescisão deve ser significada
com gênero, sendo espécies a resolução - extinção do contra-
to por descumprimento - e a resilição - extinção do contrato
por ato de vontade. Tanto a resilição, como a resolução, dia-
logam com o plano da eficácia da Escada Ponteana
f) Para CRISTIANO CHAVES DE FARIAS E NELSON RosENVALD 60 rescisão aproxi-
ma-se de anulabilidade. Habita o mesmo quadrante teórico
e conecta-se com as sanções a um contrato ofendido em seu
plano genético. Utiliza-se a expressão, segundo os autores,
nos vícios redibitórios, na evicção, no estado de perigo e
na lesão. Arrematam verberando ser a rescisão a "descons-
tituição do negócio jurídico por um vício objetivo anterior à
celebração do negócio jurídico".
Para nós, por conta da ausência de precisão conceituai sobre
o tema no direito positivo, aliada a confusão doutrinária, rescisão
deve ser vista como um gênero, sendo sinônimo de extinção ou
desfazimento contratual. A própria prática forense demonstra que
as pessoas não ajuízam ações de resolução ou resilição contratual.
As demandas são de rescisão, trazendo no seu bojo fatores de
resolução ou resilição.

~ E na hora da prova?
Ano: 2014 Banca: FGV órgão: DPE-DF Prova: Analista - Assistência Judiciária
Arlindo locou uma máquina de cortar grama para seu vizinho por seis
meses. Acontece que desde o primeiro mês, seu vizinho se recusou a
pagar o valor do aluguel, o que motivou Arlindo a extinguir o contrato.
Essa modalidade de extinção contratual se denomina:
a) resilição.
b) rescisão.

59 . TARTUCE, FLÁVIO. Manual de Direito Civil. Volume único. 4ª edição. São Paulo:
Método, 2015. p. 639-640.
6o. FARIAS, Cristiano Chaves. ROSENVALD, Nelson. Direito dos Contratos. Sãc· Paulo:
Atlas, 2015. p. 539-540.
344 Direito Civil - Vol. 13 • Luciano Figueiredo e Roberto Figueiredo

e) revogação.
d} denúncia .
. e) distrato.
Gabarito: b
ODireito lntertemporal e
os Contratos
Nas provas concursais, bem como na prática forense, vez por
outra somos colocados diante do seguinte questionamento: qual o
Código Civil aplicável a um contrato celebrado durante a vigência
do Código Civil de 1916, cujos efeitos adentram a vigência do Códi-
go Civil d e 2002?
Para aclarar o questionamento vejamos um exemplo prático.
Imaginem que João adquiriu um apartamento em 2002 - época que
ainda vigia o Código Civil de 1916, haja vista que o Código Civil de
2002 apenas ganhou vigência em 2003 - e acertou o pagamento de
forma parcelada, por 8 (oito) anos, até 2010 - época em que já
vigia o Código Civil de 2002. ou, ainda, imagine que João adquiriu
um imóvel em 1999, através de financiamento imobiliário de vinte
anos, findando apenas de 2019.
Nesta situação, questiona-se: qual o Código Civil deverá ser apli-
cado ao contrato de João? O de 1916 ou o de 2002?
Eis a vexata quaestío.
Pois bem. Essa pergunta, em um primeiro momento, nos remete
ao tratamento da sucessão de leis no tempo no direito brasileiro:
o chamado direito intertemporal.
A sucessão de normas no tempo é regulada tanto pela Constitui-
ção Federal (art. 5°, XXXVI), como pela Lei de Introdução às Normas
do Direito Brasileiro (LINDB - art. 6°). Ambos os diplomas veiculam
conceitos amortecedores, tentando amenizar os conflitos normativos
temporais. Assim, adotam o princípio da irretroatividade normativa,
indicando que a lei nova produz efeitos imediatos e gerais.
346 Direito Civil - Vol. 23 • Luciano Figueiredo e Roberto Figueiredo
1
colhendo os ensinamentos de MARcos EHRHARor ]R.1, a finalidade bá-
sica da lei é disciplinar situações futuras. A princípio, não se deve 1
admitir que uma nova lei fosse aplicada a situações anteriores à
sua vigência. o fundamento de tal assertiva repousa na necessi-
dade de se garantir a segurança e estabilidade ao ordenamento
jurídico.
Nessa toada, com base nesse ideal, pode-se concluir que:
a) lei nova não se aplica aos fatos pretéritos (facto preateria);
b) lei nova se aplica aos fatos pendentes (facto pendentia), es-
pecificamente nas partes posteriores;
c) lei nova se aplica aos fatos futuros (facto futura).
Esta é a regra geral, sempre devendo a lei nova respeitar o ato
jurídico perfeito, o direito adquirido e a coisa julgada. 2

., E na hora da prova?
A banca examinadora FtC, em concurso público realizado para o provi-
mento do cargo de Auditor Controle Externo Jurídico, TCM-GO, ano 2015,
considerou incorreta a seguinte alternativa: "a lei em vigor terá efeito
imediato e geral, significando que, em regra, retroage para alcançar os
fatos pretéritos e os efeitos produzidos desses fatos."

., E na hora da prova?
Ano: 2013 Banca: FCC órgão: TRT - 18• Região (GO) Prova: Analista Judici-
ário - Oficial de Justiça Avaliador
A lei nova tem efeito imediato;
a) mas, em regra, não revoga a lei anterior.
b) e atinge as situações em curso, mesmo que configurem direito
adquirido.

i. JUNIOR, Marcos Ehrhardt. Direito Civil. Vol. I. Salvador: )usPodivm. 2009. ia edição.
p. 56
2. Obviamente a regra geral possui exceções, como a sempre lembrada
possibilidade de efeitos retroativos na seara penal, desde que em benefício do
réu. Para o aprofundamento sobre o tema UNDB, indica-se a consulta da Parte
Geral, onde há capítulo específico dedicado ao assunto.
Cap. 10 • O Direito lntertemporal e os Contratos 347
1
c) e se projeta inclusive sobre o ato jurídico perfeito, a menos que
1 este tenha sido objeto de sentença transitada em julgado.
d) mas não é obrigatória para a pessoa que desconhecer o seu
conteúdo.
e) mas deve respeitar o direito adquirido, o ato jurídico perfeito e a
coisa julgada.
Gabarito: e

~ E na hora da prova?
Ano: 2013 Banca: FCC órgão: TCE-SP Prova: Auditor do Tribunal de Contas
A lei nova é aplicada, em regra,
a) a partir do início de sua vigência, respeitando, porém, o direito
adquirido, o ato jurídico perfeito e a coisa julgada.
b) a partir do início de sua vigência, independentemente da existência
de direito adquirido, ato jurídico perfeito e coisa julgada .
c) a partir da publicação, inclusive durante o prazo de vacatio legis,
respeitando, porém, o direito adquirido, o ato jurídico perfeito e a
coisa julgada.
d) retroativamente, independentemente da existência de direito ad-
quirido, ato jurídico perfeito e coisa julgada.
e) retroativamente, respeitando, porém, o direito adquirido, o ato
jurídico perfeito e a coisa julgada .
Gabarito: a

Entrementes, os comandos gerais presentes nos supramen-


cionados artigos da Constituição Federal e da LINDB não retiram
a possibilidade de normas específicas discipHnarem acerca da
transição normativa, mediante os chamados atos das disposições
transitórias.
Na seara dos contratos, tal aconteceu com a redação do art.
2.035 do Código Civil, dedicado, justamente a regular sobre a le-
gislação aplicável a um contrato (elebrado quando da vigência do
Código Cívil de 1916, cujos efeitos adentram o Código Cívil de 2002.
Trata-se de louvável ajuda do legislador, aos operadores do direi-
to, sobre o regramento atual de fatos pretéritos.
348 Direito Civíl - Vol. 13 • LUciano Figueiredo e Roberto Figueiredo

Caminhou o Código Civil Brasileiro, como ensinam PAsLo SroLZE GA-


GUANO E RODOLFO PAMPLONA F1lH0 3, na mesma linha do Argentino e Chileno,
os quais também se debruçam sobre o tema. Verbera o art. 2035
do Código Civil Nacional:
Art. 2.035. A validade dos negócios e demais atos jurídi-
cos, constituídos antes da entrada em vigor deste Código,
obedece ao disposto nas leis anteriores, referidas no art.
2.045, mas os seus efeitos, produzidos após a vigência deste
Código, aos preceitos dele se subordinam, salvo se houver
sido prevista pelas partes determinada forma de execução.
Parágrafo único. Nenhuma convenção prevalecerá se con-
trariar preceitos de ordem pública, tais como os estabe-
lecidos por este Código para assegurar a função social da
propriedade e dos contratos.
É indiscutível que os efeitos produzidos antes de 2003 serão re-
gidos pelo Código Civil de 1916, pois são pretéritos. Também não há
controvérsia que os contratos realizados depois de 2003 serão inteira-
mente regidos pelo Código Civil de 2002, pois são futuros. A problemá-
tica está nos fatos pendentes de contratos realizados antes de 2003.
Percebe-se que o legislador, acolhendo a escada Ponteana dos
planos do negócio jurídico, informa que o plano de validade será
regido pela norma da época da confecção do negócio jurídico (no
caso indagado, o Código Civil de 1916). Já no que tange ao plano de
eficácia será aplicada a norma do respectivo período: leia-se: se o
fato aconteceu até 11 de janeiro de 2003, o Código Civil de 1916 que
o regerá; já tendo o fato ocorrido após a referida data, será regido
pelo Código Civil de 2002.
Mas e no que tange ao plano de existência?
Como o Código Civil não regula acerca do plano de existência, o
art. 2.035 foi omisso. Todavia, como a existência é um pressuposto
da validade, pensamos como FLAv10 TARTUcE4, quem advoga a tese da
aplicação da norma da época da confecção.

3. GAGLIANO, Pablo Stolze. PAMPLONA FILHO, Rodolfo. o Novo Direito Civil. Teoria
Geral dos Contratos. Volume Ili. São Paulo: Saraiva. s• edição. p. 304.
4. TARTUCE, Flávio. Direito Civil. Lei de Introdução e Parte Geral. Vol. 1. São Paulo:
GEN. 4ª edição. p. 65.
Cap. io • O Direito lntertemporal e os Contratos 349

Resta claro que não há de se falar, propriamente, em retroa-


tividade normativa, mas sim em aplicação imediata da lei, pois a
lei nova não "dá um salto para trás", nem interfere no ato jurídico
perfeito, no direito adquirido ou na coisa julgada. O vigente Código
apenas atua de forma imediata, no que concerne àquilo que está
por vir, sem tocar nos efeitos consumados.

A.~-n_•A.: d:v•~º-~· g-=a~.{_r~d.·r-º!·, .;·'a. ~ª.·•:~_·.;~-k·~.;._•- ~_c.";P.:_~1:.·R · .'-•.:1·;:· ·~.·; .~:•'.ã . ~ ·. · '.:~·c. · E.· º. •.R·-~.•-:. :.F
. .•.. .•..
. .
..··•.. ... .•.\.r. ·. :.
. . . .:· . ,: ..··.·.·..
.•·._r:· ·:'·:·.• .·•.··.º.·.·.·.v:
. . · . ..
r . ,'.T·,··.
. . ·.· · ·.
'".1zJ#r• 'ó;:.r . . ,_E····
.. ...'.·.!.•.:
··.·.•.'ª.· .·.·.·········,;
. .•.•

e'~.',Sd\~ers;'te·r n<>_,;·:· · ·
Expedito recebe'. uma graiift~çãó lspêtiá:(,"'~f«atf' ' ' . '
penhou Q!.landoestavaemativfdad,e'.Sua.p~r'~~ ·· ,...
de vinte anos. Após esse períodó, surgiu IH, tngulil .9,Q.~enefí­ nova
cio. Diante da. nova lei; o Departamento qo Pessoá:l~reali~QU\Urtla1aµdi­
toria e determinou o cancelamentó de todos· cis,paga:mentp,i;,,J-:derentes .
à citada gratificação. Trata-se aqui de violação do deriôminad:oi '
a) ato jurídiéo perfeito
b) direito consumado
e) trânsito em Julgado
d) direito em expectativa
e) direito adquirido
Gabarito: e

De mais a mais, ainda da leitura do referido artigo, percebe-se


que a normatização em comento é supletiva ou dispositiva. Explica-
-se: apenas é aplicada no silêncio das partes. Nessa toada, faculta
o Código Civil que as próprias partes regulem sobre a sucessão
de normas no tempo, desde que respeitem as questões de ordem
pública, a exemplo da função social.
Em síntese, portanto, temos que:
As partes contratantes poderão regular sobre a sucessão de
leis no tempo e seu respectivo impacto no contrato, desde
que respeitem os preceitos de ordem pública da normatiza-
ção vigente;
Se as partes silenciarem sobre a sucessão normativa no contra-
to, o Código Civil será aplicado na hipótese, informando que:
350 Direito Civil - Vol. 13 • Luciano Figueiredo e Roberto Figueiredo

a) Os planos de existência e validade serão regidos pela


lei da época da confecção do contrato e
b) o plano de eficácia será regulado ela lei do respectivo
período, vigente à época do fato.
Neste sentido, CRISTIANO CHAVES DE FARIAS E NmoN RosENVALD 5 afirmam
que há uma correta separação entre o plano da validade e o da efi-
cácia. A validade do ato será disciplinada pela lei vigente ao tem-
po de sua conclusão, independente de qualquer alteração. Porém,
quanto à eficácia do negocio jurídico, aos contratos de execução
sucessiva no tempo cujos efeitos não foram previstos pelas partes,
aplicaremos o Código Civil de 2002, mesmo para os contratos efeti-
vados antes de sua vigência.
Um oom exemplo de aplicação do mencionado dispositivo é
sobre o pagamento de juros. Tais pagamentos se inserem no tem-
po do cumprimento da obrigação, isto é, em seu plano da eficácia.
Portanto será submetido às normas á época do adimplemento/
inadimplemento da obrigação.
Outro exemplo interessante, conferido por PABLO Srnm GAGUANO E
RoDOLFO PAMPLONA F1LH0 6 , relaciona-se à capacidade. Imaginem que nos
idos de 2000 um cidadão, aos 18 (dezoito) anos de idade e sozinho,
celebrou um contrato, o qual perdurará até 2005. Conhecedor do
fato que a plena capacidade civil, à época do Código Civil de 1916,
dava-se aos 21 (vinte um) anos, será que com o ingresso, no orde-
namento jurídico, do Código Civil de 2002, o contrato convalidará?
Certamente que não, posto que a validade deste instrumento
é guiado pela lei da época da confecção: Código Civil de 1916. Na-
quele período, aos 18 (dezoito) anos, o cidadão era relativamente
incapaz, demandando assistente para a prática do ato. Em não ha-
vendo assistência, como no caso em comento, o contrato é anulável
e assim persistirá até que seja convalidado ou invalidado.
E o contrato celebrado à época da vigência do Código Civil an-
terior e simulado; como fica caso tenha se protraído no tempo

5. FARIA.S, Cristiano Chaves e ROSENVALD, Nelson. Curso de Direito Civil. Vol. 4.


Salvador: JusPodivm. 3• edição. p. 70.
6. GAGL'ANO, Pablo Stolze. PAMPLONA FILHO, Rodolfo. o Novo Direito Civil. Teoria
Gera dos Contratos. Volume Ili. São Paulo: Saraiva. 5' edição. p. 3oi.
Cap. 10 • O Direito lntertemporal e os Contratos 351

e ingressado no Código Civil de 2002? Tal pergunta é importante


quando se recorda que a simulação, à época da legislação pretéri-
ta, ocasionava nulidade relativa e, nos dias de hoje, gera nulidade
absoluta. Como fazer?
Como a validade é regulada pela norma da época da confecção,
no caso aplicar-se-á o Código Civil de 1916, sendo o ato anulável.
E a teoria da imprevisão (CC, arts. 478 a 480), a desconsideração
da personalidade jurídica da pessoa jurídica (CC, art. 50), temas
não abordados no Código Civil de 1916 e presentes no Código Civil
de 2002. E o aumento progressivo das parcelas (CC, art. 316), as
perdas e danos (CC, art. 402) e a correção econômica (CC, art. 317)?
Como proceder?
Aplicar-se a lei de 2002 caso o fato ocorra durante a sua vigên-
cia, pois tais temas relacionam-se à eficácia. Caminhamos, aqui,
com o pensamento de MÁR10 DELGADor.
Sobre o instituto da lesão e do estado de perigo - haja vista
serem novos vícios de consentimento, relacionados ao plano da
validade dos negócios, cujo tratamento fora inaugurado pelo có-
digo Civil de 2002 - apenas se aplicam aos contratos celebrados na
vigência do atual Código Civil. Caminhamos, no particular e mais
uma vez, com o pensamento de MÁR10 DELGAoo8 •

., Como o SUPERIOR TRIBUNAL DE JusnÇA vem se pronunciando sobre o


tema?
RECURSO ESPECIAL. OFENSA AO ARTIGO 535 DO CÓDIGO DE PROCESSO CI-
VIL. NÃO OCORR~NCIA. MULTA CONTRATUAL. REDUÇÃO PARA 2ºfo OCORRIDA
NAS INSTÂNCIAS ORDINÁRIAS. INVIABILIDADE. RESTABELECIMENTO DO ÍNDICE
PACTUADO. CONTRATO CELEBRADO ANTES DA VIG~NCIA DA LEI N. 9.298/95.

7. DELGADO, Mário. Problemas de Direito lntertemporal: Breves Consideracões


sobre as Disposições Finais e Transitórias do Novo Código Civil Brasileir~.. ln
Questões Controvertidas - Série Grandes Temas de Direito Privado. São Paulo:
Método, 2005. Vol. 1. p. 502.
8. DELGADO, Mário. Problemas de Direito lntertemporal: Breves Consideracões
sobre as Disposições Finais e Transitórias do Novo Código Civil Brasileir~.. ln
Questões Controvertidas - Série Grandes Temas de Direito Privodo. São Paulo:
Método, 2005. Vol. 1. p. 502.
352 Direito Civil - Vol. 13 • Luciano figueiredo e Roberto Figueiredo

,,,... ·.~.·;· ·
~~;:·. . . . .. ... .,.
por c.ento ·ªP~~;~ il,ij;êptl
3. õ?~~to·9í . ~íyt . e1 1~i~.tàcuità~a·a:B"fu{ .. Clüçã<> i>rcfr
.·· poreiõ~cl,1,;.~a ·.~t '! ·.;~l·':ts··· hipótesess.~e. cumpftÍJ,l~~#)7;parcial;;,cfa·
obri~Çil("),~Ôb p~~~ aftonta a9)~rincipio,.~<1;.vei;ta,~,9~~\en,riqu~cJ,

~~i~&t~i~~t~~~J~~~i~~ i~1:11~~~-~·~(r~~#~~;~~.gà~ve-
1
dor. ~ Justificar a i1edução. . · </ ·,; ,
.... . . · . ! ·•

5. 1rí~con:ência de•aplicação retroativa do ârt. ':4i3'tfü'·~cko2 itue, :áo·


contrário da. faculdade traz;ida pela regra anterior, p~ss()u a. est.abele-
cer um dever a9 j~iz. . ..
6. Interpretação conjunta· dos enunciados normativos dó .art. 924 do
CC/16 e do art. 413 do CC/2002 à luz da regra. de transição do art. 2035
e seu parágrafo único do CC/2002, recomendando a concreção do prin-
cípio da função social do contrato mesmo. para pacto? celebrados na
vigência da· anterior codificação civil.
7. verificar se a re(lução ..da cláusula pe~al, da maneira corno foi pro-
movicla pelo juiz de primeiro grau e confirmada pelo Tribunal a quo,
atingiu patamar raz;oáyel e. proporcional dema~d<1;fiaa!(lterPr;et~ção
das cláusulas. contÍdas no contratolocatícia; bem cç(ni;) das provas far-
readas aos autos, atra.indo os óbicés dos enunciados n•. ~ n. 01 da os
Súmula desta Corte~ · ·
8. Doutrina e jurisprudência acerca das questões discutidas.
9. Recurso Especial parcialmente provido.
(REsp 887946 I MT. Relator Ministro PAULO DE TARSO SANSEVERINO. Órgão
Julgador: T3 - TERCEIRA TURMA. Data de Julgamento: 10/05/2011).

De mais a mais, é plenamente possível a correlação entre o


tema ora tratado e o princípio da mutabilidade do regime de bens
do casamento. Mas, afinal, o que seria a mutabilidade do regime
de bens do casamento?
Cap. io • O Direito lntertemporal e os Contratos 353

Trata-se de importante inovação do atual diploma civil, em com-


paração com a legislação pretérita. A matéria está disciplinada no
§2° do art. i.639 da seguinte maneira: "É admissível alteração do
regime de bens, mediante autorização judicial em pedido motivado
de ambos os cônjuges, apurada a procedência das razões invocadas
e ressalvados os direitos de terceiros".

~ E na hora da prova?
No concurso para provimento de cargo no Cartório do TJ·BA, ano ele
2014, a banca examinadora CESPE Julgou correta a seguinte assertiva:
"Para a alteração do regime de bens do casal, será necessária, além
do consentimento dos cônjuges, a autorização judicial."

Nessa intelecção, para alterar o regime de bens do casamento


é necessário o pedido conjunto e motivado de ambos os cônjuges,
dirigido ao juiz de direito - procedimento de jurisdição voluntária
e com advogado único - e desde que não acarrete prejuízos a
terceiros.

~ E na hora da prova?
No concurso para provimento do cargo de Promotor de Justiça - MS/2013,
a seguinte proposição foi considerada correta: É admissível a alteração
do regime de bens do casamento, mediante autorização judicial, em pe-
dido motivado deduzido por ambos os cônjuges, ressalvados eventuais
direitos de terceiros.

Não se admite a mudança cartorária do regime de bens. Igual-


mente não é possível a imposição na mudança do regime de bens:
há de existir consenso do casal. A alteração produzirá efeitos ex
nunc, por uma questão de segurança jurídica e prudência. com efi-
cácia a partir da data da sentença e sem prejuízo a terceiros. Há
juízes que, até mesmo, exigem a publicação de editais, para asse-
gurar a aludida inexistência de prejuízos a terceiros.
Mas, então, surge uma dúvida: sendo a possibilidade de alte-
ração do regime de bens novidade do vigente Código Civil, seria
possível tal alteração do regime de casamentos realizados sob a
égide do Código anterior? Para ficar cristalino: quem se casou antes
de 2003 (data de início da vigência do atual Código Civil) poderá
alterar o seu regime de bens?
354 Direito Civil - Vol. 13 • Wcíano Figueiredo e Roberto Figueiredo

A resposta é positiva por dois fundamentos:


A uma, por conta da isonomia. Não seria crível, sob o ponto de
vista da igualdade, que àqueles casados durante a égide do atual
Código Civil tivessem a autorização para a mudança do regime de
bens, e o mesmo não acontecesse em relação aos casados à época
da lei pretérita.
o segundo argumento parte de uma análise intertemporal, per-
passando pela sucessão de leis no tempo e os contratos, encon-
trando-se aqui a importante interface do tema com o capítulo ora
analisado.
É consabido que a doutrina hoje majoritária enxerga a natureza
jurídica do casamento 9 como negocial, com um viés contratualista.
Cita-se, por exemplo, S1Lv10 RooR1GuEs 10, para quem o casamento é um
"contrato especial de direito de família". Na mesma linha coloca-se
a doutrina de PoNTES oE M1RAN0A", que já afirmava ser o casamento
"um contrato de direito de famma que regula a união entre marido e
mulher".
Assim, na dúvida em análise, verifica-se um negócio celebrado
durante a vigência do Código Civil anterior e cujos efeitos adentram
o novo Código Civil. Afinal, houve o casamento quando do Código
Civil anterior - momento em que não se admitia a mudança do regi-
me de bens - e este matrimônio permanece nos dias de hoje - mo-
mento em que a legislação permite a mudança de regime de bens.
Então, pergunta-se: qual a normatização que deve ser aplicada
a este negócio?
Em sendo um contrato, a saída está nos já enunciados parâme-
tros do art. 2.035 do Código Civil.
Nessa toada, não havendo as partes disciplinado acerca da tran-
sição legislativa - sendo isto o que geralmente acontece-, aplica-se

9. Para aprofundamento da natureza jurídica do casamento remete-se o leitor


ao volume dedicado ao Direito das Famílias e Sucessões, especificamente o
capítulo intitulado como casamento.
io. RODRIGUES, Silvio. Direito Civil. Direito de Família. Vol. 6. 27• edição atualizada
por Francisco Cahali. São Paulo: Saraiva, 2002, p. 19.
11. PONTES DE MIKANDA, F.C. Tratado de Direito Privado. Vol. 7, p. 210.
Cap. io • O Direito lntertemporal e os Contratos 355

o C6digo Civil de 1916 no que tange a existência e validade do ne-


gócio, e o C6digo Civil de 2002 no que diz respeito à eficácia.
Ora, em sendo regime de bens a eficácia patrimonial do casa-
mento, e possibilitando a lei vigente a sua mutabilidade, tem-se,
portanto, como crível a alteração do regime de bens, mesmo para
casamentos anteriores ao vigente Código Civil.

~ E na hora da prova?
A banca examinadora CESPE, na primeira fase do concurso para Juiz/
TJTO, ano de 2007, considerou a seguinte assertiva corno verdadeira:
"~o casamento re?lizado sob a égide do Código Civil de 1916, no qual
foi adotado o regime de separação de bens, por imposição legal em
face da menoridade dos cônjuges, desde que tenha desaparecido a
causa qu~ _determinou_ a adoção de regime legal e que não haja qual-
quer preiurzo aos cônjuges ou a terceiros, é permitida a alteração do
regime de b~ns adotado anteriormente para outro regime eleito pelo
casal. Os efeitos da sentença que autoriza a mudança do regime de
bens se operam a partir de seu trânsito em julgado".

No particular, inclusive, não deve ser aplicado o art. 2.039 do cc,


o qual apenas refere-se ao regime legal, imposto quando do casa-
mento. Assim, em uma interpretação sistemática deste artigo com 0
2.035, entende-se como possível a aludida alteração do regime de
bens. Lembra-se o teor do art. 2.039 do CC:
Art. 2.039. O regime de bens nos casamentos celebrados
na vigência do Código Civil anterio~. Lei no 3.071, de 10 de
janeiro de 1916, é o por ele estabelecido.
Justo nesta linha coloca-se o Enunciado 260 do CoNsELHo DA JusnçA
FEDERAL: A alteração do regime de bens prevista no § 20, do art. 1.639
do Código Civil também é permitida nos casamentos realizados na
vigência da legislação anterior."

~ Como se po5ic:ionou o Superior Ti;ibunal de Justiça sobre o tema?


RECURSO ESPECIAL. DIREITO CIVIL blREtTO DE: FAMÍLI~ REGIME MATRIMONIAL
DE BENS .. MODIFl(:AÇÃO. CASAMEfl{fO CELEBRAl)O NA Vl(;ÊNCIA DO CÓDIGO
CIVIL DE 1916. ÓISPOSIÇÕES TRANSITÓRIAS DO CÓDl.GO CIVIL DE 2002. CONJU-
GAÇÃO DO ART. 1.639, §2°, COM O ART. 2.039, AMBOS DO NOVEL DIPLOMA.
356 Direito Civil - Vol. 13 • tucíano Figueiredo e Roberto Figueiredo

CABÍ~z~t~:~~;
QU~ J~. ~~1f()9.;.
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•t':·'"l\'' r···~·" ·"'· •liij1srrós 1.co.Hst~Nl:E~:.90·•._· i.j:639·
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. ni~ir'Ó,4tf UA~l~'i'!\URMP.• J'.Q i~z~;.,OJ

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OCORRi0,0 1
.. ' ! 19}6 'r Noj;oil,)4 P:ó~~iaí,t:,1 ., À~1: !' .· .
.2.039::0.Q;t:Çf:Í . ...·.·· li ?.õ'~!tq6j0- co . 'tS D~U1J~INÍ\,~l~~:~.A~!·'~;~~9;:

t···~·~~~~~~~t1~:.~~~~··~·· {~;~~~~TAh~6)~;~:!~~~;~ij~~~6~~·ªº
cc/2oó:(êRl11·Q. ~J.íic~t,~ à~g}i,9~·~9:r'fflª ge111t! ~oh5t<:t:Ht~. 4o. art,'.,
l.639;, ~2i>tyd(> cc/foo?;· co~~~r11~~~e ·~;;it~er~~~a, i~ci~en~~· .d~··. r~gl~~
de bêps nos tasame,i'ltos,ocor-rid()S soba, égide do ~C/J,9~6f.des~e .que
ressah.tâ'.(lq~OS dirêftÓS dê. terceiros e a~iJrà(las as rsaz~~#:'.i~V()Cad;j,,s
pelos. côrtJuges ,para tál pedÍdo, não havendo cjue. se .falai": em retro-
atividade' legal, vedada nos termos do art. 5°, XXXVI: dtCF/88, mas,
ao revés nos termos do art. 2,035 do CC/2002; em aphcaçao de norma
geral corri efeitos imediatos. '
2 - Recurso conhecido e provido pela alínea "a" para, admitindo-se a
possibilidade dé alteraçilo do regime .de. bens. adotado por ocasião
de ffiéltrimônlo realizado sob o pálio do CC/1916, determinar o retorno
dos autos às instâncias ordinárias a flm de que procedam à. análise do
pedido, no,ster01os do art. 1,639, §2°,do CC/2Q1J2 (REsp 730:546/MG, Rei.
MinistroJORGE SCARTEZZINI, QUARTA TURMA, Julgaclo ~m 23;of;:l.2005, DJ
03.10.2005 p. :i79). (Grifos nossos,). ·. . , .
STJ. casamento. 'cc/1916. Comunhão parcial d~ bens. Alteração de re-
gime. comunhão universal. Possibilidade jurídica. Aínbás as Turmas de
Direito Privado desta Corte assentaram que o art. 2.039 do Código Civil
não impede o pleito de autorização judicial para mudança de regime
de bens.no casa:mento celebrado na vigência.do Códigode i916, con~
forme a previsão d.o art. l.63çi, § 2°, do Código de 20IJ2, respeitados os
direitos de. tercelr;9s (STJ, Quíl;rta Turma, Resp 812.012'.'R?, Relator Minis-
tro Aldir.Passaririho Junior~ Julgador em 02/12/2008).
Cap. 20 • O Direito lntertemporal e os Contratos 357

~ E na hora da prova?
Ano: 2013 Banca: CESPE Órgão: DPE-DF Prova: Defensor Público
Marque Certo ou Errado .
Em relação a direito de família e sucessões, julgue os itens subsequentes.
De acordo com a jurisprudência pacifi.cada do STJ, não é possível alte-
rar o regime de bens de matrimônios contraídos sob a égide do Código
Civil de 1916.
Gabarito: Errado

Mas quais são os motivos que costumam ensejar a alteração do


regime de bens?
Dois motivos costumam ser lembrados.
O primeiro deles é o objetivo de afastar a vedação do art. 977
do CC. Este informa que "Faculta-se aos cônjuges contratar socieda-
de, entre si ou com terceiros, desde que não tenham casado no regi-
me da comunhão universal de bens, ou no da separação obrigatória~.
Logo, os casados em comunhão universal que desejem contratar
sociedade entre si, ou com terceiros, haverão de alterar o regime
de bens.
Outra casuística é a queda da causa suspensiva, a qual havia
imposto o regime de separação obrigatória de bens ao casamento
(arts. i.523 e i.641 do CC). Imaginem que João havia se divorciado
de Maria e, antes de dar partilha de bens (art. i.581 do CC), resolve
se casar com Ana. Neste cenário, o casamento com Ana há de obe-
decer ao regime de separação obrigatória. Entrementes, uma vez
feita a partilha de bens entre João e Maria, poderá este requerer,
conjuntamente com Ana, a alteração do seu regime de bens.

" Neste sentido, o julgado do SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA:


DIREITO CIVIL. FAMÍLIA. CASAMENTO CELEBRADO SOB A ÉGIDE DO CC/:6. ALTE-
RAÇÃO DO REGIME DE BENS. POSSIBILIDADE.
- A interpretação conjugada dos arts. 1.639, §20, 2.035 .e 2.039, do CC/02,
admite a alteração do regime de bens. adotàdd por oeasião do matri-
mônio, desci.e que ressalvados o.s direit.os de. ter;çeiros e apuradas as
razões invocadas pelos cônjµges para tal pedido.
358 Direito Civil - Vol. 13 • Luciano Figueiredo e Roberto Figueiredo

.: l>bi.~1e'
.d.;.\y;:;f:CC·'·
a Cíl,~3, ·..... ,......• •·· ·...,. . .. . . ..
preJur~ .ao c&~J~"é' ·ou:atere~i ... erü'ílte)a, 'li~ . , .. ,· .. ·.. . ..·. . ......
bens, antes obriga~.ório; Pl.lr~ o·et~ito !)~lo ca,sal; n9tac,tal1)entep9r:qu~
cessada·aéausa qÚe exigia tegimééspécífldfr :•. • ·: ·'· ··" 1"
- os fatos anteriores é os efeitós pretéritos do r~gim~.ánterior permâ~
necem sob a regência da lei antiga: ps fatos. pôsteriores, .tcíd<~via, serão'
regulados pelo CC/02, isto é; a. partir da altéra.ção do regime de bens,;
passa o CC/02 a reg~ra n~va relaçã~ dq.i:a_S<ll. . < ·.· .. .
- Por isso, 11.ão ttá ~e fa,lar em ri;?troativiélade'. cl~ leÍ, ;'llífiâada pélO art: Sº•
inc. XXXVl;da Cf/88; e sJrrretn a,pU~çã9 .~hf l'.!~~mageral·cqm eff?itos· ill)é~
diatos, Retursô espédaJ'•ôão ·conti,(!cido; (~sp ·82i:So7/PRi' Reb'Minlstra ·
NANCY ANORIGHl,TERCEIRAT(;JRM,\; jul$af)o em· 19.1oiioo6,o}.·13,11.2006; !?•
261). (Grifos. nosso~~- · ·· · · · ·· · ·· ·

Como o Novo CóDIGo oE PRocEsso Civ1L (NCPC) regulou o tema?


o Novo Código de Processo Civil, inovando a legislação proces-
sual pretérita, regulou sobre o procedimento de alteração do regi-
me de bens no seu artigo (art. 734). ln verbis:
Art. 734. A alteração do regime de bens do casamento, ob·
servados os requisitos legais, poderá ser requerida, moti-
vadamente, em petição assinada por ambos os cônjuges, na
qual serão expostas as razões que justificam a alteração,
ressalvados os direitos de terceiros.
§ 1º Ao receber a petição inicial, o juiz determinará a inti·
mação do Ministério Público e a publicação de edital que
divulgue a pretendida alteração de bens, somente podendo
decidir depois de decorrido o prazo de 30 (trinta) dias da
publicação do edital.
§ 2º Os cônjuges, na petição inicial ou em petição avulsa, podem
propor ao juiz meio alternativo de divulgação da alteração do
regime de bens, a fim de resguardar direitos de terceiros.
Cap. io • O Direito lntertemporal e os Contratos 359

§ 3° Após o trânsito em julgado da sentença, serão expedi-


dos mandados de averbação aos cartórios de registro civil
e de imóveis e, caso qualquer dos cônjuges seja empresá-
rio, ao Registro Público de Empresas Mercantis e Atividades
Afins.
Infere-se que o legislador harmonizou o tratamento processual
com o material (CC, art. i.639, § 2°), ao exigir, para a alteração do
regime de bens, processo, bem como pedido conjunto e motivado
dos cônjuges.

De mais a mais, atento à exigência de direito material de não


atingimento dos interesses de terceiros, ordena o Código de Pro-
cesso Civil a publicação de editais, pelo prazo de trinta dias. Prevê,
ainda, a possibilidade das partes proporem forma alternativa de
divulgação do edital, como através da internet.
Percebe-se que exige o procedimento a prévia oitiva do mem-
bro do Parquet, o que é salutar, porquanto a alteração registrai.
Haja vista a medida consensual, mister que as partes apresen-
tem plano de partilha de bens, acaso necessário, mormente quan-
do houver modificação de um regime de bens mais amplo para um
mais restrito. Deve, ainda, ser ouvida a Fazenda Pública, exara 1 do
parecer sobre a questão tributária e verificando o competente re-
colhimento, acaso necessário.
Após o devido recolhimento tributário, quando for o caso, e ho-
mologação do plano de partilha apresentado pelas partes, haverá
o trânsito em julgado da decisão e serão expedidos mandados
de averbação aos cartórios de registro civil e de imóveis. caso
qualquer dos cônjuges seja empresário, igualmente será expedido
mandado de averbação ao Registro Público de Empresas Mercantis
e Atividades Afins.
Parte li

CONTRATOS EM ESPÉCIE
Capítulo i ~ Compra e Venda.
Capítulo 2 ~Doação.

Capítulo 3 ~ Locação de Coisas.


Capítulo 4 ~ Prestação de Serviços.
Capítulo 5 ~ Empreitada.
Capítulo 6 ~Mandato.

Capítulo 7 ~ Empréstimo.
Capítulo

Compra e Venda

1. NOTA INTRODUTÓRIA: CONCEITO E NATUREZA JURÍDICA


Como de praxe ao início de qualquer estudo, faz-se necessário
apresentar um panorama introdutório do importante contrato civil
de compra e venda (não se abordará nestas linhas o contrato de
consumo, muito menos o contrato mercantil/empresarial de com-
pra e venda), de modo a construir o alicerce sobre o qual deba-
teremos as relevantes questões do primeiro e mais importante
contrato típico previsto no Código Civil: a compra e venda, que está
regulada entre os arts. 481 e 532 do CC.

Nos exatos termos do art. 481 do cc, "pelo contrato de compra e


venda, um dos contratantes se obriga a transferir o domínio de certa
coisa e o outro a pagar-lhe certo preço em dinheiro"•. Pela letra da
lei, percebe-se que uma importante obrigação assumida por um
dos contratantes será transferir o domínio de uma coisa. A segun-
da obrigação referida reside no pagamento do preço.

Apesar da ordem prevista na redação do dispositivo acima,


em regra, o pagamento do preço antecederá a transferência da
propriedade. É dizer: apesar de a legislação anunciar, quando da
introdução ao contrato de compra e venda, como primeira obriga-
ção ali posta a de transferência do domínio, a análise dos demais
dispositivos revela que o pagamento do preço configura o primeiro
ato obrigacional realizado.

i. Os Códigos Civis da Espanha, Argentina, Portugal e Chile também utilizam a ex-


pressão compra e venda. Outros ordenamentos jurídicos simplesmente deno-
minam apenas de venda (legislações inglesa, italiana e francesa, ou compra
(Códigos Civis da Alemanha e da Áustria).
364 Direito Civil - Vol. 13 • tuciano Figueiredo e Roberto Figueiredo

A propósito disto, reza o art. 491 do CC que "não sendo a venda


a crédito, o vendedor não é obrigado a entregar a coisa antes de
receber o preço".
Historicamente, é possível afirmar que a compra e venda de-
corre da evolução natural da economia, notadamente com o ad-
vento e a universalização da moeda, superando o contrato de
permuta, quando uma coisa era trocada por outra. Esta "estabi-
lização da troca primitiva" foi observada por WASHINGTON DE BARRos 2 •
Ao nosso sentir, a compra e venda é uma evolução histórica do
contrato de escambo ou permuta, que até então preponderava
universalmente. Deste modo, a compra e venda ascende em rele-
vância prática (e, portanto jurídica), "abandonando o seu aspecto
rem por rem (coisa por coisa) para ganhar a uma feição rem pro
pretio (coisa por dinheiro)", como advertem CRISTIANO CHAVES DE FARIAS
E NusoN RosENVALD3.
CARLOS RoBERTO GoNÇALVEs 4 conceitua a compra e venda como um
"contrato bilateral pelo qual uma das partes (vendedor) se obriga a
transferir o domínio de uma coisa à outra (comprador), mediante a
contraprestação de certo preço em dinheiro". Trata-se de interessan-
te conceito doutrinário extremamente coerente com a literalidade
do art. 481 do CC e, evidentemente, desprovido da inserção da
perspectiva neoconstitucional, assim como sem mirar a eticidade,
a boa-fé, a "unção social, a equivalência material, etc. Isto não
quer significar, nem de longe, que a compra e venda possa ser
compreendida de forma divorciada dos princípios constitucionais e
gerais do novo direito civil.
FLAv10 TARTUcEs faz a ressalva de que "a coisa transmitida deve ser
corpórea, poís se for incorpórea não há compra e venda, mas con-
trato de cessão de direitos". Esta reflexão também nos será muito

2. MONTEIRO, Washington de Barros. Curso de Direito Civil. Contratos. 36• edição.


São Paulo: Saraiva, 2009, p. 96.
3. FARIAS, Cristiano Chaves de, e ROSENVALD, Nelson. Curso de Direito Civil. Contra-
tos. 5ª edição. São Paulo: Atlas, 2015, p. 589.
4. GONÇALVES, Carlos Roberto. Direlto Civil Brasileiro. Contratos e Atos Unilaterais.
9ª edição. São Paulo: Saraiva, 2012, p. 214.
5. TARTUCE, Flávio. Direito Civil. Teoria Geral dos Contratos e Contratos em Espécie.
10• edição. São P::iulo: Método, 2015, p. 274.
Cap. i • Compra e Venda 365

importante a título de nota introdutória para bem extremar a com-


pra e venda (que envolve apenas coisa física) da cessão (que terá
como objeto coisa incorpórea).

De fato, nada obstante uma pequena divergência doutrinária


derredor deste assunto, parece mesmo que a legislação brasileira
elege uma estrutura binária de modo que coisas corpóreas se ne-
gociam onerosamente pela via da compra e venda, enquanto que
bens incorpóreos por meio da cessão.

CARLOS ROBERTO GoNÇALVEs6 admite a compra e venda para "bens de


toda natureza: corpóreos, compreendendo móveis e imóveis, bem
como os incorpóreos. Todavia, para a alienação dos últimos reserva-
-se, como mais adequada e correta tecnicamente, a expressão cessão
(cessão de direitos hereditários, cessão de crédito, etc.)."

Talvez a compra e venda seja hoje o mais frequente dos con-


tratos, assumindo formas inéditas, notadamente nas relações de
consumo, perante os supermercados, como também no mundo vir-
tual, incrementando a economia, circulando a riqueza e o trânsito
de bens. A relevância do tema é tamanha que em 1980, na Conven-
ção de Viena, buscou-se uniformizar a legislação de mercadorias
decorrentes de compras e vendas internacionais - Convention of
/nternational Sales of Goods.

A compra e venda é contrato típico, nominado, bilateral, comu-


tativo (em regra), informal (em regra), oneroso, instantâneo (em
regra), consensual, por meio do qual uma pessoa (vendedor) assu-
me a obrigação jurídica de transferir o domínio de algo mediante o
pagamento de um preço a ser realizado por outra (o comprador).

Nesta mesma linha, apenas a título de ilustração e para aguçar


a sua curiosidade, perceba que o art. i.323 do Código Civil argen-
tino, em muito se assemelha com a legislação brasileira ao tratar
do terna: "haverá compra e venda quando uma das partes se obriga
a transferir à outra a propriedade de uma coisa e esta se obriga a
recebê-la e a pagar por ela um preço certo em dinheiro".

6. GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito Civil Brasileiro. Contratos e Atos Unilaterais.


9ª edição. São Paulo: Saraiva, 2012, p. 214.
366 Direito Civil - Vol. 13 • Luciano Figueiredo e Roberto Figueiredo

FLÁv10 TARTUCE1, ao tratar da natureza jurídica deste pacto, sustenta


que a compra e venda constitui contrato bilateral ou sinalagmático,
oneroso, comutativo em regra, consensual, informal ou solene e
típico.
À vista da natureza exclusivamente obrigacional deste negócio
jurídico, o eventual inadimplemento do contrato autorizará tão so-
mente o ajuizamento de uma ação de natureza pessoal, visando à
obrigação de dar (entregar) a coisa ou o dinheiro. Como se pode
notar, a compra e venda não se desdobrará em ações reais.
Portanto, como bem adverte a doutrina de CARLos RosERTo GoNçAL-
vEsª, o direito brasileiro se filia ao sistema alemão (BGB, art. 433) e
romano "segundo o qual o contrato gera, para o vendedor, apenas
uma obrigação de dar, ou seja, a de entregar a coisa vendida (ad tra-
dendum). Somente com essa efetiva entrega (traditio) dá-se a transfe-
rência do domínio". Já o sistema jurídico francês atribui caráter real
à compra e venda (art. i.582, CC francês).

1> Atenção!
No Direito Brasileiro o contrato de compra e venda, por si somente;
não transfere a propriedade. Entre vivos, a propriedade se transmitirá
ou pela tradição (bem móvel) ou pelo registro do título aquisitivo (bem
imóvel). os efeitos da compra e venda se.rão apenas de .natureza ne-
gocial, obrigacional. Não .. há, pois, e~cácia t~slativa do domínio. Neste
sentido os códigos d(l Alem;mha, ~u1ça ...e. ChJle que. dotam (:l i:ompra e
venda de efeitos exclusivamente obrig(lcionais. Já em outros. orc:lena-
mentos jurídicos, como. O francês,. pol'tUglJêS .e O italiano; a Compra e
venda é dotada de eficácia rea.I t~slativa da propriedade.

o art. i.267 do CC é claro a este respeito: "a propriedade das


coisas não se transfere pelos negócios jurídicos antes da tradição".
Evidentemente que o preceito em destaque disciplina as coisas
móveis, afinal de contas o art. i.245 do mesmo CC também sinaliza
que "transfere-se entre vivos a propriedade mediante registro do tí-
tulo traslativo no Registro de Imóveis".

. TARTLCE, Flávio. Direito Civil. Teoria Geral dos Contratos e Contratos em Espécie.
7
io• edição. São Paulo: Método, 2015, p. 279.
8. GONÇ!\LVES, carlos Roberto. Direito Civil Brasileiro. Contratos e Atos Unilaterais.
9' edição. São Paulo: Saraiva, 2012, p. 215.
Cap. 1 • Compra e Venda 367

Esta matéria é pacificada na legislação, na doutrina e na juris-


prudência. Portanto, inexiste qualquer tipo de controvérsia rele-
vante a este respeito.
Sobre o assunto, o SuPER10R TRIBUNAL DE Jusr1ÇA no REsP. 5.801/SP deà-
diu que a "transcrição no registro imobiliário do título translativo da
propriedade apenas completa, ainda que necessariamente, a opera-
ção iniciada com o contrato, ou qualquer outro negócio tras/ativo", de
modo que "o registro é ato automático, independente de providên-
cias do transmitente".
Esclareça-se: em que pese ser o registro do título o ato neces-
sário para a transferência do bem imóvel, esse registro só exis-
tirá havendo um título, que é quem disciplina o negócio jurídico.
Ademais, perceba-se que o título exige ato do transmitente (sua
concordância, de regra através da assinatura), mas a efetivação do
registro não requer qualquer ato seu, podendo ser providenciada
tão somente pelo adquirente.
O art. 482 do CC prescreve que "a compra e venda, quando pura,
considerar-se-á obrigatória e perfeita, desde que as partes acorda-
rem no objeto e no preço". Eis um relevante indicativo da consen-
sualidade que basta à constituição eficaz de uma compra e venda.
Evidentemente que o preço acordado deverá ser sério (é ve-
dado o preço vil) e a coisa há de ser comercializável (não se pode
vender coisas fora do comércio).
A compra e venda se insere na regra dos negócios jurídicos
informais ou não solenes a que alude o art. 107 do cc, segundo o
qual "a validade da declaração de vontade não dependerá de forma
especial, senão quando a lei expressamente a exigir".
Com efeito, em se tratando do contrato mais amplamente utili-
zado pela população brasileira no dia-dia, seria inconcebível impe-
dir a sua realização por meio de formalidades estéreis a obstruir
a circulação do comércio jurídico, a expansão da economia e a.
autonomia privada.

• Atenção!
Nos termo~ do ârt. 108. (lo cc ·"Não dispondo a lei em contrário.. a es-
critura pti6licá é essencial à validade dos ileg6cios jurídlcÓs que visem
368 Direito Clvil - Vol. 13 • Luciano figueiredo e Roberto figueiredo

:.~m~{;,··
ÇÃOriÓ
Pa,ra.'â .... ···•··· ..•
pata01af):4.enr1r
para ()s n~~óç;i"
~~:i!i:~ª;.,?~~~ . . (J··
·do art. :1,08 d~; erida:
... norma,·.qµéêL ~egó~:.·
cios que envolve· · · eril ~a~~oSâo
. ((, ac> pfe;~fe~~{~i e~( .ut~: ·. ·. ·. ·. · . .. .'· . ,:Jãlll:íilâe dos
negódos jurkliÇ9s. qde. (),,~Jet!Y ~()~$~1tuiç~~.· fr,i~sferên'çia/mÓdifi·
caçãô ôü renpncía' ~e djreifÔ~ .... j;~l;>ré'.;f .. ·~ d&i1 ~alor•superior a
trinta' salários iTifn1íTios/ refere~sé• â~i.yaiori . ·.. ·····: óvét);\~,;h~~: a<>'•f>reÇo·
do. n~gqtio; A,~$llfl~ ".aveild(?/gi~pa,r:íi:l~de..entte~ambos;é;~~uele que
deve·ser.lévádô;:ent'co .. ára·'é· de•á . . r:ssahia (i)re...
vijjj'â~f: '. .·~~av;1áJ'• • •<
. ~pur~çã.ó·<li> .... í~fiá:ici<> 1.tióvei 'ê ba$êk ã . . . . 6biêt1v t
previstos' em leit•<>s iiuals admitem aos interéssad.os.·o ~onhetimeríto ·
das Circunstâncias .Gonsideradas na formação tjo quaf1tUIT! atribuído áo
bem. (R~sP 1.099.48a·MG; Rei. Mln. Marco Buzzi, JUigado em 2/1f./20i4,
OJe i,5/5/'1,015). . . .

À guisa de nossas últimas considerações nesta passagem, per-


ceba-se que não será objeto de análise a compra e venda interna-
cional, merecendo destaque, no particular, a regra da Lei de Intro-
dução às Normas de Direito Brasileiro prevista no art. 90, segundo
a qual, para qualificar e reger essas obrigações, a legislação do
país em que se constituírem é a que deve ser aplicada, bem como
Cap. i • Compra e Venda 369

a do seu § 2° que disciplina que "a obrigação resultante do contrato


reputa-se constituída no lugar em que residir o proponente". Ainda
sobre este assunto (compra e venda internacional), os contratantes
estarão autorizados pela UNDB a ajustar regra contratual distinta,
contanto que esta estipulação não ofenda a soberania nacional, a
ordem pública e os bons costumes, conforme art. 17 da UNDB. Nes-
te sentido, CARLos RosERTO GoNÇAtves9 •
Como já antecipado nas primeiras linhas, reitere-se o alerta
de que também não será objeto da nossa apreciação a análise da
compra e venda mercantil (ou empresarial), notadamente ante a
finalidade distinta que este modelo de compra e venda possui,
qual seja a de revenda, mesmo em se reconhecendo a similitude
estruturante de tais contratos, como adverte G1No GoRLA'º.
Apresentadas estas breves notas introdutórias a nos permitir
compreender a linha de pensamento proposta, é chegada a hora
de se avançar no estudo dos elementos estruturantes da compra e
venda, outro tema de relevância ímpar.

2. ELEMENTOS DA COMPRA E VENDA


É pacífico na doutrina que a compra e venda é composta por
três elementos básicos ou essenciais, quais sejam consensus, res e
pretium, vale dizer, o consentimento das partes, a coisa e o preço.
Em outras palavras: sem a presença simultânea e cumulativa,
permita-se a redundância, dos elementos consentimento, coisa e
preço não se terá compra e venda em hipótese alguma .
Recorde-se mais uma vez, à luz do art. 107 do CC, que a compra
e venda, via de regra, se submeterá à liberdade das formas, de
modo que não se exige uma forma específica para realização deste
contrato típico.
Em se tratando de elementos essenciais, estruturantes, faz-se
necessário estudar cada um deles separadamente, máxime diante

9. GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito Civil Brasileiro. Contratos e Atos Unilaterais.


9• edição. São Paulo: Saraiva, 2012, p. 216.
10. GORLA, Gino. Teoria e Prática da Compra e Venda. Tradução de Alcino Pinto Fal·
cão. V. 1. Rio de Janeiro: Konfino, 1960, p. 74/75.
370 Direito Civil - Vol. 13 • Wciano Figueiredo e Roberto Figueiredo

dos sérios impactos jurídicos de tais elementos na formação da


compra e venda. Começaremos pelo estudo do consentimento.

2.1. Consentimento
A vontade juridicamente qualificada é pressuposto de existên-
cia do negócio jurídico. Mais que isto, esta manifestação de vonta-
de, para ser válida, deve estar despedia de qualquer vício passível
de ensejar nulidade ou anulabilidade. Sem consentimento não há
compra e venda válida.
É elemento constitutivo do contrato de compra e venda o con-
sentimento sobre a coisa e sobre o preço. o consentimento não
há de ser compreendido na compra e venda de maneira isolada
(apartada) dos demais elementos. Ao revés disto, há de se imbri-
car o consentimento e a coisa, assim como o consentimento e 0
preço, ou melhor, o consentimento sobre a coisa e sobre o preço.
Como se sabe, a expressão deste consentimento irá exigir ca-
pacidade dos declarantes nas diretrizes da autonomia privada, in-
cidindo no caso concreto o regramento dos defeitos dos negócios
jurídicos, seja no que toca aos vícios do consentimento (erro, dolo,
coação, estado de perigo, lesão e fraude contra credores), seja no
tocante aos vícios sociais (simulação e fraude contra credores) 11 •
Nesse sentido, a compra e venda deverá ser apreciada à luz dos
arts. 104, 166, 167 e i71 do CC.
A teoria das invalidades será ferramenta importante na análise
do consensus enquanto elemento essencial da compra e venda,
pois será possível que, no momento da celebração deste pacto,
surja o problema da nulidade absoluta (CC, art. 166) ou da nulidade
relativa (CC, art. 171).
Recorda CARLOS ROBERTO GoNÇALVES 12 que o consentimento pressupõe
a capacidade das partes para vender e comprar "e deve ser livre

11. Enten::lemos que tanto a simulação, quanto a fraude contra credores, consti-
tuem vícios sociais em que pese haver divergência doutrinária a respeito do
assunto.
12. GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito Civil Brasileiro. Contratos e Atos Unilaterais.
9ª edição. São Paulo: Saraiva, 2012, p. 220.
Cap. i • Compra e Venda 371

e espontâneo, sob pena de anulabilidade, bem como recair sobre os


outros dois elementos: a coisa e o preço".
Advertem CRISTIANO CHAVES DE FARIAS E NELSON RosENVALD 13 que em certos
casos "a presença do representante ou do assistente não é suficiente
para o aperfeiçoamento do contrato, impondo-se um requisito extra,
um plus. São os casos de legitimação, exigindo requisito específico
para a prática de atos específicos. É possível lembrar que a necessida-
de de autorização judicial, ouvido o Ministério Público, para a venda
de bem imóvel pertencente a um incapaz"_ É o que se convencionou
denominar na processualística de ação de alvará judicial para a
venda: medida de jurisdição não litigiosa por meio da qual se pos-
tula autorização da Justiça para alienar determinado bem.
Sobre o tema, o art. i.750 do CC prescreve que "os imóveis per-
tencentes aos menores sob tutela somente podem ser vendidos quan-
do houver manifesta vantagem, mediante prévia avaliação judicial e a
provação do juiz". A própria ideia de proteção integral, prioridade
absoluta e melhor interesse evidenciam a impossibilidade de ven-
da de imóvel ao incapaz sem autorização da Justiça.
É possível notar que o consentimento se compreende tanto de
forma geral, vale dizer, de acordo com os pressupostos gerais de
validade dos negócios jurídicos, assim como de maneira específica,
ou seja, em conformidade com específicas regras de legitimação,
vale dizer, de autorização específica para a prática de determinado
ato ou negócio.
Se é assim, devemos aprofundar os estudos e apreciar estes
casos de legitimação específica, iniciando o tema pela venda de
ascendente para descendente.

2.1.1. Venda de Ascendente para Descendente


Concordamos com CARLOS RoBERTO GoNçALvEs 14 no sentido de que "em
muitos casos, a lei impõe restrição específica à liberdade de compra.~

13. FARIAS, Cristiano Chaves de, e ROSENVALD, Nelson. Curso de Direito Civil. Contra-
tos. 5• edição. São Paulo: Atlas, 2015, p. 605.
14. GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito Civil Brasileiro. Contratos e Atos Unilaterais.
9• edição. São Paulo: Saraiva, 2012, p. 220.
372 Direito Civil - Vol. 23 • Luciano Figueiredo e Roberto Figueiredo

e vender, atuando a /imitação como hipótese de falta de legitimação",


como ocorre nos casos de compra e venda de ascendente para
descendente.
Há uma disciplina específica para a compra e venda celebrada
entre ascendentes e descendentes, a exigir todo o nosso cuidado.
Reza o art. 496 do CC que: "É anulável a venda de ascendente ades-
cendente, salvo se os outros descendentes e o cônjuge do alienante
expressamente houverem consentido".
Neste particular, houve uma importante mudança histórica, isto
porque o CC/16 qualificava a venda de ascendente para descen-
dente como negócio jurídico nulo. Há, pois, sob o ponto de vista
comparativo entre os códigos civis brasileiros, uma importante al-
teração, de modo que, na atualidade, o vício é considerado como
de anulabilidade.

~ E na hora da prova?
A banca IBFC, em prova de concurso realizada para o provimento do
cargo de Titular de Serviços de Notas e de Registros, TJ·PR, ano 2014,
considerou correta a seguinte assertiva: "A compra e venda de ascen-
dente para descendente é anulável, salvo se houver concordância dos
demais descendentes e do cônjuge do vendedor."

Tendo em vista a mudança de perspectiva do CC/02, a reco-


nhecer o caráter de mera anulabilidade (portanto exclusivamente
patrimonial) da. compra e venda de ascendente para descendente,
entendemos que um oficial de registro não poderá negar trans-
crição a este negócio jurídico, seja por que: a) os atos anuláveis
geram efeitos enquanto não impugnados, podendo, inclusive, con-
validar; b) seja ainda porque tais atos não podem ser reconhecidos
de ofício, a teor do art. 177 do CC.
De acordo com a norma, a validade do contrato de compra e
venda entre ascendente e descendente exigirá autorização expres-
sa dos demais descendentes, bem como do cônjuge do alienante.
Acaso isto não aconteça, a consequência jurídica será a nulidade
relativa a autorizar o ajuizamento de uma ação anulatória no prazo
decadencial de dois anos, na forma do art. 179 do CC.
Cap. 2 • Compra e Venda 373

Interessante analisar se a regra do art. 496 do CC se aplicaria -


por analogia e isonomia - à união estável. Sobre o tema, a doutrina
diverge. Há dois posicionamentos, como afirmam CR1sr1AN0 CHAVES DE
FARIAS E NELSON RosENVALo's:
Posicionamento i (negativista, pela não aplicabilidade) - não
se aplicaria a regra em destaque, tendo em vista a ausência
de risco hereditário na união estável (companheiro sobrevi-
vente não é herdeiro necessário), a par do fato de que nor-
mas restritivas de direito merecem interpretação estrita (CC,
art. 114). Neste sentido, FlÁvio TARrucE e JosÉ Os6R10 oE AzEVEoo JúNIOR.
Posicionamento 2 (afirmativista, pela aplicabilidade) - a re-
gra do art. 496 do cc se aplica por simetria à união estável
por ser entidade familiar protegida pela Constituição Fede-
ral, à luz da igualdade (CF/88, arts. 5°, 1 e 226, § 3°). Neste
sentido, PAULO Luiz Nrno Lôso.
oestarte, mesmo em havendo a capacidade jurídica geral ou
plena, impõe-se, na hipótese de venda de ascendente para des-
cendente, por força da lei, uma autorização. Trata-se de mais uma
casuística de legitimação no Código Civil. Evidentemente, esta auto-
rização há de ser expressa, de modo que o silêncio não presume
aceitação como regra geral, a teor do art. 111 do Código Civil.

~ Como esse assunto foi cobrado em concurso?


Na prova IBFC - cartório - TJ - PR, ano de 2014, a seguinte assertiva foi
considerada correta: "A compra e venda de ascendente para descen-
dente é anulável, salvo se houver concordância dos demais descen-
dentes e do cônjuge do vendedor".

15. FARIAS, Cristiano Chaves de, e ROSENVALD, Nelson. Curso de Direito Civil. Contra-
tos. 5• edição. São Paulo: Atlas, 2015, p. 609.
374 Direito Civil - Vol. 23 • Luciano Figueiredo e Roberto Figueiredo

O Código dispensa a necessidade da outorga caso o regime


seja de separação obrigatória. A ideia é simples. Neste caso, falta
potencialidade lesiva sucessória a exigir a autorização. É o que
pensam, e com quem concordamos, CA10 MÁRIO DA S1LvA PERE1RA' 6 e CARLOS
ROBERTO GoNÇALVEs'7.
Em uma interpretação sistemática, pode-se falar ainda na des-
necessidade de autorização do cônjuge quando casado em regime
de participação final nos aquestos e o pacto antenupcial expressa-
mente dispensar tal autorização (art. 1.656 do CC).

~ Como esse assunto foi cobrado em concurso?


(Vunesp - Juiz de Direito Substituto - SP/2014) Estabelece o artigo 496
do Código Civil que é anulável a venda de ascendente a descendente.
Assim, é correto dizer:
a) Será sempre necessário o consentimento dos outros descendentes
e do cônjuge do alienante, ainda não havendo má-fé.
b) É dispensado o consentimento do cônjuge do alienante se o regime
de bens for o da separação obrigatória.
c) É dispensado o consentimento do cônjuge do alienante quando o
regime de bens for o da separação voluntária.
d) Se um dos descendentes for menor, ou nascituro, seu consentimento
será dado por aquele que detiver o poder familiar, mesmo que os
interesses não sejam comuns.
Gabarito: B

o que fazer se houver a alienação sem a referida outorga?


A hipótese será de anulabilidade, a qual há de ser pleiteada no
prazo decadencial de dois anos, contados da conclusão do contrato,
na forma do art. 179 do Código Civil. No particular, verifica-se que a
Súmula 494 do SuPREMo TRIBUNAL FEDERAL caducou, pois firmava entendi-
mento no sentido de que o prazo em tela seria prescricional e de 20
(vinte) anos, o que é incompatível com a legislação cível atual. É o
que pensam PAuLo Luiz Nmo Lôso, MARIA HELENA D1N1z, JosÉ S1MÃ0 EFLAv10 TARTUCE.

16. PEREIRA, Caio Mário da Silva. Instituições de Direito Civil. lP edição. Rio de Ja-
neiro: Forense, 2003, p. 186. No mesmo sentido, Nelson Nery Jr., Rolf Madalena,
Zeno Veloso, Pablo Stolze e Rodolfo Pamplona Filho.
i7. GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito Civil Brasileiro. Contratos e Atos Unilaterais.
9• edição. São Paulo: Saraiva, 2012, p. 236.
Cap. 1 • Compra e Venda 375

Nesse sentido, o Enunciado 368 do CJF afirma que "o prazo para
anular venda de ascendente para descendente é decadencial de dois
anos". Assim também já entende o SUPERIOR TRIBUNAL oE JusnçA, no REsp.
77i.736-o/SC.

Sobre o tema, o Enunciado 545 do CJF afirma que o prazo de


dois anos é contado da ciência do ato, a qual é presumida na data
do registro da transmissão do imóvel. Tal tese, registre-se, é dou-
trinária, isto porque o prazo na ótica da legislação do Código Civil
deve ser contado da conclusão do ato.

No que diz respeito ao ônus da prova, o SUPERIOR TRIBUNAL OE JUSTIÇA


assentou o entendimento no sentido de que há ônus da prova do
autor da demanda de comprovar o prejuízo alegado, sob pena de
não se obter a anulação.

Neste sentido, a Segunda Seção da Corte da Cidadania, no jul-


gamento do EREsp. 661.858/PR, uniformizou o entendimento no sen-
tido que tal anulabilidade "depende da demonstração de prejuízo
pela parte interessada". Assim também o REsp. 752.149/AL.

Destaque-se que o art. 496 do CC não distingue bens imóveis


de bens móveis, de forma que a anulabilidade ocorrerá em ambas
as situações. De igual sorte, a norma não "proíbe a venda feita por
descendente a ascendente", como ressalta CARtos ROBERTO GoNÇALVEs'ª. A
restrição será de ascendente para descendente apenas.

Outra importante reflexão gira em torno da necessidade de au-


torização dos pais, tios e demais netos do comprador para o caso
de o ascendente alienar o bem a um neto. Sobre o assunto existem
dois posicionamentos:
Posicionamento 1) é imprescindível obter a autorização de
todos estes sujeitos (pais, tios e demais netos), sob pena
de anulabilidade do negócio jurídico. Neste sentido PAuLo Luiz
NEno Lõso 19 •

18. GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito Civil Brasileiro. Contratos e Atos Unilaterais.
9• edição. São Paulo: Saraiva, 2012, p. 233.
i9. LÔBO, Paulo Luiz Netto. Comentários ao Código Civil. Coordenação Antônio Jun-
queira de Azevedo. São Paulo: Saraiva, 2013, v. 6, p. 83.
376 Direito Civil - Vol. 13 • Luciano Figueiredo e Roberto Figueiredo

Posicionamento 2) o aludido dispositivo se aplica apenas


aos herdeiros imediatos, de modo que não será necessário
colher a autorização de todas estas pessoas. Neste sentido,
MARIA HELPlA D1N1z2 º.

No que diz respeito à prole eventual ou às pessoas não reco-


nhecidas como descendentes à época do negócio jurídico, o SuPREMo
TRIBUNAL FEDERAL, no RECURSO EXTRAORDINÁRIO no 103.513-MG relatado pelo
ministro Francisco Rezek e publicado no DJU do dia 21 de março de
1986, decidiu que a norma incide exclusivamente em face dos des-
cendentes existentes à época do negócio jurídico. As pessoas não
nascidas ou as pessoas não reconhecidas, por razões intuitivas,
não poderiam autorizar quando da celebração do negócio jurídico.

Convém ressaltar que se o descendente for menor de dezoito


anos, ou mesmo nascituro, a hipótese exigirá nomeação de cura-
dor especial, nos termos do art. 1.692 do CC "em razão da colidência
de interesses", conforme doutrina de CARLos RoBERTo GoNÇALVEs 21 •

Compreendida a polêmica da venda de ascendentes aos des-


cendentes, é hora de avançar em outro assunto que também é de
grande relevância prática, qual seja o tema da outorga conjugal na
compra e venda de imóvel de pessoa casada.

2.1.2. Venda de Imóvel por Pessoa Casada: Outorga Conjugal

Por conta do casamento, a legislação nacional exige para a prá-


tica de certos atos da vida civil a concordância do outro consorte. A
isto se denomina vênia ou outorga conjugal, gênero cujas espécies
são a outorga uxória, quando concedida pela mulher, e outorga
marital, quando conferida pelo marido.

E~ verdade,_ a aludida vênia é uma casuística de legitimação,


tambem denominada de autorização, capacidade negocial ou pri-
vada. Explica-se: são casos em que, mesmo tendo o sujeito capaci-

20. DINIZ, Maria Helena. Tratado Teórico e Prático dos Contratos. 4• edição. são
Paulo: Saraiva, 2002, v. 1, p. 388.
21. GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito Civil Brasileiro. Contratos e Atos Unilaterais.
9' edição. São Paulo: Saraiva, 2012, p. 237.
Cap. i • Compra e Venda 377

dade jurídica geral ou plena, a norma exige uma autorização para


a prática do ato da vida civil.

Dentre as causas em que se exige a vênia conjugal por conta do


casamento, coloca-se a venda de imóveis por pessoas casadas (CC,
art. i.647, 1). Aqui já há uma primeira dúvida: demanda-se a vênia
na união estável?

Em uma primeira análise, tendo em vista que a norma do art.


1647 apenas toca a expressão casamento, aliado a percepção de
que versa sobre uma exceção (interpretação restritiva), conclui-se
pela não aplicabilidade na união estável.

Nessa linha de pensamento pronunciou-se o Tribunal de Justiça


da Bahia, na sua 1 Jornada de Direito Civil, ao informar, no Enuncia-
do 5, que: "Na união estável, a alienação de imóvel ou a prestação
de garantia real por um companheiro sem autorização do outro não
pode ser invalidada em detrimento de terceiro de boa-fé, resguarda-
do o direito do companheiro prejudicado a perdas e danos em face
do responsável". Este também é o pensamento de EucuDES oE OuvE1RA22 •

Em sentido contrário, PAULO Luiz Nmo LõB0 23 sustenta que os efeitos


da outorga conjugal se aplicam, por técnica de interpretação am-
pliativa e diante da simetria, às relações de união estável, afinal de
contas o regime de bens também incide nestas relações familiares,
a teor do art. i.725 do CC.

A análise dos julgados oriundo do SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA ainda


demonstra certa vacilação sobre o tema.

Em um primeiro momento, firmou o TRIBUNAL DA CIDADANIA a desne-


cessidade de vênia, na união estável, para a eficácia do contrato
de fiança, mesmo que a aludida união estivesse formalizada por
escritura pública. Caminhou o SUPERIOR TRIBUNAL DE Jusr1çA no sentido de
que não haveria aplicabilidade da normatização da vên·a à união
estável. Cita-se precedente de fevereiro de 2014:

22. OLIVEIRA, EucuoEs oE. União Estável: do concubinato ao casamento. 6• edição. São
Paulo: Método. 2003, p. i59.
23. LÔBO, PAULO LUIZ Nmo. Comentários ao Código Civil. São Paulo: Atlas. 2003, p. 258.
378 Direito Civil - Vol. 23 • Luciano Figueiredo e Roberto Figueiredo

DIREITO CIVIL. INAPLICABILIDADE DA SÚMULA 332 DO STJ À UNIÃO ESTÁVEL.


Ainda que a união estável esteja formalizada por meio de escritura pública,
é válida a fiança prestada por um dos conviventes sem a autorizaç/Io do
outro. Isso porque o entendimento de que a Nfiança prestada sem autori-
zaç/Io de um dos cônjuges implica a ineficácia total da garantia" (Súmula
332 do STJ), conquanto seja aplicável ao casamento, nlio tem aplicabilidade
em relaçlio à uni/lo estável. De fato, o casamento representa,· por um lado,
uma entidade familiar protegida pela CF e, por outro lado, um ato jurídico
formal e solene do qual decorre uma relação jurídica com efeitos tipificados
pelo ordenamento jurídico. A uni/lo estável, por sua vez, embora também
represente uma entidade familiar amparada pela CF - uma vez que n/Io há,
sob o atual regime constitucional, famílias estigmatizadas como de "segunda
classe" -, difere-se do casamento no tocante à concepçlio deste como um
ato jurídico formal e solene. Aliás, nunca se afirmou a completa e inexorável
coincidência entre os institutos da união estável e do casamento, mas ape-
nas a inexistência de predileç/Io constitucional ou de superioridade familiar
do casamento em relação a outra espécie de entidade familiar. Sendo assim,
apenas o casamento/e n/Io a uni/lo estável) representa ato jurídico cartorá-
rio e solene que gera presunç/Io de publicidade do estado civil dos contra-
tantes, atributo que parece ser a forma de assegurar a terceiros interessados
ciência quanto a regime de bens, estatuto pessoa, patrimônio sucessório,
etc. Nesse contexto, corno a outorga uxória para a prestação de fiança
demanda absoluta certeza por parte dos interessados quanto à disciplina
dos bens vigente, e corno essa segurança só é obtida por meio de ato
solene e público (como no caso do casamento), deve-se concluir que o
entendimento presente na Súmula 332 do STJ - segundo a qual a "fiança
prestada sem autorização de um dos cônjuges implica a ineficácia total da
garantia"-, conquanto seja aplicável ao casamento, não tem aplicabilida-
de em relação à união estável. Além disso, essa conclusão não é afastada
diante da celebração de escritura pública entre os consortes, haja vista
que a escritura pública serve apenas como prova relativa de uma união
tática, que não se sabe ao certo quando começa nem quando termina,
não sendo ela própria o ato constitutivo da união estável. Ademais, por
não alterar o estado civil dos conviventes, para que dela o contratante
tivesse conhecimento, ele teria que percorrer todos os cartórios de notas
do Brasil, o que seria inviável e inexigível. REsp i.299.866-DF, Rei. Min. Luis
Felipe Salomão, julgado em 25/2/2014.

Em outro momento, porém, percebe-se, uma modulação de en-


tendimento. Em dezembro de 2014 firmou o Tribunal da Cidadania
a necessidade de vênia na união estável, caso houvesse averbação
Cap. 1 • Compra e Venda 379

do contrato de convivência ou da decisão declaratória de união


estável no Ofício de Registro de Imóveis. Cita-se:
"Alienaçi'io, sem consentimento do companheiro, de bem imó-
vel adquirido na constância da uniõo estável. A invalidaçi'io
da alienaç/Io de imóvel comum, fundada na falta de consenti-
mento do companheiro, dependerá da publicidade conferida
à unilio estável, mediante a averbaçi'io de contrato de con-
vivência ou da decisão declaratória da existência de uni/lo
estável no Ofício do Registro de Imóveis em que cadastrados
os bens comuns, ou da demonstração de má-fé do adquirente.
REsp i.424.275-MT, Rei. Min. Paulo de Tarso Sanseverino, DJe
16.12.14. 3ª T. (lnfo STJ 554)"
Parece que a linha divisória a ser firmada jurisprudencialmente
demanda a percepção de estar, ou não, averbado o contrato de
convivência, ou a decisão declaratória de união estável, no Ofício
de Registro de Imóveis. Caso esteja, a vênia se impõe, diante da
ampla publicidade da união estável, que ganha efeitos erga omnes
e deve ser conhecida pelo adquirente, quem, seguramente, tem o
dever de visitar a situação registrai do imóvel. Caso não esteja, a
vênia não há como ser exigida. O assunto, porém, ainda está em
ebulição, sendo necessário um acurado acompanhamento jurispru-
dencial sobre o tema.
Voltando, novamente, ao art. i.647 do CC, verifica-se que o ar-
tigo excepciona a necessidade de autorização no caso do regime
de bens do casamento ser o da separação absoluta. Mas esta é a
separação convencional ou legal?
Como lembrado pelo Tribunal de Justiça da Bahia, na sua 1 Jorna-
da de Direito Civil, especificamente no Enunciado i7: "A expressão
'separação absoluta', constante na parte final do caput do art. 1.647
do Código Civil refere-se à separação convencional de bens, regu-
lada nos arts. 1.687 e 1.688 do Código Civil." Portanto, não se aplica
à separação obrigatória (legal). No mesmo sentido, FLÁv10 TARTUcE24 :
"entendemos que a separação absoluta é apenas a separação con-
vencional, pois continua sendo aplicável a Súmula 377 do STF".

2 4. TARTUCE, Flávio. Direito Civil. Teoria Geral dos Contratos e Contratos em Espécie.
10• edição. São Paulo: Método, 2015, p. 284. No mesmo sentido, Nelson Nery Jr.,
Rolf Madaleno, Zeno Veloso, Pablo Stolze e Rodolfo Pamplona Filho.
380 Direito Civil - Vol. 23 • Luciano Figueiredo e Roberto Figueiredo

Logo, para que fique claro: impõe-se a vênia no regime de se-


paração obrigatória e libera-se a vênia no regime de separação
convencional.
Soma-se a esta exceção a hipótese do art. i.656 do Código Civil,
ao prescrever que no regime de participação final nos aquestos,
caso haja previsão no pacto antenupcial, é possível a dispensa da
outorga para a alienação de bens imóveis particulares.
Em suma-síntese, o casamento exigirá vênia conjugal, salvo se o
matrimônio for no regime de separação total de bens (CC, arts. 1647
e i.687). ou no regime de participação final dos aquestos, desde
que, neste caso, o pacto antenupcial libere a alienação de bens
imóveis particulares (CC, art. i.656).
Questão que causa intriga em alguns diz respeito à exigência de
vêria conjugal para venda de bem imóvel particular no regime de
comunhão parcial. Porque há tal exigência?
São três os fundamentos:
a) Por não estar nas exclusões. Apenas libera-se a vênia no re-
gime de separação total de bens (CC, art. 1647) e no de par-
ticipação final nos aquestos caso o pacto antenupcial libere
a alienação de bens imóveis particulares (CC, art. i.656);
b) Por ética e boa-fé relacional, a qual impõe o dever de infor-
mação do casamento;
e) Por comunicabilidade das benfeitorias e frutos dos bens
particulares na comunhão parcial (CC, art. i.660).
Por tudo isto, vaticina o Enunciado 340 do CONSELHO OA JUSTIÇA FEOERAL
que "No regime da comunhão parcial de bens é sempre indispensável
a autorização do cônjuge, ou seu suprimento judicial, para atos de
disposição sobre bens imóveis".
Desta feita, na regra geral, o cônjuge que desejar alienar imó-
vel na constância do casamento deverá obter a outorga conjugal
do outro, sob pena de se considerar anulável a compra e venda.
Destaque-se que a autorização se faz necessária para alienação
de bens imóveis, não sendo essa uma exigência para aquisição
destes.
Cap. i • Compra e Venda 381

Mas o que fazer se houver negativa injustificada de vênia para


a venda por um dos cônjuges, ou, ainda, impossibilidade de con-
sentir. O que fazer?
A negativa injustificada por um dos cônjuges, ou a impossibi-
lidade de consentir - casos como ausência, coma -, poderá ser
suprida pelo magistrado (art. 1.648 do CC). Diante desta situação
será possível o ajuizamento de uma ação judicial de suprimento
de consentimento.
E qual seria a consequência da venda sem a respectiva vênia
conjugal?
Segundo o Código Civil, a ausência de outorga gera a anulabili-
dade do ato, a qual pode ser pleiteada no prazo decadencial de
até 2 (dois) anos, contados do término da sociedade conjugal (art.
i.649 do Código Civil). Assim, o referido prazo inicia-se do nasci-
mento da pretensão - leia-se: no momento em que o ato é pratica-
do sem a respectiva outorga - e se estende até dois anos após o
término do casamento.
Em coerência com a Parte Geral, no particular quanto ao princí-
pio da conservação do negócio jurídico (no viés da ratificação ou
saneamento), o parágrafo único do art. i.649 admite a posterior
aprovação pelo cônjuge inicialmente prejudicado (que não havia
autorizado), nos seguintes termos: "A aprovação torna válido o ato,
desde que feita por instrumento público, ou particular, autenticado".
Neste contexto, o cônjuge que não tenha sido chamado a dar
autorização no ato da alienação, nos termos do art. 220 do CC, po-
derá comparecer a posteriori para convalidar o negócio celebrado.
É a aplicação do princípio da conservação dos negócios jurídicos
no viés da ratificação (art. 172, CC): "O negócio anulável pode ser
confirmado pelas partes, salvo direito de terceiro".
E seria possível uma autorização tácita?
A resposta é positiva. CRISTIANO CHAVES DE FARIAS E NELSON ROSENVAL0 25 de-
fendem a tese do perdão tácito, arrefecendo a aplicabilidade do

25. FARIAS, Cristiano Chaves de, e ROSENVALD, Nelson. Curso de Direito Civil. Contra-
tos. 5• edição. São Paulo: Atlas, 2015, p. 589.
382 Direito Civil - Vol. 13 • Luciano Figueiredo e Roberto Figueiredo

art. 1.649 do CC acaso o cônjuge já saiba do vício e, durante anos no


curso do casamento, não adote qualquer medida judicial.

Trata-se de entendimento lastreado no princípio da boa-fé e,


em especial, na confiança e nemo potest venire contra factum pro-
prium (proibição do comportamento contraditório). Afinal, ao co-
nhecer da alienação e nada fazer, sinaliza o cônjuge, de maneira
comportamental, pelo aceite do ato. A tese, todavia, mitiga expres-
sa disposição legal.

~ Como a JUR1SPRUDÊNCIA tem se manifestado a este respeito?


No REsp. 95.539/SP o SUPERIOR TR1auNAt .o< ]uSTiçA entendeu. que "A mulher que
deixa de assinar contrato de compra e venda juntamente com o marido,
mas, depois disso, em juízo, expressamente, admite a existência e vali-
dade do contrato,.fundamento para a denunciaçéfo de outra lide, e nada
impugna contra q execuçéfo do contrato durante mais de 17 anos, tempo
em· que os prdmissárlos compradores exerceram pacificamente a posse
sobre o imóvel, néfo pode depois se opor ao pedido de fornecimento de
escritura definitiva. Doutrina dos atos próprios". Neste Julgado a teoria
dos atos próprios, também conhecida pela expressão venlre contra fac-
tum próprium é utilizada na solução do conflito.

Uma vez verificada a anulabilidade pela ausência da vênia con-


jugal, de quem será a legitimidade para pleitear a anulação do ato?

Do cônjuge prejudicado ou por seus herdeiros, na exata dicção


do art. i.650 do Código Civil.

Como deve ser coletada a vênia?

Nas pegadas do art. 220 do CC, a anuência ou a autorização de


outrem, necessária à validade de um ato, provar-se-á do mesmo
modo que este, e constará, sempre que possível, do próprio ins-
trumento. Este artigo viabilizará a instrumentalização da outorga
conjugal no mesmo instrumento da prática do ato principal. Assim,
para a situação em análise, deve ser posta no próprio contrato de
venda.

Esgotada o tema venda dos bens pelos con1uges, é hora de


avançarmos e verificarmos a venda ele bens entre cônjuges.
Cap. i • Compra e Venda 383

2.1.3. Venda entre cônjuges


Há muito já defendia a doutrina de SERPA lcPEs:ro a possibilidade
jurídica da compra e venda entre os cônjuges para casos que não
envolvessem fraude ou simulação, mesmo em uma época na qual
o CC/16 não disciplinava o assunto.
A novidade surge no CC/02 quando, expressamente, o art. 499
do cc reconhece ser "lícita a compra e venda entre cônjuges, com
relação a bens excluídos da comunhão" de forma que não há a me-
nor dúvida hoje: o direito civil permite a celebração do contrato
de compra e venda entre os cônjuges desde que o objeto deste
contrato envolva património alienável excluído da comunhão.
Perceba que esta compra e venda apenas poderá ter como
objeto (res) os bens excluídos da comunhão, vale dizer, as coisas
que constituírem patrimônio exclusivo de um dos cônjuges que, por
conta disto, poderá alienar onerosamente (vender) ao qualquer
um, inclusive ao outro cônjuge.
Interpretando-se o dispositivo contrario sensu, resta concluir
que os bens que estiverem incluídos na comunhão, como os aques-
tos2r, por exemplo, não poderão ser objeto de compra e venda.
Entre os vários fundamentos jurídicos que podem ser utilizados
para reconhecer a possibilidade de compra e venda entre cônjuge,
parece-nos que dois são suficientes: a) o princípio da autonomia
privada e a liberdade humana devem ser prestigiados, notadamen-
te quando se está diante de bens disponíveis; b) o Estado não deve
intervir nas relações particulares, muito menos nas de família (CC,
art. i.513), salvo em casos de proteção de garantias fundamentais
e direitos sociais.
Deste modo, se um cônjuge firmar compra e venda com o seu
consorte sobre bem da comunhão (copropriedade) este negócio
jurídico será nulo (nulidade absoluta) por objeto vedado em lei, na
forma do art. 166, inciso li do cc.

26. SERPA LOPES, Miguel Maria de. Curso de Direito Civil. .;• edição. Rio de Janeiro:
Freitas Bastos, i959, p. 293.
27. Os aquestos são os bens onerosamente adquiridos na :onstância do casamento
e que se comunicam, ou seja, tornam-se copropriedad~ dos cônjuges. Tais bens
não poderão ser objeto de compra e venda por expressa proibição normativa.
í1

384 Direito Civil - Vol. 13 • Luciano figueiredo e Roberto figueiredo

TARrucE 28 recorda que esta norma deverá ser aplicada por


FLÁv10
analogia à união estável, diante da lacuna do Código Civil a respei-
to do assunto "sendo possível a venda entre companheiros de bens
excluídos da comunhão"'. Como se sabe, o juiz não se exime de de-
cidir diante de lacuna ou obscuridade da lei, caso em que deverá
utilizar do sistema de integração normativa, na ordem preferencial
da analogia, dos costumes e, finalmente, dos princípios gerais do
direito (LINDB, art. 4°).

~ E na hora da prova?
Ano: 2014 Banca: FCC órgão: TRT - 16• REGIÃO (MA) Prova: Analista Judi-
ciário - Oficial de Justiça Avaliador
A respeito do contrato de compra e venda,
a) as despesas com transporte e tradição correm, em regra, por conta
do comprador.
b) as despesas com escritura e registro serão pagas, em regra, pelo
vendedor.
c) é nula a venda de ascendente para descendente.
d) é lícita a compra e venda entre cônjuges, desde que o contrato seja
compatível com o regime de bens por eles adotado.
e) os bens confiados à guarda ou administração de tutores ou curado-
res só podem ser por estes comprados em hasta pública.
Gabarito: D
Superada a compra e venda entre cônjuges, avançaremos no
estudo da venda de bem condominial e na venda de fração ideal
de condomínio.

2.1.4. Venda de Bem Condominial e Venda de Fração Ideal de Con-


domínio
De acordo com o art. 504 do CC "Não pode um condômino em
coisa indivisível vender a sua parte a estranhos, se outro consorte
a quiser, tanto por tanto. o condômino, a quem não se der conheci-
mento da venda, poderá, depositando o preço, haver para si a parte
vendida a estranhos. se o requerer no prazo de cento e oitenta dias,
sob pena de decadêncic".

28. TARTUCE, Flávio. Direito Civil. Teoria Geral dos contratos e Contratos em Espécie.
io• edição. São Paulo: Método, 2015, p. 289.
Cap. i • Compra e Venda 385

A disciplina prossegue em seu parágrafo único para esclarecer


que "Sendo muitos os condôminos, preferirá o que tiver benfeitorias
de maior valor e, na falta de benfeitorias, o de quinhão maior. Se as
partes forem iguais, haverão a parte vendida os coproprierários, que
a quiserem, depositando previamente o preço".
À vista destes preceitos normativos é que a doutrina brasileira
tratará da venda de bem condominial e da sua respectiva fração
ideal.
A leitura dos dispositivos em destaque demonstra, em primeiro
lugar, que o coproprietário está autorizado a alienar sua fração
ideal, o que é correto, afinal de contas à luz do art. i.228 do CC o
proprietário terá a faculdade de usar, gozar, reaver a coisa e, evi-
dentemente, alienar. Logo, tendo o proprietário o direito de dispor
sobre o bem (CC, art. 1.228), é possível que na copropriedade um
dos condôminos queira vender a sua fração ideal. Também é isto o
que se extrai do art. i.314 do CC segundo o qual "cada condômino
pode usar da coisa conforme sua destinação, sobre ela exercer todos
os direitos compatíveis com indivisão, reivindica-la de terceiro, defen-
der a sua posse e alhear a respectiva parte ideal, ou gravá-la".
A segunda e terceira conclusões a serem obtidas estão interli-
gadas. Uma delas é que, em caso de alienação, o condômino terá
o dever jurídico de dar conhecimento da venda ao coproprietário
para que este exerça, querendo, preferência na compra. A outra
conclusão é intuitiva: há direito potestativo e real de preferência
do condômino em relação à terceiro. Obviamente, fala-se, aqui, do
condomínios pro indiviso ou de bens comuns.
Recorde-se que haverá o direito de preferência nas alienações
onerosas, tais como compra e venda (CC, art. 504) e dação em pa-
gamento (CC, art. 356). Portanto, nas alienações gratuitas (doação)
não haverá direito de preferência.
Destaque-se que a letra da lei remonta a condomínio de coisa
indivisível. FLÁv10 TARTUCE 29 leciona que há polêmica no próprio SUPERIOR
TRIBUNAL DE JusnçA sobre o alcance do art. 504 do CC, ou seja, se a mes-

29. TARTUCE, Flávio. Direito Civil. Teoria Geral dos Contratos e Contratos em Espécie.
io• edição. São Paulo: Método, 2015, p. 292.
386 Direito Civil - Vol. 13 • Luciano Figueiredo e Roberto Figueiredo

ma aplicar-se-ia tanto aos bens indivisíveis, quanto aos divisíveis,


recordando que durante os 86 anos de vigência do anterior CC/16
não se chegou a um consenso em relação ao problema. Segundo
o doutrinador, apesar da polêmica o entendimento majoritário na
própria Casa Judiciária é no sentido de que "a restrição somente
se aplica •JOS casos de condomínio indivisível", notadamente por se
tratar de norma restritiva a não comportar interpretação extensiva.

,. Como os TRIBUNAIS SUPERIORES entendem o tema?


NO REsp. no 7i.371-o/SP entendeu O SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA q'ue "0 condô-
mino nêlo pode alienar o seu quinhão a terceiro, sem prévia comunicação
aos dem.-1is consortes, a fim de possibilitar a estes o exercício do direito
de preferência, tanto por tanto, seja a coisa divisível ou não".
No mesmo sentido, o REsp. 489.860/SP sustenta que "Na hipótese de o
bem se encontrar em estado de indivisão, seja .ele divisível ou indivisível,
o condômino que desejar alienar sua fraçêlo ideal do condomínio deve
obrigatoriamente notifica.r os demais condôminos para que possam exer-
cer o d(reito de preferência na aquisição".
outrossim, n.o REsp .1.207.129-MG, entendeu o mesmo TRIBUNAL DA CIDADANIA
que "o condômino que .desejar alienar a fração ideal de bem !móvel
divisível em estado de indivisão deverá dar preferencia na aquisição ao
comunheiro" (lnf. 564). Nessa senda, se duas pessoas tem um mesmo
apartamento em condomínio, e um delas deseja vender o bem, deverá
dar preferência à outra para, posteriormente, alienar a terceiros. O
apartamento em comento, bem em tese divisível, está em estado de
indivisão.

Para que haja a aludida preferência deverá existir notificação


(judicial ou extrajudicial) dos condôminos, facultando o exercício da
preferência no prazo de trinta dias, sob pena de ineficácia do ne-
gócio jurídico em relações aos condôminos prejudicados. Deve-se
aplicar, à vista da lacuna normativa do CC, o instituto da analogia
(LINDB, art. 40) e, justamente por isto, utilizar-se do art. 27 da Lei
no 8.245/91, fixando-se prazo de 30 dias (art. 28, Lei das Locações).

1> Atenção!
Este direito de preferência não existirá no condomínio edilício no que
tange à coisa exclusiva. Igualmente não incide nas alienações gratuitas
(doações).
Cap. l • Compra e Venda 387

O direito de preferência é de natureza real. Portanto, enseja


sequela e não se resolve por perdas e danos, como esclarece PAULO
Luiz Nmo Lôao 30 • É oponível erga omnes.

Na preferência bastará assegurar igualdade no preço? Não.


Recorda-se: o dito direito de preferência dos demais condôminos
será conferido tanto por tanto; leia-se: nas mesmas condições de
preço e prazo. Nessa senda, para que haja a dita venda, os de-
mais condôminos haverão de ser notificados para que exercitem
seu direito de preferência na aquisição nas mesmas condições do
terceiro.

E o que acontece se não for conferido o direito de preferência?


O condômino preterido terá o prazo decadencial de 180 (cento e
oitenta) dias da ciência da venda para ajuizar ação de adjudicação
compulsória, depositando o valor e reavendo a coisa para si (CC,
art. 504). Esta demanda também poderá ser chamada de ação de
preempção com depósito do preço correspondente ou ainda ação
de preferência. Assim pensa CARLOS Roarnro GoNÇALvEs3'.
Segundo MARIA HELENA D1N1z32, enquanto não ultrapassado o prazo
de preferência estar-se-á diante de uma propriedade resolúvel.

1> E na hora da prova?


Ano: 2012 Banca: FCC órgão: TRF - 5• REGIÃO Prova: Analista :Judiciário -
Execução de Mandados
Se o condômino de coisa indivisível vender sua fração ideal sem dar
preferência aos demais condôminos,
a) a venda, como ato jurídico, é nula de pleno direito, pois não obede-
ceu a forma prescrita em lei.
b) o direito de preferência para ser exercido pelo condômino preteri-
do deverá estar registrado na matrícula do imóvel.
c) não há direito de preferência na propriedade em condomínio de
coisa indivisível. ·

30. LÔBO, Paulo Luiz Netto. Comentários ao Código Civil. Coordenação de Antônio
Junqueira de Azevedo. São Paulo: Saraiva, 2003, v. 6. p. 133.
31. GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito Civil Brasileiro. Contratos e Atos Unilaterais.
9ª edição. São Paulo: Saraiva, 2012, p. 243.
32. Op. Cit., p. 214.
388 Direito Civil - Vol. 13 • Luciano figueiredo e Roberto figueiredo

d) o condômino preterido poderá, apenas, pedir perdas e danos.


e) o condômino preterido, respeitado o prazo legal, pode depositar o
preço pelo qual a fração foi vendida a terceiro e havê-la para si.
Gabarito: E

o que fazer se mais de um condômino desejar exercer a pre-


ferência?
Na hipótese de mais de um condômino desejar exercitar a pre-
ferência, preferirá aquele com benfeitorias de maior valor e, na
falta destas, o de quinhão maior. Se as partes forem iguais, haverá
a parte vendida aos coproprietários que a quiserem, depositando
previamente o preço (CC, art. 504). No escólio de CRISTIANO CHAVES DE FA-
RIAS E NELSON RosENVALD 33 "a norma legal presto justa homenagem à função
social da propriedade, estabelecendo que preferirá aquele que tiver
o maior número de benfeitorias" e, como já se viu, na falta destas,
o de maior quinhão, somente admitindo-se a hipótese de venda
na proporcionalidade de cada um no caso de superação destes
pré-requisitos.

., E na hora da prova?
Ano: 2012 Banca: FCC órgão: MPE-AL Prova: Promotor de Justiça
Ricardo, Pedro, José, Maurício e Douglas são proprietários de um imóvel
residencial indivisível, situado em bairro nobre de São Paulo, avaliado
em aproximadamente RS 2.000.000,00. Ricardo e Pedro querem vender
o imóvel e desfazer o condomínio. Thalula, empresária, se interessa
pelo imóvel e oferece aos condôminos a quantia de RS 2.100.000,00.
Contudo, José, Maurício e Douglas pretendem exercer o direito de pre-
ferência assegurado por lei, igualando a oferta de Thalula.
Neste caso, entre estes condôminos, a preferência para aquisição do
imóvel será primeiramente conferida àquele que
a) oferecer o melhor preço.
b) tiver o quinhão maior.
c) for o mais idoso.

33. FARIAS, Cristiano Chaves de, e ROSENVALD, Nelson. curso de Direito Civil. Contra-
tos. 5• edição. São Paulo: Atlas, 2015, p. 589.
Cap. 1 • Compra e Venda 389

d) primeiro manifestar interesse após a oferta formal de Thalula.


e) tiver no imóvel as benfeitorias mais valiosas.
Gabarito: E

É importante arrematar com a lembrança, mais uma vez, ante


a relevância do assunto, de que este direito de preferência não se
aplicará no caso de condomínios edilícios, bem como não se apli-
cará para casos de alienações gratuitas (doações).

.,. :A.te.,ç1ioJ
d.e preferênci~·d!l copropriet~rio p.;epÓh~er:ará sobre o dic
o .d.iréito
·reito de preempção do. lõcatário a· que alude; a Lei. das. Locações em
seu art: 27. ·· · · · .

Estudado o tema do direito de preferência em sede de condo-


mínio é hora de caminhar em uma nova frente de estudos. Falare-
mos agora sobre a proibição da celebração do contrato de compra
e venda em face do administrador de bens alheios.

2.1.5. Nulidade da Venda Realizada por Administrador de Bens


Alheios

É sabido que o direito civil contemporâneo se funda em uma


série de valores que visam à efetivação dos direitos fundamentais
e o prestígio da pessoa humana em sua dignidade. Eticidade, ope-
rabilidade e socialidade, por sua vez, são valores que permeiam
todo o Código Civil vigente. No campo dos contratos, há regramento
específico sobre a função social que tais ajustes devem contemplar
(CC, 421), bem como sobre a boa-fé objetiva a existir antes, durante
e depois do contrato (CC, art. 422).
À guisa destes valores é mesmo inconcebível admitir que um
administrador de bem alheio possa celebrar contrato de compra e
venda envolvendo, justamente, este bem.
Sustenta CARLOS RoaERro GoNçALVEs 3• que a nulidade da venda realiza-
da por administrador de bens alheios se funda em uma presunção

34. GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito Civil Brasileiro. contratos e Atos Unilaterais.
9• edição. São Paulo: Saraiva, 2012, p. 24i.
390 Direito Civil - Vol. 13 • Luciano Figueiredo e Roberto Figueiredo

absoluta de aproveitamento desleal da condição do administrador,


o que evidencia nítido conflito de interesses a autorizar esta prote-
ção normativa. No mesmo sentido WASHINGTON DE BARROS MoNrE1Ro35 •
Para bem compreender o objeto daquilo que agora nos propo-
mos a tratar, pediremos licença ao leitor para transcrever, na intei·
reza, o artigo de lei sobre o qual deitaremos a nossa análise. Assim
faremos ante a relevância pedagógica da leitura do preceito de lei:
Art. 497. Sob pena de nulidade, não podem ser comprados,
ainda que em hasta pública:
1 - pelos tutores, curadores, testamenteiros e administra-
dores, os bens confiados à sua guarda ou administração;
11 - pelos servidores públicos, em geral, os bens ou direitos
da pessoa jurídica a que servirem, ou que estejam sob sua
administração direta ou indireta;
Ili - pelos juízes, secretários de tribunais, arbitradores, pe-
ritos e outros serventuários ou auxiliares da justiça, os
bens ou direitos sobre que se litigar em tribunal, juízo ou
conselho, no lugar onde servirem, ou a que se estender a
sua autoridade;
IV - pelos leiloeiros e seus prepostos, os bens de cuja ven-
da estejam encarregados.
Parágrafo único. As proibições deste artigo estendem-se à
cessão de crédito.
Como se pode observar, a norma disciplina uma restrição da
compra e venda (e da cessão de crédito) de bens que se encon-
tram, no momento do negócio jurídico, sob administração judicial
ou extrajudicial das pessoas ali identificadas.
A consequência jurídica da violação a essa restrição é da nulida-
de absoluta por nítida proibição legal (CC, art. 166).
A legislação brasileira taxativamente disciplina cinco situações
de nulidade absoluta e se encontra assentada na ideia, entre ou-
tras, da eticidade e da confiança que devem estar presentes na
relação entre as pessoas que administram os bens de outrem, por

35. MONTEIRO, Washington de Barros. Curso de Direito Civil. 34ª edição. São Paulo:
Saraiva, i997, v. 5, p. 106.
Cap. 1 • Compra e Venda 391

assim dizer. FLÁv10 TARTUCE 36 adverte que tais restrições "envolvem a


própria liberdade de contratar, pois há vedação de celebração do
negócio jurídico entre determinadas pessoas".

~·'.c<>ffi~··~·.~a~1f~&~'.~§AA~~~~:~~4~·,~~:~u~ ~&~·~·~Ji~~·.•··3· ·
• Arr~matação ~é bem,,por.. o~cia' d~J~s~lça ap051entado: . . . .. •. ·. .
Avedaçãe> contid.~ .11? att'.. 4~7.111, ct~içc;.n~<rifn~ecfj: Q 9fi4li<l(deJw~ti<;<l~
aposentado de arrematar ~f:11Ti em. ltast~ ptíblq< R~~P.'1·~~9 ..~16-RS,
Rei. Min;. Humberto Martins, bJe. 6;5,1s;·2a t. (lnió STf 561)/ ·· · · ·.·· · · ·
,' ' ' '

CARLOS RosERTO GoNÇALVEs 37


lembra que o parágrafo único do art. 497
estende as proibições da celebração da compra e venda previstas
na cabeça do aludido artigo de lei à cessão de crédito "em razão
da proximidade da cessão com a compra e venda".
Ao afirmar a regra, por exemplo, que os tutores, curadores e
testamenteiros não podem realizar compra e venda dos bens que
lhes forem confiados por força de uma tuteta, curatela ou testa-
mentaria, cria-se uma correta presunção absoluta de ilegalidade
desta alienação onerosa, em tais condições.
O inciso li do art. 497 traz nítida concretização dos princípios
constitucionais da moralidade e impessoalidade da Administração
Pública, presentes no art. 37 da CF/88, reconhecendo a nulidade da
compra e venda realizada em benefício de servidor público sobre
bens ou direitos da pessoa jurídica que servirem, ou que estejam
sob sua administração direita ou indireta.
Mutatis mutandis, o inciso li do aludido preceito ao afirmar que
os juízes, secretários de tribunais, arbitradores, peritos e outros
serventuários auxiliares da justiça não poderão firmar compra e
venda sobre bens ou direitos que se litigar no aludido tribunal,
juízo ou conselho, no lugar onde servirem, ou a que se estender a
sua autoridade, nada mais faz senão prestigiar as noções éticas - e
porque não dizer republicanas - de imparciatidade e de equidis-
tância.

36. TARTUCE, Flávio. Direito Civil. Teoria Geral dos Contratos e Contratos em Espécie.
10• edição. São Paulo: Método, 2015, p. 290.
37. GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito Civil Brasileiro. Contratos e Atos Unilaterais.
9• edição. São Paulo: Saraiva, 2012, p. 243.
392 Direito CiVll - Vol. 13 • Luciano Figueiredo e Roberto Figueiredo

CRISTIANO CHAVES oE FARIAS E NELSON RosENVALD 38 lecionam que a validade


da compra e venda no caso referido "depende de expressa autori-
zação judicial, como requisito específico para o ato (legitimação)", no
que ousamos divergir, isto porque, mesmo em se considerando o
fundamento da inafastabilidade da jurisdição, segundo o qual ne-
nhuma lesão ou ameaça à direito será afastada da apreciação do
Poder Judiciário, a lei é taxativa ao vedar a prática deste contrato
e o qualifica como nulo de pleno direito.
concluídas as reflexões em torno do consentimento e da legiti-
mação, é tempo de estabelecer-se análise sobre o segundo, e não
menos importante, elemento do contrato de compra e venda, qual
seja o preço.

2.2. Preço
"É o segundo elemento essencial da compra e venda. Sem a sua
fixação, a venda é nula (sine pretio nu/la venditio, dizia Ulpiano)",
como leciona CARLOS RosERTo GoNÇALVEs 39 • Não há venda sem pagamento
do preço.
o preço deve ser certo, determinado ou determinável, sério,
em moeda nacional e justo, guardando relação sinalagmática e co-
mutativa com a coisa adquirida.
o preço pode ser previamente acertado pelas partes, sendo
determinado, ou posteriormente precisado, sendo determinável. O
preço determinável pode ser arbitrado por terceiro, taxa da bolsa
de valores, variação de mercado de certo e determinado lugar e,
até mesmo, em função de índices ou parâmetros suscetíveis de
objetiva determinação.
Recorda CARLOS RosERTO GoNÇALvEs4º ser possível se utilizar de vários
outros modos de determinação futura do preço, tais como "o preço

3s. FARIAS, Cristiano chaves de, e ROSENVALD, Nelson. Curso de Direito Civil. Contra-
tos. 5• edição. São Paulo: Atlas, 2015, p. 622.
39. GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito Civil Brasileiro. Contratos e Atos Unilaterais.
9• edição. São Paulo: Saraiva, 2012, p. 221.
40. GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito Civil Brasileiro. Contratos e Atos Unilaterais.
9ª edição. São Paulo: Saraiva, 2012, p. 222.
Cap. i • Compra e Venda 393

do custo, o preço em vigor no dia da expedição, a melhor oferta, o


preço do costume etc.". PAULO Luiz Nmo Lõso 41 reconhece a possibili-
dade de se utilizar, inclusive, da variação do preço de petróleo no
mercado nacional como critério de fixação de preço, em casos de
compra e venda de seus derivados.
o preço, na hipótese de pagamento em prestações, poderá ser
atualizado, através da cláusula de escalonamento progressivo (CC,
art. 316). Logo factível eleição de um índice de atualização, como
IGPM, INPC. .. É o princípio do aumento progressivo incidente nas
batizadas dívidas de valor.

A banca IESES, no concurso cartório TJ-PB, ano de 2014, considerou In-


correta a seguinte assertiva: "Não é lícito estipular o aumento progres-
sivo de .prestações sucessivas".

Contudo, à vista do princípio da equivalência material dos con-


tratos, seja para evitar ocorrência de lesão, onerosidade excessiva,
abuso do direito ou enriquecimento sem causa, é possível afirmar
que a cláusula de escalonamento sofra limitações na etiddade e na
função social dos contratos, de modo a preservar a eficácia interna
e externa das relações negociais.

~· Como os TRIBUNAIS estão decidindo isto?


o SUPERIOR TRIBUNAL DE. JUSTIÇA no REsp. 339~254/RS reconheceu em contrato de
compra e venda a possibilidade de utilização do IGPM e INPCafirmando
que .isto "não reve.la aQusividade, sendo o índice eleito perJeitamente
legal, de uso correnter adml.tldo pela jurisprudência da Corte. em dive~os
Julgadas".

Nesta esteira de pensamento, o anatocismo (cobrança de juros


sobre juros), assim como o desrespeito à anualidade para os rea-
justes e as correções monetárias, deve ser visto com as devidas
restrições. Sobre o assunto, a Lei da Usura (Decreto-Lei 22.626/33 e
a Lei Federal l0.192/2001) considera nula de pleno direito qualquer
estipulação de reajuste ou correção monetária de periodicidade in-

41. LÔBO, Paulo Luiz Netto. Comentários ao Código Civil. Coordenação de Antônio
Junqueira de Azevedo. São Paulo: Saraiva, 2003, v. 6. p. 48.
394 Direito Civil - Vol. 13 • Luciano Figueiredo e Roberto Figueiredo

ferior a um ano. Tais fatores constituem importantes balizamentos


42
ao aumento progressivo, verbera FLÃv10 TARTUCE •

Ainda nas regras objetivas, o art. 317 do Código Civil traz o prin-
cípio da revisão por desproporção, o qual. igualmente, tem íntima
relação com a função social dos contratos e a equivalência material
das prestações. Aduz o artigo: "Quando, por motivos imprevisíveis,
sobrevier desproporção manifesta entre o valor da prestação devida
e o momento de sua execução, poderá o juiz corrigi-lo, a pedido da
parte, de modo que assegure, quanto possível, o valor real da pres-
tação".
Seguindo na análise do preço, o que não se permite, todavia, é
a sua indeterminação absoluta ou a submissão deste ao exclusivo
arbítrio de um dos contratantes. Tais fatos levarão à nulidade ab-
soluta do contrato de compra e venda (CC, art. 489). Tem-se uma
ilícita condição puramente potestativa ou arbitrária, a qual subor-
dina os efeitos do negócio jurídico ao puro arbítrio de uma das
partes (CC, art. 122)

~ E na hora da prova?
A banca examinadora FCC, em prova de concurso realizada para o
provimento do cargo de Técnico Ministerial - Execução de Mandados,
MPE-MA, ano 2013, considerou correta a seguinte assertiva: "Nulo é o
contrato de compra e venda, quando se deixa ao arbítrio exclusivo de
uma das partes a fixação do preço."

Lecionam CR1sr1AN0 CHAVES DE FARIAS E NELSON RosrnvALD 43 que o art. 489


do cc, ao vedar a fixação do preço por exclusivo arbítrio de um
dos contratantes, acaba por também proibir o preço cartelizado -
teia-se: "manipulado por empresas unilateralmente, estabelecendo
acordos para dominar o mercado".
E o que fazer caso verifique-se um contrato de compra e venda
no qual não há acertamento do preço?

. TARTUCE, flÁv10. ln Direito Civil - Direito das Obrigações e Responsabilidade Civil.


42
Vol. 2. São Paulo: Método, 2012, p. 128.
3. FARIP.S, Cristiano Chaves de, e ROSENVALD, Nelson. Curso de Direito Civil. Contra-
4
tos. s• edição. São Paulo: Atlas, 2015, p. 626.
Cap. i • Compra e Venda 395

Na forma do art. 488 do CC "convencionada a venda sem fixação


de preço ou de critérios para a sua determinação, se não houver
tabelamento oficial, entende-se que as partes se sujeitaram ao preço
corrente nas vendas habituais do vendedor", sendo que "na falta de
acordo, por ter havido diversidade de preço, prevalecerá o termo
médio", conforme parágrafo único do mesmo preceito legal.

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D1~m'l C1vi~''"~(tfqltci de àcôiréto-~otir~ o'Pre~p; sê p~tisurii<i-c6ticlufdd
a compr~ e veildd. n. parágrafo, nnU:o;"da tirl~ 488 somente se-.ap/ica se
houver dtversos preços habltUi:l/mente1pratic:ados •pélóyendec;for, em case
que prevalecerá o termo mécflo#. ·· · ·
O preço, em regra, deve ser expresso em moeda corrente
(reais). Como obrigação que o é, submete-se a compra e venda ao
princípio do nominalismo. Nas pegadas do art. 315, as dívidas pe-
cuniárias devem ser pagas em moeda corrente, no lugar do cum-
primento e pelo valor nominal. Este valor é aquele fixado pelo
Poder Público quando da emissão ou cunhagem da moeda, como
adverte CARLOS RosERro GoNÇALVEs44 • Trata-se de comando geral previsto
e que deve ser respeitado para as denominadas dívidas em dinhei-
ro (moeda de curso forçado)~.
-- -
, ~,; -< ;,J,':i:;;;~i:i?Aji; ,' ',,
~·- AtênÇãó1·
Por c()!lta)id,ci; f!~mi~~'i$IDó;.rie
menti:>; em -- ' - .i --·.

(dlrt,tt~jrd~~L

~ E na hora da prova?
A banca examinadora CESPE, no concurso da PGE-BA, ano de 2014, con-
siderou correta a seguinte assertiva: "Em regra, as obrigações pecuniá-
rias somente podem ser quitadas em moeda nacional e pelo seu valor
nominal".

44. ln Direito das Obrigações - Parte Geral. V. 5. São Paulo: Saraiva, 1998. p. 62.
45. ln Direito Civil Brasileiro - Teoria Geral das Obrigações. Vol. 2. São Paulo: Saraiva,
2010, p. 271.
396 Direito Civil - Vol. 13 • Luciano Figueiredo e Roberto Figueiredo

Em uma análise fria do prmc1p10 do nominalismo, quem em-


presta 50 (cinquenta), deve receber 50 (cinquenta), mesmo com as
valorizações ou desvalorizações. Para combater a quebra da equi-
valência material das prestações, soma-se ao nominalismo a neces-
sidade de correção monetária, generalizada pela Lei 6.899/81 para
dívidas em dinheiro de qualquer espécie. Diuturnamente há vários
índices de utilização passíveis de utilização, como IPC, TR, IGPM.
Na linha do nominalismo, o art. 318 do CC veda, como regra, o
pagamento em ouro ou moeda estrangeira. Trata-se, em regra, de
ato jurídico nulo (Decreto-Lei 857/1969). Excepcionalmente, porém,
permite-se pagamento em moeda estrangeira, se for hipótese de
obrigação (contrato) internacional ou autorizado em lei especial.
Trata-se da chamada cláusula ouro, que em regra ocasionará a
nulidade do contrato 46 •

• Atenção!
Exemplos de autoriz~ção em lei especial na qual se possibilita o paga-
mento em moeda estrangeira veem-se nos arts. 2° e 3° do D.ecreto-Lei
857/69 e no art. 6° da Lei Federal 8.880/94; quais sejam: empréstimos
ou obrigações cujo credor ou devedor seja domiciliado no exterior e
que nãO se refiram à locação de imóveis brasileiros; compra e venda
de câmbio; importação ou exportação de mercadorias; leasing (arren-
damento mercantil), etc.

., Atenção!
As locaçÕ~s de imóveis. cujo paga,mento se pactue mec;liante moeda
estrangeira.devem s.er. registrad~s no B,aoco ce.1;1tral, sob, pena d~ in-
validade, éonforme as disposiçoes. constantes nas leglslaÇões supra-
mencionadas. .· · · ·

~ E na hora da prova?
(IESES - Cartório - TJ - PB/2014) Em relação ao adimplemento das obri-
gações, assinale a alternativa correta:
a) Não é válido convencionar pagamento de obrigação em ouro, salvo
previsão em lei especial.

46. ln Direito Civil. 4. ed. São Paulo: Método, 2009. p. 80, onde os julgados dos alu-
didos Tribunais também estão catalogados.
Cap. l • Compra e Venda 397

b) Não é possível a correção da prestação contratada, ainda que por


motivos imprevisíveis sobrevenha manifesta desproporção entre o
valor da prestação devida e do momento de sua execução.
c) Não é lícito estipular o aumento progressivo de prestações suces-
sivas. ·
d) o credor não é obrigado a receber prestação diversa da que lhe é
devida, salvo se for niais valiosa.
Gabarito: A

Interessante notar que o Decreto no 5.903/06, em seu art. 20,


prescreve que os preços deverão ser informados adequadamente
ao consumidor, de modo a garantir a estes a correção, clareza, pre-
cisão, ostensividade e legibilidade das informações prestadas. Eis
a teoria do preço justo a que se reporta o espanhol LU1s DE MouNA,
como lecionam CR1sr1AN0 CHAVES DE FARIAS E NnsoN RosENVALo41.

Em suma: o preço há de ser sério e real "correspondente ao


valor da coisa, e não vil ou fictício", o que significa, em outras pala-
vras, ser este necessariamente um preço normal, de acordo com
as circunstâncias do caso concreto "ao corrente no mercado, ou na
Bolsa", com sustenta CARLOS Roernm GoNÇALVEs48 •

Dito isto, é hora de estudarmos o último elemento da compra e


venda, qual seja a coisa .

2.3. Coisa

O objeto da compra e venda é a res, a coisa, o bem da vida que


será - após o pagamento do preço - transferido para o adquirente.

Evidentemente, o bem deverá ser, necessariamente, passível


de transferência, alienável, transmissível. órgãos do corpo huma-
no (CF/88, art. 199.§4°) e direitos da personalidade (CC, art. 11), por
exemplo, não podem ser objeto de compra e venda. Lembra CARLOS

47- FARIAS, Cristiano Chaves de, e ROSENVALO, Nelson. Curso de Direito Civil. contra-
tos. s• edição. São Paulo: Atlas, 2015, p. 629.
48. GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito Civil Brasileiro. Contratos e Atos Unilaterais.
9ª edição. São Paulo: Saraiva, 2012, p. 225.
398 Direito Civil - Vol. 13 • Lucíano Figueiredo e Roberto Figueiredo

ROBERTO GoMÇALVEs49 que a coisa litigiosa pode ser objeto de compra e

venda (de transferência), nos termos dos ans. 457 do CC e 42 do CDC.

., E na hora da prova?
A banca examinadora CESPE, em prova de concurso realizada para o
provimento do cargo de Analista Administrativo-Direito, TCE-ES, ano
2013, considerou correta a seguinte alternativa: NA coisa litigiosa pode
servir de objeto da compra e venda, afastando-se, nesse caso, a res-
ponsabfüdade pela evicção, assumindo o comprador os riscos decor-
rentes da perda da coisa, desde que este tenha conhecimento de que
se trata de um objeto de litígio e assuma o risco."

Preceituam CRISTIANO CHAVES OE FARIAS E NELSON RoSENVAL0 50 que "o objeto do


contrato pode ser um bem móvel ou imóvel, corpóreo ou incorpóreo,
tendo existência material ou Imaterial (neste último caso, a compra e
venda é chamada de cessão onerosa). Admite-se, até mesmo, a venda
de coisa incerta (CC, art. 243) e a venda alternativa (CC, art. 252)".
justamente por isto é que será "nula a venda de coisa inexisten-
te", como advene CARLOS RoBERTO GoNÇALVEs51, no que concordamos.
os mencionados autores explanam não ser possível a compra
e venda sobre serviços pois, nesta hipótese, ou se "caracteriza o
contrato de prestação de serviços ou o contrato de empreitada, a
depender do objeto ajustado".
É curioso notar também que a legislação cível permitirá tanto a
compra e venda de coisa futura (à exemplo da compra de imóvel
ainda em construção), quanto a compra e venda de bem não per-
tencente ao alienante.
Eis o an. 483 do CC: "a compra e venda pode ser objeto de coisa
atual ou futura. Neste caso, freará sem efeito o contrato se esta não
vier a existir, salvo se a intenção das partes era de concluir contrato
aleatório".

49. GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito Civil Brasileiro. Contratos e Atos Unilaterais.
9• edição. São Paulo: Saraiva, 2012, p. 227.
50. FARIAS, Cristiano Chaves de, e ROSENVALO, Nelson. Curso de Direito Civil. Contra-
tos. 5• edição. São Paulo: Atlas, 2015, p. 630.
51. GONÇl\LVES, Carlos Roberto. Direito Civil Brasileiro. Contratos e Atos Unilaterais.
9ª edição. São Paulo: Saraiva, 2012 .. p. 225.

----------·-----
Cap. i • Compra e Venda
399

., E na hora da prova?
~no: ~013 Ban.c?: ~cc órgão: TRT - 5ª Região (BA) Prova: Analista Judiciá-
rio - Area Jud1c1ária
No tocante ao contrato de compra e venda, é correto afirmar que
a) a compra e venda pode ter por objeto coisa atual ou futura, neste
caso ~cand~ o contrato sem efeito se a coisa não vier a existir, salvo
se a mtençao das partes era a de concluir contrato aleatório.
b) é defe~o às partes fix:'-r .º preço em função de índices ou parâme-
t~o~, amda que suscet1ve1s de determinação objetiva, pois é obriga-
tona a fixação em moeda corrente.
c) em obediência ã autonomia da vontade, válido o contrato de com-
pra e venda, quando se deixa ao arbítrio exclusivo de uma das
partes a fixação do preço.
d) até o momento da tradição, os riscos da coisa correm por conta
do comprador, e os do preço por conta do vendedor, inclusive em
todas as situações nas quais possam ocorrer casos fortuitos.
e) não sendo a venda a crédito, o comprador não é obrigado a pagar
o preço antes de receber a coisa.
Gabarito: A

Sobre o assunto, interessante a disciplina do § 10 do art. i. 2 68


do CC: "se o adquirente estiver de boa-fé e o alienante adquirir de-
pois a propriedade, considera-se realizada a transferência desde 0
momento em que ocorreu a tradição". A isto a jurisprudência deno-
mina venda a non domino.
52
FLÁv10 TARTUCEvisualiza "a venda a non domino, por aquele que
não é o dono, é hipótese de ineficácia do contrato, e não de sua ine-
xistência ou invalidade". CARLos RoarnTo GoNçALVEss3 ilustra 0 inédito art.
483 do CC, sem correspondência no anterior CC/16, com a compra
"do bezerro da vaca prenhe", ou ainda com "a do produto que está
sendo fabricado em série pela indústria".

52. TARTUCE, Flávio. Direito Civil. Teoria Geral dos Contratos e Contratos em Espécie.
io• edição. São Paulo: Método, 2015, p. 275.
53. GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito Civil Brasileiro. Contratos e Atos Unilaterais.
9ª edição. São Paulo: Saraiva, 2012, p. 225/226.

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400 Direito Civll - Vol. 13 • Luciano Figueiredo e Roberto Figueiredo

., E na hora da prova?
A banca examinadora VUNESP, em prova de concurso público realiza-
da para o provimento do cargo de Juiz do TJ-SP, ano 2014, considerou
correta a seguinte alternativa: "b) Na venda a non domino, estando
o adquirente de boa fé e o alienante adquirir depois a propriedade,
convalida-se o ato, considerando,se realizada a transferência desde o
momento em que ocorreu a tradição.".

~ Cqll1Q.~~8~~~{;,): t~~~~~~~·~:J~~~1·.t:,. ·;~;:·~~~{


O SUPERIOR TRIBUNAt: óE'1Jusf1ÇA '~~~l~l~ CÍÍJ~; ~ V~Mâa'.(100 dbrrll.n<i;ê'íl
jurídico válido que gera "ineficácia ~"! relaça.o ao verus d~~i~~s" ç
se vê no REsp. 39.110/MG). ·

Portanto, o último elemento configurador da compra e venda é


a coisa, que deve ser corpórea e comerciável. Concluída a análise
sobre o consentimento, o preço e a coisa, é chegado o momento
de apreciarmos os efeitos principais desta compra e venda cons-
tituída, vale dizer, estudar a compra e venda no plano da eficácia
(dos seus efeitos).

3. EFEITOS PRINCIPAIS DA COMPRA E VENDA


Seguramente, o efeito imediato da compra e venda está, de um
lado, no pagamento do preço e, de outro, na transferência da pro-
priedade, o que evidencia a natureza obrigacional deste contrato
típico. Nos termos do art. 491 do CC, "não sendo a venda a crédito,
o vendedor não é obrigado a entregar a coisa antes de receber o
preço".
Da análise destes efeitos principais do contrato de compra e
venda é possível verificar que a primeira obrigação deste negócio
jurídico é depositada sobre o comprador adquirente e diz respeito
ao pagamento do preço.
Enquanto o preço não for pago (via de regra e para as compras
e vendas à vista), o alienante não será obrigado a transmitir a
propriedade. Portanto, aplica-se a regra da exceção do contrato
não cumprido (exceptio non adimpleti contractus), que poderá ser
afastada pela cláusula contratual solve et repete (pague e depois
reclame).
Cap. i • Compra e Venda 401

Em síntese: o primeiro efeito da celebração da compra e venda


é de natureza obrigacional e constitutivo de uma obrigação impu-
tável ao adquirente-comprador, qual seja a de pagar quantia em
dinheiro em face do alienante-vendedor.
Em se tratando de compra e venda sem cláusula de arrepen-
dimento e submetida às regras gerais, o não cumprimento desta
obrigação configura inadimplemento contratual e gera responsabi-
lidade civil negocial, autorizando o credor contratante a buscar o
efetivo cumprimento do contrato, assim como eventuais perdas e
danos (CC, arts. 389 e 402).

. e.í(qlJei~cÔ.~p~·
'.;çcmferind<i pode-·
···bem <Jdquifldo",

Outra importante regra é a do art. 495 do CC segundo a qual "não


obstante o prazo ajustado para o pagamento, se antes da tradição o
comprador cair em insolvência, poderá o vendedor sobrestar na en-
trega da coisa, até que o comprador lhe dê caução de pagar no tempo
ajustado". Trata-se de outra importante regra que está diretamente
relacionada com o principal efeito da compra e venda, qual seja o
pagamento do preço antes da transmissão da propriedade.
Evidentemente que o segundo e imediato efeito do contrato de
compra e venda será o da transmissão do bem objeto do negócio
jurídico. Trata-se de obrigação de fazer imposta ao vendedor-alie-
nante e exigível após o pagamento do preço, na exata medida do
que determina o art. 481 do CC: "Pelo contrato de compra e venda,
um dos contratantes se obriga a transferir o domínio de cerca coisa e
o outro a pagar-lhe certo preço em dinheiro" 54 • Deverá, pois, transfe-
rir o domínio da coisa nos termos do quanto contratado.

54. Os Códigos Civis da Espanha, Argentina, Portugal e Chile também utilizam a ex-
pressão compra e venda. Outros ordenamentos jurídicos simplesmente deno-
minam apenas de venda (legislações inglesa, italiana e francesa, ou compra
(Códigos Civis da Alemanha e da Áustria).
402 Direito Civil - Vol. 13 • Luciano Fígueiredo e Raberto Figueiredo

Contudo, para além destes efeitos ordinários do contrato de


compra e venda (pagamento do preço e transferência da proprie-
dade), decerto que outros efeitos também podem surgir em de-
corrência da aludida pactuação, notadamente no tocante à seara
da responsabilidade civil, entre os quais aqueles concernentes aos
vícios ocultos, que estudaremos a partir de agora.

3.1.·vícios Redibit6rios
Como contrato oneroso que o é, a compra e venda traz para si
a incidência da teoria dos vícios redibitórios, tema já estudado em
capítulo específico da parte geral. Sobre o assunto, então, remete-
-se o leitor ao específico capítulo desta obra.

3.2. Perda ou Deterioração da Coisa


Para compreensão, inicialmente, vale recordar: a compra e ven-
da por si somente não transferirá a propriedade. Exige a tradição,
para bens móveis (CC, art. i.267), e o registro, para bens imóveis
(CC, art. i.245), como mecanismos de transferência real do domínio.
Justamente por conta disto é que será possível um perecimento ou
uma deterioração antes da tradição ou do registro.
O art. 237 do CC se harmoniza com a regra prescrevendo que
"até a tradição pertence ao devedor a coisa, com os seus melhora-
mentos e acrescidos".
Além da disciplina geral do perecimento e deterioração encon-
trada na teoria geral das obrigações a partir do art. 233 do CC,
será preciso compreender o tema à luz do regramento específico
encontrado nas próprias disposições da compra e venda.
Na forma do art. 492 do CC, "até o momento da tradição, os riscos
da coisa correm por conta do vendedor, e os do preço por conta do
comprador". Todavia, o §1° do referido preceito apresenta uma im-
portante ressalva nos seguintes termos: "os casos fortuitos, ocorren-
tes no ato de contar, marcar ou assinalar as coisas, que comumente
se recebem, contando, pesando, medindo ou assinalando, e que já
tiverem sido postas a disposição do comprador, correrão por conta
deste". Arremata o §1°: "Correrão também por conta do comprador
Cap. i • Compra e Venda 403

os riscos das referidas coisas, se estiver em mora de as receber, quan-


do postas à sua disposição no tempo, lugar e pelo modo ajustados".
Sem dúvida o art. 492 do CC traz a distribuição dos riscos e o
cerne da questão disciplinadora da perda ou do perecimento do
bem objeto da compra e venda, devendo ser analisado com toda
a atenção. Contudo, aqui se trata de regra dispositiva a permitir
disciplina em sentido contrário pelos contratantes, nos limites da
função social do contrato e da boa-fé objetiva, a que aludem os
arts. 421 e 422 do CC.
O princípio res perit domino (a coisa perece em face do dono)
auxiliará na identificação da responsabilidade pela perda ou dete-
rioração. Em outras palavras: enquanto não houver a tradição ou
o registro, o proprietário continuará sendo o alienante (vendedor),
que sofrerá a responsabilidade civil pela perda ou deterioração,
sem culpa das partes, do bem objeto da compra e venda. Após a
tradição ou, após o registro, a responsabilidade civil pela perda ou
deterioração do bem já será o adquirente (comprador).

., E na hora da prova?
Ano: 2014 Banca: FCC Órgão: Prefeitura de Recife - PE Prova: Procurador
Mateus vende um veículo a Celso e combina a entrega para o dia 22 de
janeiro, em sua residência, com retirada a ser feita pelo comprador.
Na data combinada, sem justificativa, Celso não aparece para receber
o bem, fazendo-o apenas no dia 25 daquele mês. Entre os dias 22 e 25,
porém, o veículo é furtado da residência de Mateus. O prejuízo deverá
ser suportado por
a) Celso, pois, até a tradição, os riscos correm por conta do compra-
dor, salvo em caso de mora do vendedor.
b) Mateus, que, além de perder a coisa, não terá direito de indeniza-
ção contra o comprador.
c) Celso, pois, embora os riscos da coisa, até a tradição, corram por
conta do vendedor, o comprador estava em mora de a receber.
d) Celso e Mateus, na proporção de 50% cada um, em vista da comuta-
tividade do contrato de compra e venda.
e) Mateus, que, no entanto, possui direito de postular indenização
equitativa em razão da mora do comprador.
Gabarito: C
404 Direito Civil - Vol. 13 • Luciano Figueiredo e Roberto Figueiredo

Ano: 2015 Banca: FCC órgão: MANAUSPREV Prova: Procurador Autárquico


Na compra e venda
a) os riscos da tradição, em regra, correm por conta do vendedor.
b) o vendedor é obrigado a entregar a coisa antes de receber o preço,
mesmo que o negócio tenha sido praticado à vista.
e) não pode o cônjuge, na constância do casamento, alienar um bem a
outro, ainda que particular.
d) a entrega da coisa é pressuposto de existência do contrato.
e) o vendedor sempre responde pelos débitos, até o momento da
tradição.
Gabarito: A

Em síntese: "a tradição é o marco divisor na responsabilidade pela


perda ou deterioração. Como em nosso sistema o contrato não trans-
mite a propriedade, a coisa continua a pertencer até sua entrega, ain-
da que a posse esteja com terceiro". A lição é de SfLv10 oe SALVO VeNosA55 •

~ Atenção! . . .
o art ..494 dó cc prescreve .que "se a coisa for expe<li~,a para lúgar di-
verso, por ordem do comprador, por sua C()QtÇl correréfo ó5 risC()$, uma
vez entregue a quem haja de transportá-la, $al\lo se da$ instruÇões dele
se afastar o vendedor". Neste caso, a tradlçã,o qe
~bJeto da compra e
venda ocorrerá a partir do momento em ~µe () ~~ln es'fi\l~~·a dispos~~
ção do comprador. · · · ·· · .

Ainda sobre os efeitos da compra e venda será importante


apreciar a questão alusiva às despesas com a tradição e com o
registro civil do imóvel. É o que veremos a partir deste instante, de
maneira direta e objetiva.

3.3. Despesas com a Tradição e com o Registro Civil


A disciplina sobre as despesas com a tradição e o registro civil
se encontra no art. 490 do CC nos seguintes termos: "salvo cláusula

55. VENOSA, Silvio de Salvo. Compromisso de Compra e Venda com Eficácia Real. ln.
DELGADO, Mario Luiz (Coord.). Novo Código Civil - Questões Controvertidas. São
Paulo: Método, 2004, v. 2, p. 35.
Cap. 1 • Compra e Venda 405

em contrário, ficarão as despesas de escritura e registro a cargo do


comprador; e a cargo do vendedor as da tradição".

~ E na hora da prova?
Ano: 2014 Banca: VUNESP Órgão: TJ-PA Prova: Juiz de Direito Substituto
No contrato de compra e venda, as despesas de escritura, registro e
tradição ficarão a cargo:
a) sempre do comprador.
b) no silêncio do contrato, as de eséritura e registro com o comprador,
e as de tradição, com o vendedor. ·
c) sempre do vendedor
d) salvo cláusula em contrário, todas as despesas serão divididas.
e) na falta de acordo, com o comprador.
Gabarito: B

o tema é bem simples e desdobrado, de um lado, nas compras


e vendas de imóveis e, de outro lado, nas compras e vendas de
bens móveis.
É dizer: se estivermos diante de um contràto de compra e ven-
da de bem imóvel as despesas cartorárias, com a escritura pública
e o registro civil do imóvel em nome do adquirente ficarão por
conta do comprador. Será o comprador, destarte, o obrigado a
arcar com todas estas despesas.
Por outro lado, nas compras e vendas que envolvam bens mó-
veis as despesas decorrentes da tradição (entrega) da coisa móvel
são de obrigação do alienante-vendedor.
Como o objeto do direito aqui é exclusivamente disponível e
patrimonial, não se referindo a qualquer tipo de direito funda-
mental da personalidade humana, é óbvio que as partes poderão
ajustar disciplina jurídica distinta. Desta maneira, se as partes não
estipularem em sentido contrário ao da norma supletiva, quem
pagará pelas despesas da escritura pública e seu registro será o
comprador. Pelas despesas decorrentes da entrega (tradição) do
bem o vendedor estará responsabilizado.
Estes são os efeitos principais e as consequências jurídicas mais
relevantes de um contrato de compra e venda.
406 Direito Civil - Vol. 13 • Luciano Figueiredo e Roberto Figueiredo

É chegado o momento, superado o tema anterior, de se estudar


as situações especiais de compra e venda.

4. SITUAÇÕES ESPECIAIS DE COMPRA E VENDA

Como afirmado alhures, à luz do princípio da intervenção mí-


nima do Estado nas relações particulares e, diante do princípio da
autonomia privada segundo a qual aqui/o que não for expressamente
proibido pela norma será permitido (CF/88, art. 50, inciso 1), é correto
afirmar que as partes contratantes estão autorizadas a pactuar com-
pra e venda em situações especiais, algumas destas tratadas em
certa medida pelo Código Civil, a saber: venda por amostras, protó-
tipos ou modelos, como também a venda ad corpus e ad mensuram.
Vamos estudar estas situações.

4.1. Venda por Am,ostras


O art. 484 do CC reza que: "Se a venda se realizar à vista de
amostras, protótipos ou modelos, entender-se-á que o vendedor as-
segura ter a coisa as qualidades que a elas correspondem". o direito
brasileiro autoriza, portanto, a celebração do contrato de compra
e venda nesta situação especial de se utilizar amostras, protóti-
pos ou ainda modelos, desde que o alienante, em situações como
estas, assegure, sob pena de responsabilidade civil, que a coisa
entregue ao adquirente tenha as mesmas qualidades da amostra,
do protótipo ou, finalmente, do modelo.
Ao analisar esta situação especial da compra e venda CR1sr1AN0
CHAVES DE FARIAS E NELSON RosENVALDs 6 defendem a ideia segundo a qual
"amostras, protótipos ou modelos são objetos destinados ao ofere-
cimento ou à publicidade, permitindo a demonstração da qualidade
de um determinado produto com vistas à sua divulgação e posterior
aquisição pelos interessados".
Para ilustrar esta situação especial de compra e venda basta
recordar o hábito brasileiro da venda sobre cosméticos, perfumes,

56. FARIAS. Cristiano Chaves de, e ROSENVALD, Nelson. Curso de Direito Civil. Contra-
tos. 5• edição. São Paulo: Atlas, 2015, p. 640.
Cap. 1 • Compra e Venda 407

assim como sobre produtos de beleza, que se realizam com a apre-


sentação prévia de um mostruário, de modo que o negócio jurídico
somente será finalizado após a tradição.

~ E na hora da prova?
Ano: 2014 Banca: FCC órgão: TRF - 3ª REGIÃO f>rova: Analista Judiciário -
Área Judiciária
Considere uma venda realizada à vista de amostras, protótipos ou
modelos. Neste caso, de acordo com o Código Civil brasileiro, em. regra,
a referida venda é
a) amparada pela legislação sendo que, se houver contradição ou dife-
rença com a maneira pela qual se descreveu a coisa no contrato de
compra e venda, prevalecerá a amostra, o protótipo ou o modelo.
b) vedada em razão da proibição da celebração de contrato de com-
pra e venda com base em amostras, protótipos ou modelos.
c) amparada pela legislação sendo que, se houver contradição ou dife-
rença com a maneira pela qual se descreveu a coisa no contrato de
compra e venda, prevalecerá o contrato celebrado entre as partes.
d) vedada se a celebração do contrato for realizada entre pessoas
físicas.
e) amparada pela legislação sob a condição de que as amostras, pro-
tótipos ou modelos tenham sido aprovados pelos órgãos de fiscali-
zação administrativa, bem como façam parte integrantes do contra-
to de compra e venda, independentemente de descrição da coisa.
Gabarito: A

Há quem defenda que se trata de negócio jurídico sob condição


suspensiva, como adverte FlÁv10 TARTUcEs 7, ao argumento de que o
negócio só se tornará perfeito e acabado quando da entrega do
objeto que tenha identidade com a amostra.

l> A~nçâl)~', . . ·. ·.· . • . ·.· .· . • . ..··· .• ·. ...... . . ·. .· ·. ••. ·. ....... ·.t' ;\


A tegislaÇã~fíV:e.lqi$ÇiJ?lirt~ no Jllesm~ Pf~~~t~,º.·llºffíl.ªti'1~.ª~ ªrt1t1stras,
os prot~tlJ!~~e osjn~delos.A dôutrina; po.r sua vez; dlstmgue os con-
ceitos juríd~ê!Js a: S:aber:' ·

57 . TARTUCE, Flávio. Direito Civil. Teoria Geral dos Contratos e Contratos em Espécie.
io• edição. São Paulo: Método, 2015, p. 294.
408 Direito CMI - Vol. 13 • Luciano Figueiredo e Roberto Figueiredo

~~o~tr.a: .ffação o~ P,art~,~a<Ju,il() t;Ju~ l'e desej~ Jénder{,a ~xerTlpjQ de


uma:banC,léja. de
quéijÓs·:~lri'.'tl!Ji~ f()j~ para: (Jõé o cll~ríjê'e)(perirnénte
e, sé dés~Jar, âdqtjira o proâut(j~ : ·· :· •.: 1 i!1 ·

Protótipos~ ê()ri~tel~~ #~ppsú1,pa.~;9


Q:4)e.rj1
exemplo'âe.um·compúta~tir·.expostó erTI urh~ilo
Mod~1o:ê a áe~J~ti~~â~itlâ;~is~:·~rntàrnã'ti~
.uma rilaquetf7~·.:·:: ( . :.:: \ .,~. . '.;; •. : ..;

A doutrina defende que a situação especial da venda por amos-


tra se submete ao princípio da simetria adequada, utilizando-se
como argumento de reforço o princípio da boa-fé contratual (CC,
art. 422), a impor confiança e dever anexo de informação. É o que
entendem, por exemplo, CRISTIANO CHAVES DE FARIAS E NELSON RosENVAL0 58 •
Como obrigação que é, a isto acrescemos a disciplina do art.
313, segundo o qual o credor não será obrigado a receber pres-
tação diversa da ajustada, ainda que mais valiosa (princípio da
exatidão).

4.2. Venda ad corpus e Venda ad mensuram

Segundo FLAv10 TARrucE 59, "no caso de compra e venda de um bem


imóvel, poderão as partes estipular o preço por medida de exten-
são, situação em que a medida passa a ser condição essencial ao
contrato efetivado, presente a venda ad mensuram. Nessa hipótese,
a área do imóvel não é simplesmente enunciativa ao contrário do que
ocorre na venda ad corpus, onde um imóvel é vendido como corpo
certo e determinado, independente das medidas especificadas no ins-
trumento, que são apenas enunciativas".
O tema está todo disciplinado no art. 500 do cc, cuja relevância
é tamanha que se faz pedagógica a transcrição do texto de lei para
melhor compreensão do assunto a ser exposto:
"Art. 500. Se, na venda de um imóvel, se estipular o preço por
medida de extensão, ou se determinar a respectiva área, e

58. FARIAS, Cristiano Chaves de, e ROSENVALD, Nelson. Curso de Direito Civil. Contra-
tos. 5" edição. São Paulo: Atlas, 2015, p. 630.
59. TARTUCE, Flávio. Direito Civil. Teoria Geral dos Contratos e Contratos em Espécie.
io• edição. São Paulo: Método, 2015, p. 298.
Cap. l • Compra e Venda 409

esta não corresponder, em qualquer dos casos, às dimen-


sões dadas, o comprador terá o direito de exigir o comple-
mento da área, e, não sendo isso possível, o de reclamar a
resolução do contrato ou abatimento proporcional ao preço.
§ lº Presume-se que a referência às dimensões foi simples-
mente enunciativa, quando a diferença encontrada não ex-
ceder de um vigésimo da área total enunciada, ressalvado
ao comprador o direito de provar que, em tais circunstân-
cias, não teria realizado o negócio.
§ 2° Se em vez de falta houver excesso, e o vendedor pro-
var que tinha motivos para ignorar a medida exata da área
vendida, caberá ao comprador, à sua escolha, completar o
valor correspondente ao preço ou devolver o excesso.
§ 3° Não haverá complemento de área, nem devolução de
excesso, se o imóvel for vendido como coisa certa e discri-
minada, tendo sido apenas enunciativa a referência às suas
dimensões, ainda que não conste, de modo expresso, ter
sido a venda ad corpus.

~ E na hora da prova?
Ano: 2014 Banca: VUNESP Órgão: TJ-SP Prova: Titular' de Serviços de Notas
e de Registros - Remoção
Sobre o contrato de compra e venda, assinale a alternativa correta.
a) Se, na venda de um imóvel, se estipular o preço por medida de
extensão, ou se determinar a respectiva área, e esta não corres-
ponder, em qualquer dos casos, às dimensões dadas, o comprador
terá o direito de exigir o complemento da área, e, não sendo isso
possível, o de reclamar a resolução do contrato ou abatimento pro-
porcional ao preço.
b) Não obstante o prazo ajustado para o pagamento, se antes da tra-
dição o comprador cair em insolvência ou for condenado ao paga-
mento de quantia em dinheiro, poderá o vendedor sobrestar na
entrega da coisa, até que o comprador lhe dê caução de pagar no
tempo ajustado.
c) Salvo cláusula em contrário, ficarão as despesas de escritura e re-
gistro a cargo do vendedor, e, a cargo do comprador, as da tradição
d) É lícito às partes fixar o preço em função de índices ou parâmetros
suscetíveis de objetiva determinação, assim como ao arbhrio exclu-
sivo de uma das partes
Gabarito: A
410 Direito Civil - Vol. 13 • Luciano Figueiredo e Robeno Figueiredo

Ano: 2014 Banca:. VUNESP órgão: TJ-SP Prova: Juiz


Na venda ad mensuram de um imóvel, tendo o comprador recebido
área superior à estipulada no contrato, ignorando o vendedor a medi-
da exata,. é correto afirmar:
a) Caberá ao ·comprador, à sua escolha, completar o valor correspon-
dente ao preço ou devolver o excesso.
b) Não haverá complemento do preço nem devolução do excesso.
c) o contrato será rescindido na totalidade.
d) Caberá ao vendedor escolher entre receber a diferença do preço ou
receber de volta o excesso da área.
Gabarito: A

A venda por extensão ou simplesmente ad mensuram é aque-


la na qual vendedor e comprador consideram como importante
a exata medida, dimensão especifica, da coisa objeto do negócio
jurídico (ex.: compro um imóvel de 125 metro quadrados).
A venda por referência meramente enunciativa ou simplesmen-
te denominada ad corpus é aquela na qual contratante e adqui-
rente não se preocupam com a medida da coisa, mas tão somente
com a própria coisa em si (ex.: quero comprar o Sítio do Pica Pau
Amarelo, independentemente do tamanho deste).
Mas efetivamente, o que aconteceria se houvesse descumpri-
mento contratual daquilo que está disciplinado no art. 500 do CC?
Sem dúvida alguma que o credor, diante do inadimplemento
negocial observado, estaria autorizado a ajuizar uma ação de na-
tureza pessoal (contratual) na qual poderia requerer, em um pri-
meiro momento, o adimplemento da cláusula descumprida em sua
exatidão, acrescido de perdas e danos (CC, 313, 389 e 402).
CARLOS RoBERTO GoNÇALVEs60 recorda que a ação ex empto ou ex ven-
dlto, que é de natureza pessoal, será a medida judicial adequada
a ser utilizada e por meio do qual se postulará o integral adimple-
mento do ajuste "mediante a entrega de toda área prometida" e,
não sendo possível complementar a área, surgirá o pedido suces-

60. GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito Civil Brasileiro. Contratos e Atos Unilaterais.
9• edição. São Paulo: Saraiva, 2012, p. 252.
Cap. 1 • Compra e Venda 411

sivo redibitório (desfazimento do negócio) ou estimatório (abati-


mento do preço).
Nada impedirá, à luz da ideia segundo a qual a reparação há
de ser a mais integral possível, que o dano pelo inadimplemento
também reflita no âmbito dos direitos da personalidade do cre-
dor, hipótese em que o mesmo estará autorizado a também pedir,
cumulativamente, reparação extrapatrimonial, como assentado
nas súmulas 37 e 387 do SUPERIOR TRIBUNAL OE JUSTIÇA.
Sustentam CRISTIANO CHAVES OE FARIAS E NELSON ROSENVAL061 que a análise
desta situação especial da compra e venda deve estar diretamen-
te relacionada com a teoria da substancial performance (teoria
do adimplemento substancial), advertindo que o §1° do art. 500
prescreve que "sendo a diferença de medição encontrada no imóvel
inferior a 1/20 (um vigésimo) da área total enunciada (ou seja, inferior
a cinco por cento), não se autoriza a adoção das medidas jurídicas
redibitórias, expostas no caput do próprio dispositivo legal".
Nessa ótica, em uma espécie de proporcionalidade abstrata,
veda o legislador aplicação da tese dos vícios redibitórios quando
a diferença percentual de área for mínima, convertendo a venda
ad mensuram em ad corpus.

~ E na hora da prova?
Ano: 2014 Banca: VUNESP Órgão: SP-URBANISMO Prova: Analista Adminis-
trativo
Na venda realizada ad mensuram, é correto afirmar que
a) se for menor o imóvel, o vendedor pode, a seu critério, complemen-
tar a área ou abater proporcionalmente o preço.
b) a diferença inferior a 1/20 (um vigésimo) da área total enunciada,
em regra não gera pretensão ao comprador de resolução contratual
ou indenização.
c) se o imóvel for menor, o comprador pode optar pela complemen-
tação da área ou abatimento proporcional do preço, mas não pode
exigir a resolução do contrato.

6i. FARIAS, Cristiano Chaves de, e ROSENVALD, Nelson. Curso de Direito Civil. Contra-
tos. 5• ediçiío. São Paulo: Atlas, 2015, p. 644.
r
412 Direito Civil - Vol. 13 • Luciano figueiredo e Roberto figueiredo

d) se o imóvel for maior, poderá o vendedor exigir, a seu critério, a


complementação do preço ou a devolução do excesso, se possível
e) em se tratando de imóvel urbano, equivalem à venda ad corpus,
cumprindo ao comprador o dever de verificar se as medidas enun-
ciadas equivalem às medidas reais.
Gabarito: B

Ao lado das situações especiais de compra e venda que acaba-


mos de estudar, existem as cláusulas especiais (adjetas) que po-
dem estar presentes neste tipo de pacto e que serão, a partir das
próximas linhas, objeto de estudo.

5. CLÁUSULAS ESPECIAIS (ADJETAS) NA COMPRA E VENDA


Existem cláusulas na compra e venda que são nitidamente aces-
sórias, todas elencadas no Código Civil vigente, a saber: retroven-
da, venda a contento e venda sujeita à prova, preempção ou prefe-
rência convencional, venda com reserva de domínio e, finalmente,
venda sobre documentos.

5.1. Retrovenda

Não se ignora que o direito de propriedade fora concebido,


inicialmente, para ser perpétuo. Esta, aliás, é uma premissa de
todo o direito de propriedade, o qual pertencerá ao proprietário
enquanto vivo este for.
Contudo, excepcionalmente, a legislação cível conta com a pos-
sibilidade de resolubilidade, a qual permite retirar a perpetuidade
do sujeito proprietário.
Recorda MARIA HELENA D1N1z 62 que, "em regra, o domínio tem duração
ilimitada. Porém, a própria norma jurídica, excepcionalmente, admite
certas situações em que a propriedade da coisa móvel ou imóvel se
torna temporária, subordinando-se a uma condição resolutivo ou ter-
mo final contido no título constitutivo do direito ou originário de causa
a este superveniente".

62. DINIZ, Maria Helena. Curso de Direito Civil Brasileiro. Direitos das Coisas. 24•
edição. São Paulo: Saraiva, 2009, p. 337.
r
Cap. i • Compra e Venda 413

Neste cenário que se coloca a retrovenda, disciplinada pelos


arts. 505 a 508 do CC.
CRISTIANO CHAVES OE FARIAS E NELSON RosENVAL063 a definem como um "pac-
to adjeto à compra e venda, pelo qual as partes estipulam que o
vendedor possuirá o direito potestativo (portanto, submetido, tão só,
à sua própria manifestação de vontade) de comprar a propriedade
de volta, em certo prazo (não superior a três anos), sujeitando-se o
adquirente a tento (independentemente da vontade de quem com-
prou), desde que deposite o preço, acrescido de despesas realizadas
pelo comprador".

~ E na hora da prova?
Ano: 2014 Banca: IESES órgão: TJ-PB Prova: Titular de Serviços de Notas
e de Registros
o vendedor de coisa imóvel pode reservar-se o direito de recobrá-
-la no prazo máximo de decadência de três anos, restituindo o preço
recebido e reembolsando as despesas do comprador, inclusive as que,
durante o período de resgate, se efetuaram com a sua autorização
escrita, ou para a realização de benfeitorias necessárias. o dispositivo
transcrito a cima refere-se a qual instituto do dire.ito civil?
a) Retrovenda.
b) Venda a contento
c) Venda com reserva de domínio.
d) Venda sobre documentos.
Gabarito: A

Na retrovenda, portanto, haverá o denominado direito de res-


gate, consistente no direito de reaver o imóvel.
Com base nesse direito, "se o comprador se recusar a receber a
quantia a que faz jus, o vendedor, para exercer o direito de resgate,
as depositará judicialmente", conforme expressamente dispõe o art.
506 do CC. Ou melhor, inviabilizado o exercício do direito de resgate
através da recusa de receber a quantia, o detentor deste direito
deverá valer-se do depósito judicial para assegurá-lo.

63. FARIAS, Cristiano Chaves de, e ROSENVALO, Nelson. Curso de Direito Clvll. Contra-
tos. 5• edição. São Paulo: Atlas, 2015, p. 649.
414 Direito Civil - Vol. 13 • Luciano Figueiredo e Roberto Figueiredo

Este direito de resgate é passível de ser transmitido causa mor-


tis aos herdeiros e legatários, assim como entre vivos a um tercei-
ro. A transmissibilidade da retrovenda é vista no art. 507 do cc de
modo que "o novo diploma admite, pois, expressamente, a cessão
desse direito inter vivos", no escólio de CARLOS RoBERTo GoNÇALvEs64.
O art. 507 do CC prevê que "o direito de retrato, que é cessível
e transmissível a herdeiros e legatários, poderá ser exercido contra
o terceiro adquirente". Repta-se, de forma expressa, a legislação
cível afirma a transmissibilidade da retrovenda que, portanto, não
é direito personalíssimo.
Se este direito é disponível, importa dizer que será também
passível de empenho, arresto, penhora, adjudicação, remissão ou
dação em pagamento, tese esta acertadamente defendida por JosÉ
CARLOS MOREIRA ALVEs6 S.
A retrovenda é um belo exemplo de propriedade resolúvel que
"constitui um pacto inserido no contrato de compra e venda pelo qual
o vendedor reserva-se o direito de reaver o imóvel que está sendo
alienado, dentro de certo prazo, restituindo o preço e reembolsando
todas as despesas feitas pelo comprador no período de resgate, des-
de que previamente ajustadas (art. 505 do CC). Tais despesas incluem
as benfeitorias necessárias, conforme o citado texto legal", na lição
de FLÁv10 TARTUcE 66 •
É resolúvel a propriedade passível de ser extinta ou por força
de uma condição (evento acidental, futuro e incerto) ou pelo termo
(evento acidental do negócio jurídico futuro e certo) ou, finalmente,
pelo surgimento de uma causa superveniente juridicamente apta a
por fim ao direito de propriedade.
Como bem posto por CLóv1s BEv1lÁQUA67 , "propriedade resolúvel ou
revogável é aquele que no próprio título de sua constituição encerra o

64. GONÇAL'/ES, Carlos Roberto. Direito Civil Brasileiro. Contratos e Atos Unilaterais.
9• edição. São Paulo: Saraiva, 2012, p. 253.
65. MOREIRA ALVES, José Carlos Roberto. A Retrovenda. São Paulo: Revista dos Tribu-
nais, 1987, p. 180.
66. TARTUCE, Flávio. Direito Civil. Teoria Geral dos Contratos e Contratos em Espécie.
ioa edição. São Paulo: Método, 2015, p. 303.
67. BEVILÁQUA, Clóvis. Código Civil. V. 3. p. 177.
Cap. 1 • Compra e Venda 415

princípio que a tem de extinguir, realizada a condição resolutória, ou


vindo o termo extintivo, seja por força da declaração de vontade, seja
por determinação da lei".
Sobre a retrovenda, lembra CARLOS RosERTO GoNÇALVEs68 que esta con-
dição resolutiva expressa enseja o "desfazímento da venda, retor-
nando as partes ao estado anterior", razão pela qual "Não constitui
nova alienação e, por isso, não incide imposto de transmissão inter
vivos".
A retrovenda é condição resolutiva, a qual tem duração no tem-
po (ad tempos) e, sendo expressa (constando do próprio título),
trata-se de propriedade resolúvel de forma originária.

., Atenção
Aqui cabe um parêntese para refrescar a memória. Partindo do caráter
resolúvel ou revogável da retrovenda, vale relembrar que duas são as
suas HIPÓTESES GERAIS DE PROPRIEDADE RESOLtlW:L:
a) Propriedade resolúvel de forma Originária (CC, art. 1359);
b) Propriedade resolúvel de forma Superveniente ou Derivada (CC, art.
1360).
Será resolúvel a propriedade com causa ORIGINÁRIA quando a sua càu~
sa extintiva constar do próprio título aquisitivo. O titular.Já a adquire
sabendo que ela irá se extinguir, pois sua causa extinta consta do título.
Neste caso não há terceiro de boa-fé. O art. 1.359 do CC é esclarecedor
a este respeito: "Resolvida a propriedade pelo implemento da condi-
ção ou pelo advento do termo, entende-se também resolvidos os direitos
reais concedidos na sua pendência, e o proprietário, em cujo favor se
opera a resolução, pode reivindicar a coisa do poder de quem a possua
ou detenha".
Mas o Código Civil avança para também admitir a propriedade resolú-
vel por causa SUPERVENIENTE ou DERIVADA. A matéria está. no art. 1360
do cc, assim redigido: "Se a propriedade se resolver por outra causa
superveniente, o possuidor, que a tiver adquirido por titulo anterior à sua
resolução, será considerado proprietário perfeito, restando à pessoa, em
cujo benefício houve a resolução, ação contra aquele cuja propriedade se
resolveu para haver a própria coisa ou o seu va!orn.

68. GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito Civil Brasileiro. Contratos e Atos Unilaterais.
9• ediçã0. São Paulo: Saraiva, 2012, p. 252.
416 Direito Civil - Vol. 13 • Luciano Figueiredo e Roberto Figueiredo

~JV'causa; J~iiva,da•
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São eorríumente eke · ·. . s dip~oprf~éfade'resolúVel cobrar;itis~em pto-
va, comei reforda .F6\Vlo'.fARÍIJC~: tefro\Íeod.a'· (artsS5ós a• 5~8)} 9- ;;cláusul;l·>
especial devenda CO.m reserva de .domínio (artS; 52,l a 52,"f,),: a d<i~Ç~O
com rev.ersão (art. 547) e~~ 'ingratldlo'do donátárió {ahS:·s55· é 5~~')~
Note-se que, caracterizando-se como propriedade resolúvel de
forma originária, a retrovenda gera um direito obrigacional com
eficácia real, pois é oponível erga omnes.
Na V Jornada em Direito Civil, o CoNsELHo oA JusT1ÇA FEDERAL elaborou o
ENuNc1Aoo 509, esclarecendo que "a resolução da propriedade, quan-
do determinada por causa originária, prevista no título, opera ex tunc
e erga omnes; se decorrente de causa superveniente, atua ex nunc e
inter partes".
Ademais, vae mencionar que retrovenda pode até mesmo acon-
tecer para bens móveis. Nesse sentido, o SUPERIOR TRIBUNAL oE JusT1çA no
REsr. 260.923/SP foi firme ao esclarecer que a sua jurisprudência
admite a retrovenda sobre bens móveis, senão veja-se: "Consoante
entendimento pretoriano, não há incompatibilidade entre a cláusu-
la de retrovenda e o contrato de compra e venda de bens móveis,
funcionando aquela puramente como garantia, sem força suficiente,
portanto, para anular o negócio jurídico em sua integralidade".

5.2. Venda à Contento e Venda Sujeita à Prova


Imagine uma situação na qual a compra e venda de um vinho,
ou de um perfume, esteja tacitamente condicionada ao gosto pré-

69. TARTUCE, Flávio. Direitos das Coisas. São Paulo: Método, 2013, p. 140-141.
Cap. 1 • Compra e Venda 417

vio (ad gustum), à satisfação do adquirente. O pactum diplicentiae


ou simplesmente a venda à contento (sujeita à prova) é negócio
jurídico previsto no art. 509 do cc, segundo o qual "entende-se
realizada sob condição suspensiva, ainda que a coisa lhe tenha sido
entregue; e não se reputará perfeita, enquanto o adquirente não ma-
nifestar seu agrado".
Sem dúvida é negócio jurídico submetido ao exclusivo gosto,
arbítrio, do comprador, que terá direito potestativo absoluto, a
ponto de nem mesmo o Judiciário se encontrar autorizado ao su-
primento desta vontade: "Enquanto o comprador não manifestar sua
vontade, suas obrigações serão as de um mero comodatário (art. 511
do CC). Em suma, até o ato de aprovação, a coisa pertence ao vende-
dor", como leciona FIÃv10 TARTUCE.7°
CARLOS RosERTo GoNÇALVEs7' afirma que o contrato de compra e venda
a contento, assim como sujeita à prova, aperfeiçoa-se com a mani-
festação positiva do gosto do comprador e, portanto, "depende ex-
clusivamente do arbítrio, isto é, do gosto do comprador, não podendo
o vendedor alegar que a recusa é fruto do capricho".
Desta maneira, a decisão do comprador não se sujeita, no que
toca ao arbítrio, ao controle jurisdicional. Trata-se de negócio jurí-
dico personalíssimo que não se transmite entre vivos, muito menos
causa mortis.
Em uma interessante confrontação, F1Ãv10 TARrucE 72 esclarece que
"a diferença básica primordial entre a venda a contento e sujeita a
prova é que no primeiro caso o comprador não conhece ainda o bem
que irá adquirir, havendo uma aprovação inicial. Na venda sujeita a
prova, a coisa já é conhecida. No último caso, o comprador somente
necessita da prova de que o bem a ser adquirido é aquele que ele
já conhece, tendo as qualidades asseguradas pelo vendedor e sendo
idôneo para o fim a que se destina. A venda sujeita a prova também

70. TARTUCE, Flávio. Direito Civil. Teoria Geral dos Contratos e Contratos em Espécie.
10ª edição. São Paulo: Método, 2015, p. 296.
7i. GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito Civil Brasileiro. Contratos e Atos Unilaterais.
Volume Ili. 7• edição. São Paulo: Saraiva, 2010, p. 233. ,
72. TARTUCE, Flávio. Direito Civil. Teoria Geral dos Contratos e Contratos em Especie.
10• edição. São Paulo: Método, 2015, p. 274.
418 Direito Civil - Vol. 13 • Luciano Figueiredo e Roberto Figueiredo

funciona sob condição suspensiva, aplicando-se os mesmos efeitos


jurídicos previstos para a venda ad gustum".
Sobre as duas modalidades contratuais, CR1sT1ANo CHAVES oE FARtAs
E NELSON RJsENVALo73 relatam que "tanto na venda a contento quanto a
sujeita à prova são condicionais; entrementes, naquela (a contento), o
critério é puramente subjetivo e arbitrário, enquanto nesta (sujeita à
prova), parte-se de uma análise objetiva e fundamentada".

.- Atenção!
Nos termos do ar:t. 513. do cc, "em ambos os casos, as obrigações do
comprador, que recebeu; sob condiçéfo suspensiva, a coisa comprada, são
as de mero comodatdrlo, enquanto não manifesta aceitá-la". Por outro
lado, a teor do art. 512 do CC ;,nêio havendo prazo estipulado para a
declaração do comprador, o vendedor terá direito de intimá-lo, judicial ou
extrajudicialmente, para que o faça em prazo improrrogável".

5.3. Preempção ou Preferência Convencional


A teor do art. 513 do CC "a preempção, ou preferência, impõe ao
comprador a obrigação de oferecer ao vendedor a coisa que aquele
vai vender, ou dar em pagamento, para que este use de seu direito
de prelação na compra, tanto por tanto".
Trata-se de direito personalíssimo e intransmissível, como se
observa pela disposição do art. 520 do CC: "o direito de preferência
não se pode ceder nem passa aos herdeiros".
A prelação, preempção ou simplesmente preferência conven-
cional é pacto adjeto que confere direito potestativo ao vendedor,
na hipótese do comprador da coisa posteriormente optar pela sua
venda ou dação em pagamento, de adquirir novamente o objeto
da compra tanto por tanto, com preferência em relação a terceiros,
pagando regular preço, como leciona CARLOS RoBERTo GoNÇALvEs1•.
Em certa medida, é correto afirmar que a preferência conven-
cional tem natureza de promessa unilateral de contratar, de modo

73. FARIAS, Cristiano Chaves de. e ROSENVALD. Nelson. Curso de Direito Civil. Contra-
tos. 5' edição. São Paulo: Atlas. 2015, p. 656.
74. GONÇJl.LVES, Carlos Roberto. Direito Civil Brasileiro. Contratos e Atos Unilaterais.
9• edi,;ão. São Paulo: Saraiva. 2012, p. 258.
Cap. i • Compra e Venda 419

que se aplica a este tipo de pacto adjeto a técnica do art. 466 do


CC: "Se a promessa de contrato for unilateral, o credor, sob pena de
ficar a mesma sem efeito, deverá manifestar-se no prazo nela previs-
to, ou, inexistindo este, no que lhe for razoavelmente assinado pele
devedor".

., Atenção!
o prazo decadencial para o exércício do dlreltode preferência não
pode exceder 180 dias para bens m6veis, a partir da tradição; e 2 anos 1

para bens im6ve.is a partir do registro em cai-tório. Conforme o art. 516


do CC, "inexistindo prazo estipulado, o direito de preempçiio caducará,
se a coisa for móvel, não se exercer!âé> nos três dias, e, se for lm6vel, não
se exercendo nos sessenta dias subsequentes à data em que o comprador
tiver notificado o vendedor".

Curioso notar que o CC disciplina a possibilidade de retrocessão


para a hipótese de o objeto da expropriação para fins de interesse
público ou social não acontecer, ou seja, para o caso de o Poder Pú·
blico desapropriar, mas não emprestar qualquer finalidade pública
ao bem. Nesta situação, terá o desapropriado direito de preferên-
cia como se lhe assegura o art. 519 do CC.
Outra advertência importante é que o instituto da preferência,
aqui estudado, não se confunde com a denominada perempção civil,
prevista no art. i.485 do CC como causa de extinção da hipoteca
após 30 anos. De igual sorte, o instituto não se confundirá com a pe-
rempção processual, pena que enseja a perda do direito de ação.

5.4. Venda com Reserva de Domínio


Surge a situação contratual da venda com reserva de domínic
quando os contratantes se encontram em uma hipótese de condi-
ção suspensiva do pagamento integral do preço (vendas à presta-
ção) de forma que, apenas com a quitação, é que a propriedade
será transmitida ao adquirente. É dizer: resolve-se a propriedade
do alienante automaticamente com a quitação integral do preço
pelo adquirente, como adverte CARLOS RoBERTO GoNÇALVEs 75.

75. GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito Civil Brasileiro. Contratos e Atos Unilaterais.
9• edição. São Paulo: Saraiva, 2012, p. 263.
420 Direito Civil - Vol. 13 • tuciano Figueiredo e Roberto Figueiredo

"Por essa cláusula, inserida na venda de coisa móvel infun-


gível, o vendedor mantém o domínio da coisa (exercício da
propriedade) até que o preço seja pago de forma integral pelo
comprador''. É o que esclarece !i'LAv10 TARTUCE76 arrematando: "o
comprador recebe a mera posse direta do bem, mas a pro-
priedade do vendedor é resolúvel, eis que o primeiro poderá
adquirir a propriedade com o pagamento integral do preço".
WASHINGTON oE BAR~os 17 esclarecerá que este pacto adjeto deverá
contemplar cinco características:
a) negócio jurfdico a crédito.
b) objeto individuado infungível.
c) entrega deste objeto pelo vendedor ao comprador.
d) pagamento do preço convencionado as condições estipu-
ladas, via de regra mediante prestações.
e) obrigação assumida pelo vendedor de transferir o domí-
nio ao comprador após a quitação do preço.

~ Atenção!
o CC/02 disciplina a venda com reserva de domínio exclusivamei;ite so-
bre bens móveis, como se vê do texto do art. 521, de modo que o tema
da alienação fiduciária em garantia, sobre bens imóveis, é objeto de
normatização distinta, notadamente a Lei Federal n° 9.514/97.
À luz do art. 524 do cc "a transferência de propriedade ao com-
prador dá-se no momento em que o preço esteja integralmente pago.
Todavia, pelos riscos da coisa responde o comprador, a partir de
quando lhe foi entregue".
Trata-se de umã exceção ao princípio res perit domino (a coisa
perece para o dono), pois, neste caso de compra e venda com
reserva de domínio, prevalecerá o princípio res perit emptoris (a
coisa perece para o comprador).
o art. 528 do cc autoriza a intervenção de instituições financei-
ras na venda com reserva de domínio.

76. TARTUCE, Flávio. Direcito Civil. Teoria Geral dos Contratos e Contratos em Espécie.
10ª edição. São Paulo: Método, 2015, p. 313.
77. MONTEIRO, Washington ele Barros. Curso de Direito Civil. Contratos. 36• edição.
São Paulo: Saraiva, 2oc9, p. 120.
Cap. i • Compra e Venda 421

5.5. Venda sobre Documentos


A tradição simb61ica é a nota distintiva desta cláusula especial
de compra e venda. A venda contra documentos, também denomi-
nada de crédito documentário (trust receipt), tem como principal
característica o caráter simbólico da tradição, de maneira que "o
pagamento deve ser efetuado na data e no lugar da entrega dos do-
cumentos", como prescreve o art. 530 do CC e desde que não haja
estipulação em sentido contrário.

Para G1No GoRlA78 se trata de um negócio jurídico por meio do


qual o comprador se obriga a pagar o preço "quer no lugar, quer no
momento próprios da consignação ou da venda sob expedição, quer
no lugar e momento da entrega dos documentos que lhe dão direito a
obter a propriedade ou a posse da mercadoria de um terceiro". Assim
também pensa CARLOS RoBERTO GoNçALVEs79 •

Na lição de FLÁv10 TARTUCE8º, a venda sobre documentos "tem por


objeto bens móveis" e, por essa cláusula, "a tradição, ou entrega
da coisa, é substituída pela entrega do documento correspondente à
propriedade, geralmente o título representativo,do domínio (art. 529,
caput, CC)".

5.6. Venda de Coisas Conjuntas

o tema é compreendido pela interpretação sistêmica do art. 90


e do art. 503 do CC, podendo ser ilustrado pela compra e venda de
universalidades, tais como uma biblioteca, um rebanho de gado,
uma coleção de quadros, etc.

Recorde-se que as universalidades podem ser de fato (CC, art.


90) e de direito (CC, art. 91), de modo que a venda de coisas con-
juntas será juridicamente possível em ambas as situações.

78. GORLA, Gino. Teoria e Prática da Compra e Venda. Tradução de Alcino Pinto Fal-
cão. V. 1. Rio de Janeiro: Konfino, 1960, p. 658/662.
79. GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito Civil Brasileiro. Contratos e Atos Unilaterais.
9• edição. São Paulo: Saraiva, 2012, p. 269.
80. TARTUCE, Flávio. Direito Civil. Teoria Geral dos Contratos e Contratos em Espécie.
io• edição. São Paulo: Método, 2015, p. 298.
422 Direito Civil - Vol. 13 • Luciano Figueiredo e Roberto Figueiredo

Adverte FLÁv10 TARrucE8 ' que eventual defeito oculto de uma coisa
"não autoriza a rejeição de todas", pois a hipótese exige ser com-
preendida à luz da conservação dos negócios jurídicos e da eficácia
interna da função social dos contratos (Enunciados 22 e 360 do CJF),
citando o ilustre doutrinador um exemplo jurisprudencial decidido
pelo Superior Tribunal de Justiça, no REsp. 99i.317/MG, no qual a
regra deve ser interpretada com temperamento, "sempre tendo em
vista a necessidade de se verificar o reflexo que o defeito verificado
em uma ou mais coisas singulares tem no negócio envolvendo a venda
de coisas compostas, coletivas ou de universalidades de fato".

6. VENDA DE BENS PÚBLICOS


Trata-se de assunto preponderantemente afeto ao direito admi-
nistrativo, nada obstante, de rigor, a hipótese, em última análise,
se encontrar muito próxima à compra e venda do direito privado,
na medida em que os elementos preço e coisa estarão presentes.
Justamente por isto a nossa tarefa aqui reside apenas em noti-
ficar a possibilidade jurídica deste tipo de contrato no âmbito da
Administração Pública.
Os arts. 17 a 19 da Lei Federal n° 8.666/93 (Lei de Licitações)
disciplinam a possibilidade de compra e venda de bens públicos
dominicais.
Em se tratando de imóveis públicos, esta venda exigirá autori-
zação legislativa.
A alienação de bens da Administração Pública sempre estará
subordinada à existência de interesse público devidamente justifi-
cado, razão pela qual a Lei de Licitações exigirá avaliação prévia a
este respeito, com atuação jurídica indispensável da advocacia pú-
blica, a quem compete, com exclusividade, por imposição constitu-
cional, exercer o controle da legalidade perante o Poder Executivo.
Os bens públicos imóveis de órgãos da administração direta
e das entidades autárquicas e fundacionais, assim como os das

Si. TARTUCE, Flávio. Direito Civil. Teoria Geral dos Contratos e Contratos em Espécie.
io• edição. São Paulo: Método, 2015, p. 302.
Cap. i • Compra e Venda 423

entidades paraestatais, somente poderão ser vendidos se houver


autorização legislativa específica, mediante avaliação prévia e lici-
tação na modalidade de concorrência, dispensada esta nos casos
de: dação em pagamento; doação, permitida exclusivamente para
outro órgão ou entidade da administração pública, de qualquer
esfera de governo; permuta, por outro imóvel; investidura; venda
a outro órgão ou entidade da administração pública, de qualquer
esfera de governo; alienação gratuita ou onerosa, aforamento, con-
cessão de direito real de uso, locação ou permissão de uso de
bens imóveis residenciais construídos, destinados ou efetivamente
utilizados no âmbito de programas habitacionais ou de regulari-
zação fundiária de interesse social desenvolvidos por órgãos ou
entidades da administração pública; procedimentos de legitimação
de posse de que trata o art. 2_2_J:@_J,ei no §..JJ!3L.Ji~__z_de dezembro
Q~~J-9l§, mediante iniciativa e deliberação dos órgãos da Adminis-
tração Pública em cuja competência legal indua-se tal atribuição
e, finalmente, alienação gratuita ou onerosa, aforamento, conces-
são de direito real de uso, locação ou permissão de uso de bens
imóveis de uso comercial de âmbito local com área de até 250
m 1 (duzentos e cinquenta metros quadrados) e inseridos no âm-
bito de programas de regularização fundiária de interesse social
desenvolvidos por órgãos ou entidades da administração pública;
alienação e concessão de direito real de uso, gratuita ou onerosa,
de terras públicas rurais da União na Amazônia Legal onde incidam
ocupações até o limite de 15 (quinze) módulos fiscais ou i.5ooha
(mil e quinhentos hectares), para fins de regularização fundiária,
atendidos os requisitos legais.
Já os bens públicos móveis podem ser vendidos, desde que
haja avaliação prévia e licitação, dispensada esta nos casos de:
doação, permitida exclusivamente para fins e uso de interesse so-
cial, após avaliação de sua oportunidade e conveniência socioe-
conômica, relativamente à escolha de outra forma de alienação;
permuta, permitida exclusivamente entre órgãos ou entidades da
Administração Pública; venda de ações, que poderão ser negocia-
das em bolsa, observada a legislação específica; venda de títulos,
na forma da legislação pertinente; venda de bens produzidos ou
comercializados por órgãos ou entidades da Administração Pública,
em virtude de suas finalidades; venda de materiais e equipamen
424 Direito Civil - Vol. 13 • Luciano Figueiredo e Roberto Figueiredo

tos para outros órgãos ou entidades da Administração Pública, sem


utilização previsível por quem deles dispõe.
Interessante notar, em arremate, que os bens imóveis da Admi-
nistração Pública, cuja aquisição haja derivado de procedimentos
judiciais ou de dação em pagamento, poderão ser alienados por
ato da autoridade competente, observadas: a avaliação dos bens
alienáveis; a comprovação da necessidade ou utilidade da alie-
nação e, finalmente, a adoção do procedimento licitatório, sob a
modalidade de concorrência ou leilão.
Capitu~

Doação

1. NOTA INTRODUTÓRIA: CONCEITO E NATUREZA JURÍDICA

A disciplina jurídica do contrato de doação está localizada nos


arts. 538 a 564 do CC/02: "trata-se de contrato benévolo, unilateral e
gratuito", devendo, portanto, ser interpretado de forma restritiva
(CC, art. 114), como adverte FlÁv10 TARrucE'. Se é certo dizer que o
direito de propriedade autoriza o seu titular, conforme art. i.228
do CC, alienar (vender ou doar) determinado bem, naturalmen-
te será certo reconhecer pela lógica deste raciocínio a liberdade
de disposição gratuita da coisa, daí o contrato de doação. CR1sr1ANO
CHAVES OE FARIAS E NELSON ROSENVAL0 2 afirmam que a doação é um "ato de
disposição gratuita da coisa, decorrente do exercício do direito de
propriedade". Trata-se de liberalidade.

O art. 538 do CC conceitua a doação como "o contrato em que


uma pessoa, por liberalidade, transfere do seu patrimônio bens ou
vantagens para o de outra", inaugurando o contrato de doação.
PAsLo SrouE GAGUANo E RoooLrn PAMPLONA F1LH0 3 conceituam a doação como
um "negócio jurídico firmado entre dois sujeitos (doador e donatário),
por força do qual o primeiro transfere bens, móveis ou imóveis, para
patrimônio do segundo, animado pelo simples propósito de beneficên-
cia ou liberalidade".

i. TARTUCE, Flávio. Direito Civil. Teoria Geral dos Contratos e Contratos em Espécie.
10ª edição. São Paulo: Método, 2015, p. 341.
2. CHAVES DE FARIAS, Cristiano e ROSENVALD, Nelson. Curso de Direito Civil. Contra-
tos. Teoria Geral e contratos em Espécie. 4• edição. Salvador: ]usPodivm, 2014,
p. 675.
3. STOLZE, Pablo Gagliano e PAMPLONA FILHO, Rodolfo. Novo Curso de Direito Civil.
Contratos em Espécie. 6• edição. São Paulo: Saraiva, 2013, p. 133·
426 Direito Civil - Vol. 13 • Luciano Figueiredo e Roberto Figueiredo

Sobre sua natureza jurídica, em breves linhas, é possível quali-


ficar a doação como o contrato nominado, típico, benéfico, unilate-
ral, gratuito e formal ou solene.
Trata-se de contrato solene tendo em vista a exigência legal de
se submeter à forma escrita, seja por instrumento particular, seja
por instrumento público, na forma do art. 541 do CC4 • Perceba que,
ao contrário da compra e venda, que admite a forma verbal, o
contrato de doação em regra exige a forma escrita, por expressa
exigência da lei.
De acordo com o art. 541 do CC "A doação far-se-á por escritura
pública ou instrumento particular". Sem dúvida alguma, a formalida-
de é requisito da doação, afastando-se a regra do art. 107 do cc
que autoriza a liberdade das formas nos negócios jurídicos. Será o
contrato de doação formal e solene para os casos do art. 108 do
cc (valores imobiliários acima de trinta salários mínimos) e formal,
porém não solene, para os contratos abaixo de trinta salários mí-
nimos, quanto não se aplicará o art. 108 do CC.
Mas haveria exceção a esta regra?
A resposta é afirmativa e se encontra disciplinada no parágrafo
único do mesmo art. 541: "A doação verbal será válida, se, versando
sobre bens móveis e de pequeno valor, se lhe seguir incontinenti a
tradição".
._ Atençãó!
o parágrafo únk6 1do ari:: 541 i:f6 d: adrQite a doaçãÍ:> manual para bens
móveiS' de pequeno valor1>desdeqoe Seguidos da 1 imediata .tradição;
Neste tipode·negóclO Jm:fditd, qlle,.deriominamos doação de bagatela
não se exige formaUdàde..ou ·SOlenidade1alguma~JÉ O;.caso da doação.
de esmolas, dízimos para ·a ig~eja, gorje~as· ou agrados por, serviços
prestados, etc.

4. Interessante o conceito apresentado pelo art. 940 do Código Civil de Portugal:


"1. Doaçao é o contrato pelo qual uma pessoa, por espírito de liberalidade e à
custa do seu patrimônio, dispõe gratuitamente de uma coisa ou de um direito,
ou assume uma obrigaçào, em benefício do outro. 2. Nào há doaçào na renúncia
a direitos e no repúdio da herança ou legado, nem too pouco nos donativos con-
formes aos usos sociais". No Brasil o conceito é sensivelmente distinto porque a
assunção de obrigações não configura, em nosso país, doação.
Cap. 2 • Doação 427

., E na hora da prova?
Em prova de concurso público realizado para o provimento do cargo
de Assessor-Direito, MPE-RS, ano 2014, considerou-se correta a seguinte
assertiva: "A doação verbal será válida, se, versando sobre beris
móveis e de pequeno valor, se lhe seguir incontinenti a tradição".

Não se pode negar, como advertem CRISTIANO CHAVES oE FARIAS E


NELSON RosENVALD 5, a importante "função social, ética e econômica da
doação", esta última por impactar positivamente a circulação das
riquezas, recordando que, etimologicamente, donatio significa dar
de presente.

O contrato de doação tem como objetivo transferir, por libera-


lidade, de uma pessoa à outra, bens ou vantagens.

Recorda FLÁv10 TARTUCE 6 que entre outras características da doacão


está o fato de ser contrato consensual e comutativo, a uma por~ue
exige para se aperfeiçoar "a manifestação de vontade das partes",
a duas porque estas "partes já sabem de imediato quais são as
prestações".

ORLANDO GoMEs7 esclarece que a doação será contrato típico con-


sensual "porque não requer, para seu aperfeiçoamento, a entrega da
coisa doada ao donatário". O elemento objetivo da doação reside
na transferência do patrimônio .

Trata-se de contrato típico a pressupor como elemento subjeti-


vo o desejo de doar (animus donandi) e, justamente por ser contra-
to, a exigir o consenso, de modo que a aceitação constitui um dos
elementos constitutivos da formação deste negócio jurídico. Esta
aceitação há de ser expressa, tácita, fleta ou presumida.

5. CHAVES DE FARIAS, Cristiano e ROSENVALO, Nelson. Curso de Direito Civil. Contra-


tos. Teoria Geral e Contratos em Espécie. 4• edição. Salvador: JusPodivm, 2014,
p. 676.
6. TARTlJCE, Flávio. Direito Civil. Teoria Geral dos Contratos e Contratos em Espécie.
10• edição. São Paulo: Método, 2015, p. 344.
7. GOMES, Orlando. Contratos. Atualizadores: Antônio Junqueira de Azevedo e Fran-
cisco Paulo de Crescenzo Marino. ln: BRITO, Edvaldo. 26• edição. Rio de Janeiro:
Forense, 2007, p. 254.
428 Direito Civi. - Vol. 13 • LUciano Figueiredo e Roberto Figueiredo

À luz deste contexto, ficamos com CRISTIANO CHAVES DE FARIAS E NELSON


RosENVALD 8 no entendimento de que a doação é composta por três
elementos caracterizadores, a saber: a intenção de doar (animus
donandi), a transferência de bens ou vantagens ao donatário e,
finalmente, a aceitação do donatário.
O doador é o autor da doação. O donatário é aquele que a
recebe.
Pode ser doador tanto a pessoa física, quanto a pessoa jurídica.
A doação ao nascituro (CC, art. 542), aos incapazes (CC, art. 543) e
à prole eventual (CC. 546) são expressamente autorizadas pelo or-
denamento jurídico, assim como também se permite o contrato de
doação entre marido e mulher, mesmo que relativamente incapa-
zes (CC, art. 1.654). A lição é de CARLOS RosERTO GoNÇALVEs9 para quem "A
doação é contrato, em regra, gratuito, unilateral e formal ou solene".
PABLO STOLZE GAGLIAN'.l E RODOLFO PAMPLONA F1LH0 10 enxergam este negócio
jurídico como um "contrato típico e nomlnado, cuja principal caracte-
rística é a unilateralidade, impondo obrigação apenas para o doador".
A legislação brasileira ao abordar o contrato de doação se uti-
lizou de importantes fontes do direito comparado, notadamente
dos Códigos Civis suíço (art. 239), alemão (art. 516), italiano (art.
769) e português (art. 940), como lecionam CRISTIANO CHAVES DE FARIAS E
NELSON RosENVALD 11 , afirmando que no Brasil a matéria foi tratada "com
o mesmo espírito" destes diplomas comparados.

1.1. O Problema da Aceitação


Uma importante reflexão deve ser, desde logo, realizada: por se
tratar de contrato, o consenso deverá estar necessariamente pre-

8. CHAVES DE FARIAS, Cristiano e ROSENVALD, Nelson. Curso de Direito Civil. Contra-


tos. Teoria Geral e Contratos em Espécie. 4• edição. Salvador: JusPodivm, 2014,
p. 678.
9. GONÇALVES, Carlos Rcberto. Direito Civil Brasileiro. Contratos e Atos Unilaterais.
9• edição. São Paulo: Saraiva, 2012, p. 279 e 281.
10. STOLZE, Pabl.:> Gagliano e PAMPLONA FILHO, Rodolfo. Novo Curso de Direito Civil.
Contratos em Espécie. 6• edição. São Paulo: Saraiva, 2013, p. 133·
11. CHAVES DE FARIAS, Cristiano e ROSENVALD, Nelson. Curso de Direito Civil. Contra-
tos. Teoria Geral e Contratos em Espécie. 4• edição. Salvador: JusPodivm, 2014,
p. 677.
Cap. 2 • Doação 429

sente no contrato de doação? A aceitação do donatário é elemento


constitutivo deste contrato?
Este problema jurídico ganha intrigante gravidade em uma aná-
lise de direito intertemporal. Isto, porque, o anterior CC/16 conti-
nha textualmente a expressão "que os aceita", ao final do conceito
de doação (art. i.165). Sugeria o Código de 1916 ser o aceite imbri-
cado ao conceito do contrato de doação. Entretanto, a expressão
"que os aceita" não se repetiu no CC/02, quando do tratamento do
tema doação.
o que fazer? Como interpretar? Não mais seria necessário o
aceite diante da alteração? o fato de no atual Código Civil não cons-
tar a expressão "que os aceita" significa afirmar que a aceitação
não mais é requisito constitutivo da doação?
Sobre este importante assunto existem, basicamente, dois posi-
cionamentos jurídicos:
Posicionamento i) Aflrmativista e Majoritário (a aceitação
é requisito): A "doação não se aperfeiçoa enquanto o be-
neficiário não manifestar sua intenção,de aceitar", de modo
que a aceitação será, sim, requisito essencial do contrato.
Não fosse desta maneira, o donatário estaria impedido, por
lógica, de alegar defeitos dos negócios jurídicos. Em suma:
a aceitação é plano da validade do negócio jurídico, razão
pela qual haveria invalidade do negócio jurídico acaso não
existisse a aceitação (segundo degrau da Escada Ponteana).
É o que pensa MARIA HELENA D1N1z 12 •
Posicionamento 2) Negativista e Minoritária (a aceitação
não é requisito): A doação se aperfeiçoa ainda que não
haja aceite. Portanto, a aceitação estaria no plano da eficá-
cia do negócio jurídico (terceiro degrau da Escada Pontea-
na). É o que pensa PAULO Luiz NErro Lõso.' 3
Fato, que, em uma leitura minuciosa do Código Civil, infere-se
que o aceite na doação poderá ser realizado de três maneiras: i.
Expresso; ii. Tácito e iii. Ficto ou presumido.

12. DINIZ, Maria Helena. Comentários ao C6digo Civil. ln: AZEVEDO, António Junqueira
de. São Paulo: Saraiva, 2003, p. 482.
13. LÔBO, PAULO Luiz Nmo. Comentários ao Código Civil. v. 6. São Paulo: Atlas. 2003.
430 Direito Civil - Vol. 13 • Luciano Figueiredo e Roberto Figueiredo

A expressa é aquela direta, clara, feita por escrito ou declara-


ção inequívoca de vontade. Aqui não há dúvidas sobre o aceite.
Exemplifica-se quando o donatário, expressamente, agradece um
presente recebido, aceitando a doação. Há casos em que a lei im-
põe o aceite na modalidade expressa, como nas doações mediante
encargo (CC, art. 539).
Aceitação tácita ocorre quando o donatário pratica ato incom-
patível com a recusa. Assim, malgrado não informar que aceite o
carro recebido em doação, o registra em seu nome.
Aceitação fleta ou premida dar-se-á em casos previstos em
lei nos quais o legislador, presumidamente, informa o aceite. São
exemplos:
a) Art. 539 do CC:"O doador pode fixar prazo ao donatário, para
declarar se aceita ou não a liberalidade. Desde que o donatário,
ciente do prazo, não faça, dentro dele, a declaração, entender-
-se-á que aceitou, se a doação não for sujeita a encargo".
b) Art. 543 do CC: "Se o donatário for absolutamente incapaz,
dispensa-se a aceitação, desde que se trate de doação pura".
Significa isto dizer, por outras linhas de explicação, que a
aceitação não será necessária para casos de doação pura
em benefício de absolutamente incapaz, afinal de contas,
se as regras da incapacidade servem à proteção dos inca-
pazes, a melhor maneira de protegê-los é dispensando-os
do aceite e efetivando a doação, com o ingresso do bem,
ou da vantagem, ao patrimônio jurídico dos mesmos. Neste
sentido, MARIA HELENA DINIZ '"·

.- E na hora da prova?
Em prova de concurso público realizado para o provimento do car-
go de Assessor, MPE-RS, anos 2014, considerou-se incorreta a seguinte
assertiva: "A doação pura, realizada em favor de donatário absolu-
tamente incapaz. valerá se a aceitação for realizada pelo seu repre-
sentante legal".

14. DINIZ, Maria Helena. Comentários ao Código Civil. ln: AZEVEDO, Antônio Junqueira
de. São Paulo: Saraiva, 2003, p. 484.
Cap. 2 • Doação 431

É importante recordar que a doação é contrato sem eficácia


translativa, de modo que a transferência da propriedade somente
acontecerá ou com a tradição, para os bens móveis, ou para o re-
gistro do título aquisitivo, para os bens imóveis. É o que afirmam
CA10 MÃRIO oA S1LvA PEREIRA'5 e AGosnNHo Atv1M' 6 •
.. Atenção!
Fazendo um link com Direito Tributârló, de acordo com a Sllmula 328 tio
SUPREMO TR1euNAL FeoERAL·é legítima a incidência.do imposto de tran.smissão
inter vivos na doaçã.o. de imóvel.

2. OBJETO DA DOAÇÃO
Como visto na nota introdutória da leitura do art. 538 do CC, que
a doação é contrato formal a envolver bens ou vantagens.
Desta maneira, o doador assume perante o donatário uma
obrigação de dar (entregar, transferir). Para CARLOS RosERTo GoNçALvEs'7
"Pode ser objeto da doação todo bem que esteja in commercium, ou
seja, qualquer coisa que tenha expressão econômica e possa ser
alienada. Incluem-se os bens móveis e imóveis, corpóreos e incorpó-
reos, consumíveis e inconsumíveis".
Desde logo, é bom lembrar e fazer a ressalva, porém, que "nem
toda liberalidade resultante de um ato jurídico se monopoliza no con-
trato de doação", daí a terminologia utilizada por CR1sr1AN0 CHAVES oE
FARIAS E NELSON RosENVALo' 8 para a doação indireta, quais sejam a remis-
são (negócio bilateral) e a renúncia (negócio unilateral).
.- Atenção!
A priori, não será possível à doação. de tojsá .íillftéíà. A e)(C::eção1.exi.s-
tirá apenas para o caso do o referido. bem ol;)jeto do contrato vir a
ser posteriormente adquirido pelo doador, nos exatos termos do art .
i.268, § 1° do cc.

i5. SILVA PEREIRA, Caio Mário da. Instituições de Direito Civil. iia edição. Rio de
Janeiro: Forense, 2002, v. Ili, p. 258.
i6. ALVIM, Agostinho. Da Doação. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1963, p. 65.
17. GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito Civil Brasileiro. Contratos e Atos Unilaterais.
9• edição. São Paulo: Saraiva, 2012, p. 279 e 281.
18. CHAVES DE FARIAS, Cristiano e ROSENVALD, Nelson. Curso de Direito Civil. Contra-
tos. Teoria Geral e Contratos em Espécie. 4' edição. Salvador: jusPodivm, 2014,
p. 679.
432 Direito Civil - Vol. 13 • Luciano Figueiredo e Roberto Figueiredo

Mas seria possível a doação de coisa futura? Sobre o tema a


doutrina diverge, existindo dois distintos posicionamentos, senão
veja-se:
Posicionamento i) Bens futuros não podem ser objeto de
doação, sendo proibida esta prática, na medida em que
a coisa não se encontra contida no patrimônio jurídico do
doador. Neste sentido PAuLo Luiz Nmo Lõao' 9 e ORLANDO GoMEs'°.
Posicionamento 2) Bens futuros podem ser objeto de doa-
ção por inexistir vedação jurídica alguma expressa a este
respeito, a exemplo de frutos a serem colhidos, bezerros
nascerem, etc. Neste sentido (AIO MÁRIO DA SILVA PEREIRA2 ' , AGOSTI-
NHO ALVIM 22 e (ARLOS ROBERTO GONÇALVES 2 3.

3. PROMESSA DE DOAÇÃO
Um importante tema a ser objeto de estudo diante das contro-
vérsias derredor do mesmo, diz respeito à promessa de doação,
sua possibilidade e consequência jurídica. Afinal de contas, a pro-
messa de doação efetivamente vincula o promitente? E se o promi-
tente não cumprir o prometido?
A quem sustente, por exemplo, que a promessa de doação não
vinculará o promitente, pois, caso contrário, a ideia da liberalidade
plena não estará presente nesta situação. É o que pensa CA10 MÁRIO
DA S1LvA PERE1RA • Neste sentido também PABLO SroLZE GAGUANo E RoDoLFo PAM-
24

PLONA F1LH0 25 concluindo "pela inadmissibilidade da execução coativa da


promessa da doação" sem negar, entretanto, a possibilidade "desde
que demonstrado o seu prejuízo, possa responsabilizar o promitente-
-doador pela via da ação ordinária de perdas e danos".

19. LÕBO, PAuto Luiz Nmo. Comentários ao Código Civil. v. 6. São Paulo: Atlas. 2003, p.
276.
w. GOMES, Orlando. Contratos. 9ª edição. Rio de Janeiro: Forense, 1983, p. 237 e 238.
21. SILVA PEREIRA, Caio Mário da. Instituições de Direito Civil. 1ia edição. Rio de
Janeiro: Forense, 2002, v. Ili, p. 252.
22. ALVIM, Agostinho. Da Doação. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1963, p. 13.
23. GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito Civil Brasileiro. Contratos e Atos Unilaterais.
9ª edição. São Paulo: Saraiva, 2012, p. 252.
24. SILVA PEREIRA, Caio Mário da. Instituições de Direito Civil. 1ia edição. Rio de
Janeiro: Forense, 2002, v. Ili, p. 257.
25. STOLZE, Pablo Gagliano e PAMPLONA FILHO, Rodolfo. Novo Curso de Direito Civil.
Contratos em Espécie. 6• edição. São Paulo: Saraiva, 2013, p. 152.
Cap. 2 • Doação 433

A doutrina de WASHINGTON DE BARRos 26, por sua vez, afirma ser pos-
sível a promessa de doação, também autorizada expressamente
em outros diplomas cíveis, como o BGB em seu § 518, máxime por-
que não há, neste negócio jurídico, qualquer infringência a preceito
legal imperativo. CRISTIANO CHAVES DE FARIAS E NELSON RosENVAL0 27 também
reconhecem "válida a realização de uma pré-doação ou promessa de
doação, até mesmo em homenagem à autonomia privada ...

CARLos RoaERTo GoNÇALvEs 28 adverte que a jurisprudência brasileira


tem divergido sobre a obrigatoriedade da promessa de compra e
venda e sobre a admissibilidade ou não da execução forçada tendo
em vista a possibilidade de direito de arrependimento.

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O tema ganha força pela positivação do pré-contrato, também


denominado de contrato preliminar, no CC/02, assim como pela
inclusão legislativa, também, da boa-fé objetiva a fortalecer a tese
acerca da possibilidade jurídica da promessa de doação. No mes-
mo sentido, a doação em contemplação de casamento futuro (CC,
art. 546) constitui outra nítida ilustração normativa a permitir reco-
nhecer como possível a promessa de doação.

26. MONTEIRO, Washington de Barros. Curso de Direito Civil. Contratos. 36• edição.
São Paulo: Saraiva, 2009, p. i37.
27. CHAVES DE FARIAS, Cristiano e ROSENVALD, Nelson. Curso de Direito Civil. Contra-
tos. Teoria Geral e Contratos em Espécie. 4• edição. Salvador: JusPodivm, 2014,
p. 685.
28. GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito Civil Brasileiro. Contratos e Atos Unilaterais.
9• edição. São Paulo: Saraiva, 2012, p. 286.
434 Direito Civil - Vol. i3 • Luciano Figueiredo e Roberto Figueiredo

Compreendida a polêmica promessa de doação, é chegada a


hora de se avançar nos estudos das várias espécies de liberalida-
des permitidas pela legislação cível brasileira.

4. ESPÉCIES OE DOAÇÃO
A análise da legislação vigente cotejada com os ensinamentos
da doutrina cível evidencia a existência de várias modalidades do
contrato de doação. É certo dizer que o gênero doação é composto
por várias espécies, a saber: a) doação pura, simples ou típica, b)
doação onerosa, modal, com encargo ou gravada, c) doação remu-
neratória, d) doação mista, e) em contemplação do merecimen-
to do donatário, f) doação ao nascituro, g) doação em forma de
subvenção periódica, h) doação em contemplação de casamento
futuro, i) doação entre os cônjuges, j) doação em comum a mais de
uma pessoa, k) doação de ascendente à descendente, 1) doação
inoficiosa, m) doação com cláusula de retorno ou reversão, n) doa-
ção manual e, finalmente, o) doação feita à entidade futura.
Nos exatos limites do objetivo central desta obra, teceremos
algumas considerações sobre cada uma destas modalidades.
a) Doação Pura, Simples ou Típica
A doação pura, simples ou típica "é aquela que se traduz simples-
mente em uma liberalidade, sem fixação de qualquer fator eficacial
(condição, termo ou encargo)" [grifos nossos]. É o que acertadamente
defendem PABLO STOLZE GAGLIANO E RODOLFO PAMPLONA F1LH0 29 •
Nesta modalidade de doação, chama-se também assim, não se
impõe qualquer elemento acidental do negócio jurídico, tal como
condição, termo, modo ou encargo. O donatário recebe o bem ab-
solutamente livre.
Portanto, tem como característica distintiva o fato de ser efeti-
vada de maneira livre e desembaraçada pelo doador em relação
ao donatário. Em outras palavras, trata-se da doação propriamen-
te dita, conhecida no significado popular, por meio da qual uma
pessoa exerce liberalidade plena em benefício da outra.

29. STOLZE, Pablo Gagliano e PAMPLONA FILHO, Rodolfo. Novo Curso de Direito Civil.
Contratos em Espécie. 6• edição. São Paulo: Saraiva, 2013, p. i53.
Cap. 2 • Doação 435

b) Doação onerosa, modal, com encargo ou gravada


No escólio de FLÃv10 TARrucE 3º também será possível o contrato de
doação conter elementos acidentais do negócio jurídico (terceiro
degrau da Estada Ponteana, plano da eficácia). Aqui se coloca a
possibilidade da doação modal (com modo ou encargo), a exemplo
da doação de um carro por João a Caio, desde que este o leve e o
pegue no trabalho por dois anos inteiros.
CARLOS RoeERTO GoNçALVEs3' recorda que o encargo não suspende nem
a aquisição e nem o exercício do direito (CC, art. 136), podendo ser
imposto em favor do próprio doador, de terceiro ou da coletivida-
de. o art. 553 do cc é claro ao dispor que "O donatário é obrigado a
cumprir os encargos da doação, caso forem a benefício do doador, de
terceiro, ou do interesse geral".
Encontram-se como legitimados processualmente a exigir (legiti-
midade processual ativa, ad causam), na Justiça, o cumprimento do
encargo, tanto o doador, quanto o Ministério Público (para encargos
fixados em benefício do interesse coletivo) e o terceiro, aplicando-se
a regra da estipulação em favor de terceiros. Em conformidade com
esta ideia, arremata o parágrafo único do dispositivo supra que: "Se
desta última espécie for o encargo, o Ministério Público poderá exigir
sua execução, depois da morte do doador, se este não tiver feito".
Atenção!
I>-

Nos termos do art. 13.7 do CC, deverá considerar ÇW:P9, 11.~() esçr;itb; o
encargo Ilícito ou impossi'vél, salvo.se .constituir o motiv(} oeterrtlh1~nte
do negócio jurídico. Tamb~m é importante reçordar <t,r,e.~í(l.~9' ªttt"Ai41
do cc que impõe a aplicação do regimé jurídko dosvíçl~s rediblt~rfos
para as doações onerosas: · · · · ·· · · ·' · · ·

~E na hora da prova?
Em prova tle concurso público realizado para o provimento do cargo
de Assessor-Direito, MPE-RS, ano 2014, considerou-se correta a seguinte
assertiva: "O Ministério Público poderá exigir a execução do encargo
de doação estipulado a benefício do interesse geral, depois da mor-
te do doador, se este não o tiver feito".

3o. TARTUCE, Flávio. Direito Civil. Teoria Geral dos Contratos e Contratos em Espécie.
10ª edição. São Paulo: Método, 2015, p. 346.
3i. Op. Cit., p. 286-287.
436 Direito Civil - VoL 23 • Luciano Figueiredo e Roberto Figueiredo

E se o encargo imposto não for cumprido, o que fazer?


~este caso, viável será a revogação da doação (CC, art. 555).
Aqui a legitimidade ativa exclusiva será doador, tendo em vista o
caráter personalíssimo deste interesse jurídico. o prazo decaden-
cial é de um ano, contados de quando chegue ao conhecimento
do doador o fato que a autorizar, e de ter sido o donatário o seu
autor (CC, art. 559).

O art. 560 do CC avança para afirmar que "O direito de revogar


a doação não se transmite aos herdeiros do doador, nem prejudica
os do donatário. Mas aqueles podem prosseguir na ação iniciada
pelo doador, continuando-a contra os herdeiros do donatário, se este
falecer depois de a}uizada a lide".

., E na hora da prova?
Ano: ~014 Banca: MPE-SC órgão: MPE-SC Prova: Promotor de Justiça _
Matutina
Analise os enunciados das questões abaixo e assinale se ele é certo
ou Errado.
De aco;do com o có_digo Civil, o direito de revogar a doação não se
transmite aos herdeiros do doador, nem prejudica os do donatário.
Mas aqueles podem prosseguir na ação iniciada pelo doador, conti-
n~~ndo-a c?ntra os herdeiros do donatário, se este falecer depois de
aJwzada a hde.
Gabarito: Correto

. ~ais uma vez a norma fortalece o caráter personalíssimo do


d~re~to de revogar a doação, agora pela intransmissibilidade deste
direito em face dos herdeiros, com a natural ressalva no sentido de
que estes poderão dar prosseguimento a uma demanda já maneja-
da pelo doador que venha a falecer no curso da lide. Nada mais jus-
to, afi~al de con~as: ~este caso, o doador externou ao ajuizar a ação
o seu interesse 1und1co e desejo em revogar 0 contrato de doação.

.- Aten~q'!'
~ possív~I t~m.~~º1. !·revo~tlfª·~ do contrato de doação onerosà~ por
me~ecuçao do e~carg,c P~t,a as situações jurídicas de mora d.o dona-
tário.(~~~'~;;gr:r:~~E~Y:~;'?';~~b~~~1:do CC: "A doação onerosa·~ode;s~r; ·
revogad~ P~r ln~X'e~o;(;lo:,~flé~pgo:seo•donatário incorreremin~i'ct
Cap. 2 • Doação 437

Nlfó h v~ do1 ··.•.•


ti~írti'kr~~8 1Kif
obrlgâÇa~~a''' ·

c) Doações Remuneratórias
Doação remuneratória "é aquela feita em caráter de retribuição
por um setviço prestado pelo donatário, mas cuja prestação não pode
ser exigida pelo último. Isso porque, caso fosse exigível, a retribuição
deveria ser realizada por meio do pagamento, uma das formas de
extinção das obrigações". A lição é de FLÁv10 TARrucE 32 • O instituto, agora
no escólio de CR1sr1AN0 CHAVES oE FARIAS E NnsoN RosENVALo 33 , assemelha às
hipóteses de obrigações naturais (CC, art. 882).
Com efeito, se na origem do negócio jurídico as partes esti-
pulassem o pagamento de um preço em retribuição à entrega da
coisa, a hipótese seria de compra e venda, afinal de contas, "pelo
contrato de compra e venda, um dos contratantes se obriga a trans-
ferir o domínio de certa coisa, e o outro, a pagar-lhe certo preço em
dinheiro" (CC, art. 481).
a
Por outro lado, se as partes estipulassem contraprestação de
um preço para a execução de um determinado serviço que não
estiver sujeito às leis trabalhistas, ou especiais, o caso seria de
contrato de prestação de serviço, nos termos do art. 593 do CC: "A
prestação de setviço, que não tiver sujeita às /eis trabalhistas ou à lei
especial, reger-se-á pelas disposições deste Capítulo".
A grande maioria dos livros ilustra os casos de doação remune-
ratória com o conhecido exemplo de um cliente que presenteia um
médico, ou advogado, em face de um determinado serviço profis-
sional que este realizou em benefício daquele.
Perguntar-se-ia: acaso este médico, ou advogado, não houvesse
realizado o referido trabalho, será mesmo que este cliente reali-
zaria a doação?

32. TARTUCE, Flávio. Direito Civil. Teoria Geral dos contratos e Contratos em Espécie.
10• edição. São Paulo: Método, 2015, p. 346.
33. CHAVES DE FARIAS, Cristiano e ROSENVALD, Nelson. Curso de Direito Civil. Contra-
tos. Teoria Geral e Contratos em Espécie. 4• edição. Salvador: JusPodivm, 2014,
p, 707-708.
438 Direito Civil - Vol. 13 • Luciano Figueiredo e Roberto Figueiredo

Evidentemente que a resposta é negativa e, ao assim obser-


var, a conclusão a que se chega é a de que, a bem da verdade, a
doação remuneratória não configura uma liberalidade plena. Ao
contrário disto, objetiva recompensar, pagar, em caráter de contra-
prestação, por um serviço ou atividade recebidos.
Inclusive, CARtos ROBERTO GoNÇALVEs34 nos faz recordar que "Se o valor
pago exceder o dos serviços prestados, o excesso não perde o caráter
de liberalidade, isto é, de doação pura (CC, art. 540)". Arremata o autor
que "Na doação remuneratória não há, assim, dever jurídico exigível pelo
donatário. Todavia, o doador sente-se no dever moral de remunerá-lo
em virtude da prestação de. um serviço que aquele lhe prestou e, por
alguma razão pessoal, não exigiu o correspectivo ou a ele renunciou".
Tendo em vista este quê de contraprestação, a doação remu-
neratória tem sobre si a aplicação dos vícios redibitórios (CC, art.
441), não pode ser revogada por ingratidão (CC, art. 564, 1) e, fi-
nalmente, não se aplica a obrigatoriedade da colação, se feita aos
ascendentes (CC, art. 2.011).

.. E na hora da prova?
Em prova de concurso público realizado para o provimento do cargo
de Assessor-Direito, MPE-RS, anos 2014, considerou-se incorreta a se-
guinte assertiva: "Podem ser revogadas por ingratidão as doações pu-
ramente remuneratórias, dentre outras hipóteses, quando o donatário
atentou contra a vida do doador".

d) Doação Mista
Na doação mista tem-se a liberalidade é inserida no contexto
de um outro contrato, que a camufla. Ou melhor, é um negócio ju-
rídico de conteúdo prestacional híbrido, que é caracterizado como
um negócio oneroso, mas, ao mesmo tempo, traz em si um matiz
de liberal:dade.
Tem relação com a batizada venda de aparência, na qual há um
valor de bem superior ao de mercado ou um preço é vil. Neste últi-
mo caso é que é possível vislumbrar uma doação mista, pois sendo
vil o preço, ao mesmo tempo em que há uma contraprestação, ela,

34. GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito Civil Brasileiro. Contratos e Atos Unilaterais.
9• edição. São Paulo: Saraiva, 2012, p. 288.
Cap. 2 • Doação 439

em verdade, é insuficiente para representar o valor efetivo da coi-


sa, havendo assim uma liberalidade.
Exemplifica-se com o caso de um sujeito pagar, livremente, RS
l.ooo (mil reais) por um bem que vale apenas RS 500,00.
Fala-se em mista a doação, pois, de fato, há uma mistura de
compra e venda com doação. Na tentativa de uma precisar qual ca-
tegoria o contrato melhor se enquadraria, necessário será analisar
a causa do negócio, buscando extrair se a preponderância é does-
pírito de liberalidade ou de especulação econômica. Nesse sentido,
CARLOS GONÇALVES preleciona que "embora sustentem alguns que o
negócio deve ser separado em duas partes, aplica.ido-se a cada uma
delas as regras que lhe são próprias, a melhor solução é verificar a
preponderância do negócio, se oneroso ou gratuito, levando-se em
conta o art. 112 do Código Civil".
e) Doação em Contemplação do Merecimento do donatário
Na doação contemplativa "o doador declina ou indica as razões
(motivos) que o levaram a fazer a doação", como advertem PAeLo
SroLzE GAGUANo E RoooLrn PAMPLONA F1LH0 3S. FLÃv10 TARrucE 36 ilustra a hipótese
aduzindo como exemplo típico que "pode ocorrer quando alguém
que doa vários livros a um professor famoso, pois aprecia o seu tra-
balho, constando esse motivo na via contratual".
De acordo com o art. 540 do CC "A doação feita em contemplação
do merecimento do donatário não perde o caráter de liberalidade,
como não o perde a doação remuneratória, ou a gravada, no exce-
dente ao valor dos serviços remunerados ou ao encargo imposto".

~ E na hora da prova?
Ano: 2013 Banca: MPE-SC órgão: MPE-SC Prova: Promotor de Justiça
Analise o enunciado da questão abaixo e assinale Ncerto" (c) ou "er-
rado" (e)
Quando trata sobre a doação, o Código Civil menciona que aquela feita
em contemplação do merecimento do donatário não perde o caráter

35. STOLZE, Pablo Gagliano e PAMPLONA FILHO, Rodolfo. Novo Curso de Direito Civil.
Contratos em Espécie. 6• edição. São Paulo: Saraiva, 2013, p. 154.
36. TARTUCE, Flávio. Direito Civil. Teoria Geral dos Contratos e Contratos em Espécie.
10ª edição. São Paulo: Método. 2015, p. 349.
440 Direito Civil - Vol. 13 • Luciano Figueiredo e Robe110 Figueiredo

de liberalidade, como não o perde a doação remuneratória, ou a gra-


vada, no excedente ao valor dos serviços remunerados ou ao encargo
imposto.
Gabarito: Correto

Importante lembrar-se do conteúdo do art. 140 do CC segundo o


qual o falso motivo invalida (nulidade relativa) o negócio jurídico,
ou seja, o contrato de doação objeto deste estudo. Trata-se de uma
importante reflexão que une parte geral (art. 140) e especial (art.
540) do cc.
Um belo exemplo é dado por CARLOS RoeERro GoNÇALVEs37: "se uma
pessoa faz uma doação a outra porque é informada de que o donatá-
rio é seu filho, a quem não conhecia, ou se é a pessoa que lhe salvou
a vida, e posteriormente descobre que tais fatos não são verdadeiros,
a doação poderá ser anulada somente na hipótese de os referidos
motivos terem sido expressamente declarados no instrumento como
raz,jo determinante".
A existência deste artigo de lei é comprovação jurídica da exis-
tência de um contrato de doação cuja finalidade de liberalidade
é distinta da regra geral, isto porque o motivo desta liberalidade
reside no merecimento do donatário.
Evidentemente que se este motivo não existir, será possível
imaginar uma invalidade do contrato por defeito do negócio jurí-
dico por erro e falso motivo (CC, arts. 138 e ss., bem como 171, li).
Em conclusão e síntese: esta doação contemplativa, também
denominada de meritória, acontece quando o autor da mesma (o
doador) registra no contrato de doação o motivo que o leva a ce-
lebrar a liberalidade, relacionando a motivação deste ato a uma
qualidade pessoal do donatário.
f) Doação Feita ao Nascituro

O art. 2° do CC afirma que a lei põe a salvo desde a concepção


os direitos do nascituro e o art. 542 do mesmo Código afirma ser

37. GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito Civil Brasileiro. Contratos e Atos Unilaterais.
7• edição. São Paulo: Saraiva, 2007, p. 367.
Cap. 2 • Doação 441

válida a doação feita ao nascituro, sendo aceita pelo seu repre-


sentante legal, vale dizer, pelos pais ou tutores (CC, arts. 1.748, li,
i.749 e i.779).
Eis o conteúdo do art. 542 do CC "A doação feita ao nascituro
valerá, sendo aceita pelo seu representante legal". Impõe a norma,
pelo seu texto, o aceite em face do representante legal do nascitu-
ro ao prescrever "sendo aceita".
LIMONGI FRANÇA, citado por FRANCISCO AMARAL, define o nascituro como
sendo "o que está por nascer, mas já concebido no ventre materno"38 •
Cuida-se do ente concebido, dotado de vida intrauterina, embora
ainda não nascido. A dotação de vida intrauterina é o traço distinti-
vo entre o nascituro e o embrião laboratorial (excedentário).
Existem, como já analisamos na parte geral, teorias sobre o
nascituro. Vamos, rapidamente, recordar:
A) Teoria Natalista ou Negativista - vem da expressão "na-
tal", a qual significa nascimento. Para esta teoria, a per-
sonalidade só é adquirida do nascimento com vida, de
maneira que aquele já concebido, mas ainda não nascido,
não teria personalidade e, por isso, trata-se de uma teoria
negativista para os nascituros. São defensores desta teo-
ria Vicente Ráo, Sílvio Rodrigues, Eduardo Espínola e Arnold
Wald;
B) Teoria Concepcionista - contrapõe-se a anterior. Tem base
no direito francês. Sustenta que a personalidade jurídica é
adquirida desde a concepção, de maneira que o nascituro
já seria titular deste atributo. São defensores desta teoria:
Teixeira de Freitas, Clóvis Beviláqua, Francisco Amaral, Sil-
mara Chinelato e Maria Helena Diniz;
C) Teoria da Personalidade Condicional ou Condicionalista -
sufraga o entendimento de que o nascituro, ao ser concebi-
do, já pode titularizar alguns direitos, em regra, de caráter
extrapatrimonial. Seriam os nascituros dotados, desde a
concepção, de Personalidade Formal, conforme denomina
Maria Helena Diniz. Entrementes, apenas com o nascimento
com vida (condição suspensiva) é que o atributo da perso-

38. AMARAL, Francisco, Introdução ao Direito Civil, Renovar, p. 217.


442 Direito Civil - Vol. 13 • Luciano Figueiredo e Roberto Figueiredo

nalidade se completaria, sendo possível a conferência de


direitos patrimoniais ao nascituro. É o que Maria Helena
Diniz denomina de Personalidade Material. Até o nascimen-
to, os direitos de conteúdo patrimonial ficam sob condição
suspensiva. Defensores da tese Washington de Barros Mon-
teiro e San Tiago Dantas.

Assim, a despeito de toda uma profunda controvérsia doutri-


nária o fato é que, nos termos da legislação em vigor, o nascituro
titulariza proteção legal a alguns direitos e dentre eles está o de
receber doação, aceita pelo seu representante (curador), e sem
prejuízo do recolhimento do imposto de transmissão inter vivos,
conforme o art. 542 do Código Civil.

Lembre-se, porém, que o gozo do direito de propriedade por


parte do nascituro ficará condicionado ao seu nascimento com
vida, conforme visto. Assim, aceita doação pelo representante le-
gal, o nascituro apenas exercitará o direito de propriedade após
aquisição da personalidade jurídica que se dará tão somente se
nascer com vida.

Como adverte PAULO Luiz NEno Lõso 39 acaso o nascituro não nasça
com vida o contrato, realizado sob esta condição suspensiva, ca-
ducará, els que a hipótese envolve direito eventual que não restou
levado a cabo diante da ausência do nascimento com vida.

Dentro dessa análise, recorde-se ainda que o art. 130 codifi-


cado afirma que ao titular de direito eventual, como o nascituro,
é permitida a pratica dos atos destinados a conservá-lo. Como o
nascituro não pode praticá-los, deverá fazê-lo seu curador.

._ Como esse assunto foi cobrado em concurso?


Na prova para Advogado da União/Cespe/2012 foi considerada correta
a seguinte afirmativa: Embora a lei proteja o direito sucessório do nas-
cituro, não é juridicamente possível registrar no seu nome, antes do
nascimento com vida, um imóvel que lhe tenha sido doado.

39. LÕBO, PAULO LUIZ Nmo. Comentários ao Código Civil. V. 6. São Paulo: Atlas. 2003, p.
307.
Cap. 2 • Doação 443

., E na hora da prova?
Ano: 2013 Banca: VUNESP órgão: TJ-RJ Prova: Juiz
É correto afirmar que a doação feita a nascituro
a) deve ser considerada nula tanto nos casos de natimorto como nos
casos de nascimento com deficiência mental.
b) deve ser considerada inexistente no caso de natimorto e nula nos
casos de nascimento com vida, ainda que haja aceitação por seu
representante legal.
c) é nula de pleno direito, já que a personalidade civil começa apenas
com o nascimento com vida, independentemente de aceitação por
seu representante legal.
d) desde que seja aceita por seu representante legal, é válida, ficando,
porém, sujeita a condição, qual seja, o nascimento com vida.
Gabarito: D

g) Doação em Forma de Subvenção Periódica


Nas pegadas do art. 545 do CC, a doação em forma de subven-
ção periódica é disciplinada da seguinte maneira: "A doação em
forma de subvenção periódica ao beneficiado exringue-se morrendo o
doador, salvo se este outra coisa dispuser, mas não poderá ultrapas-
sar a vida do donatário".
Com efeito, trata-se de uma previsão normativa que apresenta
curiosa modalidade de doação.
CR1sT1ANo CHAVES oE FARIAS E NELSON RosrnvAw 4º lembram se tratar de doa-
ções em prestações mensais, bimestrais, semestrais, etc.
FLÁv10 TARrucE41 esclarece que esta doação se caracteriza por ser
de trato sucessivo, tendo a morte do doador, ou do donatário,
como causa extintiva, via de regra. Para este doutrinador, a doa-
ção sob forma de subvenção periódica é espécie de contrato de
constituição de renda, que seria gênero, podendo ser gratuito ou

40. CHAVES DE FARl.A.S, Cristiano e R.05ENVALD, Nelson. Curso de Direito Civil. Contra-
tos. Teoria Geral e Contratos em Espécie. 4ª edição. Salvador: ]usPodivm, 2014,
p. 690.
41. TARTUCE, Flávio. Direito Civil. Teoria Geral dos Contrates e Contratos em Espécie.
io• edição. São Paulo: Método, 20J 5, p. 350-35i.
r
444 Direito Civil - Vol. 13 • Luciano Figueiredo e Roberto Figueiredo

oneroso (CC, art. 803 e 804). Contudo, diferencia-se daquele porque


"nunca estará relacionada com imóvel. A renda tem origem no patri-
mônio do doador de forma direta".
Segundo PABLo SroLZE GAGLIANo E RoDoLFO PAMPLONA F1LH0 42 "Em tal caso,
tem-se um contrato cujas prestações, devidas pelo doador, são pagas
periodicamente, nada impedindo, outrossim, que o doador aplique
o capital e o donatário passe a perceber os seus frutos, sendo-lhe
vedado o levantamento integral do valor".
Destarte, tal doação em cotas periódicas revela uma modali-
dade de alimentos, em seu viés voluntário. Recorda-se que o pa-
gamento de pensão alimentícia pode decorrer da solidariedade
familiar (CC, art. i.964), do ato ilícito (CC, art. 948/950) ou, ainda,
da autonomia privada (CC, art. 545). É certo afirmar, desta maneira,
que a autonomia privada poderá fazer surgir um contrato por meio
do qual uma pessoa se obrigue a, periodicamente, pagar à outra
pensionamento, enquanto vivo for. São justamente os alimentos
periódicos (CC, art. 545).
h) Doação em Contemplação de Casamento Futuro
O tema é previsto no art. 546 do CC, segundo o qual "a doação
feita em contemplação de casamento futuro com certa e determinada
pessoa, quer pelos nubentes entre si, quer por terceiro a um deles,
a ambos, ou aos filhos que, de futuro, houverem um do outro, não
pode ser impugnada por falta de aceitação, e só ficará sem efeito se
o casamento não se realizar".
Nos termos do art. 546 do CC é juridicamente possível um con-
trato de doação em decorrência do matrimônio de alguém, de
modo que a eficácia deste pacto estará condicionada à celebração
do casamento (condição suspensiva). Dessa forma, CR1snANO CHAVES DE
FARIAS E NEtsoN RosENvALD 43 reconhecem se tratar de um caso "especial
de doação condicional suspensiva", isto porque "é feita em contem-

42. STOLZE, Pablo Gagliano e PAMPLONA FILHO, Rodolfo. Novo Curso de Direito Civil.
Contratos em Espécie. 6• edição. São Paulo: Saraiva, 2013, p. i59.
43. CHAVES DE FARIAS, Cristiano e ROSENVALD, Nelson. Curso de Direito Civil. Contra-
tos. Teoria Geral e Contratos em Espécie. 4• edição. Salvador: JusPodivm, 2014,
p. 713.
r
Cap. 2 • Doação 445

plação de um matrimônio futuro com pessoa certa e determinada,


indicada no instrumento do negócio".
Esta doação poderá ser realizada entre os nubentes, assim
como em relação a um terceiro em face do casal, ou mesmo em
face de apenas um dos nubentes. A autonomia privada aqui é
ampla. Também poderão se beneficiar desta liberalidade a prole
eventual dos nubentes.
Adverte FLÃv10 TARTUCE44 que por se tratar de "norma especial, deve-
-se entender que o art. 546 do CC não se aplica à união estável, até
porque, ao contrário do casamento, há uma dificuldade de apontar,
no plano fático, a existência de uma união livre, eis que seus requi-
sitos são abertos e demandam a análise caso a caso", referindo-se
aos elementos configuradores desta entidade familiar, previstos no
caput do art. i.723 do CC.
. ., ,,.;· ..· ,·'

~ A~~' fjg1, ~'

'~~;~~~n,~;~~Gí!~··
i) Doação entre cônjuges
A doação entre os cônjuges se encontra prevista no art. 544 do
CC e importa, evidentemente, em adiantamento do que lhes cabe
por herança, evidentemente nas exclusivas situações nas quais o
cônjuge sobrevivente concorrer hereditariamente, nos exatos ter-
mos do art. i.829, 1 e li do CC.

., E na hora da prova?
A banca examinadora FEPESE, em prova de concurso realizado para
o provimento do cargo de Procurador do Estado, MPE-SC, ano 2014,
considerou correta a seguinte alternativa: "A doação de ascendentes
a descendentes, ou de um cônjuge a outro, importa adiantamento do
que lhes cabe por herança".

Destaque-se que, para configurar adiantamento de legítima o


caso de doação feita entre cônjuges a configuração, mister tratar-

44. TARTUCE, Flávio. Direito Civil. Teoria Geral dos Contratos e Contratos em Espécie.
10• edição. São Paulo: Método, 2015, p. 352.
446 Direito Civil - Vol. 13 • Luciano Figueiredo e Roberto Figueiredo

-se de regimes em que o cônjuge sobrevivente concorre heredita-


riamente. Com base nesses, dentro desse viés, CARtos RoeERTo GoN-
ÇALvEs45 sintetiza as hipóteses em que "podem ser doados por um
cônjuge ao outro: no regime de separação absoluta, convencional
ou legal, todos os bens, em virtude da inexistência de bens comuns;
no regime da comunhão parcial poder sem doados pelo cônjuge ao
outro os bens particulares; no regime da comunhão universal, os ex-
cluídos da comunhão (CC, art. 1.668); no regime de participação final
nos aquestos os bens próprios de cada cônjuge, excluídos os aquestos
(CC, art. 1.672)", no que também concorda PAuLo Luiz Nmo Lõso.4 6

.. Como o SUPERIOR TRIBUNAL OE JUSTIÇA já entendeu esta matéria?


Na AR n° 310/PI o Superior Tribunal de Justiça entendeu ser incompa-
tível ao regime da comunhão universal de bens a doação entre os
cônjuges: "A doação entre cônjuges, no regime da comunhão universal de
bens, é nula, por Impossibilidade jurídica de.seu objeto".
Interessante notar 9ue os arts. 2.005 e 2.oo6 do cc, dispostos no título
referente ao ir.ventá ri o e a partilha, acabam por trazer e)(ceção ~ regra
de que doação configurará adiantamento do que íhes cabe por he-
rança, prevista no art. 5};4. Aqueles dispositivos permitem ao doador,
através de testamento ou no próprio título, da lil::>erali.d~de, estipular
que essa doação saia da parte disponível, tornando-a dispensada da
colação. Em outras palavras, tendo havido doação entre cônjuges e
posteriormente falecido o doador, não haverá· de se falar em adian-
tamento de legítima se o doador liberou o donatário de realizar a
colação desta liberalidade nos autos do inve11tário a ser futuramente
ajuizado, ao imputar o bem doado o caráter de bem relativo a sua
quota disponível, aspecto que evidencia: a natureza não imperativa do
art. 544 .. Obviamente que o bem,. aq~i~ não podetá t~r. valor sup(!rior a
5oºl:. (cinquenta por cento) do patrimôniO do
doador. . .

Por fim, considerando que a fidelidade é um dever matrimonial


(CC, art. i.566), que bigamia é crime (CP, art. 235) e que concubinato
é considerado relação ilícita entre pessoas impedidas de casar (CC,
art. i.727), o Código Civil reconhece corno inválida a doação reali-

45. GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito Civil Brasileiro. Contratos e Atos Unilaterais.
9• edição. São Paulo: Saraiva, 2012, p. 291.
46. LÔBO, FAuLo Luiz Nmo. Comentários ao Código Civil. v. 6. São Paulo: Atlas. 2003,
p. 291.
Cap. 2 • Doação 447

zada por um cônjuge em benefício de um concubino. Sobre o terna,


o art. 550 do CC "A doação do cônjuge adúltero ao seu cúmplice pode
ser anulada pelo outro cônjuge, ou por seus herdeiros necessários,
até dois anos depois de dissolvida a sociedade conjugal".
j) Doação Conjuntiva: Comum a Mais de Um Donatário
Denominam PABLO SroLzE GAGUANo E RoooLFO PAMPLONA F1LH0 41 corno con-
juntiva a modalidade de doação que é "feita a mais de uma pes-
soa". No mesmo sentido FLÁv10 TARTUcE48 •
É possível, e até mesmo usual, haver urna doação realizada em
benefício de mais de um donatário, envolvendo coisa comum (doa-
ção conjuntiva). Nesta hipótese, o art. 551 do CC prescreve que esta
doação deve ser considerada dividida em igualdade de condições
entre os donatários, salvo se o doador disciplinar coisa em sentido
contrário. Logo, se Caio doar um bem para João e Maria, a presun-
ção, salvo disciplina em contrário na doação, é que o aludido bem
será metade de João e a outra metade de Maria.
E se Maria vier a óbito, a sua cota acrescerá a parte de João,
ficando este com a totalidade do bem?
Em regra, não, ressalvada a hipótese de João e Maria serem
casados entre si. Eis a dicção do parágrafo único do art. 551, "Se os
donatários, em tal caso, forem marido e mulher, subsistirá na totali-
dade a doação para o cônjuge sobrevivo".
D'outra banda, se João e Maria não forem cônjuges entre si,
a cota que iria para a falecida Maria será direcionada aos seus
sucessores.
Sufrago o dito, verberam CR1s11AN0 CHAVES oE FARIAS E NmoN RosENVALD 49
que "ao contrário do que acontece no testamento, os donatários não
serão beneficiados pelo direito de acrescer em caso de morte de ufrl

47. STOLZE, Pablo Gagliano e PAMPLONA FILHO. Rodolfo. Novo Curso de Direito Civil.
Contratos em Espécie. 6• edição. São Paulo: Saraiva, 2013, p. 156.
48. TARTUCE, Flávio. Direito Civil. Teoria Geral dos Contratos e Contratos em Espécie.
10• edição. São Paulo: Método, 2015, p. 356.
49. CHAVES DE FARIAS, Cristiano e ROSENVALD, Nelson. Curso de Direito Civil. Contra-
tos. Teoria Geral e Contratos em Espécie. 4• edição. Salvador: JusPodivm, 20L\..
p. 709-710.
448 Direito Civil - Vol. 23 • Luciano Figueiredo e Roberto Figueiredo

dos beneficiários (condôminos)", pois a parte do donatário morto


"será direcionada, regularmente, aos seus sucessores, mantendo-se o
estado de indivisão do bem, salvo disposição em contrário".
l'í) Doação de Ascendentes para Descendentes
A doação entre ascendentes e descendentes também está pre-
vista no art. 544 do CC, já mencionado quando abordada a doação
entre cônjuges, que preleciona: "A doação de ascendentes a descen-
dentes, ou de um cônjuge a outro, importa adiantamento do que lhes
cabe por herança".
Portanto, o art. 544 do CC disciplina a doação de ascenden-
tes para descendentes reconhecendo este contrato como negócio
jurídico válido, cujos efeitos acarretam a presunção (relativa) de
adiantamento da legítima, a obrigar o donatário a colacionar o bem
objeto da doação à época do inventário (CC, art. 2.002 a 2.005).
Como já abordado, deverão esses bens ser colacionados, em
consonância com o art. 544, que os configura como adiantamento
de legítima. Também já mencionado, a dispensa de colação será
possível, quando o doador, em testamento ou no próprio título
da doação, enquadrar o bem doado como pertencente a sua cota
disponível (art. 2.005 e 2.006, CC).
Como se vê, não se trata de negócio jurídico anulável, muito
menos se está a exigir autorização de quem quer que seja.

> Como aJU~PRUDÊNcrA tem deciéJÍdo'o tema?


ÓIREITO ClVÍL. DIREITO' DE HERDEIRÓ DE ~XIGIR A füLAÇÃ<i DE BENS.
o filho do autor cíà llérança terll o direito de exÍgir de seus irmãos a
colação, dos bens. que,receperam:vla.doaçãô a ~ítulo de adiantamen-
to da leg(tlma, alf"!da que sequer tenha sido concebido ao tempo da
liberalidade. De fato, para .efeito de cumprimento do dever de cola-
ção, é irrelevante se o herdeiro nasceu antes ou após a doação, não
havendo também diferença entre os descendentes, se são eles irmãos
germanos ou .unilateq1is ou se super\fenientes). even.tu(ll separação ou
divórcio do doador. o que deve prévaleceré a.ideia de que a doação
feita de ascertdent~ par(l .i;lescendente, por.si só; não é considerada in-
válida ou ineficaz pelo ordenamento jurídico, mas impõe ao donatário
obrigação protraíd!). no•te.mpo, <!e'à épo<:a do"óbito do d<:>ador, trazer
o Patrirrtônio recebido .à colação; à fim dê igoáfar as legftimas, caso
Cap. 2 • Doação 449

~ E na hora da prova?
Ano: 2015 Banca: FCC órgão: TRT - 23• REGIÃO (MT) Prova: Juiz do Trabalho
Substituto
Joana possui três filhos, mas doou apenas ao mais velho, Juan, parte
de seu patrimônio. De acordo com o Código Civil, a doação feita a Juan
a) produzirá efeitos apenas se houver concordância dos i.rmãos de
Juan.
b) é nula, não podendo o juiz invalidá-la de ofício.
c) é nula, devendo assim ser declarada de ofício, ,pelo juiz.
d) importa adiantamento do que lhe cabe por herança.
e) é anulável, invalidando-se apenas a pedido dos demais herdeiros.
Gabarito: D

1) Doação lnoflciosa
De acordo com PABLO SroLZE GAGLIANo E RoooLFO PAMPLONA FtLH0 5º, "doação
inoficiosa é aquela que traduz vio.lação da legítima dos herdeiros
necessários. Por herdeiros necessários entenda-se aquela classe de
sucessores que têm, por força de lei, direito à parte legítima da he-
rança (50%)".
Os herdeiros necessários estão referidos no art. 1.845 do CC e
são os descendentes, os ascendentes e o cônjuge. Havendo herdei-
ros necessários, o doador (CC, art. 544) e o testador (CC, art. i.857)
somente poderão dispor de metade do patrimônio.

50. STOLZE, Pabto Gagliano e PAMPLONA FILHO. Rodolfo. Novo Curso de Direito Civil.
contratos em Espécie. 6• edição. São Paulo: Saraiva, 2013, p. i42.
450 Direito Civil - Vol. 13 • Lucfano Figueiredo e Roberto Figueiredo

Na forma do art. 549 do cc, inoficiosa é a doação na parte


em que exceder cinquenta por cento da liberalidade de que não
poderia dispor o doador em testamento. A consequência jurídica
disto será a nulidade absoluta da parte que exceder aos limites
da disposição.
Em arremate: o interessado deverá aiu1zar uma ação de re-
dução por meio da qual irá postular ao Judiciário a invalidade da
parte inoficiosa. Para parte da doutrina, a dita ação na precisará
"aguardar a morte do doador, porque o excesso é declarado nulo,
expressamente, pela lei". A lição é de CARLOS ROBERTO GoNçALVEs5 ', que
também entende pela aplicação do art. i68 do CC, o qual autoriza
a qualquer interessado, ao Ministério Público e ao Juiz de Direito,
este último até mesmo de ofício, suscitar a invalidade. Como inva-
lidade absoluta que o é, arremata o Autor, poderá ser suscitada a
qualquer tempo.
No caso, sendo o objetivo da ação de redução invalidar tão so-
mente o excesso, mister destacar que mantem-se o negócio jurídico
no que for válido (princípio da conservação do negócio jurídico).

~ Como os Í'RIBUNAIS estão entendendo esta questão?


o superior Tribunal de; Jus~lça jã decidiu no REsp~ 111,426-ES que o
momento de aferição da
validade do contrato de doação dever ser
quando realizada a doação, ou seja, "quando da transériçêlo do título no
registro de imóveis", sen.do ônus da prova do autor da açi}o de invali-
dade a demonstração do excesso da cota disponível no momento da
liberalidade. (REsp~ 160.969~PE).

~ Como o sTJ tem decidido sobre o tema:


DIREITO CIVIL .E PROCESSUAL CIVIL: LEGITIMIDADE PARA PLEITEAR DECLARAÇÃO
DE NULIDADE EM DOAÇÃO INOFICIOSA.
o herdeiro que cede seus direitos hereditários possui legitimidade
para pleitear a declaração de nulidade de doação inoficiosa (arts.
i.176 do CC/1916 e 549 do CC/2002) realizada pelo autor da herança em
benefício de terceiros. Isso porque o fato de o herdeiro ter realizado

51. GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito Civil Brasileiro. Contratos e Atos Unilaterais.
9• edição. São Paulo: Saraiva, 2012, p. 29i.
Cap. 2 • Doação 451

a éessãp ~~ sevsfclireitos heredltár!PS: nãqJ alidade de


· herdefrti ·i ue é
õnatfasirilá~ oê lâ'tó .a ê~ ~· · ·;;) iie7éctitá-
~"' >,, :;';: ·, ,f<•. H.f)
:/:/" ·N'~t;·
/'.''f;"'··."{v,,'.'~'',1;:,J;/;,_.,,;"~1tt!<
'1.·.j,/,,>:,:; '"'"'/:,l./ .>'',,. , ,, ~' ""'
tra ..
0

riós apenas ~ ao cêss.lorJ;árHfatltularl . . ela ·.··· .. ção JurídiCa'


do. ceden.te. de f'rtodo .a'peril-iitlrqoê.aqtít~lé e)(ljà a:paíjilhà~os oerts
que compõem a herança. REsp 1.36i.9s3~sc, Reh fvllíl. Nàncy Anêlright
julgado" em i8/3/2<m•. ·

m) Doação com Cláusula de Reversão ou Retorno


É o art. 547 do CC que permite ao doador estabelecer cláusula
contratual que imponha a reversão ao patrimônio próprio (do doa-
dor) acaso este venha a sobreviver ao donatário.
PABLO STOLZE GAGLIANO E RODOLFO PAMPLONA FilH0 52 afirmam se tratar de
uma "interessante figura jurídica, em que se prevê o retorno do bem
ao doador, na hipótese de premoriência do donatário", sendo con-
ceituada como uma "estipulação negocial por meio da qual o doador
determina o retorno do bem alienado, caso o donatário venha a fa-
lecer antes dele".
Significa dizer que, havendo esta cláusula e sobrevivendo o
doador ao donatário, enseja-se o advento da condição resolutiva,
que desfaz a doação e faz o bem doado retornar a esfera patrimo-
nial do doador.
TARTUCE 53 esclarece que a doação com esta cláusula de re-
FLÁv10

torno, ou de reversão (expressões sinônimas>, "é aquela em que


o doador estipula que os bens doados voltem ao seu patrimônio se
sobrevier ao donatário [ ... ] Trata-se esta cláusula de uma condição
reso/utfva expressa, demonstrando o intento do doador de beneficiar
somente o donatário e não os seus sucessores, sendo, portanto, uma
cláusula intuitu personae que veda a doação sucessiva".
Eis o conteúdo do art. 547: "O doador pode estipular que os bens
doados voltem ao seu patrimônio, se sobrevive.~ ao donatário", ad-
vertindo o parágrafo único do mesmo dispositivo que "não preva-
lece cláusula de reversão em favor de terceiro".

-----·---
52. STOLZE, Pablo Gagliano e PAMPLONA FILHO, Rodolfo. Novo Curso de Direito Civil.
Contratos em Espécie. 6• edição. São Paulo: Saraiva, 2013, p. 157.
53. TARTUCE, Flávio. Direito Civil. Teoria Geral dos Contratos e Contratos em Espécie.
lo• edição. São Paulo: Método, 2015, p. 355.
452 Direito Civil - Vol. 13 • Luciano Figueiredo e Roberto Figueiredo

Trata-se de um belíssimo exemplo de propriedade resolúvel


(CC, art. i.359) e que, por expressa disciplina normativa, jamais
poderá ser prevista em prol de terceiro que não seja o doador.

~ E na hora da prova?
Em prova de concurso público realizado para o provimento do cargo
de Agente Técnico-Jurídico do MPE-AM, ano 2013, no que tange a doa-
ção, a banca examinadora FCC considerou incorreta a seguinte alterna-
tiva: "pode prever cláusula de reversão em favor de terceiro".
n) Doação Manual (ou maln chaude)
O art. 541, p. ú., do CC permite a doação manual ou verbal para
bens móveis de pequeno valor e desde que se lhe siga de logo a
tradição (entrega), constituindo expressa exceção à regra segundo
a qual a doação é contrato formal, solene "pela própria exigência de
dinamicidade do tráfego jurídico", conforme ensinam CR1sr1AN0 CHAVES DE
FAR1As E NELSON RosENVALD 54, ilustrando a ocorrência destas para os casos
de "doação de esmolas, dízimos das Igrejas e mesmo a doação de
pequenos objetos de uso pessoal".
FtAv10 TARTUCE 55 lembra que a identificação de ser a coisa "bem de
pequeno valor" é casuística, sendo o caso de se aplicar a lógica do
razoável (princípio da razoabilidade).
Existem, basicamente, dois posicionamentos quanto ao alcance
da expressão bem de pequeno valor a autorizar a doação manual,
a saber:
Posicionamento i) deve-se analisar o caso concreto e apli-
car o princípio da razoabilidade, considerando a capacida-
de econômica do doador e do donatário, as circunstâncias
do caso concreto e a real vontade das partes contratantes.
É o que defende MARCO AURÉLIO BEZERRA DE MELo 56 • Trata-se de
posicionamento majoritário.

54. CHAVES DE FARIAS, Cristiano e ROSENVALD, Nelson. Curso de Direito Civil. Contra-
tos. Teoria Geral e Contratos em Espécie. 4ª edição. Salvador: jusPodivm, 2014,
p. 683.
55. TARTUCE, Flávio. Direito Civil. Teoria Geral dos Contratos e Contratos em Espécie.
10• edição. São Paulo: Método, 2015, p. 341.
56. MELO, Marco Aurélio Bezerra de. Novo C6digo Civil Anotado. Rio de Janeiro: Lu-
men luris, 2004, p. 292.
Cap. 2 • Doação 453

Posicionamento 2) deve-se considerar bem de pequeno va-


lor todo patrimônio inferior a um salário mínimo. É o que
pensam PAsLo SrotzE GAGUANo E RoooLFo PAMPLONA F1LH057• Aliás, CR1s-
T1AN0 CHAVES DE FARIAS E NELSON ROSENVAL058 esclarecem que alguns
autores, como os citados neste posicionamento, assim pen-
sam "por influência da legislação penal (CP, art. 155, § 2°).

Como dito, o posicionamento majoritário é o de se levar em


consideração o caso concreto. Este, aliás, também é o nosso en-
tendimento, sem ignorar a relevância do critério objetivo apresen-
tado, de modo que nos alinhamos neste particular às reflexões
da doutrina de FLAv10 TARrucEs 9 para quem seria até mesmo possível
considerar outro critério objetivo, como o do art. 108 do CC, e re-
conhecer como bem de pequeno valor todo aquele inferior a 30
salários mínimos.
Em surta síntese: a doação manual é caso de exceção previsto
no parágrafo único do aludido artigo de lei, quando afirma que "A
doação verbal será válida, se, versando sobre bens móveís e de pe-
queno valor, se lhe seguir incontinenti a tradição". A isto a doutrina
convencionou chamar de doação manual.
Mas é importante insistir na informação já apresentada segun-
do a qual o contrato de doação se submeterá - em regra - à forma
escrita, conforme art. 541 do CC já indicado: "A doação far-se-á por
escritura pública ou instrumento particular". Sem dúvida alguma, a

57. STOLZE, Pablo Gagliano e PAMPLONA FILHO, Rodolfo. Novo Curso de Direito Civil.
Contratos em Espécie. ia edição. São Paulo: Saraiva, 2008, p. 96-97.
58. CHAVES DE FARIAS, Cristiano e ROSENVALO, Nelson. Curso de Direito Civil. Contra-
tos. Teoria Geral e Contratos em Espécie. 4• edição. Salvador: ]usPodivm, 2014,
p. 683.
59. TARTUCE, Flávio. Direito Civil. Teoria Geral dos Contratos e Contratos em Espécie.
10• edição. São Paulo: Método, 2015, p. 358.
454 Direito Civil - Vol. 13 • Lucíano Figueiredo e Roberto Figueiredo

formalidade é requisito da doação, afastando-se a regra do art. 107


do CC que autoriza a liberdade das formas nos negócios jurídicos.
o) Doação Feita a Entidade Futura
"Assim como é possível efetuar doação em prol de nascituro, sob
a condição suspensiva de aquisição do patrimônio com o nascimento
com vida, também se autoriza (CC, art. 554) a doação em prol de enti-
dade futura, cuja existência seja incerta", no escólio de CR1sr1AN0 CHAVES
OE FARIAS E NELSON RosENVAL06o.
Eis uma visível hipótese de doação sob condição suspensiva,
assim entendido de modo consolidado pela doutrina brasileira. o
art. 554 do CC prevê a doação realizada em benefício de entidade
futura que, destarte, não existe ainda no ato de liberalidade.
Trata-se de contrato que caducará se, em dois anos, a entidade
futura não vier a ser regularmente constituída com o registro do
seu ato constitutivo no cartório competente (CC, art. 554). Ao ana-
lisar o conteúdo desse art. 554 do CC, recorda FLÃv10 TARTUCE 61 que a
expressão caducará demonstra claramente que o prazo em desta-
que é decadencial.

5. RESTRIÇÕES LEGAIS
À vista dos princípios da eticidade e da socialidade, é certo re-
conhecer que nem todo o contrato de doação será permitido pela
legislação cível, havendo situações jurídicas nas quais o próprio cc
proibirá, expressamente, a celebração deste contrato.
Não é juridicamente possível, por exemplo, o contrato de doa-
ção realizado por doador que, no ato da liberalidade, já se encon-
trava insolvente, ou mesmo de doador que ao assim pactuar será
levado, por conta disto, à insolvência. Com efeito, são fraudulentos
os "negócios de transmissão gratuita de bens, se os praticar o devedor
já insolvente, ou por eles reduzido à insolvência" (art. 158 e 159, CC).

60. CHAVES DE FARIAS, Cristiano e ROSENVALD, Nelson. Curso de Direito Civil. Contra-
tos. Teoria Geral e Contratos em Espécie. 4• edição. Salvador: JusPodivm, 2014,
p. 7:2.
61. TARTUCE, Flávio. Direito Civil. Teoria Geral dos Contratos e Contratos em Espécie.
10• edição. São Paulo: Método, 2015, p. 341.
Cap. 2 • Doação 455

Esta primeira hipótese configuraria o vício social da fraude con-


tra credores, bastante para tornar o negócio jurídico anulável, na
forma dos art. 171, li do CC.
Os arts. 548 e 549 do CC também proíbem certas modalidades
de doação, sendo, portanto, ilustrações de casos restritivos do
contrato de doação.
O art. 548 veda a doação de todo o patrimônio do doador que
não reservar parte de renda para a própria subsistência. É o que
se chama de doação universal, vale dizer, a doação de todos os
bens sem reserva de parte ou renda suficiente para a subsistência
do doador é nula. Há, pois, pela letra da lei, nulidade absoluta da
doação. PABLO STOLZE GAGLIANO E RODOLFO PAMPLONA F1LH062 reconhecem que a
doação universal enseja "inequívoca hipótese de nulidade absoluta
por traduzir violação de preceito cogente, de ordem pública, que visa
a guardar rendimento mínimo para a existência digna do doador'',
nada obstante admitirem em casos concretos que "o juiz, à luz da
conservação dos negócios jurídicos", venha a reconhecer "a nulidade
meramente parcial da doação" no que diz respeito ao rendimento
básico à mantença do doador.
A ideia da disciplina jurídica da doação universal está direta-
mente relacionada à dignidade humana (CF/88, art. lº, 111), à teo-
ria do patrimônio mínimo, bem como ao direito social de moradia
(CF/88, art. 6°) a assegurar, por exemplo, a inalienabilidade do bem
de família (Lei no 8.009/90).
"Outra /imitação ao poder de dispor do titular emana do art. 549
do Codex que estabelece a nulidade da doação inoficiosa, objetiva.1do
a preservação da expectativa patrimonial dos herdeiros necessários
do doador", como sustentam CRISTIANO CHAVES DE FARIAS E NELSON RosENVAL0 63 •
O art. 549 torna nula a doação que exceder a legítima dos her-
deiros necessários, já mencionada no estudo deste capítulo. Res-
tringe a nulidade da doação que exceder a legítima apenas na

62. STOLZE, Pablo Gagliano e PAMPLONA rlLHO, Rodolfo. Novo Curso de Direito ·:ivil.
Contratos em Espécie. 6• edição. São Paulo: Saraiva, 2013, p. i49.
63. CHAVES DE FARIAS, Cristiano e ROSENVALD, Nelson. Curso de Direito Civil. Contra-
tos. Teoria Geral e Contratos em Espécie. 4' edição. Salvador: JusPodivm, 2014,
p. 698.
456 Direito Civil - Vol. 23 • Luciano figueiredo e Roberto Figueiredo

parte do excesso, e não em todo o contrato. O direito brasileiro


denomina esta hipótese de doação inoficiosa como sendo "aquela
que traduz violação da legítima dos herdeiros necessários", conforme
doutrina já citada PABLO SroLZE GAGUANo E RoDoLFO PAMPLONA F1LH0 64 •
A doação do cônjuge adúltero ao seu cúmplice também é negó-
cio jurídico inválido (aqui a situação será de nulidade relativa), à
luz do art. 550 do CC, que se harmoniza com os arts. 1.642, V, i.727
e i.801, Ili do cc.

6. DA EXTINÇÃO DO CONTRATO DE DOAÇÃO: HIPÓTESES GERAIS E HIPÓTE-


SES ESPECÍFICAS
Sem dúvida, revogar é ato jurídico de poder, ou de direito po-
testativo, como se queira enquadrar em perspectiva. Revogar sig-
nifica retirar, cancelar, desfazer do mundo jurídico determinado
negócio ou ato jurídico.
A doutrina de CARLOS RoBERTO GoNçALVEs65 sustenta a tese segundo a
qual "A expressão revogação, utilizada pelo legislador, é inadequa-
da, porque ocorre, na verdade, anulação, rescisão ou resolução". No
mesmo sentido CRISTIANO CHAVES oE FARIAS E NELSON RosENVALo 66, como tam-
bém FLAv10 TARTUcE6r.
Existem causas gerais que autorizam falar-se em revogação do
contrato e causas próprias da revogação no contrato de doação.
Hipóteses de nulidade absoluta (CC, art. 166 e 167) e de nulida-
de relativa (CC, art. 171), além de casos gerais de doação inoficiosa
(CC, art. 548), feita ao concubino pelo cônjuge adúltero (CC, art. 550)
ilustram, por exemplo, situações gerais de revogabilidade, quando
a expressão, insista-se, é utilizada nesta amplitude.

64- STOLZE, Pablo Gagliano e PAMPLONA FILHO, Rodolfo. Novo Curso de Direito Civil.
Contratos em Espécie. 6• edição. São Paulo: Saraiva, 2013, p. 142.
65. GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito Civil Brasileiro. Contratos e Atos Unilaterais.
9• edição. São Paulo: Saraiva, 2012, p. 301.
66. CHAVES DE FARIAS, Cristiano e ROSENVALD, Nelson. Curso de Direito Civil. Contra-
tos. Teoria Geral e Contratos em Espécie. 4• edição. Salvador: JusPodivm, 2014,
p. 725.
67. TARTUCE. Flávio. Direito Civil. Teoria Geral dos Contratos e Contratos em Espécie.
10• ediçfo. São Paulo: M~todo, 2015, p. 365.
Cap. 2 • Doação 457

., E na hora da prova?
João Fonseca, casado com Lúcia ·Fonseca~ tem conhecimento do con-
teúdo do dispositivo do Art. 550 do Código Civil, que deter.mina que
eventual doação felfa para Catarina lima, amaríte de. João, pode ser
objeto de ação am.1latória promovida por sua cônjuge,el'Ti até 2 anos
depois de dissolvida a sociedade conjugal. Jóão: doou para Gust~vo
Lima, irmão de Catarina, uma rara obra de arte,:.l:t~v~n~o conil>imtdo
previamente com Gustavo que este, em um momMtó p9s~~rior; trans-
feriria o bem gratuitamente a catarina~ · · · .· · · · ·
Sobre o caso exposto, assinale a afirmativa ~orreta'. . . . .•· •. ·.
a) A doação da obra de arte para Gustavo é válida, pois o Art. 550 não
proíbe doações para colaterais do cúmplice do cônjuge .adúltero.
b) A doação da obra de arte para Gustavo é anuláv.el~ send·o Lúcia a
parte legítima para pleitear a anulação.
c) A doação da obra de arte para Gustavo é nula, e a sua declaração
pelo juiz importará no retorno do imóvel para o patrimônio de João.
d) A doação da obra de arte para Gustavo é nula, jâ que realizada por
meio de simulação absoluta.
e) A doação da obra de arte para Gustavo é nula, enquanto é anulável
/
o negócio dissimulado.
Gabarito: E

Interessa aqui, entretanto, tratar da revogação em duas espe-


cíficas situações jurídicas do contrato de doação, quais sejam por
descumprimento do encargo e, finalmente, por ingratidão do do-
natário. É o estudo da revogação em sentido estrito. É este o esco-
po do nosso estudo neste momento.

6.1. Revogação por Descumprimento de Encargo

A revogação por descumprimento de encargo está disciplinada


no art. 542 do cc e será cabível quando o donatário, vale lembrar, o
beneficiário da doação, não cumpre o dever jurídico imposto pelo
doador no ato da liberalidade.
Em outras palavras, o donatário deixa de atender ao munus, ao
sacrifício, ao trabalho, ao encargo imposto pelo doador sem o qual
a doação não poderia ser levada adiante.
458 Direito Civil - Vol. 13 • Luciano Figueiredo e Roberto Figueiredo

É possível que o doador estabeleça determinado prazo dentro


do qual o encargo há de ser adlmplido, caso em que o advento do
termo final ensejará a mora ex re, automática. Acaso não exista
dies ad quem aprazado, será necessário interpelar o donatário,
administrativa ou judicialmente para que este, somente assim, in-
corra em mora. É a denominada, neste segundo caso, mora ex
personae. O tema poderá ser encontrado no art. 397 do CC.
com todo respeito ao que já entendeu o Superior Tribunal de
justiça (REsp. 9.898-GO), assim como à doutrina de CARLOS RoBERTo GoN-
ÇALVEs68, entendemos que o prazo a partir do qual será possível o
ajuizamento da ação de revogação da doação por descumprimen-
to do encargo é de natureza decadencial legal.
Interessante pontuar que este encargo pode beneficiar tanto o
próprio donatário, quanto terceiro ou, ainda, a coletividade. É o
que afirma o art. 553 do cc. Neste último caso, o Ministério Público
terá legitimidade ativa ad causam para postular a revogação, como
também terá na defesa de incapazes, diante da conformação cons-
tituição desta magnífica instituição essencial à Justiça (CF, art. i27).
Há cuem entenda, como CARLOS RoBERTo GoNçALVES69 que a atuação do
Ministério Público, ainda que os beneficiados sejam a coletividade,
somente estará legitimada acaso o doador não mais esteja vivo,
de modo que se trataria de uma legitimidade processual sucessiva,
secundária, na falta do doador.
Outra importante constatação gira em torno do fato de o encar-
go ser ou não indivisível. Sendo indivisível, a mora impacta a to-
dos. Sendo divisível, apenas àqueles que efetivamente em mora se
encontrarem, de modo a ser respeitar a conservação dos negócios
jurídicos o quanto possível.

68. GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito Civil Brasileiro. Contratos e Atos Unilaterais.
9• edição. São Paulo: Saraiva, 2012, p. 301. Entende o ilustre doutrinador ser o
caso de prazo prescricional. Não concordamos. A hipótese envolve ação jl.idicial
de natureza desconstitutiva e o prazo não é previsto dentro dos arts. 205 e
206 do cc, aspectos que evidenciam, mesmo em análise superficial e sintética,
tratar-se de prazo decadencial.
69. Op. Cit., p. 291.
Cap. 2 • Doação 459

6.2. Revogação Por Ingratidão do Donatário

A revogação por ingratidão consiste em sanção civil decorrente


da quebra de eticidade por conduta do donatário, quem pratica
ato desrespeitoso à boa-fé, em face do doador, após o contrato
de doação.
Na inteligente lição de PABLO SroLZE GAGUANo E RODOLFO PAMPLONA F1LH0 7º,
importa nítida hipótese de "quebra da boa-fé objetiva pós-contra-
tual, ou seja, implica o cometimento de ato atentatório ao dever de
respeito e lealdade, observável entre as próprias partes, mesmo após
a conclusão do contrato".
Lembram CR1sr1AN0 CHAVES DE FAR1As ENELsoN RosrnvF.LD 71 que a revogação
do contrato de doação por ingratidão "é limitada, não se aplicando
a todo e qualquer contrato". Nessa toada, para as doações puras
e simples será juridicamente possível a revogação deste contrato,
acaso se comprove conduta de ingratidão do donatário. Destarte,
não se revogam por ingratidão as doações puramente remunera-
tórias; as oneradas com encargo já cumprido; as que se fizerem
em cumprimento de obrigação natural e, finalmente, as feitas para
determinado casamento (CC, arts. 557 e 564 CC).
São quatro as hipóteses de revogação do contrato de doação por
ingratidão, estando disciplinadas no art. 557 do cc. São elas: (a) se
o donatário atentou contra a vida do doador ou cometeu crime de
homicídio doloso contra ele; (b) se cometeu contra ele ofensa física;
(c) se o injuriou gravemente ou o caluniou; (d) se, podendo ministrá-
-los, recusou ao doador os alimentos de que este necessitava.

,. E na hora da prova?
Ano: 2013 Banca: MPE-SC órgão: MPE-SC Prova: Promotor de Justiça
Analise o enunciado da questão abaixo e assinale "certo" (c) ou "er-
rado" (e)

70. STOLZE, Pablo Gagliano e PAMPLONA FILHO, Rodolfo. Novo Curso de Direito Civil.
Contratos em Espécie. 6• edição. São Paulo: Saraiva, :c:n3, p. 176.
7i. CHAVES DE FARIAS, Cristiano e ROSENVALD, Nelson. Curso de Direito Civil. Contra-
tos. Teoria Geral e Contratos em Espécie. 4ª edição. Salvador: JusPodivm, 2014,
p. 720.
460 Direito Civil - Vol. 13 • Luciano Figueiredo e Roberto Figueiredo

Se o donatário injuriar gravemente ou caluniar o doador, bem como,


se o donatário cometer ofensa física contra o doador, este poderá
revogar, por ingratidão, a doação feita.
Gabarito: Correto

O rol de causas de ingratidão seria taxativo?


Em um primeiro momento, pode-se dizer que sim, pois as hipó-
teses são de exceção. Todavia a doutrina, mediante o ENUNCIADO 33 DA
1 JORNADA EM DIREITO Civil DO CONSELHO DA JUSTIÇA FEDERAL, cristalizou o entendi-
mento no sentido de que "o novo Código Civil estabeleceu um novo
sistema para a revogação da doação por ingratidão, pois o rol legal
previsto no art. 557 deixou de ser taxativo, admitindo, excepcional-
mente, outras hipóteses". Pensa-se na tese da tipicidade finalística,
aumentando o rol de tipos caso mantidas as finalidades.
Trata-se, o enunciado acima, de uma grande novidade que surgiu
com o novo Código Civil. Aliás, o entendimento tradicional adotado
pelo Superior Tribunal de Justiça, com base na legislação codificada
anterior, é no sentido da taxatividade do rol (REsp. 79i.154-SP).
O tema segue aberto a debates. Questiona-se, por exemplo, a
inclusão no rol da instigação e auxílio ao suicídio como causa de
ingratidão.
Também poderá ocorrer a revogação do contrato por ingratidão
"quando o ofendido, nos casos do artigo anterior, for o cônjuge, as-
cendente, descendente, ainda que adotivo, ou irmão do doador", na
esteira do que disciplina o art. 558 do CC. Perceba que o dispositi-
vo enseja hipótese em que, mesmo a ofensa não tendo sido feita
diretamente ao doador, mas a pessoas a ele vinculadas, poderá
haver revogação por ingratidão.
A legitimidade ativa para propositura da ação de ingratidão
será do doador, sendo o prazo decadencial de um ano, contado
do conhecimento do fato (CC, arts. 559 e 560). Ajuizada a ação pelo
doador em vida, seus herdeiros poderão dar continuidade após o
seu falecimento.
À luz do art. 561 do CC, no caso de homicídio doloso do doa-
dor, a ação caberá aos seus herdeiros, exceto se aquele houver
perdoado.
Cap. 2 • Doação 461

., E na hora da prova?
Ano: 2013 Banca: CESPE Órgão: TCE·RO Prova: Auditor de Controle Exter-
no - Direito
Acerca do negócio jurídico, da prescrição e da decadência, julgue os
itens subsequentes.
É decadencial o prazo de um ano, contado do conhecimento do fato,
previsto para que o doador pleiteie a revogação .da doação, com base
no argumento de que houve ingratidão do donatário.
Gabarito: Correto

Em respeito à autonomia privada, seria possível a renúncia an-


tecipada ao direito de revogação doação por ingratidão?
A resposta é negativa, pois a norma é ética, sendo cogente. As-
sim, vaticina o art. 556 que "não se pode renunciar antecipadamen-
te o direito de revogar a liberalidade por ingratidão do donatário".
Logo, é nula a cláusula contratual que preveja renúncia antecipada
ao direito de revogar a doação por ingratidão do donatário ou que
obrigue o doador a não se utilizar do instituto da revogação.
De fato, se o evento ensejador da ingratidão é futuro, não se
aparenta consentâneo com a eticidade, assim como com a função
social deste instituto, a renúncia antecipada ao direito potestativo
de revogar.
Capítulo
~----,~~---_, ______ ,_,~~-~--~----··-,~-.-~·~'-,--·-~.--~------~·-~

'

locação de Coisas

1. NOTA INTRODUTÓRIA: CONCEITO, ELEMENTOS E NATUREZA JURÍDICA

Nos termos do art. 565 do CC, "Na locação de coisas, uma das
partes se obriga a ceder à outra, por tempo determinado ou não, o
uso e gozo de coisa não fungível, mediante certa retribuição"'.

Trata-se de contrato típico, nominado, informal, consensual, co-


mutativo, sinalagmático, impessoal, paritário ou de adesão, one-
roso, de trato sucessivo e não solene.

Na locação uma pessoa (locador, senhorio ou arrendante) assu-


me a obrigação de ceder a posse direta de coisa infungível à outra
(locatário, inquilino ou arrendatário), para o uso, gozo e fruição
desta, mediante pagamento de contraprestação (aluguel). Ao se
imaginar um contrato de locação, as duas primeiras ideias que sur-
gem são: i. a transferência da posse direta de uma coisa - ou seja,
a cessão de uso - e ii. o pagamento de aluguéis.

•·Ate~p-
Le~~@. di1ttb~/~d~ERtd t6~~~i>q~.~ ó'J~rl~~~f~f~~~e.rttfàmento "é .sirt~tll:
1

má d,~ lpê~.Ç~~~ ~ada obsfa~tê,'advert~éf.~rbf~$$ór; no Brasil a ter~Í~


nologia arrend~mento costuf(lar ser. utiliza.dá ':'para designar as locaç@~s
imobililiriãs rurais". ·

i. Importante relacionar o art. 565 do cc com o art. 2.036 do cc segundo o qual NA


locação de prédio urbano, que esteja sujeita à lei especial, por esta continua a ser
regida", de modo que o campo de incidência do Código Civil não abrangerá a
locação predial urbana, que se submete à Lei do Inquilinato.
2. GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito Civil Brasileiro. Contratos e Atos Unilaterais.
9ª edição. São Paulo: saraiva, 2012, p. 308.
464 Direito Civil - Vol. 13 • Luciano figueiredo e Roberto figueiredo

FlÃv10 TARrucE 2 conceitua o contrato de locação como aquele "pelo


qual uma das partes (locador ou senhorio) se obrigo a ceder à outra
(locatário ou inquilino), por tempo determinado ou não, o uso e gozo
de coisa não fungível, mediante certa remuneração, denominada alu-
guel (art. 565 do CC)".

Para CARLOS RoseRro GoNçALves3 a locação de coisas "é o contrato pelo


qual uma das partes se obriga a conceder à outra o uso e gozo de
uma coisa não fungível, temporariamente e mediante remuneração".

RODOLFO PAMPLOl'!A E PABLO STOLZE4 afirmam que locação de coisas "é o


negócio jurídico por meio do qual uma das partes (locador) se obriga
a ceder à outra (lomtário), por tempo determinado ou não, o uso e
gozo de coisa infungíve/, mediante certa remuneração".

No escólio de Cmsr1AN0 CHAVES DE FARIAS e NeLsoN RosENVALD 5 "a locação de


coisas decorre do fato de o locador colocar à disposição do locatário
o uso e fruição de um bem por um certo período, cabendo a este pa-
gar àquele um determinado preço".

Pois bem. A partir deste passeio pelos conceitos doutrinários


atinentes à locação de coisas, infere-se que são quatro os seus
elementos configuradores: a) a cessão de uso e gozo, b) coisa in-
fungível, c) retribuição (aluguel) e, finalmente, d) temporariedade
(prazo).

2. TARTUCE, Flávio. Direito Civil. Teoria Geral dos Contratos e Contratos em Espécie.
10• edição. São Paulo: Método, 2015, p. 378.
3. GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito Civil Brasileiro. Contratos e Atos Unilaterais.
9ª edição. São PaulQ: Saraiva, 2012, p. 308.
4. PAMPLONA FILHO, Rodolfo e GAGLIANO, Pablo Stolze. Novo Curso de Direito Civil.
Contratos em Espé<:ie. 6• edição. São Paulo: Saraiva, 2013, p. 192.
5. CHAVES DE FARIAS, Cristiano e ROSENVALD, Nelson. Curso de Direito Civil. Contra-
tos. Teoria Geral e Contratos em Espécie. 4• edição. Salvador: JusPodivm, 2014,
p. 976.
Cap. 3 • Locação de Coisas 465

A coisa dada em locação - seu objeto - há de ser infungível, não


sendo passível de ser substituída por outra da mesma espécie,
qualidade e quantidade (CC, art. 85). Justo por isto, ao final do
contrato o locatário deverá restituir ao locador o exato bem dado
em locação (obrigação de restituir). Tal objeto infungível, leciona a
doutrina de RODOLFO PAMPLONA EPABLO STOLZE6 , poderá ser "coisa móvel ou
imóvel". Se assim o é, poderemos ter locação de automóveis, rou-
pas, animais (bens móveis), assim como de casas, apartamentos e
sítios (bens imóveis).
A cessão do uso e gozo da coisa infungível é inerente ao con-
trato de locação que, advirta-se, em momento algum ensejará a
transferência da propriedade. O que há é apenas a transmissão
provisória de alguns dos poderes (faculdades) inerentes à proprie-
dade (CC, art. 1.228): os de gozo e fruição.

A partir do instante em que o locador cumpre com a sua obri-


gação de ceder o uso e o gozo do bem infungível, o locatário ad-
quirirá a sua posse (CC, art. 1.204). O locatário se tornará possuidor
direto do bem, tendo contato direto com a coisa. Permanecerá o
locador com a posse indireta, pois ainda possui ingerência sobre o
bem e recebe seus frutos (CC, art. i.197).

o contrato de locação é necessariamente oneroso. Locação


gratuita não é, em rigor técnico, locação, mas sim comodato (em-
préstimo de coisa infungível). o pagamento do aluguel, portanto,
é elemento essencial e configurador de destaque na locação. Este
pagamento é denominado de remuneração ou aluguel.

o aluguel pode ser previamente determinado ou determiná-


vel. Determinado é o valor previamente acertado em contrato, o
qual, como obrigação de trato sucessivo, poderá ter um índice de
escala móvel, visando a sua recomposição financeira (CC, art. 316).
Determinável é o aluguel a ser liquidado, a exemplo de um percen-
tual sobre o rendimento de um espetáculo, em locações de espaço
para a realização de shows.

6. PAMPLONA FILHO, Rodolfo e GAGLIANO, Pablo Stolz.e. Novo Curso de Direito Civil.
contratos em Espécie. 6• edição. São Paulo: Saraiva, 2013, p. 197-
466 Direito Civil - Vol. 13 • LUciano Figueiredo e Roberto Figueiredo

FLAv10 TARTUCE 7 recorda que "a forma do contrato de locação pode


ser qualquer uma, inclusive, verbal, posto que é um contrato informal
e consensual. o prazo da locação pode ser determinado ou indeter-
minado, dependendo do que se fixar no instrumento. No silêncio das
partes, deve-se concluir que o prazo é indeterminado".
Em arremate, a temporariedade deverá estar presente no con-
trato de locação, significando dizer que não se deve imaginar uma
locação perpétua. Locação por prazo indeterminado não é sinôni-
ma de perpétua. Esta seria infindável, enquanto aquela poderá ser
finalizada mediante denúncia. Locação perpétua seria uma espécie
de compra e venda eterna, em pagamentos mensais intermináveis
o que não é possível. '

"Aten~o!
o Código Civil dedica-se.ao regramento geral da locação de coisas. No
que diz respeito ao~ imóveis urbaQos; a~ lado ~o Código Civil há, uma
Lei Especial: Lei doJ11qt1ijinato (Lei s~24s/91), Ju~to por isto é que o art.
2.036 do, CC f(lz a expressa. ressalv<!. legal: HA {otaçãa:, de pr~dio urbano,
que esteja sujeita à /el e~pecial, por ~$ta ccmtinú°' .a ser regidé. ·

O contrato de locação gera obrigações recíprocas entre locador


e locatário, residindo aí a comutativamente. As partes estão vin-
culadas em um plexo de deveres jurídicos, alguns expressamente
previstos na própria disciplina da locação de coisas, outros na teo-
ria geral das obrigações e, finalmente, outros decorrentes de prin-
cípios inerentes ao Código Civil. Nessa senda, mister a abordagem
analítica das obrigações do locador e do locatário.

2. OBRIGAÇÕES DO LOCADOR
Conforme preceitua o art. 566 do CC, o locador é obrigado a en-
tregar ao locatário a coisa alugada, com suas pertenças, em estado
de servir ao uso a que se destina e a mantê-la nesse estado, pelo
tempo do contrato, salvo cláusula expressa em contrário, assim
como a garantir-lhe, durante o tempo do contrato, o uso pacífico
da coisa.

7- TARTUCE, Flávio. Direito Civil. Teoria Geral dos Contratos e Contratos em Espécie.
10• edição. São Paulo: Método, 2015, p. 379.
Cap. 3 • Locação de Coisas 467

o primeiro grande efeito obrigacional a ser estudado nas loca-


ções, como obrigação do locador, é a transferência da posse.
A entrega da coisa objeto da locação é inerente à própria ideia
que move a dinâmica deste contrato. Quem aluga deseja receber
um determinado bem para utilização. A entrega da coisa é a mais
visível das obrigações do contrato de locação.
Interessante notar, contudo, um detalhe que muitas vezes passa
desapercebido pelos operadores do direito. Nos termos do art. 566
do CC, a obrigação não é apenas de entregar o bem principal, mas
também as pertenças. Trata-se de importante detalhe, pois, via de
regra, as pertenças não acompanham o bem principal (CC, arts. 93
e 94). Assim, na locação, como exceção a regra geral codificada,
presume-se que as pertenças seguirão à sorte do bem principal,
salvo se, por autonomia privada, as partes contratantes ajustarem
situação jurídica distinta. Assim entendem CARLOS RoBERro GoNcALVEs8,
RODOLFO PAMPLONA E PABLO STOLZE9•

"Aten~.o.!
'; ·,-r, ·.:i .:'·/ ,/ :,',. ·.~ .· ,,
AflÍfal~ o qúe são as perten~as~ . , . .. ·.
Trata-se ele tema enft:'e9t~dp rio vofün:ie de parte geral, ao serem estu-
dados 6~ bêi'fs'furfcifçCjg, ' · •· · · ·· · · · •
Pertem;as são b~ns ~fie~ nãOcpnstituindo partes integrantes, se desti-
nam~; de modo.dur;ad.9uro,ao. uso; ào serviço ou a(!) .aformoseamento
de. oµtro.''(CC, ;1f1;;;9;i):;irti linha. de,princfpio~ "os rteg6ciós jurídlços que
dizern. respeitp q!), hép,prlf"tfip~tlJ.ll<:Í aqr~i:ig-em a~ ,Pertenças; salvo se o
contrário, )'estdtar cfq fel1 p(l mqnÍfeStaÇllo tfo Vontadeí OlJ ~as circunstân-
cias ~() çCJ~o;1'JÇ~. a'11 .
~9~, · . · · · ·. · .
Nacta obsta~te; para
q contratÓ clê; ldcaç~o:d~ coisa$ o; a·rt. 566 do CC
prevê situaÇãó distinta, qual seja: a elltré~a d~; cotsa lÓcadá presume
as pertenças, salvo ·ato de:vóntade· em'se.rítitlo .contrárió\

A locação é um contrato consensual. Dessa maneira, em que


pese a obrigação de entrega da coisa, é bom que se esclareça

8. GONÇALVES, Carlos Robe110. Direito Civil Brasileiro. Contratos e Atos Unilaterais.


9ª edição. São Paulo: Saraiva, 2012, p. 315.
9. PAMPLONA FILHO, Rodolfo e GAGLIANO, Pablo Stolze. Novo curso de Direito Civil.
Contratos em Espécie. 6• edição. São Paulo: Saraiva, 2013, p. 217.
468 Direito Civil - Vol. 13 • Luciano Figueiredo e Roberto Figueiredo

que o contrato já se aperfeiçoa desde o momento da manifesta-


ção de vontade.

A posse do bem somente será adquirida pelo locatário com a


entrega da coisa, quando for possível o exercício de poderes ine-
rentes à propriedade (CC, art. i.204). Antes disso haverá apenas
direito pessoal (obrigacional), sem posse. '
E como deverá proceder o locatário caso seja realizado o con-
trato de locação e não seja entregue o objeto?
O descumprimento da obrigação de entrega da coisa alugada
ensejará, em benefício do locatário credor, duas possibilidades:
i. pedido de tutela jurisdicional específica - a entrega da coisa -,
cumulado com o pedido de perdas e danos ou ii. resolução do
contrato, sob o fundamento jurídico do inadimplemento absoluto
cumulado com perdas e danos (CC, arts. 402 e 475). '
Mas como se dariam estas condutas com base no Novo Código
de Processo Civil?

O ~ov~ CPC (NCPC) verbera, em seu art. 538, que não cumprida
a º?ngaça~ de entrega a coisa no prazo estabelecido na sentença,
sera expedido mandado de busca e apreensão ou de imissão de

10. GONÇ~':._VES, _:arlos Roberto. Direito Civil Brasileiro. Contratos e Atos Unilaterais.
9• ed1çao. Sao Paulo: Saraiva, 2012, p. 309.
Cap. 3 • Locação de Coisas 469

posse em favor do credor, conforme se tratar de coisa móvel ou


imóvel. Ressalta o § 3° do citado artigo que se aplica o dito às obri-
gações de fazer e não fazer.
Na lição de MAuRlc10 CUNHA, ROBERTO F1GuE1REDO E SABRINA DouRAD0 11 , ao
comentarem este dispositivo do NCPC "Os§§ 1°, 2° e 3° constituem no-
vidades e fazem inferência à questão das benfeitorias, até então não
tratada no antigo CPC. Há, pois, importante inovação. O mandado de
busca e apreensão (para bens móveis) ou de imissão na posse (para
bens imóveis) deve ser expedido para o caso de inadimplemento do
devedor ao não entregar a coisa no prazo fixado".
Em síntese: no contrato de locação de coisas, no qual se cons-
tante o descumprimento pelo locador da obrigação prevista no CC
de entrega do bem, o locatário está autorizado a postular tutela
jurisdicional especifica, na forma do NCPC. Nessas condições, se o
bem for móvel, deverá pedir busca e apreensão; se imóvel, deverá
pedir imissão na posse. Nada impedirá, ainda, a cumulação dos
pedidos com as perdas e danos.
Acaso assim não deseje, o locatário poderá postular, ao invés
da tutela jurisdicional específica de busca e apreensão ou de imis-
são de posse, a resolução do contrato por inadimplemento, cumu-
lada com as perdas e danos.
Seguindo na obrigação de entrega do bem, percebe-se que esta
gerará a transferência da posse direta do bem do locador, para
o locatário (CC, art. i.197). Surgirá, por força deste efeito obriga-
cional do contrato de locação o fenômeno do desdobramento das
posses, também denominado de posses paralelas. O locador ficará
com a posse indireta do bem, enquanto que o locatário ficará com
a direta. Uma posse não anulará a outra, podendo o possuidor
direto defender a sua posse em face do indireto, em vice versa
(CC, art. i.197 e Enunciado 74 do CJF). Locador e locatário poderão,
portanto, defender a posse do bem locado, conjuntamente ou de
forma isolada, em face de terceiro, bem como poderão litigar um
em face do outro.

11. CUNHA, Maurício, FIGUEIREDO, Roberto e DOURADO, Sabrina. Comentários ao Novo


Código de Processo Civil. i• edição. Recife: Armador, 2015, p. 543.
470 Direito Civil - Vol. 13 • Luciano Figueiredo e Roberto Figueiredo

o locatário, evidentemente, é possuidor de boa-fé. Tem a posse


direta em decorrência de justo título: o contrato de locação. Como
possuidor de boa-fé, somente perderá esta qualidade "no caso e
desde o momento em que as circunstâncias façam presumir que o
possuidor não ignora que possui indevidamente" (CC, art. 1.202).
Como possuidor de boa-fé o locatário terá proteção possessó-
ria, de modo que terá direito a "ser mantido na posse em caso de
turbação, restituído no de esbu/ho, e segurado de violência iminente,
se tiver justo receio de ser molestado" (CC, art. i.210). o locatário
também terá direito a se manter ou restitui na posse "por sua pró-
pria força" e "contanto que o faça logo", praticando atos de defesa
ou de desforço incontinente que, evidentemente, não poderão ir
além do indispensável à manutenção, ou à restituição da posse (§10
do art. i.210, CC).

Enquanto o contrato de locação perdurar, o locatário, possuidor


de boa-fé que o é, terá direito aos frutos percebidos (CC, art. i.214)
e não responderá pela perda ou deterioração da coisa a que não
der causa (CC, art. 1.218). Possuirá direito à indenização e retenção
pelas benfeitorias necessárias e úteis, aliado ao direito de retirada
das voluptuárias, acaso não indenizadas, desde que não haja de-
trimento da coisa principal (CC, art. 1.219).

>: Atençãó! .· · < '·i J;!~; ·.~/.: ~f!,~!; < ,·,,;,, ,. ·., ; .i; ç
1 11

A au$ênda d~,::r;~~f';~~~a~m.~ª~~l,~!~!~·~~rtP~~lf.
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face áh,s~u
,.'o,:Ji;.··:
Sera ,9 Pl"?l'll"J~
decorrentes, da

12. TARTUCE, Flávio. Direito Civil. Teoria Geral dos Contratos e Contratos em Espécie.
lo• ejição. São Paulo: Método, 2015, p. 378.
13. GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito Civil Brasileiro. Contratos e Atos Unilaterais.
9' edição. São Paulo: Saraiva, 2012, p. 315.
14. PAMP'LONA FILHO, Rodolfo e GAGLIANO, Pablo Stolze. Novo Curso de Direito Civil.
Contratos em Espécie. 6• edicão. São Paulo: Saraiva, 2013, p. 226.
1
~
Cap. 3 • Locação de Coisas 471

fi

., E na hora da prova?
A banca examinadora CS-UFG, em prova de concurso público realizado
para o provimento do cargo de Defens~r P~~lico (D~E-G?), ano 201~,
considerou incorreta a seguinte alternativa: a benfeitoria necessária
introduzida pelo locatário, ainda que à revelia do 1.ocad~r,_ be.m como
as úteis desde que autorizadas pelo locador serão mdemzave1s e per-
mitem ~ exercício do direito de retenção, independentemente de ex-
pressa disposição contratual em contrário".
Ano: 2013 Banca: CESPE órgão: PG-DF Prova: Procurador
Acerca da locação de imóveis urbanos, julgue os próximos itens.
Nos contratos de locação, não é válida a cláusula de renúncia à ind:-
nização das benfeitorias e ao direito de re~enção, ur~a vez que ~ais
garantias são fixadas no Código Civil e na Ler de Locaçoes, respectiva-
mente.
Gabarito: Errado

o segundo efeito obrigacional sobre o locador é diferido no


tempo e diz respeito ao dever jurídico do mesmo em -~anter ~
posse mansa e pacífica, de modo a viabilizar ao locatano a uti-
lização do bem, na forma avençada, durante todo o tempo ca
locação.
472 Direito Clvi! - Vol. 13 • Luciano figueiredo e Roberto Figueiredo

FLAv10 TARTUcE 15 lembra que o locador deverá resguardar o loca-


tário "contra todas as turbações e os esbulhos cometidos por tercei-
ros". Tal fato reforça a ideia da obrigação do locador envolver não
apenas a entrega do bem, mas a entrega deste em condições de
uso adequado e, mais que isto, a colaboração para viabilizar, du-
rante a vigência do referido contrato, que não haja qualquer tipo
de admoestação a impedir ou dificultar o exercício da posse pelo
locatário.

Seria possível justificar a existência desta obrigação, dentre ou-


tros fundamentos, através da função social do contrato e de sua
eficácia externa. O dever de colaboração mútua, que também deve
nutrir as relações jurídicas dos contratantes, é elemento apto a
justificar esta obrigação do locador em face do locatário, em nítido
diálogo com a boa-fé.

Para CRISTIANO CHAVES OE FARIAS E NELSON ROSENVAL0 16 a obrigação posta


decorre da própria ideia da boa-fé objetiva (CC, art. 187) e do de-
ver anexo da cooperação. "É corolário lógico da solidariedade con-
tratual o dever do locador de cooperar com o locatário no sentido do
exitoso desenvolvimento das finalidades do negócio jurídico", máxime
para não frustrar a justa expectativa criada ao locatário.
Exatamente por conta disto é que o art. 568 do CC arrematará
que "o locador resguardará o locatário dos embaraços e turbações
de terceiros, que tenham ou pretendam ter direitos sobre a coisa
alugada, e responderá pelos seus vícios, ou defeitos, anteriores à
locação". Entendem CR1snANo CHAVES oE FARIAS E NELSON RosENvAw 11 que o
"dispositivo em relato consubstancia três enfoques acautelatórios do
locatário: evicção, tutela possessória e vícios redibitórios. Em comum,
todos abrangem o dever de garantia ao uso pacífico da coisa a que
alude o art. 566 do Código Civil".

15. TARTUCE, Flávio. Direito Civil. Teoria Geral dos Contratos e Contratos em Espécie.
lo• edição. São Paulo: Método, 2015, p. 378.
16. CHAVES DE FARIAS, Cristiano e ROSENVALD, Nelson. Curso de Direito Civil. Contra-
tos. Teoria Geral e Contratos em Espécie. 4• edição. Salvador: JusPodivm, 2014,
p. 994.
17. CHAVES DE FARIAS, Cristiano e ROSENVALD, Nelson. Curso de Direito Civil. Contra-
tos. Teoria Geral e Contratos em Espécie. 4• edição. Salvador: JusPodivm, 2014,
p. 976.
Cap. 3 • Locação de Coisas 473

o terceiro efeito obrigacional é o respeito ao prazo. Havendo


prazo estipulado à duração do contrato, antes ~o vencime.nto não
poderá o locador reaver a coisa alugada, senao res:arcmdo ,ªº
locatário as perdas e danos resultantes. Igualmente nao podera o
locatário devolver a coisa antes do prazo, senão pagando, propor-
cionalmente a multa prevista no contrato. Esta é uma obrigação
que se harm,oniza com a própria ideia de respeito à posse direta, a
segurança jurídica e à força obrigatória dos contratos (CC, art. 571).
vencidas as Obrigações do Locador, é momento de avançarmos
às do locatário.

3. OBRIGAÇÕES DO LOCATÁRIO
verbera CARLOS RosERTO GoNÇALVEs'ª que as específicas obrigações do
locatário estão catalogadas no art. 569 do CC. Tais obrigações são:
a) servir-se da coisa alugada para os usos convencionados ou
presumidos, conforme a natureza dela e as circunstâncias,
bem como tratá-la com o mesmo cuidado como se sua fosse;
b) pagar pontualmente o aluguel nos prazos ajustados, e, na
falta de ajuste, segundo o costume do lugar;
c) levar ao conhecimento do locador as turbações de terceiros
que se pretendam, fundadas em direito;
d) restituir a coisa, finda a locação, no estado em que a rece-
beu, salvas as deteriorações naturais do uso regular.
Sobre tais obrigações, passaremos a falar.
o uso e gozo da coisa haverá de ser feito pelo locatário de ma-
neira adequada, proporcional e razoável. A expressão legal "us~s
convencionados ou presumidos, conforme a natureza dela e as cir-
cunstâncias·', evidencia que o locatário jamais poderá utilizar um
automóvel de passeio, por exemplo, para realizar transporte de
carga ou corridas. Os limites serão os da boa-fé e usos do local,
sendo o excesso manifesto no exercício do direito de uso, por parte
do locatário, configurador de abuso de direito (CC, arts. 113 e 187).

1 8. GONÇALVES, carlos Roberto. Direito Civil Brasileiro. Contratos e Atos Unilaterais.


9ª edição. São Paulo: Saraiva, 2012, p. 316-318.
474 Direito Civil - Vol. 13 • Luciano Figueiredo e Roberto Figueiredo

Também se impõe ao locatário o dever jurídico de cuidar da


coisa como se sua fosse. É o mínimo que se espera daquele que
recebe bem alheio infungível com a obrigação de restituí-lo pos-
teriormente. Impõe-se um dever de cuidado médio sobre a coisa.
Exatamente por isto é que o locatário terá responsabilidade
civil acaso venha a empregar a coisa em uso diverso do ajustado,
ou do que se destina, ou se ela se danificar por abuso. Nestes ca-
sos, poderá o locador resolver o contrato e exigir perdas e danos,
acaso demonstre o prejuízo injustamente experimentado por força
deste inadimplemento contratual (CC, art. 570).

~ E na hora da prova?
A banca examinadora FEPESE, em prova de concurso público realizado
para o provimento do cargo de Procurador do Estado (MPE-SC),- ano
2014, considerou correra a seguinte alternativa: "Se o locatário empre-
gar a coisa em uso diverso do ajustado, ou do a que se destina, ou
se ela se danificar, por abuso do locatário, poderá o locador, além de
rescindir o contrato, exigir perdas e danos".

Avançando nas obrigações do locatário, sobre este há o de-


ver de pagamento pontual dos aluguéis. Não se poderia imaginar
razoável que o locatário utilizasse da coisa e não retribuísse em
tempo e modo. Além de ferir a mais comezinha noção do pacta
sunt servanda e de desrespeitar a obrigação principal do contrato
de locação, o não pagamento dos aluguéis geraria enriquecimento
sem causa.

É pouco provável, mas poderá ocorrer na prática, das partes


não ajustarem o valor do aluguel, como também é possível que
exista conflito acerca deste assunto. Nesses casos, o art. 569 do
CC traz como solução a aplicação dos costumes do lugar. Infere-se
nítido diálogo da parte especial com a geral do Código Civil, nota-
damente com o art. 113 e a interpretação dos negócios jurídicos
consoan:e a boa-fé e os costumes do lugar.
Também deverá o locatário respeitar o dever anexo de informa-
ção e levar ao conhecimento do locador as turbações de terceiros.
Não fosse por imposição do art. 569 do cc, seria possível afirmar
que esta obrigação decorre também da própria noção dos deveres
anexos da boa-fé (CC, arts. 113, i87 e 421).
1 Cap. 3 • Locação de Coisas 475

t
1
Finalmente o locatário é obrigado a restituir a coisa recebida
quando finda a locação, no estado em que a recebeu, salvas as
deteriorações naturais do uso regular. Recorde-se que o bem re-
cebido pelo locatário é infungível e, portanto, insubstituível, razão
bastante para que o devolva nas mesmas condições recebidas.

4. LOCAÇÃO POR TEMPO DETERMINADO


o contrato de locação poderá ser por prazo indeterminado -
leia-se: sem termo final pré-fixado pelas partes -, bem como por
prazo determinado - quando há fixado, anter tempus, o dies ad
quem do pacto.
RoDoLFO PAMPLONA E PABLO SrnLZE'9 esclarecem que "a obrigação de
entregar ao locatário a coisa locada abrange, evidentemente, o dever
de respeitar a vigência do contrato, quando estipulado por duração
determinada". Assim, na melhor forma do art. 571 do CC, "havendo
prazo estipulado à duração do contrato, antes do vencimento não po-
derá o locador reaver a coisa alugada, senão ressarcindo ao locatário
as perdas e danos resultantes, nem o locatário devolvê-la ao locador,
senão pagando, proporcionalmente, a multa prevista no contrato".
Entende CARLOS RosERTO GoriçALvEs2º que a norma em apreço "é supletiva,
podendo ser alterada pela vontade das partes".

~ E na hora da prova?
A banca examinadora FEPESE, em prova de concurso público realizado
para o provimento do cargo de Procurador do Estado (MPE-SC), ano
2014, considerou correta a seguinte alternativa: "Havendo prazo es-
tipulado à duração do contrato, antes do vencimento não poderá o
locador reaver a coisa alugada, senão ressarcindo ao locatário as per-
das e danos resultantes, nem o locatário devolvê-la ao locador, senão
pagando, proporcionalmente, a multa prevista no contrato".

Mas o que poderá fazer o locatário caso o locador pleiteie a


retomada do imóvel antes do prazo ajustado?

19. PAMPLONA FILHO, Rodolfo e GAGLIANO, Pablo Stolze. Movo Curso de Direito Civil.
contratos em Espécie. 6• edição. São Paulo: Saraiva, 2013, p. 218.
2o. GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito Civil Brasileiro. Contratos e Atos Unilaterais.
9• edição. São Paulo: Saraiva, 2012, p. 320.
r
476 Direfto Civil - Vol. 13 • Luciano Figueiredo e Roberto Figueiredo 1

Terá o locatário direito de retenção, enquanto não for ressar-


cido pelo locador (parágrafo único do art. 571). Sobre o direito
de retenção, RODOLFO PAMPLONA E PABLO STOLZE 21 esclarecem que "com a
finalidade de proporcionar garantia maior para o credor, estimulando
o devedor ao cumprimento de suas obrigações, prevê o ordenamento
jurídico um meio de autotutela". O direito de retenção, seguem os
autores, "consiste na prerrogativa de o credor manter, sob sua posse
direta, bem do devedor, até que este cumpra a prestação a que está
obrigado". Trata-se de um "direito potestativo, por meio do qual o
seu titular força o cumprimento de uma prestação que lhe é devida,
mediante justificada negativa de devolução da coisa".
E o que fazer casn o locatário decida por devolver o imóvel
antes do prazo?
A consequência se::á a imposição ao locatário o pagamento de
aluguéis pelo período faltante, até o termo final da locação. Mas e
se este valor for manifestamente excessivo?
Prescreve o art. 572 do CC que se a obrigação de pagar os alu-
guéis pelo tempo que faltar constituir indenização excessiva, será
facultado ao juiz fixá-la em bases razoáveis, de forma equitativa.
CRISTIANO CHAVES DE FARIAS E NELSON RosENVAl0 22 elogiam a inovação normati-
va, "por materializar na locação uma expressa previsão dos princípios
da função social do contrato (art. 421 do CC), do abuso do direito (art.
287 do CC) e da vedação ao enriquecimento injustificado (art. 884
do CC)". Para RoooLFO PAMPLONA E PAsto ST0LZE2 3, o art. 572 do CC veicula
uma prerrogativa do magistrado de "controle de razoabilidade da
indenização".
Ensina FLAv10 TARTUCE24 que o preceito do art. 572 é norma de ordem
pública, de modo que "não cabe sua renúncia, por foça do instrumen-

21. PAMPLONA FILHO, Rodolfc e GAGLIANO, Pablo Stolze. Novo Curso de Direito Civil.
Contratos em Espécie. 6' edição. São Paulo: saraiva, 2013, p. 228.
22. CHAVES DE FARIAS, Cristiano e ROSENVALD, Nelson. Curso de Direito Civil. Contra-
tos. Teoria Geral e Contratos em Espécie. 4• edição. Salvador: ]usPodivm, 2014,
p. 1004.
23. PAMPLONA FILHO, Rodolfo e GAGLIANO, Pablo Stolze. Novo Curso de Direito Civil.
Contratos em Espécie. 6• edição. São Paulo: Saraiva, 2013, p. 219.
24. TARTUCE, Flávio. Direito Cívil. Teoria Geral dos Contratos e Contratos em Espécie.
10• edição. São Paulo: Método, 2015, p. 38i.
Cap. 3 • Locação de Coisas 477

to contratual". Em outras palavras, as partes contratantes não po-


derão, com fundamento na autonomia privada, afastar a incidência
desta importante regra. Nada obstante a norma afirmar que ao ma-
gistrado é facultado reduzir a multa, como se existisse apenas uma
faculdade, a doutrina cristalizada no ENUNCIADO 356 do CJF entende ser
a hipótese de dever jurídico, decorrente de ordem pública.

E na Lei do Inquilinato, que disciplina a locação de imóveis ur-


banos, a normatização é próxima a do art. 572 do Código Civil ou
diversa?
As normas são próximas, porém com alguns temperamentos.
o art. 572 do Código Civil tem correspondência com o art. 4 da
Lei do Inquilinato, o qual se aplica às locações de imóveis urbanos.
Sobre o tema, o ENUNCIADO 179 do CoNsELHo DA JusT1çA FEDERAL verbera que
"a regra do art. 572 do novo CC é aquela que atualmente complemen-
ta a norma do art. 40, 2ª parte, da Lei n° 8.245/91 (Lei de Locações),
balizando o controle da multa mediante a denúncia antecipada do
contrato de locação pelo locatário durante o prazo estipulado".
Nessa senda, na forma da Lei do Inquilinato veda-se a retomada
antecipada do imóvel por parte do locador. O locatário, por sua
vez, poderá devolver anter tempus o imóvel, desde que pague a
multa pactuada de maneira proporcional ao período de cumpri-
mento do contrato, ou, na sua falta, que venha a pagar a multa
judicialmente estipulada.
o locatário, porém, ficará dispensado da multa se a devolução
do imóvel decorrer de transferência, pelo seu empregador, pri-
vado ou público, para prestar serviços em localidades diversas
daquela do início do contrato, e se notificar, por escrito, o locador
com prazo de, no mínimo, trinta dias de antecedência.
478 Direito Civil - Vol. 13 • Luciano Figueiredo e Roberto Figueiredo

.- E na hora da prova?
Ano: 2014 Banca: FCC órgão: DPE-PB Prova: Defensor Público
Romeu (locador) e Maurício (locatário) celebraram contrato de locação
residencial com prazo de 30 meses, estipulando multa de 3 res em caso
de devolução antecipada do imóvel. Passados 6 meses, Maurício deixou
de ter interesse na locação, pois a empresa na qual trabalha o trans-
feriu para cidade muito distante. Maurício poderá devolver o imóvel,
a) desde que pague o valor da multa, com abatimento proporcional ao
período de cumprimento do contrato, seja o empregador privado
ou público.
b) independentemente de pagamento de multa ou de notificação, se o
empregador for público, ou pagando integralmente a multa pactua-
da, caso se trate de empregador privado.
c) desde que pague integralmente o valor da multa, seja o emprega-
dor privado ou público.
d) independentemente de pagamento de multa, desde que notifique
Romeu da trans,ferência com, no mínimo, 30 dias de antecedência,
não importando seja o empregador privado ou público.
e) independentemente' de pagamento de multa ou de notificação, se
o empregador for público, ou pagando o valor da multa, com abati-
mento proporcional ao período de cumprimento do contrato, caso
se trate de empregador privado.
Gabarito: D

Ambos os artigos correspondentes (arts. 572, CC, e 4 da Lei) re-


velam aplicação da tu quoque às locações, posto que se há prazo
estipulado, tanto o locador, com o locatário, programaram-se neste
sentido, sendo a antecipação unilateral imotivada conduta abusiva.
E se a locação for por prazo indeterminado?

Neste caso caberá a denuncía imotivada (vazia), em regra. As-


sim, o contrato de locação predial urbana por tempo indetermina-
do poderá ser objeto de denúncia vazia por parte do locatário (art.
6°), desde que exista aviso por escrito ao locador com antecedên-
cia mínima de trinta dias.

A ausência do aviso prévio ao locador autorizará este a exigir


quantia correspondente a um mês de aluguel e encargos, vigentes
quando da resilição em face do locatário que não observou a regra.
Cap. 3 • Locação de Coisas 479

5. A ALIENAÇÃO DO BEM DURANTE A LOCAÇÃO

Durante a vigência do contrato de locação de coisas, o locador


(proprietário) continuará com o poder de dispor da coisa (CC, art.
i.228). o contrato de locação não retira do proprietário o exercício
do direito de propriedade e disposição.

Na locação, como visto, é cedido o poder de uso, gozo e fruição


de coisa infungível, móvel ou imóvel, a outra pessoa, denominada
de locatário. Isto não afasta, portanto, o poder de disposição do
bem que o locador continuará a ter.

Mas uma vez alienada a coisa, haverá o novo proprietário de


respeitar a locação preteritamente pactuada?

Na forma do art. 576 do cc, "se a coisa for alienada durante a


locação, o adquirente não ficará obrigado a respeitar o contrato, ~e
nele não for consignada a cláusula da sua vigência no caso de alie-
nação, e não constar de registro". Trata-se de redação análoga à
locação de imóveis urbanos, na linha do art. 8 da Lei 8.245/9i.

~ E na hora da prova?
Ano: 2014 Banca: VUNESP Órgão: DESENVOLVESP Prova: Advogado
Em caso de alienação de bem móvel alugado, o adquirente
a) poderá notificar o locatário para devolução do bem em 90 (noventa)
dias, se houver cláusula de vigência em caso de alienação.
b) estará obrigado a respeitar o contrato de.locação, se houver cláusu-
la de vigência em caso. de alienação, independentemente de haver
registro do contrato no cartório competente.
c) deverá respeitar o contrato de locação, havendo ou não cláu~ul~
de vigência em caso de alienação, na medida em que o locatário e
parte estranha à compra e venda.
d) estará obrigado a respeitar o contrato de locação, s~ houver clá~s~­
la de vigência em caso de alienação, bem como registro no cartono
competente.
e) poderá requerer a devolução do bem tão some1te se o :ocatário foi
previamente notificação acerca da compra e venda e nao apresen-
tou qualquer espécie de oposição.
Gabarito: D
480 Direito Civil - Vol. 13 • Luciano figueiredo e Roberto Figueiredo

. Há, _?Ortanto, uma regra: a extinção da locação por força da


allenaçao do bem locado. Insista-se: a venda ou doação do bem
(alie~aç~o da coisa dada e~ locação) gera, em linha de princípio,
a extmçao do contrato locat1cio. Para CRISTIANO CHAVES DE FARIAS E NELSON
RosENVALD 25 tem-se nesta hipótese "uma das mais tradicionais manei-
ras de distinguir os direitos obrigacionais dos direitos reais. Aqueles
se caracterizam pefa relatividade, produzindo efeitos entre as par-
tes não sendo extensíveis os deveres especiais a terceiros estranhos
à relação jurídica. Já os direitos reais são absolutos no sentido da
oponibilidade erga omnes dos deveres de abstenção perante toda a
coletividade".

A. exceção acontecerá para o caso de o contrato de locação


consignar, _expr:_ssamente, cláusula de vigência mantida em hipó-
tese de allenaçao e desde que se faça o registro deste contrato
no _cartório de registrn público. A explicação é simples: uma vez
registrado, o contrato com cláusula de vigência ganhará eficácia
erga omnes, havendo de ser respeitado pelo terceiro adquirente.
Mas em qual local deve ser feito o dito registro?
.º § ?º art. 'j76 do CC reza que "o registro a que se refere este
i
0

art1g_o sera o ~e T1tu,'os e, Documentos do domicílio do locador, quando


a coisa for movei; e sera o Registro de Imóveis da respectiva circuns-
crição, quando imóvel".

~ Cc>mo;:,i!tlibu~ai$!~Qd~dil'id(fá)mámt1a?J1 s.1~~\\f;; ·.1;· •• ;.


a, ~~e#M~:;t~.~~NAL f~.I)~' ... ·. !\! J~~.:~·( . ,·
çéfo 1c:lo ç9ntrqto etc:! · 1oc , •, nê>x·r ·. ·. ... 'd~ :
cláüsuJa de vig~ncla cofittcr o adqWêtitê do iril6 . ·.. . f';p~ra
dlspensa'a . transcri~on.o.reglstrq de títülps e ilocftin~n(o~r.. ~1

E n?
caso de extinção do contrato de locação, sem registro e
com clausula de vigência, por conta da alienação do imóvel o con-
trato de locação será automaticamente extinto ou haverá prazo
para que o locatário busque um novo imóvel?

25. CHAVES DE FARIAS, Cristiano e ROSENVALD, Nelson. Curso de Direito Civil. Contra-
tos. Teoria Geral e Contratos em Espécie. 4• edição. Salvador: JusPodivm 2014
p. 1006. , '
Cap. 3 • Locação de Coisas 481

Tanto o Código Civil (art. 576, § 2°), como a Lei do Inquilinato


(art. 8), asseguram ao locatário prazo de comunicação prévia de
90 (noventa) dias. o escopo é claro: assegurar a busca de um novo
imóvel.
Surgindo o direito de denunciar o contrato à vista da alienação
do imóvel locado, o § 20 do aludido art. 80 prevê prazo decadencial
de noventa dias contados do registro da venda ou do compromis-
so, presumindo-se, após esse prazo, a concordância na manuten-
ção da locação.

~ E na hora da prova?
Ano: 2012 Banca: CESPE órgão: DPE-ES Prova: Defensor Público
Acerca da locação de imóveis urbanos, julgue os itens que se seguem.
Se o indivíduo A adquirir do indivíduo B imóvel no qual, por força de
contrato de locação, resida o indivíduo e, presumir-se-á a concordância
de A com a locação, caso este não a denuncie no prazo de noventa dias.
Gabarito: Correto

~. cl.n1o 5e mi'nifestou o süpiariofTribun.í.'iJe'j"'~Ça"?: ·


DIREITO c1v1L LEGmMIDADE PAAA, co~RA~çÁ DE A1.,uéut1~ VENCIDOS EM
~AT~ A:l'{1'ERIOR .À DA ALIENAÇÃO ;DO IMÓVEL; . . .
O a11t.ig9.pr:0 prietário - aliena.nte - tem legit.lrnldacte para cobrar os a'tu-
guéis que tenham vencid.o .em data anterior à alienação do imóvel, so-
mente cabendo ao novo pro~rietártc{.:. ádqulre11te - direito sobr{ tàis
parcelas' Ca.$0 disposto no. contrat.o de compra e: venda do. imóvel •. Em
princípio; o contrato deJot;a.~ão é 1,Jm~ rel~çã0 Jutídica, .Âe cu11ho qbrig;i. ~·
cignal, pessoal, const.ituídll. entre () locador e o locatário, em que,. o pri"
meir0 traosfere ao segundo.1a·poss.e çlire,t!l .do,,imóvet para uso. Já o çon-
trato de compra e venda cel<~brad,o po'~terlprrne,t,lte ~11t.re,opr()prietário/
e
locador terceiro estabelec.e. um no~o· n~~óclé> Jurídiço,. qúe nã~ vt.11cuta,
por si só, o adquirente do lrnóvef ao toratário; te~a;:;·. em vista<que'oão
foi ele quem contratou a loc:ação, .e sim o tocador/vendedor; que· deixou
de ser proprietário da coisa. Adernais~ a alienação nãQ altera ,a. rel!:lçã()
o
obrigacional entre o locatário e locador no período anterior à venda
do imóvel. Sendo assim, o locatário se tornará obrigado perante <?novo
proprietário somente após o negqci(). juridico; por força de. sub~rogação
leg~( nos termos do art. 8<>~ ~ 2<>~ dá Lei~.:24!)/,i99t~ (REsp i ..228.266-RS, Rel,
Min.• Maria Isabel Gallotti, julgado ~m 10/~/28i5: ÓJe 2:3/3/iOis). · .·· · . ' .:~ ·•· ··
1
482 Direito Civil - Vol. 13 • tuciano Figueiredo e Roberto Figueiredo

6. A MORTE DOS CONTRATANTES


A morte é causa extintiva da personalidade, nos termos do art.
60 do cc. Como sabemos, o direito brasileiro reconhece a morte
natural, assim como a morte fictícia, com ou sem o procedimento
de ausência (arts. 7°, 22 a 39 do CC).
A morte gera um sem número de efeitos no mundo jurídico. Ex-
tingue a personalidade, a pretensão penal punitiva, o contrato de
emprego, o crédito alimentício, dentre outras situações.
É preciso recordar que existem direitos que não se transferem
com o óbito (direitos existenciais intransmissíveis), bem como ou-
tros que se transmitem com a morte (direitos patrimoniais trans-
missíveis), tais como a posse, a propriedade e a responsabilidade
civil.
A grande questão a se perguntar, in casu, é se o contrato de
locação é personalíssimo ou se, ao contrário disto, admitir-se-ia
a transmissão da posição contratual (do locador ou do locatário)
acaso um destes viesse a óbito?
Em linha de princípio, via de regra o contrato de locação de
coisas não é personalíssimo (impessoal). Desse modo, a morte das
partes contratantes não acarretará o término do pacto (CC, art. 577
e Lei do Inquilinato, arts. 10 e 11). Há, portanto, expressa disposi-
ção normativa reconhecendo a transferência da posição contratual
do locador ou do locatário, aos respectivos herdeiros.
Significa dizer que se aplica o fenômeno da saisine às lo-
cações (CC, art. i.784). Na lição de CRISTIANO CHAVES DE FARIAS E NELSON
RosENVAL0 26 ,"trata-se de uma sub-rogação contratual, pela qual os her-
deiros assumem a posição econômica do de cujus. [ ... ] É cediço que
não apenas a propriedade, mas também a posse se transmite aos
herdeiros no instante exato da morte, aplicando-se a saisine".
O fato é que a cessão da posição contratual acontecerá. A mor-
te, destarte, não extingue o contrato de locação.

26. CHAVES DE FARIAS, Cristiano e ROSENVALD, Nelson. Curso de Direito Civil. Contra-
tos. Teoria Geral e Contratos em Espécie. 4• edição. Salvador: JusPodivm, 2014,
p. 976.
Cap. 3 • Locação de Coisas l.83

Mas poderia a locação, com força na autonomia privada, regu-


lar sua extinção por força da morte de uma das partes?
Entendemos que sim. Nada impedirá, à luz do princípio da li-
berdade e da autonomia privada, que o contrato de locação con-
temple cláusula específica disciplinando a extinção do pacto por
força do óbito de uma das partes. Se isto acontecer, a hipótese é
de respeito à vontade dos contratantes, reconhecendo-se o caráter
meramente supletivo da legislação e o respeito à autodetermina-
ção das partes, assim como ao pacto sunt servanda.

7. LEGISLAÇÃO EXTRAVAGANTE: LOCAÇÃO DE IMÓVEIS URBANOS


CARLOS RosERTo GoNÇALVEs 2 1 adverte que o Código CivH "não dispõe a
respeito da locação de prédios" que, como se sabe, é regulada pela
Lei Federal 8.245/91 (Lei do Inquilinato), com alterações e atua\iza-
ções promovidas pela Leis Federais n° 12.112/09 e 12.744/12.
A doutrina, via de regra, quando da análise do contrato cível de
locação de coisas, não aborda o tema da locação de imóveis ur-
banos. Como bem advertem RoooLFo PAMPLONA E PABLO SroLZE28, a análise
da locação predial demandaria "estudo aprofundado" e requereria
"não só um capítulo, mas um volume inteiro, com enfrentamento, in-
clusive, de aspectos processuais, o que não é objeto de nossa obra".
É justamente dentro dessa perspectiva que apresentaremos li-
nhas gerais sobre a locação de imóveis urbanos, basicamente à luz
da legislação em vigor, na medida em que a nossa proposta nesta
obra não será de dar tratamento verticalizado à Lei do Inquilinato.

7.1. Incidência da Norma


Em primeiro lugar, é bom que se advirta que esta norma, em
particular, aplica-se apenas à locação de imóveis urbanos, sejam
residenciais ou comerciais.

27. GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito Civil Brasileiro. Contratos e Atos Unilaterais.
9ª edição. São Paulo: Saraiva, 2012, p. 321.
28. PAMPLONA FILHO, Rodolfo e GAGLIANO, Pablo Stolze. Novo Curso de Direito Civil.
contratos em Espécie. 6• edição. São Paulo: Saraiva, 2013, p. 193·
4S4 Direito Civil - Vol. 13 • tuciano Figueiredo e Roberto Figueiredo

Malgrado a aplicação da norma às locações de imóveis urba-


nos, a lei do Inquilinato não se aplica: 1. às locações de imóveis
de propriedade da União, dos Estados e dos Municípios, de suas
autarquias e fundações públicas; ii. à locação de vagas autôno-
mas de garagem ou de espaços para estacionamento de veículos;
m. à locação de espaços destinados à publicidade; iv. à locação
em apart-hotéis, hotéis, residência ou equiparados, assim consi-
derados aqueles que prestam serviços regulares a seus usuários
e como tais sejam autorizados a funcionar e finalmente v. ao ar-
rendamento mercantil, em qualquer de suas modalidades (art. i 0 ).

~ Como. de tnanifeStou ocSOpeJUdR TRiBú~ ~Ê J~Stll-A'.·S(>lireiÓterna?f


DIREITO civil. LOCAÇÃO l,IRBANA PARAEXPLORÂÇÃó'ok'E~ÀCIÓNAMEfiro.
INÓD.~NCIA DA LEr .... 8'.24s/i99i.'! '> .));,. ,,., }} y . ·.
e ; ·.· } .• \ ..

A·locatão de. prédio urba~o pará a exp16tação.de.sé~iÇo de estacioc


namento .. submete-se. ~s disposições da Lei n. ,8.~4s/1~91., .A l()cação
que objetiva a exploração de serviço de estaCiónâmenfü n.ão se córrí-
preende na exceção contida no art. 1~,. parágrafo único, a,. item. 2, da
Lei n. 8.245/1991, que prevê que as IQcações d~. vagas autônomas.de
garagem ou de espaços .para estacionamento de. veículos .. continuam
regulados pelo Código Civil e pelas leis especiais•. Precedentes citados:
REsp i.046.717-RJ, DJe 27/4/2009, e REsp 769.170-RS, DJ 23/4/2007. AgRg no
REsp i.230.012-SP, Rei. Min. Massami Uyeda, julgado em 2/10/2012.

Interessante notar que a Lei do Inquilinato também contempla


normas de natureza jurídica processual. Entre as várias disposições
processuais, uma das mais importantes é a do art. 50, segundo a
qual a ação do locador para reaver o imóvel locado, seja qual for
o fundamento do término da locação predial, deverá ser sempre a
ação de despejo.
Portanto, se a hipótese envolver locação predial urbana, não se
falará em reintegração de posse, mas sim em ação de despejo, as-
pecto a exigir um cuidado especial do operador do direito. A ação
de despejo poderá ter fundamentos diversos, como ausência de
pagamento de aluguéis, descumprimento de normas condominiais,
inadimplemento de deveres contratuais anexos ...
Evidentemente, todavia, que há hipóteses de exceção. o pró-
prio parágrafo único do art. 5° afirma não ser cabível a ação de
despejo para casos envolvendo desapropriação, com a imissão do
Cap. 3 • Locação de Coisas 485

expropriante na posse do imóvel. De igual maneira se a locação


não envolver imóvel predial urbano, poderá o locador lançar mão
de outras ações processuais, que não a ação de despejo, a depen-
der da situação possessória específica.

7.2. A Solidariedade e a sublocação


Um segundo esclarecimento importante diz respeito à previsão
expressa da obrigação solidária quando, no contrato de locação,
houver mais de um locador ou mais de um locatário (art. 2°).
Trata-se de norma supletiva a admitir disposição em sentido
contrário no contrato de locação predial.
Como a solidariedade não se presume, resultando de lei ou
da vontade das partes, nos termos do art. 265 do CC, o legislador
extravagante teve o cuidado de, expressamente, no art. 2° da lei
do Inquilinato, prever a solidariedade toda vez que no contrato de
locação predial existir mais de um locador, ou mais de um locatário
e desde que estes não afastem, expressamente, a solidariedade
prevista na norma.
Desse modo, caso os locatários desejem afastar a solidariedade
terão que, expressamente, ressalvar a situação no contrato que
celebrarem, sob pena de sofrerem a incidência da regra geral.

7.3. o Prazo de Vigência do Contrato e a Vênia Conjugal


A priori não se demanda vênia conjugal para locação de imó-
veis urbanos. Todavia, caso a aludida locação tenha prazo igual ou
superior a dez anos, a vênia será exigida, na forma do art. 3º· Se o
contrato for celebrado sem a devida vênia, o contrato será ineficaz
naquilo que sobejar o prazo de dez anos.

7.4. As Hipóteses de Desfazimento do Contrato e as Situações em


que o Contrato Não Será Extinto
A locação predial também poderá ser desfeita por mútuo acordo
(distrato), afinal de contas a autonomia privada e a não intervenção
do Estado nas relações particulares autorizarão as partes a condu-
zirem o destino do contrato da maneira que melhor entenderem.
486 Direito Civil - Vol. 13 • LUcíano Figueiredo e Roberto Figueiredo

Outra hipótese de desfazimento da locação predial decorrerá


da infração legal ou contratual. Aqui estaremos diante de uma re-
solução contratual que, via de regra, será judicializada.
Possível o desfazimento do contrato de locação predial para a
realização de reparações urgentes determinadas pelo Poder Pú-
blico, que não possam ser normalmente executadas com a per-
manência do locatário no imóvel ou, podendo, ele se recuse a
consenti-las. Trata-se de hipótese pouco comum, porém autorizada
pela norma.
A morte do locador, como já visto, não extingue o contrato de lo-
cação predial urbana, gerando como efeito jurídico apenas a suces-
são da posição contratual, na medida em que o art. 10 da Lei do In-
quilinato prevê a transmissão do contrato aos herdeiros do locador.
No que diz respeito à morte do locatário, a matéria é regula-
da pelo art. 11 da norma, que prevê a sub-rogação nos direitos
e obrigações, sendo que nas locações com finalidade residencial,
o cônjuge sobrevivente ou o companheiro e, sucessivamente, os
herdeiros necessários e as pessoas que viviam na dependência
econômica do de cujus, desde que residentes no imóvel, ficarão
sub-rogados e, nas locações com finalidade não residencial, o es-
pólio e, se for o caso, seu sucessor no negócio ficarão sub-rogados.
Conforme o art. 12 da Lei do Inquilinato, com alterações da Lei
Federal n° 12.112/09, "Em casos de separação de fato, separação
judicial, divórcio ou dissolução da união estável, a locação residencial
prosseguirá automaticamente com o cônjuge ou companheiro que per-
manecer no imóvel". Trata-se de mais uma hipótese de prorrogação
automática do contrato.

., E na hora da prova?
A banca examinadora FGV, em prova de concurso público realizado
para o provimento do cargo de Juiz do TJ-AM, ano 2013, considerou
incorreta a seguinte alternativa: "Em caso de óbito do locatário, ficarão
sub-rogados nos seus direitos e obrigações, nas locações residenciais,
o cônjuge sobrevivente ou o companheiro e, sucessivamente, os des-
cendentes, ascendentes e os colaterais até o terceiro grau".
Colaterais de terceiro grau não são herdeiros necessários, residindo aí
o equívoco (CC, art. 1.845)
Cap. 3 • Locação de Coisas 487

Registra-se que a sub-rogação do locatário deverá ser comuni-


cada formalmente, por escrito, ao locador e ao fiador (acaso exista
fiança), nos termos dos §§1° e 2° do art. 12 da Lei de Locações.
Assim, poderá o fiador exonerar-se das suas responsabilidades
no prazo de 30 (trinta) dias, contados do recebimento da comuni-
cação oferecida pelo sub-rogado. Da data de notificação do fiador
ao locador, do desejo de exoneração, persistirá responsável pelos
efeitos da fiança durante 120 (cento e vinte) dias.

~ Afén~~! . / ( . , >: ;. 2·i •


1

i . .. .. ·. · ..·. . . \
A cessã:â;·9'a'.'~f'' . . . l~/.rs~ ·ji~~(i '.(ifi'.f'empréSl:iffl'óA!? Jtnóvet •. ~~ta.1
ou ·pc:frdatmé~te, ·. . pe~de . ~(>.coilselltf~ento prév~o •~ ·por ~~~rito
éfo tócad~r, W:í IT!bdõ. :qt.te !"Ião se, ·p~e:mm.em. ·Não há a9ui extlnçãcf do
contrato prin'íiti"'º• mà$ sim ;$ub,sJ~~nci~ clê dois vrncutO:ir: um. çontrato
principal (locàção).e um acessório (sublocação).
o sublocatáriO.responde subsidiariarnente, ;to locador !?ela if9Pºrttl.n~la
que deve ao subtocador, quando este for derm.ndado e, ainda, pelos
aluguéis que se vencerem durante a lide;

Sem dúvidas, uma das causas mais comuns justificadoras do


desfazimento do contrato de locação é a falta de pagamento do
aluguel e demais encargos. Esta causa será objeto de análise adian-
te, quando abordarmos a ação de despejo.

7.5. O Aluguel
No que diz respeito ao aluguel este será de livre convenção,
mas o art. 17 da Lei do Inquilinato veda a estipulação em moeda
estrangeira e a vinculação à variação cambial ou ao salário mínimo.
Nada impede que o aluguel contenha índice de reajuste, diante da
percepção de ser uma obrigação de duração (CC, art. 316) .
É possível, evidentemente, que o passar do tempo acarrete a
necessidade de reajuste da locação, corno possível também será
que locador e locatário não cheguem a nenhum acordo sobre esta
situação. Nos termos do art. 19 da Lei do Inquilinato, não havendo
acordo, o locador ou locatário, após três anos de vigência do con-
trato ou do acordo anteriormente realizado, poderão pedir revisão
judicial do aluguel, a fim de ajustá-lo ao preço de mercado. Trata-se
da batizada ação revisionai.
r

488 Direito Civil - Vol. 13 • Luciano Figueiredo e Roberto figueiredo

A norma proíbe o pagamento antecipado dos aluguéis. O alu-


guel deve ser pago de forma vencida, e não vincenda. A regra
enunciada, porém, contém duas exceções nas quais se permite a
exigência de pagamento antecipado: i. locação para temporada,
cujo prazo não será superior a 90 (noventa) dias e li. Locação des-
provida de garantia, hipótese na qual o locador poderá exigir do
locatário o pagamento do aluguel e encargos até o sexto dia útil
do mês vincendo.
Em alguns casos há limites legais ao valor do aluguel. Nos ter-
mos do art. 21 da lei de Locações, o aluguel da sublocação não
poderá exceder o da locação e, nas habitações coletivas multifami-
liares, a soma dos aluguéis não poderá ser superior ao dobro do
valor da locação.

7.6. Obrigações do Locador


As obrigações do locador estão disciplinadas no art. 22 da Lei
8.245/91.
O locador é obrigado a entregar ao locatário o imóvel alugado
em estado de servir ao uso a que se destina, bem como a garantir,
durante o tempo da locação, o uso pacífico do imóvel locado.
Deverá o locador manter, durante a locação, a forma e o des-
tino do imóvel, de modo que responderá pelos vícios ou defeitos
anteriores à locação.
O locador deve fornecer ao locatário, caso este solicite, descri-
ção minuciosa do estado do imóvel, quando de sua entrega, com
expressa referência aos eventuais defeitos existentes. Deve, igual-
mente, fornecer ao locatário recibo discriminado das importâncias
por este pagas, vedada a quitação genérica, assumindo o custo das
taxas de administração imobiliária, se houver, e de intermediações,
nestas compreendidas as despesas necessárias à aferição da ido-
neidade do pretendente ou de seu fiador.
Cabe ao locador pagar os impostos e taxas, bem como o prêmio
de seguro complementar contra fogo, que incidam ou venham a
incidir sobre o imóvel, salvo disposição expressa em sentido con-
trário no contrato. Deve o locador exibir ao locatário, quando so-
Cap. 3 • Locação de Coisas 489

licitado, os comprovantes relativos às parcelas que estejam sendo


exigidas e, finalmente, pagar as despesas extraordinárias de con-
domínio.

~.:~~~~t~,: .•:...•. ·... ;<.>··.. ·.. ···/.<•• ;~:;$.L:•.,;''.~;::L:~f·;;


i/ . •1..••.•.•
.••,.h . dlri~rl~s~d~ cootio1Jtínia•1se'',~nt~na~ ..
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.data. arltérior aoln1do. ââ lb<!<t~ãoi insfa.
guranÇa::é cie 'illcêndto, ele t:étefonta, de . , . . ....·..........·. 'ãótd~''es})ort~
e. de làZeb .cles))esas de decoração. e paisagisffió'. n'às p~rte~':de .USO'
comlim;~oílstitÚição de fundó de reserva. ' ·

7.7. Obrigações do Locatário


As obrigações do locatário estão disciplinadas no art. 22 da Lei
8.245/91.
o locatário é obrigado a pagar pontualmente o aluguel e os
encargos da locação, legal ou contratualmente exigíveis, no prazo
estipulado ou, em sua falta, até o sexto dia útil do mês seguinte
ao vencido, no imóvel iocado, quando outro local não tiver sido
indicado no contrato.
Será obrigado a se servir do imóvel para o uso convencionado
ou presumido, compatível com a natureza deste e com o fim a
que se destina, devendo tratá-lo com o mesmo cuidado como se
fosse seu. Obriga-se a restituir o imóvel, finda a locação, no estado
em que o recebeu, salvo as deteriorações decorrentes de seu uso
normal.
Deve o locatário levar imediatamente ao conhecimento do lo-
cador o surgimento de qualquer dano ou defeito cuja reparação
a este incumba, bem como as eventuais turbações de terceiros, e
realizar a imediata reparação dos danos verificados no imóvel, ou
nas suas instalações, provocadas por si, seus dependentes, fami-
liares, visitantes ou prepostos.
490 Direito Civil - Vol. 13 • Luclano Figueiredo e Roberto Figueiredo

o locatário não poderá modificar a forma interna ou externa do


imóvel sem o consentimento prévio e por escrito do locador.

É obrigado o locatário a entregar imediatamente ao locador


os documentos de cobrança de tributos e encargos condominiais,
além de qualquer intimação, multa ou exigência de autoridade pú-
blica, ainda que dirigida a ele.

o locatário pagará as despesas de telefone e de consumo de


força, luz e gás, água e esgoto, a permitir a vistoria do imóvel
pelo locador ou por seu mandatário, mediante combinação prévia
de dia e hora, bem como admitir que seja o mesmo visitado e
examinado por terceiros. Também deverá cumprir integralmente
a convenção de condomínio e os regulamentos internos, a pagar
o prêmio do seguro de fiança e, finalmente, a pagar as despesas
ordinárias de condomínio.

~ Atenção!
Por despesas ordinárias de condomínio se entendem as necessárias
à administração·. respectiva, especialmente: salários~ encargos trabac
lhistas! ~011tribujçõ!S, previdenciárias e sodais, d()s eropregado.s .d.o
coridórtiínio, córtSÚm() dé água e esgoto, gás, luz e força das áre,·as de
uso c9miJm, limpeza, cQnsérvação e pintura das instalações é depén~
dênc::ias de' uso comum, manutenção e conseivàção das instalações e
eqilip11meQtos hidráulicos, elétricos, mecânicos. e 1qe segur;ançade tis();.
c9mum, maQutenção e conservação das i11stal~ções. ~; eq11ipamentos•
dê uso comum âestlnados à. prática de espórtés e'làz~r,. rn~nuténção
e «;on~et"V,~Ção q:e eleva.dor!s• porteiro eletr~~i~o ·.~· ~.ffteh:!s .c;otétivas,
· pé'QÜ~no~ré'p,âros •n㧠dependências e rnstafã~õeS' .etétfltis: êi ttid~tl­
Ueas.;de 1,1$().:comam, ,ratei os de saldo .devedt1r,. salv() se.r:et.erentes a
i:u~:río~O:~.aliterio~ ~.o lflf!!Jo da locação, reposiçiJ<> .~<>Í·~µq~o, ~,~.J~~~rvª'· ·
t(}talqu parcialmente utilizado no custeio ou complem~ntaç~(} das c!es-
pesas referidas . nas alíneas anteriores, salvo se referentes a petíoc!o
anterior ao início da locação.

De quem será o dever de pagamento dos tributos e acessórios


relacionados ao imóvel?

A priori, do locador. Isto porque em sendo obrigação de nature-


za propter rem, caberá ao proprietário a sua quitação.
Cap. 3 • Locação de Coisas 491

~. como ~·Su~~~~~ri.~Ó11~,(~~~~Jü~·~~~~eodeq,.~.êt~~~k~:; . •.
NoAg~gt1c;f LiDEJ .· econ~~~
ceu. qúe ã~ mi
de. ltAqd~ji ~e

~itJuli~Q.~;. ~~~ti~~
-~.;~~tW~t~tiâ~tSaiâm.aI~iít ·. . . . . .
dad~ é é( ·.· p~6p. . .•. . fnoé'pe6tt~i'tt~ dest~ ttir sidi> o aií1:or da
degradaçi!J.0 , porqu~isfo decorre .d~.µi:ná.~obrigaçéi(I propt,er rem, que
adere aoJítuJo de t:tomfnicr91./ p!)sse.": Na. me.sma Unha atirm;:i o Trib,u11a1
da Cidadania.~er proPterrem a.obrigação. tributária real ele pagar o
IPTU (REsp~ 840.623~8.A)i. . . .

29. Informativo n. 471. REsp. i.237.071-PR.


492 Direito Civil - Vol. 13 • Luciano Figueiredo e Roberto Figueiredo

Atento .. ll.Qfatf>.d~ qu~.• ~$'.ç.>~rigações . propterre.m,sãpmlstas,. esc;lare•


cem CR1sr•NÍ,o CijAVES !>E fÀ.Rtf~'·E· N~.L5~" :~<!SE!NALD, que "'ap.re#ê11tá11,1cara#erís~
ticas. 'ºin~~$;ª<>~ 111!~~.l~~~!;~~i~~'i'·tl<)!Jals ·e "f?.(llsr~ p;~s9a.'i1ssumê;:uina
prestaçllb q~ dafi;Íaz~r ·· · ' . tg?:er.. ~m ra~o dg, a<ii.íisfê'fJPJ~~·urrt .dl~ito
real. Port,<lnJ~i séfrf ........... ~;:gue:f11.f,Ô emdndm•da·vontàdê/porémdo·
régistll?.• 4,Q;~~opr!~~~~~·T~6%')·;} ·· · · . ·.
< · ;•./ .' · · 'Jt/. ~.•i ;;;.• ,,•'.• .. w•• • '' •
0
~ E na hora da prova?
(Vunesp - Juiz de' Direito Substituto - PN2014) Considerando unidade
autônoma alienada fiduciarlamente e havendo despesas de condomí-
nio, assinale a alternativa correta.
A) A dívida condominial autoriza ao credor fiduciário a reivindicar o
imóvel pela resolução contratual.
B) Houve a transferência ao credor fiduciário da propriedade resolúvel
e a posse indireta do imóvel, por isso, não a obrigação condominial.
C) Dívida de natureza propter rem, cuja responsabilidade recai tam-
bém sobre o titular da propriedade, ainda que resolúvel.
D) O devedor fiduciário tem a obrigação com as despesas ordinárias,
ficando a cargo do credor fiduciário as extraordinárias.
E)o devedor fiduciário não ostenta a condição jurídica de condômino,
tendo apenas a obrigação de restituir as despesas condominiais ao
credor fiduciário.
Gabarito: C

~ Fiquem atentQs!
Em sendo consequf!ncia do direito reál, o de-J.edodla obri~aÇão prop~
ter rem pode se livrar do seu débito, simplesmente, abandonando a
coisa. Claro. Uma vez não mais sendo proprietário, obrigação não há.
Tecnicamente é o que se denomina de abandono llberat6rio,ou renún-
cia liberatória.

Sistematizando o tema, refere-se MARIA HELENA D1N1z à obrigação


propter rem como sendo figura autônoma situada entre o direito
real e o pessoal, a qual encerra urna obrigação acessória mista,
por vincular-se a um direito real. Ainda segundo a autora, a obriga-

30. ln Direito das Obrigações. i• edição. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2oo6. p. 22.
Cap. 3 • Locação de Coisas 493

ção em comento possui três caracteres: (1) vinculação a um direito


real, ou seja, a determinada coisa que o devedor seja proprietário
ou possuidor, (2) possibilidade de exoneração pelo abandono, (3)
transmissibilidade pela via dos negócios jurídicos 31.
E seria possível, no contrato de locação, ajuste no sentido do
locatário restar responsável pelo pagamento das taxas condomi-
niais e IPTU?
A resposta é positiva. É possível que as partes ajustem que o
dever do pagamento dos tributos e acessórios fique a cargo do lo-
catário. Nesta hipótese, será atribuída ao locatário a responsabili-
dade pelo pagamento dos tributos, encargos e despesas ordinárias
de condomínio, de modo que o locador poderá cobrar tais verbas
juntamente com o aluguel do mês a que se refiram.
Entrementes, registre-se, o locador/proprietário persistirá como
devedor perante as fontes pagadoras, sendo ele, por exemplo, que
terá seu nome levado à inscrição da dívida ativa, se não houver o
adimplemento do IPTU. Neste caso, posteriormente, terá o locador/
proprietário ação em regresso em face do locatário, buscando res-
sarcimento pelo montante adimplido. Ressalta-se que será inviável
ao locador/proprietário denunciar o locatário à lide na ação de
execução fiscal, tendo em vista que ajustes particulares não tem
oponibilidade em face do fisco.
Outra obrigação que recai sobre o locatário diz respeito aos
reparos urgentes, cuja realização incumba ao locador. Se isto acon-
tecer, o locatário é obrigado a consentir com a realização dos re-
paros. De qualquer modo, se os reparos durarem mais de dez dias,
o locatário terá direito ao abatimento do aluguel, proporcional ao
período excedente. E mais: se tais reparos durarem mais de trinta
dias, poderá o locador resilir o contrato.

7.8. Direito de Preferência


A Lei do Inquilinato regula o direito de preferência nos seus
arts. 27 e ss. Trata-se da prerrogativa do locatário, respeitados

3i. ln Curso de Direito Civil Brasileiro. 24. ed. São Paulo: Saraiva, 2009, p. 29/30.
494 Direito Civil - Vol. 13 • LUcíano figueiredo e Roberto Figueiredo

alguns requisitos, de adquirir a coisa oferecida à venda a terceiros


tanto por tanto.
Pois bem. No caso de venda, promessa de venda, cessão ou
promessa de cessão de direitos ou dação em pagamento, o locatá-
rio tem preferência em adquirir o imóvel locado, em igualdade de
condições com terceiros, devendo o locador dar-lhe conhecimen-
to do negócio mediante notificação judicial, extrajudicial ou outro
meio de ciência inequívoca (art. 27). Este comunicado de venda
deverá conter todas as condições do negócio e, em especial, o pre-
ço, a forma de pagamento, a existência de ônus reais, bem como
o local e horário em que pode ser examinada a documentação
pertinente.
o direito de preferência do locatário submete-se a um prazo
decadencial. Caducará se não manifestada, de maneira inequívoca,
sua aceitação integral à proposta, no prazo de trinta dias. Caso
haja aceitação da proposta pelo locatário e posterior desistência
do negócio pelo locador, este responderá pelos prejuízos ocasio-
nados, inclusive lucros cessantes.

., E na hora da prova?
A banca examinadora CS-UFG, em prova de concurso público realizado
para o provimento do cargo de Defensor Público (DPE-GO), ano 2014,
considerou incorreta a seguinte alternativa: "o direito de preferência
do locatãrio em adquirir o imóvellocado nas mesmas condições ofer-
tadas a terceiros, ausente manifestação inequívoca, caduca em 6 (seis)
meses, contados da data em que o locatário teve ciência inequívoca da
intenção do locador em realizar o negócio".

Estando o imóvel sublocado em sua totalidade, caberá a prefe-


rência ao sublocatário e, em seguida, ao locatário. Se forem vários
os sublocatários, a preferência caberá a todos, em comum, ou a
qualquer deles, se um só for o interessado. Havendo pluralidade
de pretendentes, caberá a preferência ao locatário mais antigo e,
se da mesma data, ao mais idoso.
Em se tratando de alienação de mais de uma unidade imobiliá-
ria, o direito de preferência incidirá sobre a totalidade dos bens
objeto da alienação. Em havendo condomínio no imóvel, a prefe-
rência do condômino terá prioridade sobre a do locatário (art. 34).
Cap. 3 • Locação de Coisas 495

Mas o que ocorre se o locatário for preterido em seu direito


de preferência?

Depende:

a) Caso o contrato de locação esteja registrado a pelo menos


30 (trinta) dias, terá o locatário o prazo decadenclal de 6
(seis) meses, contados do registro do ato no cartório de
registro de imóveis, para requisitar a adjudicação compul-
sória, depositando o preço e demais despesas do ato de
transferência e reavendo a coisa para si. Nada impede que,
comprovados outros danos, cumule o locatário o pedido de
adjudicação com perdas e danos.

'
..
"',-

~. Atenção~ ..•... ·.. .· ... > .. .. < .·.· .· •. . .. . .> .•.· ·• •··.·. <•
A averbação. dó cQntrato7de l.~4íiçã;~~ef~·f,~!~:~ V,.l~\a.,!'.t~:.~y~(q,ij~.~.~~~··
vias do paéto, desde que subsct'itó por duas testernúnhas. · · • •.

b) Caso não estejam presentes ou requisitos, ou prefira o loca-


tário, poderá, ao revés de pleitear a adjudicação compulsó-
ria, buscar somente perdas e danos.

• E na hora da prova?
Ano: 2014 Banca: FCC órgão: TJ-AP Prova: Juiz
o locatário preterido no seu direito de preferência para a aquisição
do imóvel locado,
496 Direito Civil - Vol. 13 • LUciano Figueiredo e Roberto Figueiredo

a) nada poderá reclamar se não manifestar de maneira inequívoca sua


aceitação integral à proposta, no prazo máximo de 15 dias.
b) poderá reclamar do alienante as perdas e danos ou, depositando
o preço e demais despesas do ato de transferência, haver para si
o imóvel locado, se o requerer no prazo de 6 meses, a contar do
registro do ato no cartório de imóveis, desde que o contrato de lo-
cação contenha cláusula de vigência e esteja averbado pelo menos
30 dias antes da alienação junto à matrícula do imóvel.
c) só poderá reclamar do alienante as perdas e danos, mas em ne-
nhuma hipótese poderá haver para si o imóvel que já tiver sido
alienado, com título registrado no Serviço de Registro de Imóveis.
d) poderá exercer seu direito à aquisição do imóvel locado que foi
alienado, mesmo que o adquirente seja um dos condôminos do
imóvel.
e) não poderá exercer seu direito de preferência se a alienação se der
por dação em pagamento, doação ou permuta.
Gabarito: B

7.9. As Benfeitorias

Salvo expressa disposição contratual em contrário, as benfeito-


rias necessárias introduzidas pelo locatário, ainda que não auto-
rizadas pelo locador, bem como as úteis, desde que autorizadas,
serão indenizáveis e permitem o exercício do direito de retenção.
As benfeitorias voluptuárias não serão indenizáveis, podendo ser
levantadas pelo locatário, finda a locação, desde que sua retirada
não afete a estrutura e a substância do imóvel (art. 35).

Tal regra, todavia, é supletiva ou dispositiva, sendo possível o


contrato disciplinar em sentido diverso.

Mas poderia o contrato de locação de imóveis urbanos regular


a antecipada renúncia à indenização das benfeitorias?

Caso o contrato seja paritário, sim, na forma da Súmula 335


do SuPrn10R TRIBUNAL DE JusnçA. Entretanto, em sendo o contrato por
adesão, tal renúncia será nula, por significar renúncia antecipada a
direito (art. 424 do CC e Enunciado 433 do CJF).
Cap. 3 • Locação de Coisas 497

~ E na hora da prova?
Ano: 2015 Banca: FCC órgão: TJ-AL Prova: Juiz Substi.tuto
No contrato de locação predial urbana
a) salvo expressa disposição contratual em contrário, as benfeitorias
necessárias introduzidas pelo locatário, ainda que não autorizadas
pelo 'locador, bem como as úteis, desde que. a1,1torizadas, serão in-
denizáveis e permitem o exercíciodo direito ~~ retenção'.
b) as partes não podem dispor a respeito da indenização por benfei'.
torias, devendo seguir só o que a lei estabeleçe.
c) as benfeitorias necessárias introduzidas, aindaqúe não autoriza-
das pelo locador, bem como as úteis, desde que autorizadas, serão
indenizáveis e permitem o exercício do direito de retenção, não
sendo permitida cláusula em sentido contrário, quando tratar de
locação de imóvel residencial.
d) as benfeitorias voluptuárias não são indenizáveis, podendo ser le-
vantadas pelo locatário, finda a locação, ainda que sua retirada afe-
te a estrutura ou a substância do imóvel, mas, neste caso, poderá o
locador optar pela indenização.
e) somente são indenizáveis as benfeitorias necessárias, independen-
temente de autorização do locador, não se admitindo cláusula em
sentido contrário.
Gabarito: A

7.10. Garantias Locatícias


No contrato de locação pode o locador exigir do locatário as
garantias da caução, fiança, seguro de fiança e cessão fiduciária
de quotas de fundo de investimento. Mas um cuidado deve ser ob-
servado. É vedada, sob pena de nulidade, a cumulação de mais de
um das modalidades de garantia num mesmo contrato de locação.

~ E na hora da prova?
Ano: 2014 Banca: FUNDEP órgão: TJ·MG Prova: Juiz
Pode o locador, num mesmo contrato, exigir do locatário qualquer das
seguintes modalidades de garantia, EXCETO:
a) Fiança e seguro de fiança locatí.cia.
b) Cessão fiduciária de quotas de fundo de investimento.
498 Direito Civil - Vol. 13 • Luciano Figueiredo e Roberto Figueiredo

c) Caução.
d) Seguro de fiança locatícia,
Gabarito: A

1> E na hora da prova?


A banca examinadora CS-UFG, em prova de concurso público realizado
para o provimento do cargo de Defensor Público (DPE-GO), ano 2014,
c0nsiderou correta a seguinte alternativa: "a exigência de mais de uma
modalidade de garantia eín um mesmo contrato de locação é vedada,
sob pena de nulidade".

Mas a vedação da cumulação gerará a invalidade de todo o


contrato de locação, de ambas as garantias ou de apenas uma
delas?
Fincado no princípio da conservação dos atos, estudado na par-
te geral, em especial o ideal de redução doe negócios jurídicos (CC,
art. 184), defendemos a tese de que apenas a segunda garantia
deverá ser invalidada, mantendo-se o contrato principal (locação)
e a garantia lícita inicial, não cumulada.

I> Atenção!

NÓ que fange à caução, esta poderá ser em bens móveis ou imóveis.


A caução. .ê.m bens móveis deverá ser registrada em cartório de títulos
e ~ocum~ntos; a em bensjff!óveis dev~rá ~er. averbada à. margem d.a
resl)e~Mi 01atrícula. A caução em éfíhll~~ror que não poderá exceder
o ~QIJIValente a trêsi.meses de áh1gµ~k sérá depositada em cadérneta
de poupànça,··auto:rizada pelo P°'der. ~úbl.lcc) e por ele regulamentada,
i:eve.ttel'i.(lct;em•·b~~êtício d<;> loca~ádo todas às vantagens. d.ela decor-
rentes pqr oc~siã9 .dQ le~anta111ento ~.a. S()rQa respectiva. A caução em
títl.Ítbs e al;õés dêvêra ser substltuídâ~ n() Plflzo de trinta dias, em caso
de'concordaia, talêncià'óu liquidàçãa das'sodedades emissoras.

Recorda-se, outrossim, que as garantias persistirão até a efeti-


va devolução do imóvel, na forma do art. 39 da Lei do Inquilinato,
ainda que prorrogada a locação por prazo indeterminado. Trata-
-se de importante e recente inovação com o escopo de garantir
ao locador todo o vínculo contratual. Contudo, nada impede, em
atenção à autonomia, que o próprio contrato regule disciplina em
sentido contrário, firmando garantia por prazo determinado.
Cap. 3 • Locação de Coisas 499

1> IE na hora da prova? .


Ano: 2015 Banca: CS-UFG órgãb: Ál·GO Prova: Procurádor
A matéria relativa às locações dos imóveis urbanos e os procedimen-
tos a elas pertinentes é objeto de minuciosá normatização pela Lei n.
8.245, de 18 de outubro de 1991, conhecidà como Lei do Inquilinato. No
tocante às garantias locatícias, esse diploma legal prescreve:
a) a caução, a fiança, o seguro de fiança locatfcia e o aval são modali-
dades específicas.
b) a presença de mais de uma das modalidades de garantia em um
mesmo contrato de locação é permitida.
c) a garantia da locação, em qualquer modalidade, se estendê até
a efetiva devolução do imóvel, independentemente de disposição
contratual em contrário.
d) a caução poderá ser em bens móveis ou imóveis.
Gabarito: o

a) o Novo Fiador e a substituição da Garantia


o locador poderá exigir novo fiador ou a substituição da moda-
lidade de garantia, nos casos de morte do fiador, ausência, interdi-
ção, recuperação judicial, falência ou insolvência destes, alienação
ou gravação de todos os bens imóveis do fiador ou sua mudança de
residência sem comunicação ao locador, exoneração do fiador, pror-
rogação da locação por prazo indeterminado, sendo a fiança ajus-
tada por prazo certo, desaparecimento dos bens móveis, desapro-
priação ou alienação do imóvel, exoneração de garantia constituída
por quotas de fundo de investimento, liquidação ou encerramento
do fundo de investimento, prorrogação da locação por prazo inde-
terminado uma vez notificado o locador pelo fiador de sua intenção
de desoneração, ficando obrigado por todos os efeitos da fiança,
durante i20 (cento e vinte) dias após a notificação ao locador.
Importante recordar em tais situações o locador poderá noti·
ficar o locatário para apresentar nova garantia locatícia no prazo
de 30 (trinta) dias, sob pena de desfazimento da locação (art. 40).

7.11. Penalidades Criminais e Civis


Nos termos do art. 43 da Lei do Inquilinato constitui contraven-
ção penal, punível com prisão simples de cinco dias a seis meses
500 Direito Civil - Vol. 13 • Luciano Figueiredo e Roberto Figueiredo

ou multa de três a doze meses do valor do último aluguel atuali-


zado, revertida em favor do locatário: exigir, por motivo de loca-
ção ou sublocação, quantia ou valor além do aluguel e encargos
permitidos; exigir, por motivo de locação ou sublocação, mais de
uma modalidade de garantia num mesmo contrato de locação e,
finalmente, cobrar antecipadamente o aluguel, salvo a hipótese do
art. 42 e da locação para temporada.

._ E na hora da p~va?
A banca examinadora FCC, em prova de concurso público realizado
para o provimento do cargo de Procurador Legislativo da Câmara Mu-
nicipal de São Paulo-SP, ano 2014, considerou incorreta a seguinte alter-
nativa: "É defeso ao locador receber de uma só vez e antecipadamente
os aluguéis e encargos locatfcios".

Além disto, constitui crime de ação pública, punível com de-


tenção de três meses a um ano, que poderá ser substituída pela
prestação de serviços à comunidade: recusar-se o locador ou sub-
locador, nas habitações coletivas multifamiliares, a fornecer recibo
discriminado do aluguel e encargos; deixar o retomante, dentro de
cento e oitenta dias após a entrega do imóvel, no caso do inciso 111
do art. 47, de usá-lo para o fim declarado ou, usando-o, não o fizer
pelo prazo mínimo de um ano; não iniciar o proprietário, promis-
sário comprador ou promissário cessionário, nos casos do inciso IV
do art. 9°, inciso IV do art. 47, inciso 1 do art. 52 e inciso 11 do art.
53, a demolição ou a reparação do imóvel, dentro de sessenta dias
contados de sua entrega; executar o despejo com inobservância do
disposto no § 20 do art. 65.

7.12. Locação Residencial


Dentre as locações de imóveis urbanos, mister notícias sobre a
modalidade residencial.
Nas locações ajustadas por escrito e por prazo igual ou supe-
rior a trinta meses, a resolução do contrato ocorrerá findo o prazo
estipulado, independentemente de notificação ou aviso (art. 46).
Há possibilidade de denúncia vazia, imotivada, apta a colocar um
fim ao contrato pelo mero decurso do tempo.
Cap. 3 • Locação de Coisas 501

Findo o prazo ajustado, se o locatário continuar na posse do


imóvel alugado por mais de trinta dias, sem oposição do locador,
presumir-se-á prorrogada a locação por prazo indeterminado,
mantidas as demais cláusulas e condições do contrato.

.- E na hora da prova?
Ano: 2015 Banca: CESPE. 6'rgão: DPE-PE ·Prova: Defensor Púollco
A respeito da responsàbili(iacfe civil, dâ p()s~e, do Usufruto, do con-
trato de locação .e das práticas cómérclais. no .âtn~ito çlo direito do
consumidor, julgue o item que se segue; · ·· , ·
Se um contrato CÍe · tocação de imóvel. urba nó residel1eiaJ ·for ;éstipu-
lado com prazo de duração de trinta e seis meses, findo esse prazo,
deverá o locador notificar o locatário para que se opere a resolução
do contrato.
Gabarito: Errado
Ocorrendo a prorrogação, o locador poderá denunciar o con-
trato a qualquer tempo, concedido o prazo de trinta dias para
desocupação, através de notificação premonitória.
D'outra banda, quando ajustada verbalmei:ite ou por escrito e
com prazo inferior a trinta meses, findo o prazo estabelecido, a
locação prorroga-se automaticamente, por prazo indeterminado,
somente podendo ser retomado o imóvel por denúncia motivada
(cheia). São motivos para tal denúncia (art. 47): por mútuo acordo,
em decorrência de infração legal ou contratual; por falta de paga-
mento de aluguéis e demais encargos, para realização de repara-
ções urgentes determinadas pelo Poder Público e que não possam
ser normalmente executadas com a permanência do locatário no
imóvel; em decorrência de extinção do contrato de trabalho, se
a ocupação do imóvel pelo locatário for relacionada com o seu
emprego; se for pedido para uso próprio, de seu cônjuge ou com-
panheiro, ou para uso residencial de ascendente ou descendente
que não disponha, assim como seu cônjuge ou companheiro, de
imóvel residencial próprio; se for pedido para demolição e edi-
ficação licenciada ou para a realização de obras aprovadas pelo
Poder Público, que aumentem a área construída, em, no mínimo,
vinte por cento ou se o imóvel for destinado à exploração de hotel
ou pensão, em cinquenta por cento e, finalmente, se a vigência
ininterrupta da locação ultrapassar cinco anos.
502 Direito Civil - Vol. 13 • luclano Figueiredo e Roberto Figueiredo

.~~tf?J}i\!>J<,;Q>llllJ
l()c~tárip~'.' , ..···••
c);.~~m~~t~·~~~·~AP.~~~~be~t1y~ry1~qr;nd.~.·P~t'prazo indeterminado·e
oc~llti'ât9 hquv~t.sido, c;~tebrado por escrito e com prazo igual ou
suptri~r a· tnhtà tfiesês. '. ·..... <
·•d) Írie~.J~r:~l!a*ri~~·~:•te:fc'âçãd~se étkontre· pro·rrogada automaticamen-
.: ·tê,z:pór;pfazo l!'i~êterroiliado, po~ e~tar ~ndo o. prazo estabelecido,
ajf.!stá:qà' ~:~ó(a9iilr;,v:êrl.>á:tnfort't~JJ.t( por .escrito e ainda que cQm.
prazo infe'rior a·trindvmeses;• . .
\ >\'; ->:.',? ,;;j:,:,·, ~'·:'·-~··;'.:f•·(: '>'; •'.,'~:,«:»{;:~;\:·~·:'{ :~,j'r,::1,«: J ( ·(_,:!~. '•,',,J:>:: ::,,'-
i•, I ·:· • ': !;,»:,
e) yig~raodCf~toc P9t:Pr.tzo. dêtetminadp ou .nã<>, finçlo ou não o
.·.•...•• B.. ···' · '.i:itiátk/ ,,,. :~~é· c:tl:re ·~~ré~·nidá i>or escrito por prazo sui>e-
., . • ,•1:f'rí" .. ·s·e~f··~"f> · ·... · · ., .... ···.
m.·.·.·e
-· : . .'·"':fr;-·

7.13. Locação Para Temporada


Seguindo nas modalidades locatícias, fala-se na espécie de tem-
porada.
Considera-se locação para temporada aquela destinada à re-
sidência temporária do locatário, para prática de lazer, realização
de cursos, tratamento de saúde, feitura de obras em seu imóvel e
outros fatos que decorrem tão-somente de determinado tempo. Há
de ser contratada por prazo não superior a noventa dias, esteja
ou não mobiliado o imóvel.
No caso de locação envolver imóvel mobiliado, constará do con-
trato, obrigatoriamente, a descrição dos móveis e utensílios que o
guarnecem, bem como o estado em que se encontram.
Cap. 3 • Locação de Coisas 503

Na modalidade de temporada, o locador poderá receber, de


uma só vez e antecipadamente, os aluguéis e encargos, bem como
exigir qualquer das modalidades de garantia previstas no art. 37
para atender as demais obrigações do contrato.
Findo o prazo ajustado, se o locatário permanecer no imóvel
sem oposição do locador, por mais de trinta dias, presumir-se-
-á prorrogada a locação por tempo indeterminado, não mais sen-
do exigível o pagamento antecipado do aluguel e dos encargos.
Ocorrendo a prorrogação, o locador somente poderá denunciar o
contrato após trinta meses de seu início (denúncia vazia), ou nas
hipóteses do art. 47 (denúncia cheia).

7.14. Locação Não Residencial. A Renovação Compulsória


Sobre as locações comerciais, importante verificar a possibilida-
de de renovação compulsória. Para que o locatário tenha direito à
tal renovação compulsória, cumulativamente precisará:
a) o contrato a renovar tenha sido celebrado por escrito e com
prazo determinado;
b) o prazo mínimo do contrato a renovar ou a soma dos prazos
ininterruptos dos contratos escritos seja de cinco anos;
c) o locatário esteja explorando seu comércio, no mesmo ramo,
pelo prazo mínimo e ininterrupto de três anos.
Este direito à renovatória também poderá ser exercido pelos
cessionários ou sucessores da locação. No caso de sublocação total
do imóvel, o direito a renovação somente poderá ser exercido pelo
sublocatário.
Do direito a renovação decai (prazo decadencial) aquele que
não propuser a ação no interregno de um ano, no máximo, até seis
meses, no mínimo, anteriores à data da finalização do prazo do
contrato em vigor.

1>E na hora da prova?


Ano: 2014 sànca: TRF - 2ª fuigiâ.o órgão: TRF - 2ª REGtÃc>Pro~à: 1l1fZ· Fê-
cterat , · · · · ·
504 Direito Civil - Vol. 13 • Luciano Figueiredo e Roberto Figueiredo

Em contra~o ~crito d~ towç~p~. cert'% empresa púb,lica,..!ed~rotq1.1~ ~i;c·


ª·
piora atividade econôm.lca. <lnstitµJç~oJlnanceira))~ part:~Jpca~~rlá;
o pacto foi celebrado em2008; i;>ero prazo dé 5 anos, ten<JO confo ob•
jeto espaço iinobillárló situado em shoppinp center, A empresa t)úljlica
promove ação renovatória~ ·. ~to~(.fa.dnco./11Jéses antes .dó ~erm?: ad
quem do ajuste~. À luz.da Lei 11~ 8.245(9(edo .eQtf:lndirne11to; gp,mif!.13,Jlt~,
assinale. a proposição correta: · ' · . · . · ·· . · · · · · · · ·· · ·
a). A renovatcSria, eÔÍtese, é'.'v1áve(rnà~·fo1 ~forad a fo~ do~ Ptizo.d;~
1

cadenciai.
b) Não se aplica. ;Í açã~ renov~tqria se uma das párte5 pess6~. fnte~
grante dá admlnistráção pública indireta, e é o caso; · · ·
i
c) Embora viável, em tese, a ação re'novatória, ela não é cabível qUan-
do o espaço imobiliário cedido encontra-se em shopping center,
cujo mix descaracteriza a locação;
d) Independentemente de o imóvel situar-se em shopping, a ação re·
novatória apenas é cabível quando a pessoa jurídica integrante da
administração é o locador. · ·
e) O contrato é regido pelo Código Civil, por força da própria Lei. no
8.245/91; assim, o ajuste deve ser interpretado como de cessão de
espaço, com a sua renovação compulsória submetida às regras do
Decreto- lei n° 9.760/46.
Gabarito: A

Mas existirão situações jurídicas nas quais o locador não estará


obrigado a renovar o contrato de locação, a saber:
a) se por determinação do Poder Público, tiver que realizar no
imóvel obras que importarem na sua radical transformação;
ou para fazer modificações de tal natureza que aumente o
valor do negócio ou da propriedade;
b) se o imóvel vier a ser utilizado por ele próprio ou para
transferência de fundo de comércio existente há mais de um
ano, sendo detentor da maioria do capital o locador, seu
cônjuge, ascendente ou descendente.
De qualquer modo, para evitar abuso do direito ou mesmo
violação à boa-fé, o imóvel não poderá ser destinado ao uso do
mesmo ramo do locatário, salvo se a locação também envolvia o
fundo de comércio, com as instalações e pertences. o intuito é o
cap. 3 • Locação de Coisas 505

não aproveitamento, por parte do locador, de fundo de comércio


inédito, firmado pelo locatário.
Nas locações de espaço em shopping centers, o locador não po-
derá recusar a renovação do contrato com fundamento na alínea
llb'' .
' --.'•.•i\.••.•:1.·.r;.:.·.:;
. ~~:••.·.-,:, /~;,;;,4, ",-;;::- Jj 1' ~--\,<:'
_, '.. .
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sb . . 't ii .. s d(f'ês t~t'$e~dndtq~~ a,altér-
n~ti~~·~~~r:r~;~;~:: i:·"{'':' . ). ·. . ·..·.··· . >·:, /i}'' . .. . . . ..
";a)··O ló~àdÓr nãp ~ode~ .re~~~flr ~·.refi~ia'.Ç~~Útf~.corytrato, com ..funda-
.· · ·· mento. no usq. ~or ele p.ró~ri() d() im~y.ek : , ..•...•..... ·• . .
b) o toéador po~erá cobrar dp. lojista~ haven<fó· prêvisão contratuát, .o
,.custo:ratead~ da pintura das:tachadas; 1 '. · •· .·.. ..• .. •
c) o tocador poderá recusar a renovação do conttáto, com fundamen-
. td nàtransferêné:iâ de funao de comércio.existente há mais de um
ano, sendd detentor da maioria do capitâ!o locador, seu cônjuge,
ascendente ou descendente.
d) o lócatárioterá dh"eito à renovaç~o do contráto, por igual prazo,
. desde que, cumulativamente, ó contrato à renovar tenha sido ce-
lebrado por escrito e com prazo det<;?rminàdo, o prazo mínimo do
contrato a renovar ou a soma dos prazos ininterruptos dos contra-
tos escritos seja de cinco anos e o locatáriO esteja explorando seu
comércio, no mesmo ramo, pelo prazo mínimo e ininterrupto de
dois anos.
.e) Do direito à renovação decai aquele que não. propuser a ação no
interregn():de,dols anos, no máximo, até Um ano; no mínimo, ante-
riores à. dat11.da .fin,.aUzaç~.Q d? Pf~2;() .f19 ~ontrato .em vigor.
Gabarito: A

o locatário terá direito a indenização para ressarcimento dos


prejuízos e dos lucros cessantes que tiver que arcar com mudan-
ça, perda do lugar e desvalorização do fundo de comércio, se a
renovação não ocorrer em razão de proposta de terceiro, em
melhores condições, ou se o locador, no prazo de três meses da
entrega do imóvel, não der o destino alegado ou não iniciar as
obras determinadas pelo Poder Público ou que declarou preten-
der realizar.
506 Direito Civil - Vol. 13 • LUciano Figueiredo e Roberto figueiredo

7.15. Aspectos Processuais

A Lei do Inquilinato veicula importante disciplina de natureza


processual, prescrevendo disposições gerais e específicas para
as ações judiciais, que envolvam locador e locatário, nas locações
prediais urbanas.

As ações de despejo, consignação em pagamento de aluguel


e acessório da locação, revisionais de aluguel e renovatórias de
locação possuirão disciplina própria, contida na Lei de Locações,
de modo que o Código de Processo Civil somente deverá incidir de
maneira supletiva.

Em primeiro lugar observe-se que a Lei do Inquilinato prescreve


que tais demandas tramitarão durante as férias forenses e não
se suspendem pela superveniência delas, o que evidencia se tra-
tar de um terna defasado, tendo em vista que pela constitucional
superveniente não há mais férias coletivas nos Tribunais Regionais
e de Justiça. Em outras palavras, apenas nos Tribunais Superiores
(STF, STJ, TST, etc.) é que se mantiveram com as férias coletivas, à luz
da Emenda Constituição n° 45/2004.

A Lei de Locações também trará disciplina sobre o juízo compe-


tente para conhecer, processar e decidir tais demandas, qual seja:
o foro do lugar da situação do imóvel, salvo se outro houver sido
eleito no contrato (foro de eleição).
Cap. 3 • Locação de Coisas 507

Ademais disto, traz a Lei do Inquilinato notícia específica para


a petição inicial nas demandas locatícias, relacionada ao valor da
causa. Este deve corresponder a doze meses de aluguel, ou, na
hipótese do inciso li do art. 47 (locação com prazo inferior a trinta
meses), a três salários vigentes por ocasião do ajuizarnento.

A citação também é tratada de maneira própria e será feita me-


diante correspondência com aviso de recebimento, admitindo-se,
evidentemente, as demais formas supletivas do CPC, entre as quais
telex, fac-símile, e-mail, etc.

Os recursos interpostos contra as sentenças envolvendo loca-


ção predial urbana terão efeito somente devolutivo.
Os sublocatários poderão intervir no processo de despejo rnrno
assistentes, daí porque devem ser intimados acerca da existência
da demanda.
a) Ações de Despejo
As ações de despejo tramitam pelo procedimento comum ordi-
nário e são cabíveis, corno já advertimos ao analisar o art. 5° da Lei
de Locações, para toda e qualquer situação jurídica que envolva
a retornada do imóvel, seja qual for o motivo. Portanto, não se
deverá ajuizar ação de reintegração de posse para retornada de
imóveis nas locações prediais urbanas. A medida adequada será a
ação de despejo.
508 Direito Civil - Vol. 13 • Luciano Figueiredo e Roberto Figueiredo

Interessante notar que o Novo Código de Processo Civil (NCPC)


aboliu o procedimemo comum sumário, de modo que não há dú-
vida alguma acerca do procedimento comum ordinário nas ações
de despejo.
o legitimado ativo na demanda será o locador, recordando-se
que este não necessariamente será proprietário do bem. Destarte,
plenamente viável que aquele que não seja proprietário seja loca-
dor, posto ter poderes de administração do patrimônio.

Qloc
te tegíti
de infra
Lei n. 8i .. /199,ti.(~~fde~L~Mc~~s) ~~P~l=ifl~;~~s,ti!í> qÜais ~·
exigida .a:prova da proprtêci:tadé:Para .9 aJuizamen~9 e ·dést:ie·
jo. N°'s d~mais éa~«l:s, eo'tr.ê 0$,quafs se ~ncorit ··· ·.. · âf!allsadós,
deve-se .. a!entaf'p~·ra a naturêiá. p~ssoã1.ac1:; QcaÇã.ó,· de
modo a c:onsiqenW de~nec:ess~rla. â condtçt~ '(r:lo !:>iara a
propositura da .dem~nçla. Adeniats, cab~. i~y pj(> ·da l;)oa-
·fé obJetiya; çuJa fiJrf~ó cíereí~vó ê lfüpectfü' ·tâ'nfü adote
comp 0 rt.âfn!f'\~,.~~~·;~~r,i!~f:!• . ·.·.. ~~~~~Ú~O,·.~:· .· · · .· ........·......
em cuja seriedade o outr0 .p;:i ...•.· ~e confiou. . ·....avez celebra-
do contr~tp'. d~· lo.§ti:~~9.:·.d~;,ih;t.~wet~,fere o·.atudid~;:t>rint:!p1~· íaatitude
do locatano qu.~f.all6$:eKet!;'e,~;.a,.•• i;H>sse dir;e~<1.,c;l.o+:imó~E11,, 1al~ga .que. o
locadqr, p 0 i>~ã{) ··· Q•.Prqprle~ári(),,dgi. . ·.. · · midade
para º aJ,lJ.lzílrn,li~ . :(~v~i@~Lªçi,p· d~ <;tês~ · . . . ·
a lei f!ãi:(e~!g~t.~s~~f .Ç1)11<;IJǪQ'tqci,d~ma:ndai1fé·~ ~t;S~J~
Min. RicafdOVJ!(a:s.~ô'íl~ Cueva,J9lga:clo em i9!?.1i~~3;.J.; ·

Em se tratando de procedimento comum ordinário será possível


imaginar a necessidade de uma tutela de urgência.
A Lei de Locações traz previsão específica sobre isto e autoriza
ao magistrado conceder liminar para desocupação do imóvel, em
alguns casos, em a-::é quinze dias, independentemente da audiên-
cia da parte contrária e desde que prestada a caução no valor
equivalente a três meses de aluguel. Trata-se de regra específica a
prevalecer sobre o Código de Processo Civil.
Cap. 3 • Locação de Coisas 509

A concessão de liminar na ação de despejo estará condicionada


a certos pressupostos legais. Inicialmente, de acordo com a norma,
a ação de despejo deverá ter por fundamento exclusivo o des-
cumprimento do mútuo acordo de distrato, celebrado por escrito
e assinado pelas partes e por duas testemunhas, no qual tenha
sido ajustado o prazo mínimo de seis meses para desocupação,
contado da assinatura do instrumento; ou, ainda, a prova escrita
da rescisão do contrato de trabalho, ou sua comprovação em au-
diência prévia.
Outra situação jurídica que autoriza a concessão de liminar
será, para o caso de locação para temporada, se após o término
da mesma for ajuizada a demanda em até trinta dias após o venci-
mento do contrato. O escopo aqui é não possibilitar a continuidade
do contrato por prazo indeterminado.
Também será possível medida liminar para as ações de despejo
fundamentadas na morte do locatário, sem deixar sucessor legíti-
mo na locação, permanecendo no Imóvel pessoas não autorizadas
por lei.
Se houver necessidade de se produzir repa'rações urgentes no
imóvel, determinadas pelo poder público, que não possam ser nor-
malmente executadas com a permanência do locatário, ou, poden-
do, ele se recuse a consenti-las, também o locador estará autori-
zado a pedir medida liminar, como também estará se o locatário
não apresentar nova garantia apta a manter a segurança inaugural
do contrato.
Nestes casos, o juiz da causa estará autorizado a conceder li-
minar.
Mas seria possível evitar esta liminar? O locatário poderia se
utilizar de algum expediente processual?
Sim, mas apenas na hipótese de despejo fundado na ausência
de pagamento de aluguéis. Neste caso, para evitar a rescisão da
locação fundada no não pagamento dos aluguéis e elidir a liminar
de desocupação, o locatário deverá, dentro dos 15 (quinze) dias
concedidos para a desocupação do imóvel e independentemente
de cálculo, efetuar depósito judicial que contemple a totalidade
dos valores devidos. A isto se denomina purgação da mora.
510 Direito Civil - Vol. 13 • Luciano Fígueiredo e Roberto Figueiredo

Neste caso, a Lei de Locações autoriza ao locatário e ao fiador


quitarem a dívida em até is (quinze) dias, hipótese na qual os
honorários advocatícios serão fixados em dez por cento sobre o
montante devido, se no contrato não constar disposição diversa.
Tal purgação da mora, registra-se, apenas poderá ser utilizada em
uma oportunidade a cada 24 (vinte e quatro) meses.
Convém ao locador instruir a petição inicial com a prova da
propriedade do imóvel ou do compromisso registrado.
Julgada procedente a ação de despejo, o juiz determinará a
expedição de mandado de despejo, o qual conterá o prazo de 30
(trinta) dias para a desocupação voluntária. Findo o prazo assi-
nado para a desocupação, contado da data da notificação, será
efetuado o despejo, se necessário com emprego de força, inclusive
arrombamento. Os móveis e utensílios serão entregues à guarda de
depositário, se não os quiser retirar o despejado.
o despejo não 'poderá ser executado até o trigésimo dia se-
guinte ao do falecimento do cônjuge, ascendente, descendente ou
irmão de qualquer das pessoas que habitem o imóvel. Trata-se de
benesse legal em função do prazo de luto.
Caso o imóvel tenha sido abandonado, após ajuizada a ação, o
locador poderá imitir-se na posse do bem.
Cap. 3 • Locação de Coisas 511

b) Ação de Consignação de Aluguel e Acessórios da Locação


Na ação que objetivar o pagamento dos aluguéis e acessórios
da locação mediante consignação, a petição inicial, além dos re-
quisitos exigidos pelo Código de Processo Civil, deverá especificar
os aluguéis e acessórios da locação, com indicação dos respectivos
valores. Portanto, nada obstante existir disciplina sobre o paga-
mento em consignação no Código Civil, bem como sobre a ação de
consignação em pagamento no Código de Processo Civil, deve-se
orientar pela aplicação, no caso de locação predial urbana, da dis-
ciplina específica.
Determinada a citação do réu, o autor será intimado a, no prazo
de vinte e quatro horas, efetuar o depósito judicial da importância
indicada na petição inicial, sob pena de ser extinto o processo sem
512 Direito Civil - Vol. 13 • Luciano figueiredo e Roberto figueiredo

resolução de mérito. Trata-se de condição de processibilidade com


prazo específico.

o pedido envolverá a quitação das obrigações que vencerem


durante a tramitação do feito, até ser prolatada a sentença de
primeira instância, devendo o autor promover os depósitos nos
respectivos vencimentos.

Não sendo oferecida a contestação, ou se o locador receber os


valores depositados, o juiz acolherá o pedido julgando imediata-
mente o feito, declarando quitadas as obrigações, condenando o
réu ao pagamento das custas e honorários de vinte por cento do
· valor dos depósitos.

A contestação do locador ficará adstrita, quanto à matéria de


fato e os temas de defesa: a) não ter havido recusa ou mora em
receber a quantia devida; b) ter sido justa a recusa; e) não ter sido
efetuado o depósito no prazo ou no lugar do pagamento e, final-
mente, d) não ter sido o depósito integral.

É importante notar que o autor poderá complementar o depó-


sito inicial, no prazo de cinco dias contados da ciência do ofereci-
mento da resposta, com acréscimo de dez por cento sobre o valor
da diferença. Se tal ocorrer, o juiz declarará quitadas as obrigações,
elidindo a rescisão da locação, mas imporá ao autor-reconvindo a
responsabilidade pelas custas e honorários advocatícios de vinte
por cento sobre o valor dos depósitos.

Havendo contra-ataque do demandado, com cumulação dos pe-


didos de rescisão da locação e cobrança dos valores objeto da con-
signatória, a execução desta somente poderá ter início depois de
obtida a desocupação do imóvel, caso ambos tenham sido acolhi-
dos. o réu poderá levantar, a qualquer momento, as importâncias
depositadas incontroversas.
Cap. 3 • Locação de Coisas 513

e) Ação Revisionai de Aluguel


Nada obstante afirmar a Lei do Inquilinato que a ação revisionai
de aluguel terá rito sumário, é importante reconhecer a superação
desta regra. Com o advento do Novo Código de Processo Civil, o qual
eliminou o procedimento sumário e previu a elaboração de uma lei
específica para tratar de tais situações, o tema sofreu mudanças.
Ao designar a audiência de conciliação, o juiz, se houver pedido
e com base nos elementos fornecidos tanto pelo locador como pelo
locatário, ou nos que indicar, fixará aluguel provisório, que será
devido desde a citação, nos seguintes moldes:
a) em ação proposta pelo locador, o aluguel provisório não
poderá ser excedente a 80% (oitenta por cento) do pedido;
b) em ação proposta pelo locatário, o aluguel provisório não
poderá ser inferior a 8oºk (oitenta por cento) do aluguel vi-
gente.
Sem prejuízo da contestação e até a audiência, o réu poderá
pedir seja revisto o aluguel provisório, fornec~ndo os elementos
para tanto.
Na audiência de conciliação, apresentada a contestação, que
deverá conter contraproposta, se houver discordância quanto ao
valor pretendido, o juiz tentará a conciliação e, não sendo esta
possível, determinará a realização de perícia, se necessária, desig-
nando, desde logo, audiência de instrução e julgamento.
Não caberá ação revisionai na pendência de prazo para deso-
cupação do imóvel (arts. 46, parágrafos 2° e 57), ou quando tenha
sido este estipulado amigável ou judicialmente. No curso da ação
de revisão, o aluguel provisório será reajustado na periodicidade
pactuada ou na fixada em lei.
o aluguel fixado na sentença retroage à citação e as diferen-
ças devidas durante a ação de revisão, descontados os alugueres
provisórios satisfeitos, serão pagas corrigidas, exigíveis a partir do
trânsito em julgado da decisão que fixar o novo aluguel.
Se pedido pelo locador, ou sublocador, a sentença poderá es-
tabelecer periodicidade de reajuste do aluguel diversa daquela
514 Direito Civil - Vol. 13 • LUclano Figueiredo e Roberto Figueiredo

prevista no contrato, bem como adotar outro indexador para rea-


justamento do aluguel.
A eventual execução das diferenças será feita nos autos da pró-
pria ação de revisão.
Na ação de revisão do aluguel, o juiz poderá homologar acordo
de desocupação, que será executado mediante expedição de man-
dado de despejo.
d) Ação Renovatória
A petição inicial da ação renovatória deverá ser instruída com
prova do exato cumprimento do contrato em curso; da quitação
dos impostos e taxas que incidiram sobre o imóvel e cujo paga-
mento lhe incumbia; assim como a indicação clara e precisa das
condições oferecidas para a renovação da locação; a indicação do
fiador quando houver no contrato a renovar e, quando não for o
mesmo, com indiqlção do nome ou denominação completa, núme-
ro de sua inscrição no Ministério da Fazenda, endereço e, tratando-
-se de pessoa naturat a nacionalidade, o estado civil, a profissão
e o número da carteira de identidade, comprovando, desde logo,
mesmo que não haja alteração do fiador, a atual idoneidade finan-
ceira; prova de que o fiador do contrato ou o que o substituir na
renovação aceita os encargos da fiança, autorizado por seu cônju-
ge, se casado for; prova, quando for o caso, de ser cessionário ou
sucessor, em virtude de título oponível ao proprietário.
Como se pode notar, são inúmeros os requisitos da petição
inicial da ação renovatória.
Proposta a ação pelo sublocatário do imóvel ou de parte dele,
serão citados o sublocador e o locador, como litisconsortes, salvo
se, em virtude de locação originária ou renovada, o sublocador
dispuser de prazo que admita renovar a sublocação. Na primei-
ra hipótese, procedente a ação, o proprietário ficará diretamente
obrigado à renovação.
A contestação do locador, além da defesa de direito que possa
caber, ficará adstrita, quanto à matéria de fato, a tese de não ter
o autor preenchido os requisitos estabelecidos na lei; não atender
a proposta do locatário, ou ainda sobre o valor locativo real do
Cap. 3 • Locação de Coisas 515

imóvel na época da renovação, excluída a valorização trazida por


aquele ao ponto ou lugar; ou, finalmente, ter proposta de terceiro
para a locação em condições melhores e não estar obrigado a re-
novar a locação (arts. 51 e ss.).
Na contestação, o locador ou sublocador poderá pedir a fixa-
ção de aluguel provisório, para vigorar a partir do primeiro mês
do prazo do contrato a ser renovado, não excedente a oitenta por
cento do pedido, desde que apresentados elementos hábeis para
aferição do justo valor do aluguel.
Se pedido pelo locador, ou sublocador, a sentença poderá esta-
belecer periodicidade de reajustamento do aluguel diversa daque-
la prevista no contrato renovado, bem como adotar outro indexa-
dor para reajustamento do aluguel.
Renovada a locação, as diferenças dos aluguéis vencidos serão
executadas nos próprios autos da ação e pagas de uma só vez.
Não sendo renovada a locação, o juiz determinará a expedição
de mandado de despejo, que conterá o prazo de 30 (trinta) dias
para a desocupação voluntária, se houver pedido na contestação.

8. EXTINÇÃO DA LOCAÇÃO
RODOLFO PAMPLONA E PABLO STOLZE3 2 recordam que a "extinção natural
do contrato de locação se dá com o advento do seu termo final, por
aplicação do já analisado art. 573 do CC-02".
A locação por tempo determinado cessa de pleno direito findo
o prazo estipulado, independentemente de notificação ou aviso.
É o que preceitua o art. 573 do CC. Após o termo final, o locatário
passará a ser considerado possuidor de má-fé e a sua posse será
qualificada como injusta (CC, arts. 1.200, i.201 e i.202). É a mora ex
re (automática).
Por outro viés, havendo prazo estipulado à duração do con-
trato, antes do vencimento deste o locador não poderá reaver a

32. PAMPLONA FILHO, Rodolfo e GAGLIANO, Pablo Stolze. Novo Curso de Direito Civil.
contratos em Espécie. 6• edição. São Paulo: Saraiva, 2013, p. 232.
516 Direito Civil - Vol. 13 • Luciano Figueiredo e Roberto Figueiredo

coisa alugada, senão ressarcindo ao locatário as perdas e danos.


De igual sorte, o locatário não poderá devolver a coisa locada an-
ter tempus, senão pagando proporcionalmente a multa prevista no
contrato (CC, art. 571). Desta maneira, a resilição unilateral (denún-
cia vazia) irá impor à parte o pagamento de perdas e danos, assim
como multa contratual (art. 402, 473 e 571, CC).

No escólio de CR1snANo CHAVES DE FARIAS E NELSON RosENVALo33 "O fato de


se tratar de contrato de trato sucessivo não anula a milenar regra do
dies interpe/lat pro homine. Alcançado o termo contratual, dispensa-
-se interpelação do locatário, pois haverá uma espécie de cláusula re-
solutiva expressa (art. 474 do CC), que impõe ao locatário a obrigação
imediata de restituir a coisa, sob pena de sofrer ação de reintegração
de posse, pelo fato de a posse se tornar injusta pelo vício da preca-
riedade (art. i.200 do CC)".

~.it~~,,
aluguel; :ma:s semcp
574 dÓ.CC. .. ......

Já para a hipótese de um contrato de locação por tempo inde-


terminado, a extinção exigirá que o locador interpele, judicial ou
extrajudicialmente, o locatário, na forma do arts. 397, parágrafo
único e 575 do CC, surgindo daí o que se convencionou denominar
de mora ex personae.

Importante lembrar que o contrato por tempo determinado po-


derá ser convertido em contrato por tempo indeterminado, quan-
do prorrogado tacitamente, hipótese que ocorrerá pelo simples
fato de após o termo final o pacto não sofrer alteração pelo prazo
de trinta dias. Em se tratando de contrato por tempo indetermi-
nado a resilição unilateral (denúncia vazia) será a maneira de se
colocar fim ao ajuste.

33. CHAVES DE FARIAS, Cristiano e ROSENVALD, Nelson. Curso de Direito Civil. Contra-
tos. Teoria Geral e Contratos em Espécie. 4• edição. salvador: JusPodivm, 2014,
p. 1002.
Cap. 3 • Locação de Coisas 517

com efeito, se notificado o locatário este não restituir a coisa,


pagará, enquanto a tiver em seu poder, o aluguel que o locador
arbitrar e responderá pelo dano que ela venha a sofrer, embora
proveniente de caso fortuito. Evidentemente que este aluguel-pena
submeter-se-á, eventualmente, ao controle judicial, de modo que
se for manifestamente excessivo, poderá o juiz reduzi-lo, mas ten-
do sempre em conta o seu caráter de penalidade, como reza o
parágrafo único do art. 575 do CC.

Outra maneira de extinção o contrato em tela estará configura-


da pelo inadimplemento contratual a autorizar o pedido de reso-
lução pela parte prejudicada. O exemplo mais visível está no não
pagamento do aluguel pelo locatário, a violar 'o art. 566, li do CC e
autorizar a resolução do contrato com fundamento jurídico no arts.
397 e 475 do cc.
c:_i>ítu~o.

Prestação de Serviços

1.NOTA INTRODUTÓRIA: DIREITO DO TRABALHO X DIREITO CIVIL. O ART. 114


DA CF E O ART. 593 DO CC. CONCEITO E NATUREZA JURÍDICA DA PRESTAÇÃO
DE SERVIÇO.
Com o advento da Emenda Constitucional n° 45/2004 houve signi-
ficativa alteração do art. 114 da CF/88 de modo que a competência
da Justiça do Trabalho foi significativamente ampliada para permitir
o conhecimento, processamento e julgamento de ações oriundas
das relações de trabalho celetistas, temas concernentes ao direito
de greve, ações sobre representação sindical, trabalhadores, sin-
dicatos, empregadores, danos morais e materiais "decorrentes da
relação de trabalho" e, dentre outras matérias, aquilo que o consti-
tuinte derivado denominou de "outras controvérsias decorrentes da
relação de trabalho, na forma da lei".
É preciso que se inicie este estudo realizando, justamente, esta
distinção sobre aquilo que está contido no tema cível da prestação de
serviço, de um lado, e aquilo que não se refere ao direito civil brasi-
leiro por dizer respeito ao campo específico do direito do trabalho.
Aliás, esta necessidade de distinguir as várias formas de tra-
balho e melhor compreendê-las, sempre foi objeto de reflexão na
humanidade. No Direito Romano "eram localizadas três distintas mo-
dalidades de negócios jurídicos ligados ao trabalho humano: a locatio
rei (atualmente tratada como contrato de locação), a locatio operis
faciendi (agora batizada de empreitada) e a locatio operarum (cuja
aproximação com o contrato de prestação de serviços é evidente)",
no escólio d e CR1sr1AN0 CHAVES oE FARIAS E NELSON RosENVAL0 1 •

1. CHAVES DE FARIAS, Cristiano e ROSENVALD, Nelson. Curso de Direito Civil. Contratos.


Teoria Geral e Contratos em Espécie. 4• ed!ção. Salvador: JusPodivm, 2014, p. 761.
520 Direito Civil - Vol. 13 • Luciano Figueiredo e Roberto Figueiredo

conceitua a prestação de serviço com o "contrato


CLóv1s BEVILÁQUA
2

pelo qual uma pessoa se obriga a prestar certos serviços a uma outra,
mediante remuneração".
Originariamente denominado de locatio operarum a prestação
de serviço é um "negócio jurídico pelo qual alguém - o prestador -
compromete-se a realizar uma determinada atividade com conteúdo
lícito, no interesse de outrem - o tomador-, mediante certa e determi-
nada remuneração", como pensa FLÃv10 TARrucE 3 •
Srnm4 conceituam a prestação de serviço
RoDoLFo PAMPLONA E PABLo
corno sendo "o negócio jurídico por meio do qual uma das partes, a
chamada prestador, se obriga a realizar uma atividade em benefício
da outra, denominada tomador, mediante remuneração".
A prestação de serviços está diretamente relacionada ao direito
social do trabalho, visto de forma ampla e na linha do art. 60 da
CF, assim como à dignidade da pessoa humana, na forma do art.
1°, inciso Ili, da CF, afinal de contas é por meio do trabalho que se
obtém o mínimo para viver com dignidade.
A prestação de serviço é negócio jurídico típico e nominado,
consensual, não solene, informal, sinalagmático (os contratantes
são ao mesmo tempo credores e devedores), comutativo (a equi-
valência entre a prestação e a contraprestação já é conhecida de
antemão), personalíssimo (a morte do contratante extingue o pac-
to), de trato sucessivo, por meio do qual o prestador assume obri-
gação de fazer e o tomador deste serviço obrigação de pagar em
retribuição.
Exatamente por isto é que o art. 593 do CC/02 adverte de ma-
neira importame: "A prestação de serviço, que não estiver sujeita às
leis trabalhistas ou a lei especial, reger-se-á pelas disposições deste
Capítulo".

2. BEVILÁQUA, CIÓ'Jis. Direito das Obrigações. 6• edição. Rio de Janeiro: Livraria


Francisco Al'Jes. 1945. p. 449.
3. TP.RTUCE, Flávio . Direito Civil. Teoria Geral dos Contratos e Contratos em Espécie.
io• edição. São Paulo: Método, 2015, p. 585.
ti. PAMPLONA FILHO, Rodolfo e GAGLIANO, Pablo Stolze. Novo Curso de Direito Civil.
Contratos em Espécie. 6a edição. São Paulo: Saraiva, 2013, p. 275.
Cap. 4 • Prestação de Serviços 521

faz uma importante distinção entre a prestação de


ORLANDO GoMEs5
serviço e o que hoje denominamos de contrato de emprego afir-
mando que a pedra de toque estará na ausência de subordinação
jurídica ou hierárquica do prestador de serviço. Explicando por
outras palavras: o prestador de serviço não estará subordinado
a "critérios estabelecidos pela outra parte. Enfim, é o juiz do modo
por que o serviço deve ser prestado". Trata-se, destarte, de relação
de serviço autônoma. Já no contrato de emprego, existe uma su-
bordinação hierárquica que inferioriza, juridicamente, aquele que
executa a atividade sob a ordem e orientação de quem o contrata
e remunera.

~ ·E.lia hora.d~pt'ovat( , .. •· . ·...... ·. ... ·.·. . ·.·. ·.·. · ; · .·


Arto:. 2014 · B~hca: ·CESP~ Org:Ío: c~mara dos DE!putarjosrP~ova::. Ai\alista
Legislativó< ... ' · ·
A r~speito dos contratos de prest~çã 0 de s~rviço~L~m,preitaqa e man-
dato, julgue o item subsequente. · · · · · ·
No contra.to de. prestação de serviços; há dêpend.ência econômica, su-
e
bordinação obediêÍtda hier~rquica entre o prestador ou locador e o
tomador do.s. serviços ou.. comitente.
Gabarito: Errado
6
apresentam uma ótima
CR1sr1AN0 CHAVES oE FARIAS E NELSON RosENVALo
ilustração a título de exemplo, um "médico que é contratado por
um paciente para auxiliá-lo na cura de uma patologia" sendo efe-
tivamente quem decidirá a "melhor maneira e a melhor técnica de
atuação, com vistas à obtenção do êxito almejado". Isto é prestação
de serviço.
Desta maneira, o contrato típico de prestação de serviço que
será objeto do estudo a partir deste instante se reporta a toda e
qualquer relação cível não abrangida pelas relações trabalhistas e
celetistas. O contrato de emprego é tema do direito do trabalho e,
justamente por isto, não será abordado.

5. GOMES, Orlando. Contratos. 26• edição. Rio de Janeiro: Forense, 2009, p. 325.
6. CHAVES DE FARIAS, Cristiano e ROSENVALD, Nelson. Curso de Direito Civil. Contra-
tos. Teoria Geral e Contratos em Espécie. 4• edição. Salvador: JusPodivm, 2014,
p. 764.
522 Direito Civil - Vol. 13 • Luciano Figueiredo e Roberto Figueiredo

Mas atenção: "a prestação de serviços, regida pelas regras do


Código Civil brasileiro, é aquela desenvolvida de forma autônoma, vi-
sando à obtenção de determinado resultado, não sendo a modalida-
de negocial adequada para relações jurídicas empregatícias (trabalho
subordinado) ou mesmo para outras formas de relação de trabalho
autônomo (p. ex. empreitada, comissão, corretagem ou representação
comercial autônoma)", como advertem RODOLFO PAMPLONA E PABLO STOLZE7.
Em síntese: os contratos regidos pela legislação trabalhista e os
demais contratos de prestação de serviços regidos por legislação
especial, como, ilustre-se, o contrato de consumo, serão assuntos
fora de exame.
Feito este esclarecimento prévio, passa-se ao exame do objeto
da prestação de serviços.

2. O OBJETO DA PRES!AÇÃO DE SERVIÇO

Será objeto do contrato de prestação de serviço cível, estudado


a partir deste instante, toda e qualquer espécie de atividade (obri-
gação de fazer) qualificada como serviço ou trabalho lícito, físico, ou
intelectual, material ou imaterial, corpóreo ou incorpóreo, passível
de retribuição.
Em linha de princípio, o contrato de prestação de serviços en-
volverá obrigação de fazer certa e determinada, o que não impedi-
rá, contudo, a previsão de uma atividade em sentido genérico. CR1s-
r1AN0 CHAVES DE FARIAS E NELSON ROSENVALD8 reforçam esta ideia à luz do art.
247 do CC para afirmar que o objeto deste negócio jurídico envolve
obrigação de fazer infungível, razão pela qual o inadimplemento
será solucionado por meio de tutela ressarcitória, acaso o credor
não opte por postular tutela inibitória.
A ilicitude do objeto poderá levar a situações jurídicas de in-
validade (CC, art. 171, 104, 166 e 167), por exemplo, ou mesmo as

7. PAMPLONA FILHO, Rodolfo e GAGLIANO, Pablo Stolze. Novo Curso de Direito Civil.
Contratos em Espécie. 6• edição. São Paulo: Saraiva, 2013, p. 771.
8. CHAVES DE FARIAS, Cristiano e ROSENVALD, Nelson. Curso de Direito Civil. Contra-
tos. Teoria Geral e Contratos em Espécie. 4• edição. Salvador: JusPodivm, 2014,
p. 764.
Cap. 4 • Prestação de Serviços 523

hipóteses de reparação civil, por ato ilícito (CC, arts. 186, 187, 421,
422) que venha a causar prejuízo (CC, 389, 927, 944, etc.).
Eis o que prescreve o art. 594 do CC "Toda a espécie de serviço
ou trabalho lícito, material ou imaterial, pode ser contratada median-
te retribuição".
Ainda sobre o objeto deste contrato é muito importante recor-
dar da regra prevista no art. 601 do cc, segundo a qual "Não sendo
o prestador de serviço contratado para certo e determinado trabalho,
entender-se-á que se obrigou a todo e qualquer serviço compatível
com as suas forças e condições".
Evidentemente, que a melhor força de compreender qual o ver-
dadeiro plexo de atividades assumidas pelo prestador de serviços
será por meio de um artigo chave do Código Civil, qual seja o 113,
segundo o qual os negócios jurídicos devem ser interpretados se-
gundo a boa-fé e os costumes do lugar.
Em um litígio, o magistrado levará em consideração, para decidir
de a atividade efetivamente desenvolvida pelo prestador de servi-
ço se enquadrava no objeto do contrato não apenas o costume do
lugar, mas a boa-fé também das partes litigantes, no comportamen-
to anterior ao processo, colhendo a prova dos fatos acontecidos na
execução do contrato, como também no comportamento durante o
litígio. Sem dúvida isto irá interferir no ato decisório.
o Novo Código de Processo Civil (NCPC) a este respeito contem-
pla importante norma em seu art. 5°: "Aquele que de qualquer forma
participa do processo deve comportar-se de acordo com a boa-fé".
Trata-se de dispositivo sem qualquer correspondência similar com
o anterior CPC/73 e de suma importância para a prática cível.
MAURÍCIO CUNHA, ROBERTO FICUEIREDO E SABRINA 00U1'1'-'.D09 sustentam que o
"Dispositivo tutela, em cláusula geral, o princípio da boa-fé proces-
sual, orientando a conduta das partes, que, embora contendoras na
lide, devem observar parâmetros éticos mínimos, de modo que se
afasta do processo a idei1J de que os "fins justificam os meios". A

9. CUNHA, Maurício, FIGUEIREDO, Roberto e DOURADO, Sabrina. Comentários ao Novo


Código de Processo Civil. ia edição. Recife: Armador, 2015, p. 29.
524 Direito Civil - Vol. 13 • Luciano Figueiredo e Roberto Figueiredo

norma tem como destinatários todos aqueles que, de qualquer forma,


participam do processo, o que inclui o próprio magistrado".
Para FREDIE D101rn 1º "a vinculação do Estado-juiz ao dever de boa-fé
nada mais é senão o reflexo do princípio de que o Estado, tout court,
deve agir de acordo com a boa-fé e, pois, de maneira leal e com pro-
teção à confiança".
Ademais disto, estas atividades devem estar alinhadas com o
garantismo constitucional, notadamente com a dignidade da pes-
soa humana, enquanto vetor máximo, valor fonte de todo o or-
denamento jurídico, na forma do art. 1°, inciso Ili da Constituição
Federal.

3. A FORMA E A ASSINATURA A ROGO

A regra é a de que os negócios jurídicos se submetem à forma


livre, como se pode notar pela simples leitura do art. 107 do cc.
Ainda em termos de parte geral do Direito Civil, notamos que a
regra da liberdade das formas nos negócios jurídicos experimenta
duas exceções: para os negócios jurídicos imobiliários (CC, art. 108)
e, finalmente, quando as próprias partes expressamente estipula-
rem a solenidade como causa imprescindível à validade do negócio
jurídico (CC, art. 109).
Neste contexto, a conclusão a que se pode chegar é no sentido
de que o contrato de prestação de serviço se submete à forma
livre. Trata-se, destarte, de um contrato não solene que poderá até
mesmo ser celebrado na modalidade verbal.
Mas o legislador brasileiro civilista demonstrou acurada sensibi-
lidade com este tema alusivo à forma do contrato de prestação de
serviços, notadamente para a figura de uma das pessoas que mais
precisarão de proteção jurídica na celebração dos contratos, quais
sejam os que não souberem ler.
Com efeito, o nosso país ainda possui, infelizmente, uma série
de pessoas não alfabetizadas, que não sabem ler, muito menos

io. DIDIER JR., Fredie. Curso de Direito Processual Civil, Vol. 1: Introdução ao Direito Pro-
cessual Civil e Processo de Conhecimento, 14ª ed., Salvador: Juspodivm, 2012, p. 75.
Cap. 4 • Prestação de Serviços 525

escrever. A existência do instituto da assinatura a rogo é, a bem da


verdade, a um só tempo, um importante instituto de viabilidade
da formalização de instrumentos jurídicos por estas pessoas, como
também uma evidência normativa do nosso desafio, ainda não su-
perado, de combate ao analfabetismo.
Nos exatos termos do art. 595 do CC. "No contrato de prestação
de serviço, quando qualquer das partes não souber ler, nem escre-
ver, o instrumento poderá ser assinado a rogo e subscrito por duas
testemunhas".

., ·E~· hora ~á prova?.·.•· f:'"


··..l\no~ •~6ii1;!3ânca: fHc 15~~; ··rRE~fo •f>fôvâ! Ãnâlistà'·: JúÇtiHário'::: .Área
Ádnilnistrativa.··• · · / · '1 ' ... •· · '

o contraio de prestação ele serviços regulado peló .cóêligo .Civir brasl~


leir(.), .qua~clp. q~al9uer uma qas parte~ nã.o. ~Q.IJÃ}er{J.er, 11em. escreyer
o instnímeQtó .· . ·.•· .... ·. • •· .·. ·. ... . • .. ·. . ··.. . . . .. .
~) .· dév~Íá o.brig~tqtÍ~Q)eote s.er cef!!brár,\o, ef!'l.'~<lfÍÓfJoairavês ,l;\e docu-
men,ó' púQ.l~cg à~sin~Q() OCÍ.,PféS,~nÇa, ~~ dÍlí!.s t~s~emµ~,has. /
0

b) poder;i
; ' .. "
sir
)<,' ."'' •, •
a
·ª'ssinadp rogo e ~ubscr:ito por dUClS t(?Stemunhás:
. .. ' ,. ",_' '"' 1 ; ;/ ' •• ' ','', ,'• '•

c) deverá ser assinado por um terceiro, maior (? . capaz, designado pelo


analfabeto, na presença de três testemunhas. ··
d) deverá ser assinado por um terceÍr0, maior e capaz e submetido à
homologação judiciaL ·· ·
e) deverá obrigatoriamente ser celebrado .cqm assistência de. familiar
do analfabeto na presen,çiJ. d.e. <;luas testemunh.as, .com post~rior re-
gistro d() clocuíl'lento em Fa,rtórío.
Gabarito: .b ·
Recorde-se, de qualquer forma, que o art. 227 do CC exigirá a
necessidade de alguma prova escrita "se o valor da remuneração
superar dez vezes o salário mínimo fixado pelo Governo", como bem
lembram CR1snANo CHAVES oE FARIAS ENELSON RosENVALon.
O art. 227 do CC deve ser relacionado não apenas com 595,
como visto acimas, mas também em relação às regras processuais
sobre a produção de prova documental e testemunhal.

11. CHAVES DE FARIAS, Cristiano e ROSENVALD, Nelson. Curso de Direito Civil. Contratos.
Teoria Geral e Contratos em Espécie. 4• edição. Salvador: JusPodivm, 2014, p. 777·
526 Direito Civil - Vol. 13 • Luciano Figueiredo e Roberto Figueiredo

A este propósito, o art. 444 do Novo CPC (NCPC) é claro ao afir-


mar que "Nos casos em que a lei exigir prova escrita da obrigação,
é admissível a prova testemunhal, quando houver começo de prova
por escrito, emanado da parte contra a qual se pretende produzir a
prova".
MAuRíc10 CUNHA, RoBERTO FIGUEIREDO E SABRINA DouRAD0 12 irão esclarecer o
tema advertindo que o "O NCPC no particular não traz novidades
relevantes neste preceito. Desta maneira, nos casos em que a lei exi-
gir prova escrita da obrigação, ainda assim será admissível a prova
testemunhal, quando houver "começo de prova por escrito", emanado
da parte contra a qual se pretende produzir a prova. Este começo de
prova nada mais é, a bem da verdade, do que todo e qualquer docu-
mento que evidencie ainda que indireta ou indiciariamente a plausi-
bilidade da alegação".
Assinado a rogo significa dizer, trocando em miúdos, assinado
por outra pessoa, no lugar do contratante. A presença de duas tes-
temunhas tem como finalidade emprestar maior segurança jurídica
na celebração do pacto, aumentando o controle sobre a lisura do
procedimento, permitindo, também, no futuro, que se verifique a
legalidade do documento.
"A norma em questão pretende dar uma maior segurança ao negó-
cio celebrado na situação descrita". A lição é de FlAv10 TARrucE'l.
Exatamente nesta linha o Novo CPC (NCPC) afirma que em seu
art. 8° que "Ao aplicar o ordenamento jurídico, o juiz atenderá aos
fins sociais e às exigências do bem comum, resguardando e promo-
vendo a dignidade da pessoa humana e observando a proporcionali-
dade, a razoabilidade, a legalidade, a publicidade e a eficiência". No
mesmo sentido, o art. 5° da Lei de Introdução às Normas de Direito
Brasileiro, segundo a qual "na aplicação da lei, o juiz atenderá aos
fins sociais a que ela se dirige e às exigências do bem comum".
Esta é a verdadeira valorização da dignidade que se deverá
buscar tanto no direito material civil, com a notável norma-regra

12. CUNHA, Maurício, FIGUEIREDO, Roberto e DOURADO, Sabrina. Comentários ao Novo


Código de Processo Civil. lª edição. Recife: Armador; 2015, p. 449-450.
13. TARTUCE, Flávio. Direito Civil. Teoria Geral dos Contratos e Contratos em Espécie.
lo• edição. São Paulo: Método, 2015, p. 488.
Cap. 4 • Prestação de Serviços 527

de proteção a quem não sabe ler e obtém a assinatura a rogo do


contrato de prestação de serviços e o direito processual civil.
No plano processual, estas ideias atribuem ao magistrado, con-
forme doutrina de MAuRíoo CuNHA, ROBERTO F1GUEIRED0 E SABRINA DDURADoLI "o
dever de observar, na aplicação do ordenamento jurídico ao caso
concreto, os princípios da proporcionalidade, da razoabilidade, da
legalidade, da publicidade e da eficiência. Aliás, a doutrina já clamava
pela mudança de comportamento dos magistrados com base na nova
hermenêutica constitucional, que valoriza, sobremodo, os princípios".

4. A RETRIBUIÇÃO (REMUNERAÇÃO, PREÇO, HONORÁRIOS, SOLDADAS OU


SALÁRIO): FIXAÇÃO E MOMENTO DO PACiAMEHTO.
RODOLFO PAMPLONA E PABLO STOLZE 15 reconhecem que "A previsão codifi-
cada apenas faz menção à forma onerosa de prestação de serviços,
ao contrário do Código Civil português, quem também admite na mo-
dalidade gratuita". Por conta disto, defendem que no sistema bra-
sileiro "a prestação de serviços não onerosos estará fora do campo
de aplicação das regras codificadas, sendo própria da disciplina do
trabalho voluntário", fazendo menção à Lei Federal n° 9.608/98 que
dispõe sobre o serviço voluntário e dá outras providências.
Também é este o entendimento de FlÃv10 TARTUCE16 para quem "A
menção à retribuição demonstra que o contrato é sempre oneroso. Não
havendo remuneração, haverá, na verdade, uma doação de serviço".
Neste ponto, divergimos dos distintos civilistas, colegas e ami-
gos fraternos para entender que efetivamente será possível sim o
contrato de prestação de serviços gratuitos, de modo que não se
aplicaria a este ajuste a disciplina jurídica da doação, ou apenas a
legislação federal do trabalho voluntário, mas a própria disciplina
da prestação de serviço do Código Civil, naquilo que for compatível.

14. CUNHA, Maurício, FIGUEIREDO, Roberto e DOURADO, Sabrina. Comentários ao Novo


Código de Processo Civil. ia edição. Recife: Armador, 2015, p. 31-32.
15. PAMPLONA FILHO, Rodolfo e GAGLIANO, Pablo Stolze. Novo Curso de Direito Cívil.
Contratos em Espécie. 6• edição. São Paulo: Saraiva, 2013, p. 24i.
i6. TARTUCE, Flávio. Direito Civil. Teoria Geral dos Contratos e Contratos em Espécie.
10ª edição. São Paulo: Método, 2015, p. 278. No Código Civil Português, a previsão
estará no art. 1.154.
528 Direito Civil - Vol. 23 • Luciano Figueiredo e Roberto Figueiredo
r
r

Entendemos ser possível, em tese, alguém prestar serviço a ou-


trem de maneira gratuita. Imagine, por exemplo, um médico que
atende uma pessoa carente, ou um amigo próximo e presta um
determinado serviço sem cobrar absolutamente nada em contra-
prestação a este respeito. O mesmo se diga com a advocacia pro
bono na qual o advogado atende um determinado cliente sem nada
receber.

Este é o entendfmento majoritário, consolidado no Enunciado


541 do CJF segundo o qual "O contrato de prestação de serviço pode
ser gratuito".
CRISTIANO CHAVES OE FARIAS E NELSON ROSENVALD 17 sustentam que excepcio-
nalmente é possível o prestador de serviço dispensar a retribuição,
desde que isto esteja expressamente previsto no contrato, já que a
renúncia se interprera restritivamente (CC, art. 114).
A regra, entrementes, é a de que o contrato de prestação de
serviços seja oneroso. Significa dizer que em linha de princípio
aquele que realiza a atividade, presta o serviço, deve receber uma
retribuição, uma remuneração.
Mas desta regra surgem três indagações: e se as partes não
chegarem a nenhum acordo sobe a retribuição? Como a remune-
ração será fixada para casos de conflito? De quanto seria o valor
desta remuneração? Qual o momento em que surgiria a obrigação
daquele que se beneficiou da prestação dos serviços de realizar o
pagamento da retribuição?
Reza o art. 596 do CC o seguinte: "Não se tendo estipulado, nem
chegado à acordo as partes, fixar-se-á por arbitramento a retribuição,
segundo o costume do lugar, o tempo de serviço e sua qualidade".
A legislação brasileira dispõe para o caso de ausência de con-
senso entre aquele aue prestou o serviço e aquele que o recebeu
o critério do arbitramento da retribuição e afirma que este arbitra-
mento há de levar em consideração o costume do lugar, o tempo
do serviço prestado e, finalmente, a qualidade deste serviço.

17. CHAVES DE FARIAS, Cristiano e ROSENVALD, Nelson. Curso de Direito Civil. Contratos.
Teoria Geral e Contratas em Espécie. 4• edição. Salvador: JusPodivm, 2014, p. 775.
r Cap. 4 • Prestação de Serviços 529

t :~!'i~is~;~~ii14.'~~;1!\'n~OC~\>!lf~~1~~~i1zl(do'
noàno dê ~ooSiépáf.tfb·. pto~i.riientd .do.(~tgÓ:#e'prqcur,á~(jf::p9.EstMo .
·do cêail;i~~>n~J.r!~ro~rA:9rfeJ~'.tà.seg~iQ~~'.átt«fr:nativa::0~e)~;.conJrato de··
'i>resta.çã,ij~ q~ ~~l'.\(iÇêí*(9t q'.Ql.ls.5(),9µar,ítp à;,í'~!rib.~lc;ão ·<J.eV!ft~ · a9 pres-. ·
tad9r\.d~,~~rv19,9:~: h.~Y~~~.gJ~côr,~~ 0.~!~1~~ ~~~'~;9~.f~ff· à:~ãTf~n:e~
~~··e~§~!~. .. ,91~~*tt~«P:E~. . .\ti!/J:4.~~T!º º'. $~d9'":·i··
Logo em seguida, o art. 597 do cc afirmará que "A retribuição
pagar-se-á depois de prestado o serviço, se, por convenção, ou costu-
me, não houver de ser adiantada, ou paga em prestações".

~ E na hora dá}prpva?
A ba~ca.eiamittadora F<tG, eín próva'<te.·~p~~~~i),pú9U<i().realizado ·no
ano de 201~, .para o. próvimento ~o ~rto.. d~ J~i~ d() J~~alho do _nu
6ª Re,giãô, ~º 9uestio~ar,,~~.er~a· q~ .ê~.r!l"~~~·:~e:··P,rJ~!~.ç~()·• ~e. serv1~0,
JiJlgolJ ·tN~O.~~ETA,~f 's~~i~te aJternatt~~;f'~.~~~[i~111ça.()::~~g<tr;se-ã antes
de prestado o.~erviço, salvo se P9f.c()~v~.ll~o ou costu.me t1vet de ser
paga depois de prestado •o serviço' ou eftrip(estâções";• . ·· •·
; , ~,, I

Destarte, há uma regra e uma exceção.


Via de regra a contraprestação remuneratóri~ é paga a_pe~as
após a realização do serviço. Executa-se o serviço, em primeiro
lugar e, posteriormente a isto, paga-se a retribuição.
A exceção será extraída ou dos costumes ou da eventual exis-
tência de convenção na qual as partes ajustaram a situação jurídica
do pagamento de maneira diversa, como por exemplo ~m valo_r
inicial ou parcelamentos. Aqui a intervenção estatal devera ser m1-
nima a fim de se respeitar a liberdade e a autonomia das partes,
notadamente porque o direito em jogo é patrimonial e disponível.
Interessante notar que a legislação cível demonstrará preocupa-
ção com o fato de o prestador do serviço ser pessoa tecnicamente
habilitada para a atividade contratada. Mais que isto, preocupa-se
também o legislador com a possibilidade de alguém prestar o ser-
viço sem, contudo, ter título de habilitação para tanto.
o problema é sério, seja para preservar a qualidade da pre~­
tação do serviço, a segurança e função social do contrato, seJa
530 Direito Civil - Vol. 13 • Luciano Figueiredo e Roberto Figueiredo

ainda porque será possível, na prática, que alguém acabe por


executar a atividade sem ser habilitado para tanto. Este aspecto
jamais poderá ser justificativa para a ausência de pagamento,
sob pena de enriquecimento sem causa, vedado pelo art. 884
do CC.
o tema é disciplinado no art. 606 do CC segundo o qual "Se o
serviço for prestado por quem não possua título de habilitação, ou
não satisfaça requisitos outros estabelecidos em lei, não poderá quem
os prestou cobrar a retribuição normalmente correspondente ao tra-
balho executado. Mas se deste resultar benefício para a outra parte,
o juiz atribuirá a quem o prestou uma compensação razoável, desde
que tenha agido com boa-fé".

., E na horàda:~Ff;i~~'. 'i;;' J : ;. ,

' ') i;,;~~~~~~1i.:Mit~~t.t9~''19·a~~/,(I,~ ~g913 Píi~a, ().'pro~


J~~~~'~t· · , ~~!e~i99,'.f'kr.6~ ~e:giã~: ,ªº ques~ionar
' ' ., /~~};~~r'{içg~,.·~i;~~l'.'Cíi.,~~íirni~,ii<!().ra. F,CC
Julgou 1~c ,} · · • · · ;!~~· · ,,~r:::P~~s~~o:.•1wr q~ue.r:n
não possQa títul é .·· ... . .. . ·sa~i . a os requisitos previsto;
em lei, em nenhumª hlp6~eseAseraífdevh;la:remun.erac;ã:o; nem podera
arbitrá-la () Jl.fiz-o: •. <. , , ..

A ressalva que o legislador fará a esta situação gira em torno


do parágrafo único do aludido preceito, para quem não se aplica
a segunda parte deste artigo, quando a proibição da prestação de
serviço resultar de lei de ordem pública.
flÁv10 TARTUCE' 8 leciona que o dispositivo objetiva impedir o en-
riquecimento sem causa cabendo ao juiz "por equidade, fixar uma
remuneração dentro dos limites do razoável". RoDoLFo PAMPLONA E PABLO
Srom'9 afirmam que a retribuição é tão importante neste contrato
que o legislador admitirá o pagamento da mesma, ainda que o
prestador não tenha habilitação, desde que tenha boa-fé e haja
benefício ao contratado.

i8. TARTUCE, Flávio. Direito Civil. Teoria Geral dos Contratos e Contratos em Espécie.
io• edição. São Paulo: Método, 2015, p. 497.
19. PAMPLONA FILHO, Rodolfo e GAGLIANO, Pablo Stolze. Novo Curso de Direito Civil.
Contratos em Espécie. 6• edição. São Paulo: Saraiva, 2013, p. 282.
Cap. 4 • Prestação de Serviços 531

5. A DURAÇÃO DO CONTRATO E A POSSIBILIDADE DE RENOVAÇÃO

o tempo máximo de duração do contrato de prestação de ser-


viços será de quatro anos. A lei proíbe convenção assinada pe-
las partes que preveja um período superior a este. O transcurso
deste período será suficiente para o legislador considerar findo
o contrato.

À luz do princípio da conservação do negócio jurídico (arts. 170,


172 e 184 do CC) acaso os contratantes venham a estipular presta-
ção de serviço por período superior a quatro anos a interpretação
que deve ser conferida ao caso concreto é a de que desejaram se
manter contratados pelo maior espaço de tempo possível, ou seja,
quatro anos. Este é o entendimento de CR1sr1AN0 CHAVES DE FARIAS E NELSON
RosrnvAw 2º para quem o "excesso será ineficaz".

Não será o caso, portanto, de se considerar simplesmente nula


de pleno direito a cláusula por proibição legal (CC, art. 166, inciso
VII). Ao contrário disto, deve-se aproveitar o contrato e reconhecer
a possibilidade de sua vigência pelo período máximo legalmente
permitido.
Nestes termos, o art. 598 do CC: "A prestação de serviço não se
poderá convencionar por mais de quatro anos, embora o contrato
tenha por causa o pagamento de dívida de quem o presta, ou se
destine à execução de certa e determinada obra. Neste caso, de-
corridos quatro anos, dar-se-á por findo o contrato, ainda que não
concluída a obra".

.- E na hora da prova?

A banca examinadora MPE~SP, em p~óya de.conéurso pú~Jicó n~aliza~o


para o provimento do cargo de Promotor d;e Justiça do .referido 6rgã:o,
julgou correta a seguinte assertiva: "decorridos 4 (q~atro) ~nos-, o c.on-
trato de Prestação de Serviços é considerado findo; independentemen-
te da conclusão dos serviços".

20. CHAVES DE FARIAS, Cristiano e ROSENVALD, Nelson. Curso de Direito Civ'.1. Contra-
tos. Teoria Geral e Contratos em Espécie. 4• edição. Salvador: JusPod1vm, 2014,
p. 782.
532 Direito Civil - Vol. 13 • Luciano Figueiredo e Roberto Figueiredo r
NÇ> quetah~~~ i:;r~Sí:~çãô ~e!s~,Z,içó, ern prova de concurso publico·re-
alÍzado no áno ele 2015~ pata ó ~rovimento do cargo de Juiz:do Trabalho
substitutó1do TRT 6• Região~ ~' bánca FCC considerou INCORR!ITÁa seguin-
te alternativa: "mesmo qu11 o contrato tenha por. causa o pagamento de
dívida çle quem .o prest;:i, ou ;:iinçla qtíe se d.estine à execução de cert;:t e
determinada obra, não se pode convencioná-la por mais de dois anos".
> ' ' ' ' ' ' ,. • '

Apesar de o texto normativo ser induvidoso, há na doutrina


tese jurlidica em sentido diametralmente oposto. A título de exem-
plo, veja o ENUNCIADO 32 DA 1 JORNADA DE DIREITO COMERCIAL do Conselho da
Justiça Federal para quem será possível nos contratos de prestação
de serviços envolvendo atividade empresarial, e quando as partes
forem empresários, ajuste de prazo superior a quatro anos.
Trata-se de corrente doutrinária nitidamente contrária a texto
de lei federal.

6. A EXTINÇÃO DO CONTRATO

As causas gerais de extinção dos contratos, estudadas na teoria


geral, também se aplicam à prestação de serviço, sendo impor-
tante realçar, para além disto, que a legislação codificada também
apresentará regras expressas e específicas, a seguir apresentadas.
RoDoLFo PAMPLONA E PABLO SroLZE 21 sistematizam as causas gerais em
extinção natural, cumprimento do contrato, ou exaustão do seu ob-
jeto, resilição unilateral ou bilateral, resolução, morte, força maior
ou caso fortuito.
Para além das causas gerais de extinção, o Código Civil apresen-
tará artigos de lei com situações específicas, criando uma verda-
deira disciplina jurídica específica para a extinção do contrato de
prestação de serviço.
A primeira regra importante diz respeito às prestações de ser-
viço por tempo indeterminado, ou seja, quando as partes não

21. PAl.1PLONA FILHO, Rodolfo e GAGLIANO, Pablo Stolze. Novo Curso de Direito Civil.
Contratos em Espécie. 6• edição. São Paulo: Saraiva, 2013, p. 290.
r Cap. 4 • Prestação de Serviços 533

pactuam o termo final. Neste caso, o Código Civil autorizará a qual-


quer dos contratantes apresentar a resillção unilateral (denúncia
vazia), mediante aviso prévio proporcional à forma de pagamento
dos salários.
É o que determina o art. 599 do cc. Não havendo prazo estipu-
lado, nem se podendo inferir da natureza do contrato, ou do cos-
tume do lugar, qualquer das partes, a seu arbítrio, mediante prévio
aviso, pode resolver o contrato. Esta é a regra.
Apesar de a norma utilizar a expressão "resolver o contrato",
a bem da verdade se tem uma nítida hipótese de verdadeira re-
silição unilateral (CC, art. 473). A natureza jurídica desta forma de
extinção está diretamente ligara ao princípio da liberdade, à ideia
segundo a qual ninguém é obrigado a permanecer contratado. Em
síntese: a extinção neste caso será imotivada.
Esse também é o entendimento de FLAv10 TARrucE 22 ao concluir: "A
norma em questão menciona a possibilidade de resolução. Todavia,
não se trata de resolução propriamente dita, mas de resilição unila-
teral. Isso porque a resolução é uma forma de extinção do contrato,
por motivo posterior à celebração e em virtude de descumprimento".
Assim pensamos. Com efeito, a norma reconheceu a bem da verda-
de a possibilidade de extinção contratual sem o descumprimento.
Por este motivo, deveria ser denominada de resilição. No mesmo
sentido RODOLFO PAMPLONA E PABLO STOLZE 23, como também CRISTIANO CHAVES DE
FARIAS E NELSON RosENVALD 24 quanto à expressão resilição contratual, ao
invés de resolução.
O parágrafo único do art. 559 do CC disciplinará a figura do aviso
prévio a ser dado por quem apresentar a resilição unilateral, vale
dizer, por quem requerer a extinção imotivada do ajuste. Este aviso
deverá ser dado: a) com antecedência de oito dias, se o salário se

22. TARTUCE, Flávio. Direito Civil. Teoria Geral dos Contratos e Contratos em Espécie.
io• edição. São Paulo: Método, 2015, p. 487.
23. PAMPLONA FILHO, Rodolfo e GAGLIANO, Pablo Stolze. Novo Curso de Direito Civil.
Contratos em Espécie. 6• edição. São Paulo: Saraiva, 2013, p. 287.
24. CHAVES DE FARIAS, Cristiano e ROSENVALD, Nelson. Curso de Direito Civil. Contra-
tos. Teoria Geral e Contratos em Espécie. 4• edição. Salvador: JusPodivm, 2014,
p. 785.
534 Direito Civil - Vol. 13 • LUclano Figueiredo e Roberto Figueiredo

houver fixado por tempo de um mês, ou mais; b) com antecipação


de quatro dias, se o salário se tiver ajustado por semana, ou quin-
zena e, finalmente, c) de véspera, quando se tenha contratado por
menos de sete dias.

~tf~lü~~~~ rn''~~s- i~J~~~,:~'


silefr(); 1.·não rta~êità~' P~~t<Í'•Yest~ilüÍad<J,ti1tem 1~e' 'p()dêndo·
natüreza•·dõcôrítrat()::du.·1 t1t11 t(:jstüití~r:dq ..(ogâr, qualqllerda$ partes, a
inferir ela

seu arbítrio, mediante. prévio avil)P; pode r~solve·r o contrato. Dar-se-


1

-á. o aviso com. antecedên~ia de ,8 (oito), dias,..se o salário se houver


fixado. :p9i: terTIPQ. d.e:, · · · :} ·
a) uma hora.
b) unfdia. ·
ürttá ~éirlâna . .
1
e)
d).·.~.rT1à . qµl~~~A~.

• Ellêl'llora~provªt / . ... ·.· ... : ...· .... ·. ·. . ..·


Anõ:20:1.2··sancá~ FCé Õrgã<f! TRt'.1·i8~1~~e~Íf:ô(oo)'Prova:}uíi dó Trabalho
NO éõrltrafó''dê 1 (Jrê$f~(ãd''d~i serifr~oií.~lfm:~.prà~& ~stfpúfãá'qip~rã' ô; .
térmt!iéYÃ 11eril ~e pód;ertdpi i°'feri~l() d~·natli!'e~(ldct.á cel~pp1ç;io, .9u~l9uer
das partes podéra resolver o çontrato, rr1edia,~te avisó· ptévió que de~
.verá ser; ctadq; . : (: . . . . . .. ·
··~)· ~º~ ~n~.~S~.~ê~~i~i d~ q~atro.~i~~l,sie,. <t~~!~ri.q,tq.r {,i;ç~do pqr .dia.
.bj .•. co~ ~ftt~ç~ct~n9i~ .(i~, ie?,i1t,~. c:\~~~~é~~·~. S,~!á!i<> s~i flol1~er flxa~9 .por
tempo de um mês~Q\J mais; .•.. ·J < .•···.··.··. .•. .·· .•.....
e) com àrtteted~rtciã de ~ete dÍas o;·Úma seniina, se o salário for fixa-
do por um tnês ou mais.
d) nà véspera, quartdti se teriha contratado por prazo maior de um
mê~~ ·· · ·.·· · · ·
e) com antecedência de Q!JillZ'e dias se. já tiver decorrido mais de dois
meses de prestaÇãoide.serviÇo.
cabar'iro: b ·
Cap. 4 • Prestação de Serviços 535

A inobservância ao aviso prévio autorizará ao credor contratan-


te ingressar com medida judicial seja para pedir tutela jurisdicional
específica, que lhe assegure o resultado prático desta obrigação
de fazer, inclusive com imposição de astreintes, seja para receber
perdas e danos, na forma dos arts. 402 e seguintes do CC.
Sobre a tutela jurisdicional específica, recorde-se que a par-
te poderá requerê-la em um processo cível judicial na forma de
antecipação dos efeitos da tutela, na modalidade de tutela de
urgência.

o art. 300 do Novo CPC (NCPC) prescreve que "A tutela de urgên-
cia será concedida quando houver elementos que evidenciem a pro-
babilidade do direito e o perigo de dano ou o risco ao resultado útil
do processo", tendo, de acordo com o §3° desta norma processual
"natureza antecipada" de modo que "não será concedida quando
houver perigo de irreversibilidade dos efeitos da decisão".

MAURÍCIO CUNHA, ROBERTO FIGUEIREDO E SABRINA DOURA00 2 5 recordam que "A


tutela antecipada de urgência, conhecida como antecipação de tute-
la assecuratória na vigência do atual diploma processual, é aquela
que pressupõe, além dos elementos que evidenciam a probabilida-
de do direito alegado pela parte (fumus boni juris), a demonstração
de que a demora na prestação da tutela jurisdicional pode colocar
em perigo a existência do próprio bem da vida objeto do processo
(periculum in mora)".

Este mecanismo jurídico tem como objetivo não apenas obter o


resultado útil e específico do direito material em si (a prestação do
serviço, por exemplo), como evitar, desta maneira, o perecimento
de tais direitos e, de acordo com o § 2° do mesmo diploma poderá
ser concedida liminarmente ou após audiência justificação prévia
designada exatamente para este fim.
o Enunciado i43 do Fórum Permanente de Processualistas Ci-
vis ao analisar o referido preceito normativo processual assim
concluiu: "A redação do art. 300, caput, superou a distinção entre os

25. CUNHA, Maurício, FIGUEIREDO, Roberto e DOURADO, Sabrina. Comentários ao Novo


C6digo de Processo Civil. 1• edição. Recife: Armador, 2015, p. 319-320.
536 Direito Civil - Vol. 13 • Luciano Figueiredo e Roberto Figueiredo

requisitos da concessão para a tutela cautelar e para a tutela satis-


fativa de urgência, erigindo a probabilidade e o perigo na demora
a requisitos comuns para a prestação de ambas as tutelas de forma
antecipada".

Recorde-se que na composição das perdas e danos será possí-


vel identificar lesão ao direito da personalidade. Por este motivo,
o dano moral negocial, extrapatrimonial, é plenamente possível e
se alinha à própria noção do garantismo constitucional e da cons-
titucionalização do direito civil, tendo como substrato a dignidade
humana, os direitos e as garantias fundamentais, referidas nos
arts. 10, Ili, 50, V e X da CF/88.

Interessante notar a regra de exceção prevista no art. 600 do


CC para quem "Não se conta no prazo do contrato o tempo em que
o prestador de serviço, por culpa sua, deixou de servir". De fato, se
o prestador deu causa à inexecução da prestação de serviço, não
poderá se beneficiar da consideração deste tempo no qual não
cumpriu o contrato para o fim de ser indenizado no aviso prévio,
sob pena de se beneficiar da própria torpeza.

Logo após disciplinar a possibilidade de extinção voluntária da


prestação de serviço cível por tempo indeterminado, o CC avança
para tratar da mesma modalidade contratual, agora por tempo
certo ou por obra determinada. O assunto é contemplado no art.
602 e proíbe que o prestador de serviço se ausente, ou peça
despedida imotivada antes de preenchido o tempo, ou antes de
concluída a obra.

Eis o texto do preceito legal: "O prestador de serviço contratado


por tempo certo, ou por obra determinada, não se pode ausentar,
ou despedir, sem justa causa, antes de preenchido o tempo, ou con-
cluída a obra" (CC, art. 602).

Exatamente por isto, acaso o prestador desrespeite a norma


e deixe de concluir a obra, ou prestar o serviço até o prazo final,
deverá pagar Parágrafo único. Se se despedir sem justa causa,
terá direito à retribuição vencida, mas responderá por perdas e
danos. O mesmo dar-se-á, se despedido por justa causa.
Cap. 4 • Prestação de Serviços 537

-, ',, ;f?i'. ,,/,,: '~·""·~ º''

~ En~ ~~~·.,~~,.l~~~lJ/'.,,,,•1;;;;~'1),fr\;·~:1 :,~~,;,, 1~~1rU,~1 e:.\,•~1:'.\ 1 ;' ,;,;;;Jbt~;:··•· •.,


A banca examlna<tora J:to !Rt 2• Regla();.e(J'l Pr.ova '.~e conCIJ'"Sº Pu. )co
realizadonoan.0•<!~;201o?ri.ªía:'.'op,l;ov1!Vl?oto;~'.~::~!lrtó:;cfe;juiz·do trà-
balho, .·:.considerou 'f ·· · · )gt1i•. 11tf. · tva:;,;iS~ ,>Q pr~$t.ador
~e sefyiǧ;i:~O,.. ;, •.· · · ""'. ·•'·'" · .·. t>~j~~~~f~lfl~~a:;~r
despedir~ém:Jti$. . . . ~'IJã~ t~~ :d,tre•t? ;t retn-
bUição véhcld~~i· )!,,,2~~:«i~'.;''. ·· • . ·i , ;
Importa notar que o CC utiliza o termo "despedido" e a ex-
pressão "sem justa causa", muito vistas na atualidade no ramo do
direito do trabalho, mas que sempre foram referidas também no
âmbito cível.
Se o prestador de serviço for despedido sem justa causa, sem
justo motivo, o tomador deste serviço, denominado pelo art. 603
do cc apenas como ''a outra parte", será obrigado a pagar por in-
teiro a retribuição vencida "e por metade a que lhe tocaria de então
ao termo legal do contrato".

., E na hora da prova?
Ano: 2014 Banca: fCC Órgão: TRT - 1• REGIÃO..(RJ) Prova: juiz do .Trabalho
Substituto · · ·· · · ··
Fernanda contratou serviços ele consultÕfia de rnoda, sém vínculo traba-
lhista, a serem prestado$ pessoalmente põrÇibele, que·n~o é empresá-
ria, pelo prazo de seis anos~ Passados exatos dois anos~ e sem motivo,
Cibele foi despedida, p!i.da .·lhe• sencló pago~ exceto pelos serviços até
então presta cios. Neste caso; tendo ·e.m conta as regras do Código Civil,
Cibele tem direito a rec.eber:
','\', '. ,. '· '. ,1' '. •, ··.· ," ': '.

a) O equivalente ao QUe receberia clurante Un;t anQ, de. Seí\fiÇQ.


b) o equivalente a um mc$s do qqerecebia por ano de serviço prestado.
c) o equivalente ao que ~ecebéri~ durante seismesesde.serviço~
d) integralmente o que receberia at.é o termo f"lnál dQ contrato~
e) metade do que receberia até o termo final .do c;ontrato.
Gabarito: a
Em sede de doutrina empresarial, ou comercial, chame-se como
preferir, foi cristalizado o Enunciado no 33 da 1 Jornada de Direito
Comercial do Conselho da Justiça Federal segundo o qual os con-
tratantes estão autorizados a fixar cláusulas penais superiores à
retribuição referida no art. 603 do cc.
538 Direito Civil - Vol. 13 • Luciano Figueiredo e Roberto Figueiredo

Nesta linha de raciocínio, entendemos que se deve aplicar a


disciplina jurídica dos arts. 408 a 416 do CC, vale dizer, o regime
jurídico da cláusula penal, supletivamente.
Uma vez findo o contrato com a sua regular execução o pres-
tador terá direito subjetivo a exigir do tomador do serviço uma
declaração exatamente neste sentido, ou seja, "de que o contrato
está findo". É o que prescreve o art. 604 do CC reconhecendo igual
direito a este também para o caso de ser despedido sem justa
causa, ou ainda se tiver havido "motivo justo para deixar o serviço".
o motivo justo para deixar o serviço nada mais será do que a
denúncia cheia, ou seja, a resolução contratual decorrente da prá-
tica de inadimplemento negocial.
Em linha de princípio o contrato de prestação de serviço é in-
tuito personae. Tanto isto é verdade que a norma proíbe a trans-
ferência da obrigação de fazer assumida (prestação do serviço)
a pessoa diversa "sem aprazimento da outra parte", que deverá
autorizar a substituição (CC, art. 605).

~. E n~hQta•dctp~~?; .".: .·• . . ·.•.·. .·.· ./ < j• <?C \ .·. ..·. ·. •· . . . .. ·.·.·· .
Nc>,que;~~rig~. o c9ntra~~~,cr~(·Pr~~t<fç~~;;~~0,$~()Viç~r~tn,t>rovà de .Ponc(Jrso.
públicgr«?all:z~9o. n9 . <t.f'~ .~~ · · .;;a;,Qf~i,,fm~~.t~:~H ~~~~ d~ .~n~:
lista Jt,1dJciârio ·do:TRT ~:i,a; ~e q~;fÇC.J~lgoU C91'J'.f!t~ ··~·· segwn.te
. alt~ro'!ilv~j·.:IJ~.o,pode.râ:t,'... ·;#~!!'ti~?~!r~!~~1~~~.;sêl)1lçQs,aJ!J.~?
ta(:los é.não. poderá dar sü ··
, . • ,,,;, ,, i '', •' "' ''}/
os· preste~"; · ·· ··· · ·
''·,'.",«. ,,,:, ,,;
·

FLÃv10 TARrucE acertadamente sustentará que a regra legal proíbe


26

a cessão de contrato, excepcionando-a apenas para o caso de os


contratantes expressamente autorizarem esta prática.
Outra evidência do caráter personalíssimo deste pacto reside
na circunstância do ajuste se extinguir com a morte de qualquer
das partes. A disciplina está no art. 607 do CC: "O contrato de pres-
tação de serviço acaba com a morte de qualquer das partes. Termi-
na, ainda, pelo escoamento do prazo, pela conclusão da obra, pela
rescisão do contrato mediante aviso prévio, por inadimplemento de

26. TARTUCE, Flávio. Direito Civil. Teoria Geral dos Contratos e Contratos em Espécie.
10• edição. São Paulo: Método, 2015, p. 497.
Cap. 4 • Prestação de Serviços 539

qualquer das partes ou pela impossibilidade da continuação do con-


trato, motivada por força maior".

·,~.·,_;~~·:·nil)j~~'.~.~~·.~~~~â1::;·. ·.·>;~ ;:; ~;:, , , )··,,,, ,,'

A~ãnÇ~/e~~~!~àêi(>r~ d~ ~~i:f: . . . .. , .de· ~Ó~c·


rt?cílizMo .n~ ano clê 20.:ío~ ti.a. . . . . . . . ..·~91 c~\j(>. ~.~.
Ih<?~ .c<>~~ict~f!>í.I ~~.cor{gf;fP;- .<t. ~~gu.ipt~. . . . . :t!9lt: ~o·~<foir
ção d.~ se~iço5 nã;Q:s.~ r~soJv~.cé)iti â.mqtt~;~~~@lq(f (;! . . .• • er
que;põdelitser;exe<:atàdo'ipefo. ê~nJíJtte. á'sceildelltês·ou•;cr~~~~ a~llt~s··.•
.~t~;terc:~!r~~f~t,1.j:li:t í)ai:te.quê;.fa,1e,~~.µ~~ • x• t
Outra grave forma de se observar a extinção do contrato de
prestação de serviços ocorre quando terceiro alicia o prestador
para que este deixe de executar suas atividades e inicie nova con-
tratação, rompendo com a antiga.

A matéria é regulada no art. 608 do cc com o seguinte texto:


"Aquele que aliciar pessoas obrigadas em contrato escrito a prestar
serviço a outrem pagará a este a importância que ao prestador de
serviço, pelo ajuste desfeito, houvesse de caber durante dois anos".

~ E na hora da prova?
Ano: 2011 Banca: FCC órgão: TRT - l~REGIÃO (RJ)Prov.i: Jui~ do Tra~àlho
A respeito do contrato de prestação de.se~içb, conside!'e~a,sseg~i~t~sj·
àftrmações: .· . ·. ·.. ·. . . '. ;: .. r • :·~~21 ; ·'.1t't; .
t.. ·. A presia:Ção de serviço não .se. p()~éii; cÓn'\kJnci()nar·· í:J.~ . )/~·~~·.
qúatro anos. '· ··. ,. . . .. .• ,..; !• •.. , •• , rr:,,:..:i::::··
11•. Não se tendo. estipulado, riem cJl~g~clb ~~~~f~pa,5 ~itttê~,ti*~f,f§~,á;'
por arbitramento a retril:>uiÇão. · ·• · ·
Ili. Qui:tndo qualquer das partes llão s~üh~:r ler ~e~ êscrevê'r, o ffi~~~­
mento de contrato poderá ser fitrrt:fd() pÔr instr~mento;'pbblf~Ó óu ·
por instrumento particular assinado a rogo. por outrem, mi presençà
de, pelo menos, três testemunhas que o subscreverão. ·
IV. Aquele que aliciar pessoas obrigadas em contrato escrito a prestar
serviço a outrem pagará a estea importância que ao prestaq~r.de
serviço, pelo ajuste desfeito, houvesse de caber durante dois anos.
v. Não havendo prazo estipulado, nem se podendo inferir; .da natjJreza
dbcont.rato, ou do costume do lugar; as pattes não poderãQ re$Olyê·
-l<fantes•de um mês. ·· · · · ·
540 Direito Civil - Vol. 23 • LUciano Figueiredo e Roberto Figueiredo
r
Estão cor~etas as. aflrmaçõ~s
,, ' ' ', ' ' ,, ·i .',•'• ',·',

á) Ili, IV eV.
b)l.lle

CR1snANo CHAVES oE FARIAS ENELSON RosENVALD 27 lembram ser esta a conhe-


cida hipótese do terceiro ofensor também denominado de terceiro
lesante, tema que foi devidamente aprofundado quando do estudo
do princípio da função social, na Parte Geral.
Eis um belíssimo exemplo da denominada tutela externa do
crédito e do respeito à boa-fé objetiva consagradas nos Enuncia-
dos 21 e 37 do CJF impedindo que um terceiro faça tábula rasa
do contrato firmado, agredindo a boa-fé das relações jurídicas, a
função social do contrato, quebrando a lealdade, a confiança, de
modo que o ato de aliciar enseja reparação civil.
O art. 608 do CC se harmonizará perfeitamente com o princípio
da função social do contrato previsto no art. 421 do cc
Ressalte-se, em linha de conclusão, o curioso art. 609 do CC cujo
texto é o seguinte: "A alienação do prédio agrícola, onde a prestação
dos serviços se opera, não importa a rescisão do contrato, salvo ao
prestador opção entre continuá-lo com o adquirente da propriedade
ou com o primitivo contratante".

27. CHAVES DE FARIAS, Cristiano e ROSENVALD, Nelson. Curso de Direito Civil. Contra-
tos. Teoria Geral e Contratos em Espécie. 4• edição. Salvador: JusPodivm, 2014,
p. 785.
r Capítulo.

Empreitada

1.NOTA INTRODUTÓRIA. CONCEITO, SUJEITOS E NATURl::ZA JURÍDICA DA


EMPREITADA
Do grego "empractos" o signo empreitada significa "aqui/o que
se faz", na fiel lição de CRISTIANO CHAVES OE FARIAS E NELSON ROSENVALD 1 ,
recordando que "Nas longínquas origens" a empreitada derivou
da "locatio conductio operis", ideia atualmente incompatível com
os valores da dignidade humana, daí porque hoje poderá ser
conceituada como "negócio jurídico pelo qual uma das partes (em-
preiteiro) se obriga perante a outra (dono da obra ou comitente)
à realização de uma certa obra, por si ou com o auxílio de ter-
ceiros, mediante um preço, sem qt1e se configÚre dependência ou
subordinação".
o contrato de empreitada está disciplinado entre os arts. 610 a
626 do CC/02. Sob o ponto de vista da primeira positivação da em-
preitada no ordenamento jurídico, pode-se citar, para efeito histó-
rico, a disciplina do Código Comercial de 1850, notadamente entre
os arts. 231 a 240.
flÁv10 TARrucE 2 conceitua o contrato de empreitada (/ocatio operis)
como um negócio jurídico por meio do qual "uma das partes - em-
preiteiro ou prestador - obriga-se a fazer ou a mandar fazer deter-
minada obra, mediante uma determinada remuneração, a favor de
outrem - dono da obra ou tomador".

l. CHAVES DE FARIAS, Cristiano e ROSENVALD, Nelson. Curso de Direito Civil. Contra-


tos. Teoria Geral e Contratos em Espécie. 4• edição. Salvador: JusPodivm, 2014,
p. 789.
2. TARTUCE, Flávio. Direito Civil. Teoria Geral dos Contratos e Contratos em Espécie.
lOª edição. São Paulo: Método, 2015, p. 499-500.
542 Direito Civil - Vol. 13 • LUclano Figueiredo e Roberto Figueiredo

RODOLFO PAMPLONA E PABLO STOLZE3 definem a empreitada como um


"negócio jurídico por meio do qual uma das partes (denominada de
empreiteiro, empresário ou locador) se obriga, sem subordinação ou
dependência, a realizar pessoalmente ou por meio de terceiros, obra
certa para o outro contratante (denominado dono da obra, comitente
ou locatário), com material próprio ou por este fornecido, mediante
remuneração determinada ou proporcional ao trabalho executado".
A disciplina da empreitada não é exclusivamente cível. Encon-
tra-se a pequena empreitada no direito do trabalho (CLT, art. 455,
e TST, OJ 191), assim como a empreitada no direito administrativo,
máxime na lei de licitações e Contratos de n° 8.666/93 (arts. 66 a
76) ou mesmo nas relações de consumo.
Em decorrência disto, surge um importante problema a ser ime-
diatamente enfrentado, qual seja o da competência em razão da
matéria para conhecer, processar e julgar temas relativos ao con-
trato de empreitadfl..
O art. 652, Ili, da Consolidação das leis do Trabalho, por exem-
plo, reconhece a competência da Justiça do Trabalho para decidir
conflitos envolvendo o empreiteiro, pessoa física, que vier a rea-
lizar a empreitada de modo pessoal, sem interposição de outras
pessoas. Seria a denominada pequena empreitada. Esta compe-
tência é fortalecida pelo advento da Emenda Constitucional de no
45/04, que alterou o art. 114 da CF para ampliar a competência da
Justiça do Trabalho.

Por outro lado, se o contrato de empreitada for celebrado com


a Administração Pública municipal ou estadual, eventual litígio de-
corrente do mesmo deverá ser conhecido, processado e decidido
nas Varas da Fazenda Pública, de acordo com a lei de Organização

3. PAMPLONA FILHO, Rodolfo e GAGUANO, Pablo Stolze. Novo Curso de Direito Civil.
Contratos em Espécie. 6• edição. São Paulo: Saraiva, 2013, p. 241.
Cap. 5 • Empreitada 543

Judiciária local. Evidentemente, que se o órgão da administração


pública for federal, na forma do art. 109 da CF e da súmula 150 do
STJ a competência para conhecer, processar e decidir esta deman-
da será da Justiça Federal.
Outro cuidado a ser observado na prática, ainda sobre o tema
da competência, envolve a empreitada entre civis, e a empreitada
decorrente de relações de consumo. De fato, todo o cuidado deve-
rá ser levado em consideração neste tipo de situação, notadamen-
te à luz da lei de organização judiciária local, para que se verifique
se a demanda será ajuizada em juízo cível, ou mesmo em juízo de
defesa do consumidor.

ORLANDO GoMES4 conceitua a empreitada afirmando que neste contra-


to "uma das partes obriga-se a executar, por si só, ou com o auxílio de
outros, determinada obra, ou a prestar certo serviço, e a outra, a pagar
o preço respectivo. Obriga-se a proporcionar a outrem, com trabalho,
certo resultado". Envolverá uma obrigação de fazer e de resultado.
Para FLÃv10 TARTUCE 5 sendo a empreitada mis1a (de lavor e mate-
riais) a responsabilidade civil do empreiteiro será de resultado.
Contudo, se a empreitada for apenas de lavor Na obrigação do em-
preiteiro será de meio ou de diligência. Isso faz com que a responsa-
bilidade do empreiteiro, em face do dono da obra, seja objetiva, na
empreitada mista; e subjetiva, ou dependente de culpa, na empreita-
da de mão de obra".
,•<(.:.;..:•::.,...• ····• :··~:.;. ,7•;)51±\'~i:;c )~7:;.\jé•·.
·.. ~,,..,,.~o~ ·• < . . ... ·· .· . •. .<\ . .
·Est~.di~t~69~~·~QJ~é'.responsabitida.de.·J;l~Ú:;P~i~·
p~eit~i.ro,.~~#~~~ npâmbito exclusiv<>a~~ empr!i
nlo se•\í'e.~~it~a ~plicàr o Código <:Jé D~feS'(! 'do

4. GOMES, Orlando. Contratos. 26• edição. Rio de Janeiro: Forense, 2009, p. 362.
5. TARTUCE, Flávio. Direito Civil. Teoria Geral dos Contratos e Contratos em Espécie.
10ª edição. São Paulo: Método, 2015, p. 501.
544 Direito Civil - Vol. 13 • Luciano Figueiredo e Roberto Figueiredo

Trata-se de negócio jurídico típico, nominado, bilateral ou si-


nalagmático, comutativo, oneroso, consensual, diferido no tempo,
impessoal, por meio do qual uma pessoa assumirá obrigação de
fazer qualificada pelo resultado (empreiteiro), envolvendo bens
materiais ou imateriais, em benefício de outra (dono de obra ou
comitente), que pagará retribuição certa. Neste sentido, RoooLFO PAM-
6
PLONA E PABLO STOLZE •

~ E na hora da prova?
Ano: 2014 .B.anca: CESPE órgão: Câmara dos Deputados Prova: Analista
Legislativo
A respeito dos contratos de prestação de serviços, empreitada e man-
dato, julgue o item subsequente.
Part.e. superior do formulário
A empreitada é contrato consensual, bilateral, comutativo, oneroso e
por prazo determinado.
Gabarito: Correto

De um lado se tem o empreiteiro (aquele que assume a obriga-


ção de realizar a obra encomendada, ou a prestar certo serviço)
e, do outro lado o dono da obra ou comitente, que será aquele a
assumir o pagamento, a remuneração ajustada.

A primeira regra disciplinada na legislação cível sobre o con-


trat? de empreitada gira em tomo da figura do empreiteiro, que
sera a aquele que executará a obrigação de fazer consistente na
realização de uma obra ou atividade.

6. PAMPLONA FILHO, Rodolfo e GAGLIANO, Pablo Stolze. Novo Curso de Direito Civil.
Contratos em Espécie. 6• edição. São Paulo: Saraiva, 2013, p. 301-302.
Cap. s· Empreitada 545

De acordo com o art. 610 do cc "O empreiteiro de uma obra pode


contribuir para ela só com seu trabalho ou com ele e os materiais"'.
Avança a doutrina para advertir que a empreitada se distingue
porque a produção de um resultado final é pressuposto inerente
a este tipo de ajuste, aspecto que a diferencia, por exemplo, da
prestação de serviços, pois esta envolverá atividade meio (e não
obrigação de resultado).
Empreiteiro, portanto, é quem executa a obra em favor de ou-
tra pessoa, denominada dono da obra, que se beneficiará por esta
atividade. Nada obstante a usual expressão dono da obra, obser-
ve-se que a empreitada poderá envolver também a realização de
uma atividade para além da construção civil, como, por exemplo,
para bens imateriais (criar um site, uma música, uma poesia, uma
propaganda comercial, por exemplo).
De acordo com a legislação, no contrato de empreitada ou o
empreiteiro será contratado exclusivamente para realizar o traba-
lho, ou será contratado para realizar o trabalho e assumir a aqui-
sição dos materiais também.
Desta maneira, um dos primeiros cuidados que se deverá ob-
servar quando da análise de um contrato de empreitada será se o
objeto do mesmo envolverá apenas o trabalho, ou se haverá obri-
gação do empreiteiro não apenas com o trabalho, como também
pelos materiais que serão utilizados.

~ .~~fü;,ã9!,1 •··
A1Pdbniga~$?;1,d:~1;t<?rrtec7r; :os i;ú<1-ter1als;/~~P'.~~ 11JGes.u,roe.• re~ 1ultl!,1c;ta lei . 1

9ub;,' ., .~. .' .'.! • . . . .~.'~;.·•.Ra,11


. : ~~1;;f?,~.f.,•·~·W"'.·P·,.!1P.~·' ,ta!e'.~'R q.J?.n(>;. da
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1
sof!!fíltar
1
ta,mt:>,..,mp ~()tne ~ dôs materip.is
pelQ ~mprelt .. ' ''ue';~xprêssar!lê~té:'f.f;iàl ·....· ... ; . s't~ no contrato
de eml'lr~ltP.da'l;P,arà 1 q1,1e .C\~'.lf:Í~~s ~Qã.o~,~ÚrJa!l'J 1ªh~$Je:~~~p~ito ..s.óbre• o
. tema, ~' a aus~f1.da d~ pre~u1;1ç~o,a .es~~, respelto~.J:leve;se conferir a
disêipffria . dQ §1~j:fà
,,,, '~, - i ' "-,". ' ,, 2 ' ' ''.•·''
art. 610 aott: · ··
' • : - ; ,',,, 1' , <'", -; > ,'/
.1 ••••...• •• •·•• ··· ······ · ·. • 1
546 Direito Civil - Vol. 13 • LUcíano Figueiredo e Roberto Figueiredo

o Código Civil também apresenta, no início da disciplina sobre


a empreitada, a ressalva de que o mesmo não se confunde com
a elaboração de um projeto. A teor do §10 do art. 610 "O contrato
para elaboração de um projeto não implica a obrigação de executá-lo,
ou de fiscalizar-lhe a execução".
Fica claro, pela letra fria da norma, que será possível a contra-
tação apenas para que alguém realize a elaboração de um projeto.
Nestas condições, não se poderá exigir daquele que elaborou o
aludido projeto a obrigação de executar o mesmo, muito menos
fiscalizar aquela execução. Tratou o legislador de evitar qualquer
tipo de dúvida a respeito deste assunto.

2. MODALIDADES DE EMPREITADA
De acordo com a legislação cível a empreitada poderá ser ape-
nas de lavor (empreitada de obra), ou poderá ser empreitada mis-
ta (de materiais, quando o empreiteiro assume além do trabalho,
a obrigação de fornecer os materiais).
Em outras palavras, o contrato de empreitada pode ocorrer
com, ou sem a obrigação de o empreiteiro fornecer materiais. Nes-
ta última hipótese, ou seja, quando este for contratado com o de-
ver jurídico de também fornecer os materiais, assumirá o emprei-
teiro os riscos a este respeito até o momento da entrega da obra.
No caso da empreitada exclusivamente de lavor, o empreiteiro
atuará executando a obra, recebendo os materiais do comitente.
Sem dúvida, a responsabilidade civil do empreiteiro aqui será me-
nor, afinal de contas não assumiu o fornecimento dos materiais, de
modo que não responderá pela qualidade e riscos destes.
Na empreitada mista, a responsabilidade civil do empreiteiro é
maior, porque envolverá tanto o trabalho em si, quando os riscos
pelos materiais. Importa isto dizer que se o resultado não for obti-
do seja por conta da má execução do trabalho, seja por vícios nos
materiais, haverá responsabilidade civil do empreiteiro.
Sobre o terna, reza o art. 611 do CC "Quando o empreiteiro fornece
os materiais, correm por sua conta os riscos até o momento da entrega
da obra, a contento de quem a encomendou, se este não estiver em
mora de receber. Mas se estiver, por sua conta correrão os riscos".
Cap. 5 • Empreitada 547

",:\, ', ~- {-; ',, ,·,;·;_~~ ;~:, ·'./;, ·.;,~; "·.:_,}':\,;J~::::·:;;< /

~,· ·.~ ·•.G d,·.:~ .· ~ · .,~ · .,~.·~.·~.·~ ª..· ,~.· .·.:.•~. ·.b:.c,:.~·.~· '·. :~~~aU~~;J~~ftr
...r.•,k.',.•.'º. . . .•.
te.at~er,n<ttJvâ.: "~~ri$êín~d ,
.••,•. .•·.;
. .
· ··· ... &à'~~.
···;Q~9.~,~~r~!J
q;~o,f:l;ó,'n.\<l'·d(J
donóse ' ~~ti~~r~dr~(itá'deá iet~b~~'Üi rQSl que:ô errtprê:it~ifo
teriti,~)orn~cjdó osrtia,erlatS 7 ': • ' ' . . ' •.•... ·.·· •• ·. ···' ' '

Evidentemente que, em sentido diametralmente oposto a isto,


"Se o empreiteiro só forneceu mão-de-obra, todos os riscos em que
não tiver culpa correrão por conta do dono". É o que prescreve o
art. 612 do CC.

li' E na hora.da prova?


Ano: 2015 Banca: CESPE órgão: AGU Prova: Acjvogado da União
A respeito dos contratos, julgue o próximo item ã luz do Código Civil.
Caso osm;Heriais para construção de obrá decorrente de contrato em
que o empreiteiro se responsabilize apenas pelá mã.o d~ Óbta pere-
çam, o prejuízo. recairá sobre o dono do empreendimehto;
Gabarito: correto

2.1. Empreitada de Lavor


Empreitada de lavor é aquela na qual o empreiteiro será res-
ponsável exclusivamente por realizar a obra, sem assumir qualquer
tipo de dever jurídico sobre fornecimento de materiais. A emprei-
tada de lavor é a regra do sistema jurídico cível, afinal de contas
não a empreitada mista (ou de materiais), para existir, exigirá con-
venção das partes ou imposição da lei (CC, art. 610, §10).
CR1snANO CHAVES oE FARIAS E NELSON RosENVALD 7 advertem que "nesta mo-
dalidade contratual todos os riscos correm por conta do dono da obra,
a quem compete fornecer o material utilizado. É simples a projeção da
regra de que a coisa perece para o dono (res perit domino)".
o empreiteiro responderá apenas pelo trabalho, pela execução
da sua atividade, pela ausência do resultado disto decorrente, na

7. CHAVES DE FARIAS, Cristiano e ROSENVALD, Nelson. Curso de Direito Civil. Contra-


tos. Teoria Geral e Contratos em Espécie. 4• edição. Salvador: JusPodivrn, 2014,
p. 807.
548 Direito Civil - Vol. 13 • Luciano figueiredo e Roberto figueiredo

medida em que não forneceu os materiais e, justamente por conta


disto, não terá responsabilidade civil sobre os mesmos.
o empreiteiro apenas assumirá responsabilidade civil sobre os
materiais (que não fornece nesta modalidade de empreitada, re-
corde-se) se por culpa (imprudência, imperícia ou negligência), os
inutilizar. A regra é clara a este respeito e está prevista no art. 617
do CC: "o empreiteiro é obrigado a pagar os materiais que recebeu,
se por imperícia ou negligência os inutilizar".
Sendo a empreitada unicamente de lavor, se a coisa perecer
antes de entregue, sem mora do dono nem culpa do empreiteiro,
este perderá a retribuição, se não provar que a perda resultou
de defeito dos materiais e que em tempo reclamara contra a sua
quantidade ou qualidade (CC, 613).
o perecimento da coisa (perda da coisa) sem culpa de quem
quer que seja acarreta a extinção do contrato e a ausência de
responsabilidade civil, afinal de contas a regra é a de que a res-
ponsabilidade civil será subjetiva e recairá sobre quem praticou o
ato ilícito.
Como na hipótese, inexistiu dolo ou culpa, muito menos ato
ilícito, não haverá dever algum de reparação do dano injusto, nem
mesmo manutenção de um contrato cujo objeto se perdeu. Aplica-
-se, in casu, a regra geral da extinção das obrigações sem culpa das
partes, previstas no art. 234 do CC.
Eis uma típica hipótese de se aplicar a ideia res perit domino (a
coisa perece em face de seu dono). O proprietário (dono da obra)
sofrerá a perda da propriedade decorrente do perecimento e o
empreiteiro perderá a retribuição decorrente deste contrato que
está sendo extinto. Neste sentido, RODOLFO PAMPLONA E PABLO STOLZE8 •

8. PAMPLONA FILHO, Rodolfo e GAGLIANO, Pablo Stolze. Novo Curso de Direito Civil.
Contratos em Espécie. 6• edição. São Paulo: Saraiva, 2013, p. 303.
Cap. 5 • Empreitada 549

Interessante notar, ademais disto, que a obra contratada a tí-


tulo de empreitada poderá constar de partes distintas, vale dizer,
de várias etapas, seguidas na prática dentro de um cronograma,
por exemplo. Em situações corno estas, ou seja, se a obra constar
de partes distintas, ou for de natureza das que se determinam por
medida, o empreiteiro terá direito a que também se verifique por
medida, ou segundo as partes em que se dividir, podendo exigir
o pagamento na proporção da obra executada, nos termos do art.
614 do cc.
Na prática a situação será muito simples. O empreiteiro ao con-
cluir a etapa da obra comunicará o evento ao dono da obra. Este
por sua vez deverá verificar a medida e, não havendo oposição,
pagar a proporção da obra executada.
Justamente por isto é que a legislação presume verificada a
etapa da obra sempre que houver o respectivo pagamento da mes-
ma, como se nota do § lº do art. 614 do CC: "Tudo o que se pagou
presume-se verificado".
Com efeito, é razoável presumir verificado a parte distinta da
obra se houver o pagamento, isto porque, em linha de princípio o
550 Direito Civil - Vol. 23 • Luciano Figueiredo e Roberto Flguelredo

dono da obra somente pagaria após esta conferência. A coerência


do legislador a este respeito.
Outra situação jurídica na qual a norma presumirá verificada a
parte distinta da obra ocorrerá se o que se mediu em trinta dias a
contar da medição não for denunciado, impugnado pelo dono da
obra, por eventuais vícios ou defeitos. Desta maneira, se o dono
da obra, ou se aquele incumbido da fiscalização deixar transcorrer
os trinta dias a contas da medição sem qualquer denúncia de vício,
haverá presunção de verificação (§20, art. 614, CC).

• E na l'Í~a-a da prova?,, · ·, 1. " '·


Em prova. de concuriio público realízado para .o proviméttttj ~() ~rgo
de Juiz do Trat>all'lc> d() TR~ ~ª · n~glãof~rr() 20M1 ca,nsfdero~· correta a
seguinte alteniativa: "túdõ o que se pagoll pelâ e'rt1preitada e' que se
mediu presume-se veriflc~do se~1 em s~ssenta dias/ a co~tar ~a medi-
ção, não fore.11'1 dé11u~clado~ osyfci9s 0,u c:lefeitps pel?..d~ll():.ct~ ()br~ ()!J
por quem. estiver incumbido da suá flséalifaÇão"'. ;: •···· f ;·y: : ' . ' •.
, ! ' ; "

2.2. Empreitada Mista ou de Materiais


A empreitada de materiais, como visto, não se presume. Nesta,
"o empreiteiro assume a obrigação de executar a obra com os seus
pr6prios materiais", como lembram CRISTIANO CHAVES DE FARIAS E NELSON
RoseNvALD9 advertindo ainda que "há um agravamento da condição do
empreiteiro, a ponto de assumir os riscos de eventual acidente (de-
corrente de fortuito, por exemplo) pelo fato de, temporariamente, ser
o proprietário dos materiais. t., mais uma vez, a aplicação da regra
de que a coisa perece para o dono (res perit domino), repercutindo a
perda da coisa em seu patrimônio".

9. CHAVES DE FARIAS, Cristiano e ROSENVALD, Nelson. Curso de Direito Civil. Contratos.


recria Geral e Contratos em Espécie. 4• edição. Salvador: JusPodivm, 2014, p. 809.
Cap. 5 • Empreitada 551

2.3. Empreitada por Administração


A construção por administração, também denominada de em-
preitada por administração se caracteriza pelo fato de o emprei-
teiro assumir tão somente a obrigação de gerir o pessoal e utilizar
o material adquirido pelo dono da obra.
HELY LOPES ME1RELLEs 1º conceitua a empreitada por administração
como o contrato em que "o construtor se encarrega da execução de
um projeto, mediante remuneração fixa ou percentual sobre o custo
da obra, correndo por conta do proprietário os encargos econômicos
do empreendimento".
Nesta modalidade, o empreiteiro é mero gestor, mero adminis-
trador de pessoas e dos materiais que lhe serão disponibilizados.
o empreiteiro será remunerado por administrar estas pessoas e
estes recursos materiais. Em razão disto, o empreiteiro assumirá
apenas uma obrigação de meio (e não de resultado), como via de
regra acontece na empreitada.
CRISTIANO CHAVES DE FARIAS E NELSON RoSENVALD 11 , recordam que "nesta es-
pécie há uma acentuada redução de sua responsabilidade por não
ter se obrigado ao fornecimento de material e, tampouco, à execução
efetiva de um resultado. Somente quando provada a sua culpa na
atuação de adquirir produtos para o dono da obra é que será pos-
sível a sua imputação". A responsabilidade civil do empreiteiro na
empreitada por administração, destarte, é subjetiva.

2.4. Engineering
"O contrato de engineering pode ser definido, em linhas gerais,
como uma empreitada de grande porte destinada a construções de
maior vulto e valor econômico, envolvendo, de ordinário, subcontra-
tações e a posterior administração de um bem. Envolve a constru-
ção de indústrias de alta tecnologia, que, seguramente, provocam o
desenvolvimento tecnológico do país, na medida em que permitem

10. MEIRELLES, Hely Lopes. Direito de Construir. São Paulo: Malheiros, 1995, p. 240.
11. CHAVES DE FARIAS, Cristiano e ROSENVALD, Nelson. Curso de Direito Civil. Contra-
tos. Teoria Geral e Contratos em Espécie. 4ª edição. Salvador: JusPodivm, 2014,
p. 789.
552 Direito Civil - Vol. 13 • LUciano Figueiredo e Roberto Figueiredo
r
!

a modernização do parque industrial e econômico. É o caso da cons-


trução de grandes hospitais, aeroportos ou indústrias", no escólio de
12
CRISTIANO CHAVES DE FARlAS E NELSON ROSENVALD •

As obrigações assumidas pelo empreiteiro são notáveis e in-


cluirá a elaboração do projeto, a construção e todas as medidas
necessárias à execução do negócio. Naturalmente haverão subem-
preitadas que possam viabilizar a execução e conclusão de todo o
negócio.

3. A CONCLUSÃO DA OBRA E A RESPONSABILIDADE CML

Nos exatos termos do art. 615 do CC "Concluída a obra de acordo


com o ajuste, ou o costume do lugar, o dono é obrigado a recebê-la.
Poderá, porém, rejeitá-la, se o empreiteiro se afastou das instruções
recebidas e dos planos dados, ou das regras técnicas em trabalhos
de tal natureza".

A regra é a da obrigatoriedade do dono da obra em recebê-la


desde que esta tenha sido executada nos limites da contratação,
de acordo com o ajuste, ou de acordo com o costume do lugar.
Sem dúvida alguma, temas como o abuso do direito (CC, arts.
187 e 422), assim como a teoria do adimplemento substancial de-
verão ser levados em conta quando eventual conflito surgir entre
empreiteiro e dono da obra, a fim de ajustar a solução da deman-
da aos ideais da justiça e da proporcionalidade.

Apesar disto, o conflito jurídico poderá existir a partir do mo-


mento em que o dono da obra constatar incompatibilidade sobre
as "instruções recebidas" ou mesmo sobre os "planos dados, ou das
regras técnicas em trabalhos de tal natureza".

Na prática, a situação jurídica tende a exigir perícia técnica, afi-


nal de contas o juiz de direito, via de regra, haverá de confrontar
a prova das instruções fornecidas, dos planos, do cronograma, ou

12. CHAVES DE FARIAS, Cristiano e ROSENVALD, Nelson. Curso de Direito Civil. Contra-
tos. Teoria Geral e Contratos em Espécie. 4ª edição. Salvador: JusPodivm, 2014,
p. 789.
r Cap. 5 • Empreitada 553

das regras técnicas em trabalhos de tal natureza, o que nem sem-


pre será possível por meio de conhecimento sem expertise.

O fato concreto é que o art. 616 do CC autorizará o dono da obra


a "em vez de enjeitá-la, recebê-la com abatimento no preço". Com
efeito, se houve inadimplemento contratual por parte do emprei-
teiro a consequência jurídica disso será surgir para o credor uma
faculdade, qual seja ou a de enjeitar a coisa, ou exigir o abatimento
do preço.
De igual sorte, mantendo-se ainda no estudo da responsabilida-
de subjetiva do empreiteiro, este está obrigado a pagar os mate-
riais que recebeu, se por imperícia ou negligência os inutilizar, na
melhor forma do art. 617 do CC.
Uma regra muito conhecida na prática forense e que envolve
as empreitadas de edifícios ou do que a norma denominada de
"construções consideráveis" diz respeito ao prazo irredutível de
cinco anos de responsabilidade civil do empreiteiro de materiais e
execução "pela solidez e segurança do trabalho".
De acordo com o art. 618 do cc "Nos contratos de empreitada
de edifícios ou outras construções consideráveis, o empreiteiro de
materiais e execução responderá, durante o prazo irredutível de cin-
co anos, pela solidez e segurança do trabalho, assim em razão dos
materiais, como do solo".
554 Direito Civil - Vol. 13 • Luciano Figueiredo e Roberto Figueiredo

FLAv10 TARTucE13 segue esta linha de pensamento no sentido de se


permitir ao dono da obra postular perdas e danos no prazo de três
anos do CC (art. 206, §3°, V) nas relações cíveis, ou de cinco anos
do coe (art. 27) para toda e qualquer outra situação de responsa-
bilidade civil que não envolva solidez ou segurança do trabalho,
entendendo, ademais disto, que "deve ser tida como superada a
Sumula 194 do STJ, de 1997, que consagrava um prazo prescricional de
vinte anos para se obter, do construtor, indenização por defeitos da
obra". Concordamos integralmente com o ilustre doutrinador.
CRISTIANO CHAVES DE F~RIAS E NELSON ROSENVALD 14, lembram que, via de re-
gra, a responsabilidade do empreiteiro pelos vícios e defeitos da
obra se encerra com a entrega da mesma, seguida da aceitação re-
gular: "Todavia, não se pode ignorar que defeitos ligados à segurança
e à solidez da obra somente se mostram com o passar do tempo",
daí porque o legislador brasileiro se mostrou bastante coerente no
sentido de fixar um determinado espaço de tempo dentro do qual
o empreiteiro continuará responsável.
Hm LoPEs ME1RELLEs 15 adverte que "Se durante esse prazo a constru-
ção não apresentar vício ou defeito que afete a sua estabilidade ou
comprometa a sua estrutura, ficará o construtor exonerado de respon-
sabilidade perante o proprietário e seus sucessores".
Em se tratando de garantia legal, a responsabilidade civil do
garantidor, leia-se, do empreiteiro por vícios redibitórios alusivos à
solidez e à segurança será objetiva, de modo que não se admitirá
discussão em torno de culpa, ou dolo.

13. TARTUCE, Flávio. Direito Civil. Teoria Geral dos Contratos e Contratos em Espécie.
loa edição. São Paulo: Método, 2015, p. 502 e 503.
14- CHAVES DE FARIAS, Cristiano e ROSENVALD, Nelson. Curso de Direito Civil. Contra-
tos. Teoria Geral e Contratos em Espécie. 4ª edição. Salvador: )usPodivm, 201A,
p. 819.
i5. MEIRELLES, Hely Lopes. Direito de Construir. São Paulo: Malheiros, 1995, p. 282.
Cap. 5 • Empreitada 555

Interessante notar o entrelaçamento normativo realizado pelo


legislador entre o prazo de cinco anos da responsabilidade civil do
empreiteiro e o prazo de cento e oitenta dias, previsto no pará-
grafo único do mesmo preceito, para o dono da obra propor ação
contra o empreiteiro: "Decairá do direito assegurado neste artigo
o dono da obra que não propuser a ação contra o empreiteiro, nos
cento e oitenta dias seguintes ao aparecimento do vício ou defeito".
Há, realmente, em nosso sentir um entrelaçamento normativo
entre o prazo quinquenal da responsabilidade civil (cinco anos) e o
prazo decadencial (cento e oitenta dias) de ajuizamento da deman-
da, a contar do aparecimento do vício, ou do defeito.
Interessante notar que no Novo CPC (NCPC) o magistrado está
autorizado a julgar o pedido liminarmente improcedente, inclusive
quando observar a decadência, nos termos do art. 332, inciso §10,
segundo o qual "Nas causas que dispensem a fase instrutória, o juiz,
independente da citação do réu, julgará liminarmente improcedente
o pedido que contrariar: o juiz também poderá julgar liminarmente
improcedente o pedido se verificar, desde logo, a ocorrência da deca-
dência ou prescrição".
MAuRíc10 CUNHA, RosERro F1cuE1REDo E SABRINA OouRAoo'6 comentam a ino-
vação processual destacando que "somente nessa situação é que
estará liberado o reconhecimento dessas matérias sem a oportunida-
de de a parte contrária se manifestar antes de proferida a decisão,
conforme dispõe o art. 487, parágrafo único. Por fim, uma observação
importante: o § 2° prevê que se realize a intimação do réu após o
trânsito em julgado da sentença de improcedência liminar, nos termos
do art. 241, que determina a intimação do réu diante do trânsito em
julgado de qualquer sentença de mérito proferida antes da citação".
Lembre-se, ademais disto, que no Novo CPC (NCPC) o magistrado
também poderá decretar tanto a prescrição, quanto a decadência,
de ofício, vale dizer, ainda que não haja requerimento das partes,
extinguindo o processo com resolução de mérito, pela improcedên-
cia do pedido. É o que prescreve o art. 487 do NCPC.

16. CUNHA, Maurício, FIGUEIREDO, Roberto e DOURADO, Sabrina. Comentários ao Novo


Código de Processo Civil. i• edição. Recife: Armador, 2015, p. 354-355.
556 Direito Ovll - Vol. 13 • Luciano Figueiredo e Roberto Figueiredo

Ao afirmar o legislador se tratar de prazo "irredutível", deixa-se


claro se tratar de norma imperativa que não admitirá disciplina
em sentido contrário, de modo que a autonomia privada não será
capaz de alterar a disciplina legal.

5. DO PREÇO DA EMPREITADA

O contrato de empreitada é essencialmente negócio jurídico


oneroso, de maneira que o preço estará presente em toda e qual-
quer espécie de empreitada, devendo ser pago pelo dono da obra,
ou comitente, ao empreiteiro.
Pela letra da lei é possível observar que o preço poderá ser
ajustado de maneira certa e determinada (empreitada por preço
certo), como também poderá ser pactuado por cada etapa, cada
medida, cada obra realizada (empreitada por medida).
A empreitada por preço certo também é denominada de mar-
che à forfait (expressão de origem francesa) e se caracteriza pelo
fato de os contratantes ajustarem um pagamento global, por toda
a obra contratada, pouco importando os avanços das etapas, ou as
medidas que evoluírem com a execução da atividade.
É intuitivo perceber que nesta modalidade de empreitada não
se deve admitir, em linha de princípio, qualquer aditamento de
preço, pois as partes já ajustaram anter tempus o valor global
do pagamento. O empreiteiro assumirá portando o risco destas
variações de materiais. O risco deste negócio recairá sobre o
empreiteiro.
Via de regra, o preço contratado no contrato de empreitada
não será alterado, ainda que na execução da obra surjam modifi-
cações no projeto.
Mas a legislação brasileira apresentará três exceções nas quais
será possível discutir a modificação do preço, ainda que se trate de
empreitada por preço certo, a saber:
a) estipulação em sentido contrário pelos contratantes, situa-
ção de típico respeito à liberdade à autonomia privada e à
autodeterminação dos contratantes.
Cap. 5 • Empreitada 557

b) instruções escritas do dono da obra a este respeito, o que


vedaria o comitente (dono da obra) a ter um comportamen-
to contraditório.
c) se o dono áa obra comparecia frequentemente ao local da
empreitada, constatava as modificações e, apesar disto, não
apresentava oposição contra as mesmas, típica hipótese de
supressio e surrectio.
Afora estas situações, entende-se que o empreiteiro deverá
assumir todos os custos pelas modificações do projeto (não con-
tratadas e executadas pelo mesmo), isentando-se o dono da obra
no particular, afinal de contas a essência desta empreitada é por
preço determinado.
Sobre o tema, o art. 619 do CC: "Salvo estipulação em contrário,
o empreiteiro que se incumbir de executar uma obra, segundo plano
aceito por quem a encomendou, não terá direito a exigir acréscimo no
preço, ainda que sejam introduzidas modificações no projeto, a não
ser que estas resultem de instruções escritas do dono da obra".
Mas, como visto, haverá uma terceira situÇlção atípica e ressal-
vada pelo parágrafo único do art. 619: "Ainda que não tenha havido
autorização escrita, o dono da obra é obrigado a pagar ao empreitei-
ro os aumentos e acréscimos, segundo o que for arbitrado, se, sempre
presente à obra, por continuadas visitas, não podia ignorar o que se
estava passando, e nunca protestou".
558 Direito Civil - Vol. 13 • LUciano Figueiredo e Roberto Figueiredo

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da·ohra~·:, . r" ,"· · · · • ·,, · <. '". • , " ,\·.~.·+~~.J·:r~,rrr>~. ::<:~~:·\~~~f:f~~·.(~:r.::·~~-:··
''"' . ' ', .; ' 1' ' ,, ' ' :· '" . ·'' ',, :,_,, , . ',-1t:'-':, "-': >º _· " '" :'
Qu~fü}arcàra com:os,custos adiclonais~d~~sà}ftitifal/Pi\'~·rlíYh'€;111v~}:*11 ...·
a). o, efopreiteiro; somerite sé ·rio itont~atô ttóuver:previsãa. ~xpressi}:.
b) o erripre!teiro,a não ser que as modificações tenham, sigo pr6pb'stas
verbalmente pelo dono da· obra. · · · ·· ' ·
c) o empreiteiro, a não ser que o dono da obra concorde êxpres~aÔlen-
te. cor:n as alterações e por meio.de instruções escritas. ·
d) o dono da Obra>sob pena de:eririé[uecimento sem causa.
·e) o dono da<obra, com ba'se no.•prindplo·davedação ao venire cO:ntra
factum proprium.
Gabarito: c

Sobre a surrectio e a supressio acima previstas, essa é uma


situação que exigirá prova robusta e convincente no caso concreto.
Trata-se de situação jurídica em que o dono da obra, ou fiscaliza-
dor, constantemente esteja a comparecer no local da empreitada
e, por esta razão, não poderá de maneira alguma incorrer em
comportamento contraditório, ou, como afirma a lei, não poderá
"ignorar o que se estava passando, e nunca protestou". Seria um belo
exemplo de consentimento tácito.
Outra importante questão alusiva ao preço contratado gira em
torno da diminuição do mesmo em decorrência do material, ou
mesmo da mão de obra "a um décimo do preço global". Nesta es-
pecífica hipótese, o legislador previu a possibilidade jurídica de
revisão do preço, que poderá ocorrer judicialmente por meio de
uma ação revisionai.
A este respeito, o art. 620 do CC: "Se ocorrer diminuição no preço
do material ou da mão-de-obra superior a um décimo do preço global
convencionado, poderá este ser revisto, a pedido do dono da obra,
para que se lhe assegure a diferença apurada".
Cap. 5 • Empreitada 559

'-"- -'<' . . . . "·\' _,,z;{:-;.\\/ .-,:,:;"-: .:-:,·"::.;, "",<·, )._!, , ·: f L~-:0;::'.·/) ", ·»~-·, -:s !: .,, ~_':: :· ),,~·:'.;'~~,riLy\_1· 0::,,--:)J_ ~'. : :-. '.--:. t
lüdus~. a .. v sde contrath de. empreitada com pre~ g.lol:>al ce11ô e
ajustàdo 1nô>respectlv!'.l ins~rumento;.· c;ontbatou···q:empr:elteíro::Petrus
p~ra reform,ar'<,l su~,,resiqêoc!~~,ouraf1t~ ·. mr~f.Qrrqa.; ;oLipret;o de ;rner·
cadQ;;.dos,mate.rial~:softe.ure<J,t,J.ção~.de.1.2% do preçQ global(;onyendor
JW9~ · ,.c;%.§Ri,,() J~JX~~Qi;~19.~~1 ÇQ.n~er;i.,clqnado~. ·ª'· p~clic1().:do 09ono
.qà,.:O: ;:1;~[;;,C.10f;;::sist~·f.í'L:1;:~ · ·· · · ·· · · · · < ··
a) pod'er& nr~ii:ísto;. pa~télue!seJhê assegure a diferença apurada
b) não poderá serr~viSto, pó.(que.<() Ç()ntrato faz lelentre as partes.
c) só poderá ser revisto, se a.redução ocorrida no mercado for supe-
rior. a 20%., . .. \..
d) só poder,ia ser.revisto se a redução ocorrida no mercado fosse .do
preço da m.ão de obr;:t. · ··
e) só comporta redução se º'preço do material e também da mão ele
obra for superior a 30%.
Gabarito: à

Ainda sobre o tema, é importante saber que sem anuência de


seu autor do projeto, não poderá o proprietário da obra introduzir
modificações, ainda que a execução seja confiada a terceiros. A
ressalva que se fará a este respeito decorrerá apenas do que o le-
gislador denomina de motivos supervenientes ou razões de ordem
técnica, a comprovar uma "inconveniência ov a excessiva onerosi-
dade de execução do projeto em sua forma originária" (CC, art. 621).

~ E na hora da prova? ·
Em prova de concurs~ público reali~ado para o provimento docârg()
de Promqtor de. JÍ.lstli;~: do Mri~·J>B, ~no 2010, foi considerada INC()fiREfA
a segu!rite alternativa: "S~m ;anu~ncia de seu autor, não pode o pro-
prietário c;la obra introduzir modificaçã<> no projeto por ele aprovado,
ainda qti~ a execução seja confiada a terceiros, que as alterações sejam
de pouca importância e que se mantenha a unidade estética da obra
projefada ".

Evidentemente que esta vedação sobre as modificações não


abrangerá alterações de pouca monta, desde que ressalvada a
unidade estética da obra projetada.
560 Direito Civil - Vol. 23 • Luciano Figueiredo e Roberto Figueiredo

Como já estudamos, não se deve confundir a contratação para


o projeto, com a contração da execução da obra em si. Não há pre-
sunção a este respeito, de maneira que, via de regra, a contratação
do projeto não impõe a execução da obra pelo projetista.
A empreitada por unidade de medida (por medição) também
denominada ad mensuram ou marche sur devis tem característica
diversa, qual seja o fato de o pagamento ocorrer na proporção do
avanço da obra, por cada mediação realizada. Nesta contratação, a
obra é fracionadr.i. em etapas e cada etapa concluída impõe o paga-
mento de uma remuneração ajustada. Neste sentido, FLÃvio TARTUcE1 r.
Trata-se de contrato cuja prestação é divisível e autoriza o em-
preiteiro a receber parcialmente o seu crédito na medida em que
concluir cada uma das etapas do cronograma, bem como a não
prosseguir nas demais etapas enquanto não for remunerado. Eis
um belo exemplo da possibilidade de se alegar a exceção do con-
trato não cumprido, prevista no art. 476 do CC.
Em se tratando de empreitada com partes distintas, ou seja,
ajustada mediante a execução de etapas, de um cronograma, o
empreiteiro haverá de receber por medida, ou segundo as partes
em que se dividir, podendo exigir o pagamento na proporção da
obra executada. É o que afirma o art. 614 do CC.
Como já esclarecido, o empreiteiro notificará o dono da outra
acerca do término da respectiva etapa para que este realize a
verificação da medida e o remunere na proporção da obra exe-
cutada. Tanto isto é certo que o CC presume verificada a etapa da
obra sempre que houver o respectivo pagamento da mesma, na
forma do § 1° do art. 614 do CC: "Tudo o que se pagou presume-se
verificado".
Como também já restou esclarecido nas linhas anteriores, o cc
presume verificada a parte distinta da obra após os trinta dias a
contar da medição se o comitente não denunciar qualquer vício. Se o
dono da obra, ou se aquele incumbido da fiscalização, deixar trans-
correr os trinta dias a contas da medição sem qualquer denúncia de
vício, haverá presunção de verificação (§20, art. 614, CC).

17. TARTUCE, Flávio. Direito Civil. Teoria Geral dos contratos e Contratos em Espécie.
lO• edição. São Paulo: Método, 2015, p. 504.
Cap. 5 • Empreitada 561

CR1sr1AN0 CHAVES oE FARIAS E NELSON RoseNVAL0 18 defendem a ideia de que


neste ponto "é excepcionada a regra geral do art. 445 do próprio Có-
digo Civil acerca da contagem do prazo para a verificação dos vícios
redibitórios".
o art. 622 do cc aduz que "Se a execução da obra for confiada a
terceiros, a responsabilidade do autor do projeto respectivo, desde que
não assuma a direção ou fiscalização daquela, ficará limitada aos da-
nos resultantes de defeitos previstos no art. 618 e seu parágrafo único".
No âmbito cível, destarte, não haverá responsabilidade do au-
tor do projeto se a execução da obra for confiada a terceiros. A
ressalva a esta situação acontecerá apenas se o projetista assumir
contratualmente a direção ou a fiscalização da obra, o que pode
ocorrer acaso exista ajuste expresso no particular. Neste caso, a
responsabilidade civil do projetista que assumiu a direção ou a fis-
calização da obra será limitada aos danos resultantes dos defeitos
de solidez e segurança do trabalho, assim em razão dos materiais,
como do solo.

O dono da obra terá direito subjetivo de suspender a mesma


após iniciada a construção, afinal de contas, na qualidade de pro-
prietário do bem, terá direito de usar, gozar, dispor, reaver e fruir
da coisa como lhe aprouver (CC, art. i.228). Evidentemente que
esta atitude espontânea do dono da obra não poderá prejudicar
o patrimônio jurídico do empreiteiro que não deu causa a esta
suspensão espontânea.
O contrato de empreitada é diferido no tempo, envolve rela-
ção jurídica continuativa, de trato sucessivo. Este aspecto - por si

18. CHAVES DE FARIAS, Cristiano e ROSENVALD, Nelson. Curso de Direito Civil. Contratos.
Teoria Geral e Contratos em Espécie. 4• edição. Salvador: JusPodivm, 2014, p. 816.
562 Direito Civil - Vol. 13 • Luciano Figueiredo e Roberto Figueiredo

somente - já evidencia a possibilidade de suspensão da execução


do contrato, o que é previsto de modo específico nos arts. 623 e
624 do cc.
Evidentemente que a melhor forma de compreender a existên-
cia de responsabilidade civil decorrente da suspensão do contrato
de empreitada gira em torno da identificação daquele que deu
causa à suspensão.
A questão é simples. Se o dono da obra deu causa à suspensão,
terá responsabilidade civil em relação ao empreiteiro. Exatamente
por isto é que o art. 623 do CC imporá ao dono da obra o paga-
mento ao empreiteiro as despesas e lucros relativos aos serviços
já feitos, mais indenização razoável, calculada em função do que
ele teria ganho, se concluída a obra. Aplica-se também o art. 402 do
cc, de maneira que o empreiteiro será credor de perdas e danos,
materiais e extrapatrimoniais, se for o caso.
Também haverá responsabilidade civil do empreiteiro se este
suspender a obra sem justo motivo (CC, art. 624), hipótese em que
responderá por perdas e danos.
Excepcionalmente, será possível suspender a obra nos casos
previstos no art. 625 do CC, ou seja: a) por culpa do dono, ou por
motivo de força maior; b) quando, no decorrer dos serviços, se
manifestarem dificuldades imprevisíveis de execução, resultantes
de causas geológicas ou hídricas, ou outras semelhantes, de modo
que torne a empreitada excessivamente onerosa, e o dono da obra
se opuser ao reajuste do preço inerente ao projeto por ele ela-
borado, observado os preços; c) se as modificações exigidas pelo
dono da obra, por seu vulto e natureza, forem desproporcionais
ao projeto aprovado, ainda que o dono se disponha a arcar com o
acréscimo de preço.
Em arremate, observe-se que a morte das partes não acarreta-
rá a extinção do contrato de empreitada que, como visto, transmi-
te-se hereditariamente.
Eis o que prescreve o art. 626 do CC: "Não se extingue o contrato
de empreitada pela morte de qualquer das partes, salvo se ajustado
em consideração às qualidades pessoais áo empreiteiro".
Cap. s• Empreitada 563

·.".:et.m.",,,iit·ali\'
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1
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A respeito do cqntQtto deie.rt),P~$Iti~~.·hp'~~\a~r~:


1: Em regra; ex:tingue'"~e o· Çonttâto de etfipreitada em caso
ele faleci-
mento. de quaisque~ das partes~·· · ·
11. s~· o êin~fêiiêlro; poF tltlper(thí õu hegíigêrlda; deteriorar ds'·Má~
1

te1:7iaJs que re,Çebeu do proprietário, inutilizando-os, é obrigado a •.


Ri~~~~p~t·~!~~h; ..• ••;,,til'· • ,,, ;, " '
IJI. 9: .em.Pr~i~.eir:q,r~sr>9nc\e por, p,erdas e dano~:. se ,suspender a exe,c[l-
ção da empreitada.sem justa.: causa~
IV. O proprietário pode; com() regra,, .à(te~ar o projeto da obra, mesmo
sem a anuência de seu. autor, ·
De acordo com o Código Óvil, está corretê{o que s.e afirma em
·a) 1,11~meiv.
b) li e 111, apenas.
e) Ili elV~ apemi.s.
d) li e IV, ..apenas.
e) l e li, apenas.
Gabarit.o: b

5. EXTINÇÃO DA EMPREITADA

o contrato de empreitada poderá ser extinto por oito maneiras


distintas, e que muito se assemelham com as regras gerais de tér-
mino dos negócios jurídicos.
Em primeiro lugar, a empreitada poderá ser extinta em decor-
rência da entrega da obra, da realização efetiva do resultado obje-
to do negócio jurídico, dentro dos exatos limites daquilo que restou
pactuado. É a extinção desejada. O adimplernento do negócio jurí-
dico enseja o seu término natural.
Em segundo lugar, o contrato de empreitada poderá ser extinto
pela resilição unilateral do comitente ou dono da obra, também
denominada de denúncia vazia, hipótese em que este deverá pa-
gar perdas e danos ao empreiteiro, nos exatos termos do art. 623
do cc.
564 Direito Civil - Vol. 13 • Luciano figueiredo e Roberto figueiredo

Em terceiro lugar, o contrato de empreitada poderá ser extin-


to pela resilição unilateral do empreiteiro, hipótese na qual este
pagará indenização ao dono da obra, desde que presentes os ele-
mentos do dever de reparar o dano.
Em quarto lugar a resilição bilateral, também denominada de
distrato, poderá ser causa extintiva da empreitada, quando em-
preiteiro e dono da obra, consensualmente, decidem dar fim ao
pacto.
Em quinto lugar, o contrato de empreitada poderá ser extinto
por resolução extrajudicial, ou mesmo judicial, situação em que se
debaterá a existência de ato ilícito de um dos contratantes, carac-
terizador de descumprimento contratual.
Em sexto lugar pela morte do empreiteiro acaso o contrato de
empreitada tenha sido celebrado de maneira personalíssima.
Em sétimo lugar pela falência do empreiteiro.
Em oitavo e último lugar por caso fortuito ou força maior.
Capítulo a.:· • •

Mandato

l. NOTA INTRODUTÓRIA: CONCEITO, NATUREZA JURÍDICA E DIFERENÇA EN-


TRE MANDATO E PROCURAÇÃO
Sem dúvida, o contrato de mandato é um dos mais importantes
aos operadores do Direito, podendo ser conceituado como um "ne-
gócio jurídico por meio do qual uma pessoa (mandatário ou outorgado)
recebe poderes de outra pessoa (mandante ou outorgante) para, em
nome desta, praticar um ato (ou um conjunto de atos) ou administrar
interesses", como afirmam CRISTIANO CHAVES OE FARIAS E NELSON RoSENVAL0 1 •
FLÁVIO TARTUCE conceitua o mandato como o "contrato pelo qual
2

alguém (o mandante) transfere poderes a outrem (o mandatário)


para que este, em seu nome, pratique atos ou administre interesses".
Para 0RLANoo GoMEs 3 o mandato é "a relação contratual pela qual uma
das partes se obriga a praticar, por conta da outra, um ou mais atos
jurídicos".
Nos termos do art. 653 do CC "Opera-se o mandato quando al-
guém recebe de outrem poderes para, em seu nome, praticar atos ou
administrar interesses. A procuração é o instrumento do mandato".
recorda que mandato não se confunde
CARLos RosERTO GoNçALvEs4
com mandado. O mandato é o contrato, objeto do nosso estudo. o
mandado é ordem judicial.

l. CHAVES DE FARIAS, Cristiano e ROSENVALD, Nelson. Curso de Direito Civil. Contratos.


Teoria Geral e Contratos em Espécie. 4• edição. Salvador: ]usPodivm, 2014, p.
908.
2. TARTUCE, Flávio. Direito Civil. Teoria Geral dos Contratos e Contratos em Espécie.
lo• edição. São Paulo: Método, 2015, p. 553.
3. GOMES, Orlando. Contratos. 2• edição. Rio de Janeiro: Forense, 2009, p. 347.
4. GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito Civil Brasileiro. Contratos e Atos Unilaterais.
São Paulo: Saraiva, 2004, v. Ili, p. 411.
566 Direito Civil - Vol. 13 • Luciano Figueiredo e Roberto Figueiredo

RODOLFO PAMPLONA E PABLO STOLZE 5 esclarecem: o mandato é o con-


trato, ou seja, "a causa do vínculo jurídico que une dois sujeitos
e disciplina a realização de determinada conduta, de interesse de
ambos, a saber, a prática de atos ou administração de interesses".
Este contrato típico, em linha de princípio, interesse "somente às
partes contratantes". A procuração, por outro lado, "tem sentido
muito mais amplo do que o previsto no mencionado dispositivo legal",
notadamente para significar o instrumento do contrato de mandato
(o documento, o título).
Duas importantes questões são apresentadas nesta norma regra.
Em primeiro lugar, o legislador trata do mandato e evidencia que
o mesmo se caracteriza pelo fato de uma pessoa transferir, à outra,
poderes para a prática de atos e a administração de interesses.
Portanto, a primeira ideia que a legislação pátria traz sobre o man-
dato gira em torno da representação. Significa dizer que o mandatá-
rio (aquele que recebe os poderes, em transferência para a prática
de atos e para a administração de interesses) será o representante
do mandante (aquele que transfere os poderes para que alguém o
represente em seu próprio nome). Por isto que a expressão "prati-
car atos ou administrar interesses" há de ser compreendida "em seu
sentido amplo", como defendem CRISTIANO CHAVES DE FARIAS E NELSON RosENVALD6 •
o mandatário representa o mandante, como ensina CARLOS ROBERTO
GoNÇALVES7•
A segunda situação jurídica posta no aludido artigo de lei diz
respeito à procuração, que segundo a norma será o "instrumento
do mandato", ou seja, o documento que comprovará a qualidade
jurídica do mandatário, que demonstrará, a quem interessar pos-
sa, que aquela determinada pessoa efetivamente é o representan-
te legal do mandante.

5. PAMPLONA FILHO, Rodolfo e GAGLIANO, Pablo Stolze. Novo Curso de Direito Civil.
Contratos em Espécie. 6• edição. São Paulo: Saraiva, 2013, p. 360.
6. CHAVES DE FARIAS, Cristiano e ROSENVALD, Nelson. Curso de Direito Civil. Contratos.
Teoria Geral e Contratos em Espécie. 4• edição. Salvador: JusPodivm, 2014, p.
909.
7. GONÇALVES, carlos Roberto. Direito Civil Brasileiro. Contratos e Atos Unilaterais.
São Paulo: Saraiva, 2004, v. Ili, p. 386..
Cap. 6 • Mandato 567

ORLANDO GoMES8 leciona que "A prática de qualquer negócio jurídico


pode ser objeto de mandato", no que devemos acrescer, à luz da legis-
lação vigente, que todas as pessoas capazes são aptas para dar pro-
curação mediante instrumento particular, que valerá desde que tenha
a assinatura do outorgante, na forma do art. 654 do CC. Portanto, a
capacidade geral será suficiente para autorizar à pessoa firmar procu-
ração e contratar o mandato. No mesmo sentido, CARLos RoBERTo GoNÇALvES9.
RODOLFO PAMPLONA EPABLO STOLZE1º recordam que a legislação brasileira
permite aos relativamente incapazes maiores de 16 anos serem
mandantes, ou mesmo mandatário, por força do art. 666 do cc,
segundo o qual, "O maior de dezesseis e menor de dezoito anos não
emancipado pode ser mandatário, mas o mandante não tem ação
contra ele senão de conformidade com as regras gerais, aplicáveis às
obrigações contraídas por menores".
CARLOS RoBERTo GoHÇALVES 11 entende que os incapazes não podem
subscrever contrato de mandato, seja, absolutamente, sejam rela-
tivamente. Advoga a tese de que os absolutamente "não assinam a
procuração, que é outorgada pelo seu representante lega/", enquanto
que os relativamente incapazes "são assistidos pelos seus represen-
tantes legais e firmam a procuração junto com estes".
A legislação brasileira faz expressa referência às informações que
deverão estar contidas no instrumento particular, entre as quais a
indicação do lugar onde foi passado, a qualificação do outorgante e
do outorgado, a data e o objetivo da outorga com a designação e a
extensão dos poderes conferidos (§1° do art. 654 do CC).

8. GOMES, Orlando. Contratos. 2• edição. Rio de Janeiro: Forense, 2009, p. 349.


9. GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito Civil Brasileiro. Contratos e Atos Unilaterais.
São Paulo: Saraiva, 2004, v. Ili, p. 412.
10. PAMPLONA FILHO, Rodolfo e GAGLIANO, Pablo Stolze. Novo Curso de Direito Civil.
Contratos em Espécie. 6• edição. São Paulo: Saraiva, 2013, p. 365.
n. GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito Civil Brasileiro. Contratos e Atos unilaterais.
São Paulo: Saraiva, 2004, v. Ili, p. 417.
568 Direito Civil - Vol. 13 • Luciano Figueiredo e Roberto Figueiredo

Na prática, muitas vezes os contratantes não seguem o rigor da


recomendação normativa. Casos existem, até mesmo, de mandato
verbal, tácito, não escrito, ou ainda de procurações genéricas, sem
a indicação, por exem'plo, dos objetivos da outorga ou da desig-
nação, muito menos da extensão dos poderes conferidos, o que
configurarão vícios a serem sanados, na medida do possível.
É muito importante, contudo, dar cumprimento ao comando legis-
lativo .. Isto porque o terceiro com quem o mandatário tratar poderá
exigir a apresentação do referido documento e até mesmo que a pro-
ruração traga a firma reconhecida (§1°, do art. 654, CC), de maneira que
todo o cuidado é recomendado na produção do referido documento.

'háí
fnla
"êrlul'
evifüe:
'ávan •. . .o:J:çi~~fjí;rna; sençlo;
'verc.ta <;Jjnti (til~.s~;t(!fere ã ins,; •
trumeryt,'!í<I~ .l(lªj:je.. d.~1;~.t~cesso Civil.·
RODOLFO PAMPLONA EPABLO STOLZE 12 recordam que importante "mudança
de diretriz da nova codificação" residiu exatamente no "entendimen-
to de que a exigência de reconhecimento de firma não é um requisito
indispensável para a validade perante terceiros, mas, sim, uma for-
malfdade que este mesmo terceiro pode exigir ou dispensar".
O contrato de mandato é um negócio jurídico consensual, típico,
paritário ou de adesão, nominado, comutativo, informal, não solene,
personalíssimo, por meio do qual o mandante transfere ao mandatá-
rio poderes de administração para a prática de atos de administra-
ção, que encerram obrigações de dar ou de fazer, via de regra. Neste
sentido, CR1sT1ANo CHAVES oE FARIAS ENELSON RosENVALD' 3 e CARLos ROBERTO GoNÇALvEs' 4 •

12. PAMPLONA FILHO, Rodolfo e GAGUANO, Pablo Stolze. Novo Curso de Direito Civil.
Contratos em Espécie. 6• edição. São Paulo: Saraiva, 2013, p. 369.
13. CHAVES OE FARIAS, Cris.tiano e ROSENVALD, Nelson. Curso de Direito Civil. Contratos.
Teoria Geral e Contratos em Espécie. 4• edição. Salvador: JusPodivm, 2014, p. 909.
14. GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito Civil Brasileiro. Contratos e Atos Unilaterais.
São Paulo: Saraiva, 2004, v. Ili, p. 413.
Cap. 6 • Mandato 569

Uma importante regra a respeito do contrato de mandato está


assentada no art. 655 do CC, nos seguintes termos: "Ainda quando
se outorgue mandato por instrumento público, pode substabelecer-se
mediante instrumento particular".
Trata-se de uma regra que deverá despertar muita atenção,
tendo em vista a tendência em se imaginar haver paralelismo das
formas, o que, no contrato de mandato é ledo engano!
Trocando em miúdos, significa dizer que o fato de o mandato
ter sido formalizado por meio de instrumento público não impõe
que um eventual substabelecimento que decorre deste ajuste tam-
bém se dê por meio de instrumento público. Não. A regra é clara:
será possível, ainda assim, o substabelecimento por instrumento
particular.

• Ate~ção!,. ·..•.. • . . • 1~ ·. 1,•J~;;,;,r\ .. ·. · ·.} :1 ,)s;)xÚ: . . . •1 ;;

o EnunCiaCIC:. 182;d,o CJFiccincltif(f~qu~~{)!:m~tici<it~tolJt ··· â~pôfürístrumêrt~·


tq .R~b!i:5°Rf~~!~<?t;'!H j~f!;.'f.s~ .. '· ~s ~~niMft1'•18~iif~ . h:imtg. RQ,~{ç~!Clr
quando a formg ppl),flçq~frft tWffe nM;,t .·~ªf'(! $,l1P$,tâ11çia do ato";
Trata-se .de, ~m~.iJ.l1port~11lel;~ej~o doJ.Jt .· .:~~;.~11af~~' ~9 ntas: p~ra,
os casos elJl que a léi eScigi.t:. •qete~sariamênfe! a,f,'totúH(~o: pôr instrui,
mento público não será possível. o súb~abeteí::lt:nefo(.) p&r instrumento ·
particular. Um belo exemplo Pélra melhor éompreetider o àssunto gira em
torno da procuração para o .casamento que, 11ª forma do art, i.542 do cc,
será, necessariamente,· por instrumento públko .. Neste caso., um eventual
substabelecin:iento também deyerá ser por instrume.nto público. ·

2. MANDATO EXPRESSO X MANDATO TÁCITO


Nos exatos termos do art. 656 do CC o "mandato pode ser ex-
presso ou tácito, verbal ou escrito".

Imagine uma situação jurídica, por exemplo, na qual um advoga-


do se apresente ao lado de um cliente para realizar uma audiência
570 Direito Civil - Vol. 13 • Luciano Figueiredo e Roberto Figueiredo

e, neste momento, não esteja munido de nenhuma procuração.


Apesar disto, neste exemplo, imagine que o advogado sente-se ao
lado do cliente e realize a audiência, praticando os atos de repre-
sentação necessários à defesa técnica da parte. Sem dúvida existiu
contrato de mandato, de maneira tácita, não escrita, não expressa.
Em reforço a esta ideia, o art. 659 do cc prevê que "A aceitação
do mandato pode ser tácita, e resulta do começo de execução". Eis
a hipótese. o fato de o advogado ter comparecido e realizado a
audiência demonstra aceitação do mandato e começo de execução
do mesmo, no caso para ambas as partes.
Extrai-se também uma ideia simples do artigo de lei acima identifi-
cado, qual seja a de que a aceitação do mandato poderá ser tácita ou
expressa. Note-se, contudo, que o silêncio não importa aceitação, na
forma do art. n1 do CC, de modo que apenas o início da execução do
mandato é que configurará a aceitação tácita, vale dizer, decorrente
de um ato positivo do mandatário de representar o mandante.
Evidentemente que existirão exceções à possibilidade do man-
dato tácito. O art. 657 do CC, ilustre-se, adverte que a outorga
do mandato está sujeita à forma exigida por lei para o ato a ser
praticado e não admite mandato verbal quando o ato deva ser
celebrado por escrito.
FLÁv10 TARruce 1 s recorda um belo exemplo a este respeito, qual seja
o mandato para prestar fiança: "O mandato verbal não é admitido
para os casos em que o ato deva ser celebrado por escrito, caso, por
exemplo, do mandato para prestar fiança (art. 819 do CC)". No mesmo
sentido, CARLOS Roemo GoNçALvEs 16 aduzindo que "O mandato tácito só é
admissível nos casos em que a lei não exija mandato expresso".

3. CLASSIFICAÇÃO
É possível classificar o contrato de mandato por várias pers-
pectivas: quanto à origem (legal. judicial ou convencional), quanto

15. TARTUCE, Flávio. Direito Civil. Teoria Geral dos Contratos e Contratos em Espécie.
10ª edição. São Paulo: Método, 2015, p. 557.
16. GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito Civil Brasileiro. Contratos e Atos Unilaterais.
São Paulo: Saraiva, 2004, 'J. Ili, p. 423.
Cap. 6 • Mandato 571

à remuneração (oneroso ou gratuito), quanto aos sujeitos subs-


critores (singular ou simples, plural em conjunto ou simultâneo,
ou solidário, ou fracionário, ou sucessivo/substitutivo), quanto ao
modo de manifestação da vontade (expresso ou tácito), quanto à
forma (verbal ou escrita), quanto aos poderes (geral ou especial).
Dessa maneira, a depender da doutrina lida ou da perspectiva que
se deseje apresentar, surgirão várias classificações sobre o tema.
Utilizaremos aqui, a título de base doutrinária, a classificação
adotada pelo professor FLÁv10 TARrucE 11 por nos se apresentar, para
fins desta obra, como uma das mais recomendáveis ao estudo des-
te específico tema.

3.1. Quanto à Origem: Mandato Legal, Judicial e Convencional


a) Mandato Legal.
Um belo exemplo do mandato legal é aquele conferido aos advo-
gados públicos para representar as pessoas jurídicas de direito públi-
co, em juízo ou mesmo extrajudicialmente. Existem várias outras situa-
ções de representação legal, muitas no direito de família, a exemplo
também dos curadores, tutores e genitores. Neste tipo de mandato os
poderes de representação surgem diretamente da norma.
b) Mandato Judicial.
Esta representação tem uma finalidade juridica específica, qual
seja a do contencioso. Envolve um litígio. Pressupõe a existência de
um processo judicial. Recorde-se que este mandato não envolverá
apenas os advogados, como também outros representantes judiciais,
tais como o inventariante e o administrador de uma massa falida.
c) Mandato convencional.
É o que efetivamente decorre do contrato típico de mandato,
da autonomia privada. Pressupõe o consenso e a existência de um
negócio jurídico. Está diretamente disciplinado pelo Código Civil e
pelas regras do mandato. Eventualmente poderá ser encontrado

17. TARTUCE, Flávio. Direito Civil. Teoria Geral dos Contratos e Contratos em Espécie.
10ª edição. São Paulo: Método, 2015, p. 558/560.
572 Direito Civil- Vol. 13 • LUciano Figueiredo e Roberto Figueiredo

em regras apartadas, como no mandato para o casamento, previs-


to no art. i.542 do cc.

3.2. Quanto à Remuneração


Nos termos do art. 658 do cc, "o mandato presume-se gratuito
quando não houver sido estipulada retribuição, exceto se o seu objeto
corresponder ao daqueles que o mandatário trata por ofício ou profis-
são lucrativa", arrematando o parágrafo único do aludido preceito
que se o mandato for oneroso, caberá ao mandatário a retribuição
prevista em lei ou no contrato. Sendo estes omissos, será ela deter-
minada pelos usos do lugar, ou, na falta destes, por arbitramento.

~. E~~;~~~dj:·~~~ < · .. •·•· .· •.•· ·:•· z; •. •.~;z;;:,. ··.···


Ano:. 2015 Ban&: ti$,~'. oraão: Pe~rpbra!i Pr9Y~f Pr~~~~i()n~l;Júflior
:i<>
Nos termos d~· çÓtíLgp .d$11; ,se o mand13.t.o 1o~;·ôn~r~~o, ~a~eJi. ap man-
·<latãrlo a r~ffi~&t~R.:~~t?)ltsta~h1:1e!~u:.º~·i:§n.trtit6!'~ ;~1·r~,';:::i. •.·
1
>
sendo· estés ófnis~ds~ sérâ ela d~termii;íada J?.êlos Us.os.do lugar, .o~; na
falta destes, p~f•'" J;;::;,;•:i ·. ·. •.' e.. ; ' • \·~~;'.'"' • · •.1 ::•'~ :.e · ·•z...·.•·
a) convem;ãQ ,; ·· ·· · '· ·
'' ,,f ' ,-, ,,

b) mediação.
e)
d) a<;ordo
e) dedsão jú,dlcial.
Gabarito: e·

Como se pode perceber, no que diz respeito à obrigatoriedade


ou não de se remunerar o mandatário, ou seja, no dever jurídico
que eventualmente o mandante tenha de lhe pagar pela prática do
ato de representação e de administração dos bens, será possível
classificar esta modalidade contratual em:
a) Contrato de Mandato Oneroso.
É a modalidade de contrato de mandato na qual o mandante,
aquele que transfere os poderes de representação, deverá pagar
ao mandatário uma contraprestação pela prática dos atos de ad-
ministração. De acordo com a norma, se a atividade do mandatário
for exatamente a de administração e representação, típica do seu
Cap. 6 • Mandato 573

ofício, da profissão que exerça, o mandato será oneroso. Haverá,


assim, uma presunção jurídica de onerosidade.
b) Contrato de Mandato Gratuito.
Em linha diametralmente oposta, o contrato de mandato gra-
tuito se caracterizará pelo fato de o mandante não ter obrigação
jurídica de pagar qualquer tipo de retribuição ao mandatário pelos
serviços de representação executados por este. Também existirá,
por força da lei, presunção jurídica para os casos de mandato gra-
tuito. A propósito, o legislador é claro ao afirmar sobre a presun-
ção de gratuidade quando as partes não estipularem remuneração
e, como visto acima, desde que não se trate de ofício ou de ativi-
dade profissional desenvolvida pelo mandatário.

3.3. Quanto aos Sujeitos


o contrato de mandato poderá envolver apenas dois sujeitos,
o mandante e o mandatário, ou ainda vários sujeitos. É o que sus-
tentam CR1sr1AN0 CHAvEs oE FARIAS E NEtsoN RosENVAL0 18• Exatamente por con-
ta disto, também, será importante construir uma classificação que
considere as pessoas que integram a relação júrídica, notadamente
na figura do mandatário, razão pela qual o mandato poderá ser:
a) Mandato Simples ou Singular.
É simples o contrato de mandato quando o mandatário for uma
só pessoa. Imagine o exemplo de um cliente que contrata Úm único
advogado para patrocinar a causa. Tem-se um negócio jurídico envol-
vendo apenas um mandante e um mandatário. Eis o mandato singular.
b) Mandato Plural.
Trata-se de um contrato de mandato no qual existirão dois ou
mais mandatários nomeados no mesmo instrumento. É disciplinado
no art. 672 do CC, segundo o qual "Sendo dois ou mais os mandatá-
rios nomeados no mesmo instrumento, qualquer deles poderá exer-
cer os poderes outorgados, se não forem expressamente declarados
conjuntos, nem especificamente designados para atos diferentes, ou
subordinados a atos sucessivos. Se os mandatários forem declarados

18. CHAVES DE FARIAS, Cristiano e ROSENVALD, Nelson. Curso de Direito Civil. Contratos.
Teoria Geral e Contratos em Espécie. 4• edição. Salvador: JusPodivm, 2014, p. 920.
574 Direito Civil - Vol. i3 • LUciano Figueiredo e Roberto Figueiredo

conjuntos, não terá eficácia o ato praticado sem interferência de to-


dos, salvo havendo ratificação, que retroagirá à data do ato".
É relativamente fácil distinguir a figura do mandato simples ou
singular, da figura do mandato plural, referida no art. 672 do CC. En-
tretanto, faz-se mister advertir que dentro do conteúdo e da classi-
ficação do denominado mandato plural existirão subclassificações.

3.4. Quanto à Forma


No que toca à forma por meio da qual o contrato de mandato se
expressará a doutrina o classifica em mandato verbal, de um lado,
e mandato escrito, de outro.
a) Mandato Verbal.
Nos termos do art. 107 do CC os negócios jurídicos se subme-
tem à forma simples, razão pela qual poderão ser realizados até

PAMPLONA FILHO, Rodolfo e GAGLIANO, Pablo Stolze. Novo Curso de Direito Civil.
Contratos em Espécie. 6• edição. São Paulo: Saraiva, 2013, p. 366.
Cap. 6 • Mandato 575

mesmo de maneira não escrita. O mandato verbal é possível de ser


celebrado em toda e qualquer situação jurídica na qual a norma
não exigir, expressamente, a forma escrita para o ajuste. Desta
maneira, como hipótese de exceção, não havendo exigência de
mandato escrito, será juridicamente possível que o contrato de
mandato acontece de maneira verbal.
Uma bela ilustração disto se encontra no já referido art. 659
do cc, cujos termos assim estão redigidos: "A aceitação do manda-
to pode ser tácita, e resulta do começo de execução". Aqui se terá
não apenas o tema da aceitação tácita como, principalmente para
os fins agora analisados, a figura do mandato verbal, não escri-
to, que se originou do início da execução da prática dos atos de
representação.
b) Mandato Escrito.
Por exclusão lógica, o mandato escrito será aquela modalida-
de de contrato imposta expressamente pela legislação. Em outras
palavras, sempre a letra da lei exigir será obrigatório o mandato
escrito, seja na forma pública, seja por instrumento particular.

3.5. Quanto aos Poderes: Geral e Especial


Nos termos do art. 660 do CC "O mandato pode ser especial a um
ou mais negócios determinadamente, ou gera/ a todos os do mandan-
te". De igual sorte, o art. 661 do CC traz a regra de que o mandato
em termos gerais só confere poderes de administração.
A análise destes dispositivos legais evidencia a possibilidade
de se classificar o contrato de mandato também pela extensão dos
poderes conferidos ao mandatário.
a) Poderes Gerais.
A regra é a de que os poderes são gerais, vale dizer, exclusivos
para os atos de administração. Os poderes especiais, ou atípicos,
não se presumem. Significa dizer que para que o mandatário tenha
poderes especiais será imprescindível expressa previsão no con
trato de mandato. Portanto, em via de regra, em linha de princípio,
o mandatário terá tão somente poderes gerais para administração
do patrimônio.
576 Direito Civil - Vol. l:J • Luciano Figueiredo e Roberto Figueiredo

b) Poderes Especiais.
Na melhor forma do § 12 do art. 661 do CC para "alienar, hipotecar,
transigir, ou praticar outros quaisquer atos que exorbitem da administra-
ção ordinária, depende a procuração de poderes especiais e expressos".
Estes são alguns dos poderes especiais ilustrativamente inseridos na
norma e que não se presumem, razão pela qual para que o manda-
tário possa exercê-los deverá contar com expressa procuração a este
respeito, com expressão menção destes poderes no instrumento.

RODOLFO PAMPLONA E PABLO STOLZE19 recordam que será até mesmo ao


mandatário realizar a confissão como representante do mandante
"desde que tenha poderes para tal mister'', nos termos e limites
do art. 213 do cc segundo o qual "Não tem eficácia a confissão se
provém de quem não é capaz de dispor do direito a que se referem
os fatos confessados". Sobre o tema, o parágrafo único do mesmo
dispositivo arremata: "Se feita a confissão por um representante, so-
mente é eficaz nos limites em que este pode vincular o representado".

I> E na hôt.;i da próv,a?


Ano: 2014 Banca: MS CONCURSOS órgão: CRE'.A2MG Pró~:ii'PrÓfissióiial ·(j e
Nível superior - Direito ·· ·· · ·
Analise as assertivas a· seguir, acerca do.mandato:
retribl:tlçãQ, e>.<~etó s~ .9 seú biJJciio côtrés.r>~nder'~o daêiüelés qué o
mandatário trata pbrofí~iO'oµ profissão·lucfativa'.•. •i .·.· ... ·. . . · :: '.
1- o mandato presume:;s~ 'gratuit(quando ri~o hquvetsidó·.estipuíada

19. PAMPLONA flLHO, Rodolfo e GAGLIANO, Pablo Stolze. Novo Curso de Direito Civil.
Contratos em Espécie. 6• edição. São Paulo: Saraiva, 2013, p. 373.
Cap. 6 • Mandato 577

u - ~tf o manq~t<Ú~r. on'.eroso; ca~érâ. ~C)·.~a~~ãt


1
vista em l~i ou. no éoritratô'. ~êncio'est~s· 61Wís~os
pelos usos d o fogar, <iu~ oà·'ra lta aé~tes; por
ã~btt ..
111 - 'A acéitaçãc{.dÕ ma«cla(4>Pc;éÍ~ s~f tã~r~; ·
~:~~=~dato'.·~o~~:~~~J;Z~ú~
mei:ite~ ou.ge~J.a,:;t~.
·· ·

~é~~ó:~~~~t~~ià
o quesé.a~rma;e'!ni1à;
a) 1, 11, Ili, 1v e V. · · ··
b) li, Ili é V.
e) 1, IV e V.
d}!, Ili e IV.'.
Gabarito: a

4. O MANDATO NO PLANO DA EFICÁCIA


É chegada a hora de avançar ponto a ponto no regime jurídico
do contrato de mandato, de acordo com a legislação brasileira.
Para fins didáticos, iremos separar cada um dos assuntos por te-
mas, de acordo com o desenvolvimento da análise legislativa.

4.1. Atos Praticados por quem não Tenha Mandato


Por força do art. 662 do CC "Os atos praticados por quem não
tenha mandato, ou o tenha sem poderes suficientes, são ineficazes
em relação àquele em cujo nome foram praticados, salvo se este os
ratificar". Esta ratificação "há de ser expressa, ou resultar de ato
inequívoco, e retroagirá à data do ato", como adverte o parágrafo
único do referido diploma.
A regra, portanto, é a da ineficácia dos atos praticados por
quem efetivamente não se encontrar munidos pelos poderes de
representação em relação ao mandante, de modo que não se es-
tará vinculando em termos obrigacionais o mandante. A lição é de,
como advertem CRISTIANO CHAVES DE FARIAS E NELSON ROSENVALD 20 •

20. CHAVES DE FARIAS, Cristiano e ROSENVALD, Nelson. Curso de Direito Civil. Contratos.
Teoria Geral e Contratos em Espécie. 4• edição. Salvador: JusPodivm, 2014, p. 928.
578 Direito Civil - Vol. 13 • Luciano Figueiredo e Roberto Figueiredo

A exceção a esta regra girará em torno do princípio da conser-


vação dos negócios jurídicos, isto porque o texto de lei permitirá
ao mandante a prática de ato posterior de ratificação, caso em que
terá o seu status obrigacional alterado, ou seja, passará a se vincu-
lar, a se obrigar em decorrência da ratificação que deu e desde a
origem do ato praticado (eficácia negocial ex tunc).

~11~1;~~1'4fi~~~}~tf' . .'. '. ;'., 'it~;\~~J.~ .


ASsln~te a;altemátJ'1a·~ue é.pf'.~seÍ1t~ a•.àf'irr;ttêl O;C()IT,étêl à ite$peJt(Ji d!:\.
discipllna•do manqatono·G~digp Civil•:.... ·.··<··········· .. . ;. ; ~:.·~:. i'·Y<.
a) N> .·pessoas capazes .são aptas paraJ:1ar protur,açãc> m~diànt~ 'ins::
trt.tínento párticular, quê wlêra's.Oment~· cpmi .firma: rec(jrihêcida •. do
outorgante. .· .· · ... . .· ·.·.· . . : . . • </
b) o mandato outorgado por ln~t~ument9,pü~.lico não pode s~r s1-!1Jstél-
··. belecido medi;lnte instruíne~to .P~r:ticul~r .•.. · ..·.....•.. ·. •· · ...•.. ·.·•· . · /;: ·..•·
e) Os.. âtos praticados porcttiefU·óãb't~ntiêl mandato,;(J~···ó\terift~ ~em
poderes suficientés, são inefl~êl~e~ ern.n;tação à.quele et'll.'il·füM'!ºrne
foram praticados, salvo se este 9~. ~tifi~<.tr. · ;' · .·. . • .·.. ·. ·. .. .•.•. ...
d) ·o martdatário .pode c;:o[J'rpetlsar os preJuítosâ•que deu tau~<J•Com os
Proveitos que, ·por outro Jadó; tenha%gfé.ojeado ao: seu constituinte.
e) Quando a cláusula de irreVO~bJlldade for condiçãó dê'Uffi negócio
bilaterat; a. revogação d() mandato ac.amnará1·pet:d<1s e danoS, em
favor do mandatário.
Gabarito: e

4.2. Os Atos Praticados pelo Mandatário em Nome Próprio (e não


em Nome do Mandante)
Outro importante regramento no plano da eficácia gira em torno
do art. 663 do cc, que comtempla a seguinte redação: "Sempre que
o mandatário estipular negócios expressamente em nome do man-
dante, será este o único responsável; ficará, porém, o mandatário
pessoalmente obrigado, se agir no seu próprio nome, ainda que o
negócio seja de conta do mandante".
FLÃv10 TARrucE" esclarece este tema sustentando que "Haverá
responsabilidade pessoal do mandatário se ele agir em seu próprio

21. TARTUCE, Flávio. Direito Civil. Teoria Geral dos Contratos e Contratos em Espécie.
10• edição. São Paulor Método, 2015, p. 553.
Cap. 6 • Mandato 579

nome, ainda que o negócio seja por conta do mandante". Vale dizer,
não há, de rigor, relação jurídica entre o mandante e o terceiro,
mas apenas entre o mandatário (em nome próprio) e o terceiro.
Por isto, o mandatário restará pessoalmente vinculado.

• En~tto~•·clª,p~? . ·.•..·..· · ·..· ·........ ·· ·•• ·. ·.· ·.· .. ···.·•. ·..... ·• .·· ..•· ·.. ·· .·
~:~t~·~~~:r:f
!:ort .··
"t~mt~~t~~~~~~f~t~H~~:~~~~~~~z~~~i~;~6~'i1a~~~~
"Sem fü •· ne.·o{' 'iõ .e.stf i.ílar .oe-
g~~i . '·211~~fíri~~ãli\t,J. . •'f!ê'"i/'JIM~: rJs~
e

t'.i~fi~i'' ...· ... ·. · .....·. ~·Qmantlâtáftij•;pêssn~llti e óbrig~dó, ~~ ã ir


rio sêü 'prõpriO'noWré, ·atHda qíicfo tiêgôéió' sêJa'.détonta qo 1mandant!".

4.3. O Direito de Retenção


A legislação cível autoriza o mandatário a exercer direito de
retenção nos limites dos valores que bastem para o pagamento da
retribuição que lhe for devida pela prática dos atos de administra-
ção e representação. Evidentemente que se trata de um preceito
legal envolvendo apenas o mandato oneroso.
Eis o que diz o art. 664 do CC "O mandatdrio tem o direito de
reter, do objeto da operação que lhe foi cometida, quanto baste para
pagamento de tudo que lhe for devido em consec1üência do mandato".
E não poderia ser diferente, afinal de contas "O mandatário tem
sobre a coisa de que tenha a posse em virtude do mandato, direito
de retenção, até se reembolsar do que no desempenho do encargo
despendeu". É o que adverte o art. 681 do CC.

1- Enahoni4~·PfQVa?. .. . ··.··•• . .·.. . .


A ba~~~ ~;~rni·IJ~fid&·FIZ~ em.prova,•de. c;on<lllr;so. p~blico r~alizado pata.
o provimento do carg9de Analista Judiciá.r;i~,TRT ~.RegiãoíiulgoJ.J.INCO.R~
RETA .a.seguint~al~ern~tiva:'"O .m;mcjat~rio 11ão.tem·.qire1t() ·de retenção
sobre a, coisadequête!Jfta'apoise emyirt@e domani;fa~o; pelo r.ee.m.
bolso do que no ~~~empertho cio/enc;i~o despeadeu" · ·. · ·
580 Direito Civil - Vol. 13 • Luciano Figueiredo e Roberto Figueiredo

4.4. o Exercício em Excesso dos Poderes do Mandato


Reza o art. 665 do CC o seguinte: "O mandatário que exceder
os poderes do mandato, ou proceder contra eles, será considerado
mero gestor de negócios, enquanto o mandante lhe não ratificar
os atos".
É possível, então, que se aplique a uma situação de contrato de
mandato na qual se identifique exercício para além dos poderes
confiados pelo mandante a disciplina jurídica da gestão de negócios
prevista entre os arts. 861 a 875 do cc e que assim acontecerá e
gerará efeitos "enquanto o mandante lhe não ratificar os atosN.

4.5. A Legitimação para Celebrar Mandato


o maior de dezesseis anos também estará autorizado, mesmo
não sendo emancipado, a subscrever contrato de mandato. Sig-
nifica isto dizer que o maior de dezesseis anos não emancipado
poderá ser tanto mandante, quanto mandatário.
A previsão se encontra no art. 666 do CC: "O maior de dezesseis
e menor de dezoito anos não emancipado pode ser mandatário, mas
o mandante não tem ação contra ele senão de conformidade com as
regras gerais, aplicáveis às obrigações contraídas por menores".
Interessante notar que a disciplina jurídica em destaque evi-
dencia, em certa media, preocupação com os valores da melhor
proteção do adolescente, aludidos no art. 227 da CF e expressos
pelas noções de proteção integral e prioridade absoluta, quando
limita as ações em face destes relativamente incapazes em confor-
midades "com as regras gerais, aplicáveis às obrigações contraídas
por menores".

~ E na hora da prova?
Ano: 2015 Banca: CESPE órgão: AGU Prova: Advogado da União
A respeito dos contratos, Julgue o pr(lximo item .à luz do Código Civil.
No mandato outorgacjo por.mandante capaz, são válíd.os os atos pra e
ticados por manditário corfl dezess~.i~ anos de idade;. ainda que não
emancipado, desde q~~ f1ãp sejélm exçedidos os limites dQ mandato.
Gabarito: correto·
Cap. 6 • Mandato 581

4.6. Substabelecimento
Nada obstante o contrato de mandato pressupor uma relação
personalíssima, o Código Civil expressamente admite a cessão dos
poderes recebidos pelo mandatário à outra pessoa, transferência
esta que se realiza por meio de um substabelecimento com ou sem
reserva de poderes, como advertem CRISTIANO CHAVES DE FARIAS E NELSON
RosENVAL0 22 •
Por força da legislação brasileira, portanto, o mandatário po-
derá substabelecer, ou seja, transferir os poderes que recebeu a
outrem, total, ou parcialmente, como autoriza o art. 667 do CC: "O
mandatário é obrigado a aplicar toda sua diligência habitual na exe-
cução do mandato, e a indenizar qualquer prejuízo causado por culpa
sua ou daquele a quem substabe/ecer, sem autorização, poderes que
deveria exercer pessoalmente".
A norma é tão curiosa que o §i 0 deste art. 667 do CC apresen-
ta intrigante preceito: "Se, não obstante proibição do mandante, o
mandatário se fizer substituir na execução do mandato, responderá
ao seu constituinte pelos prejuízos ocorridos sop a gerência do subs-
tituto, embora provenientes de caso fortuito, salvo provando que o
caso teria sobrevindo, ainda que não tivesse havido substabelecido".
A análise destes preceitos evidencia que é possível o substabe-
lecimento, delineando a responsabilidade civil do mandatário que
substabeleceu, entre outras questões.

5. MANDATO JUDICIAL
O art. 692 do CC prescreve que "O mandato judicial fica subor-
dinado às normas que lhe dizem respeito, constantes da legislação
processual, e, supletivamente, às estabelecidas neste Código".
A bem da verdade, o tema do mandato judicial é submetido à
disciplina do direito processual civil e também do Estatuto da Or-
dem dos Advogados do Brasil, vale dizer, a Lei Federal no 8.906/94.

22. CHAVES DE FARIAS, Cristiano e ROSENVALD, Nelson. Curso de Direito Civil. Contratos.
Teoria Geral e Contratos em Espécie. 4• edição. Salvador: JusPodivm, 2014,
p. 923.
582 Direito Civil - Vol. 13 • Luciana Figueiredo e Roberto Figueiredo

O art. 103 do Novo CPC (NCPC) prescreve que "A parte será repre-
sentada em juízo por advogado regularmente inscrito na Ordem dos
Advogados do Brasil", inaugurando o tema do mandado judicial no
ponto da capacidade postulatória.
Na lição de MAuRíc10 CuNHA, RoBERTo F1GuE1REDo E SABRINA DouRAD0 2 3 "Trata-
-se de um pressuposto processual subjetivo de validade do processo
consistente na capacidade de pedir e responder em juízo. Além do
advogado, os membros do Ministério Público e da Defensoria Pública
são dotados de capacidade postulatória, no exercício de suas atribui-
ções institucionais. A ressalva da parte final do dispositivo garante a
manutenção de garantias processuais assegurados a determinados
seguimentos vulneráveis da sociedade, a exemplo da mulher vítima de
violência doméstica e familiar, a quem é assegurada a prerrogativa de
postular diretamente em juízo a concessão de medidas protetivas de
urgência, por força dos arts. 22 a 24 da Lei 11.340/2006".

:/.. ~.''..·.··~.·> ·"'{:·::<:~~::'._:'.'.:J?JI~.··:·'.~;i'.:~A~:·;:i:.?·t~i/;'::.","·' ".:<· . .~··./:· . . . "


Nã:·foll . •. . . ~;4'!.,do .Es~atüto; da':~Jl(~/~~~1~~fo~osrttít.>~4"J~iv<1tivt1s0de •
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. s(tf!~(J~s~{'v{$hjf:J~ií.ais e .admfp(st~tJyasf"?\tv' ;4i;Ç·,~~~t~1.·.•"··'; >;v 11t111f; ··. •··

A petição inicial de qualquer demanda "deve vir acompanhada


de procuração, que conterá os endereços do advogado, eletrônico e
não eletrônico". Esta é a regra e está prevista no art. 287 do Novo
CPC (NCPC).
Dessa forma, de regra, o advogado é proibido de postular em
juízo sem procuração, sendo a dispensa da procuração hipótese
excepcional. Esta se justificará em casos de postulações urgentes
para evitar perecimento de direito, nas pegadas do art. 104 do
NCPC (salvo para evitar preclusão, decadência ou prescrição, ou para
praticar ato considerado urgente), hipótese na qual o causídico deve
requerer prazo de quinze dias para exibir o instrumento (prorro-
gável por mais quinze); ou, ainda, quando o patrocinador da causa
for a Defensoria Pública, que não se encontra obrigada a apre-
sentar procuração (vide Lei Complementar n° 80/94, que assegura

23. CUNHA, Maurício, FIGUEIREDO, Roberto e DOURADO. Sabrina. Comentários ao Novo


Código de Processo Civil. ia edição. r;>ecife: Armador, 2015, p. 134.
Cap. 6 • Mandato 583

como prerrogativa dos membros da Defensoria Pública "represen-


tar a parte, em feito administrativo ou judicial, independentemente
de mandato, ressalvados os casos para os quais a lei exija poderes
especiais", conforme art. 128, inciso XI); ou, finalmente, quando a
representação decorrer de norma prevista na Constituição ou em
lei, a exemplo da representação dos Estados e da União pelos res-
pectivos órgãos de consultoria. Neste último caso, ilustre-se com os
advogados públicos (CF, art. 132).

Outra relevante consideração a se fazer reside no fato de que


os processualistas brasileiros, em sua maioria, entendem que a
indicação do endereço, eletrônico ou não, do advogado, constitui
requisito da petição inicial também no processo do trabalho. É o
que adverte a doutrina dos processualistas MAuRfeto CuNHA, RosERrn
FIGUEIREDO E SABRINA DOURAD02 ' .
Sobre o tema o ENUNCIADO 139 DO FóRUM PERMANENTE DE PROCESSUALISTAS Ctv1s;
"No processo do trabalho, é requisito da petição inicial a indicação
do endereço, eletrônico ou não, do advogado, cabendo-lhe atualizá-
-lo, sempre que houver mudança, sob pena de se considerar válida a
intimação encaminhada para o endereço informado nos autos".
Uma interessante novidade da codificação processual é a possibi-
lidade de assinatura digital da procuração (§10 do art. 105 do NCPC).
A procuração geral para o foro (ad judicia) está disciplinada
no art. 105 do NCPC e habilita o advogado para a prática de todos
os atos do processo exceto receber citação, confessar, reconhecer

24. CUNHA, Maurício, FIGUEIREDO, Roberto e DOURADO, Sabrina. Comentários ao Novo


Código de Processo Civil. lª edição. Recife: Armador, 2015, p. 306.
584 Dlrelto Civil - Vol. 13 • Luciano Figueiredo e Roberto Figueiredo

a procedência do pedido, transigir, firmar compromisso e assinar


declaração de hipossuficiência econômica. Portanto, para que o
causídico possa praticar estes atos deverá possuir procuração es-
pecial (ad judicial et extra).

No Novo CPC (NCPC), outro importante dispositivo que trata do


mandato é o art. 111, cujo teor é o seguinte: "A parte que revogar o
mandato outorgado a seu advogado constituirá, no mesmo ato, outro
que assuma o patrocínio da causa". Este preceito é idêntico ao da le-
gislação processual anterior, disciplina a revogação do mandato ju-
dicial, como recordam MAURÍCIO CUNHA, ROBERTO FIGUEIREDO E SABRINA ÜOURA00 25 •
Prossegue o Novo CPC (NCPC), agora no art. 112, prescrevendo
que o advogado poderá renunciar ao mandato a qualquer tempo,
desde que comprove ter comunicado o mandante acerca da re-
núncia, a fim de que este contrate um novo causídico, sucessor ao
renunciante. Importa notar que esta comunicação será dispensada
"quando a procuração tiver sido outorgada a vários advogados e a
parte continuar representada por outro, apesar da renúncia" (§20 do
art. 112, NCPC).
De acordo com a novel legislação processual, durante dez dias
seguintes à renúncia, o advogado continuará a representar o man-
dante "desde que necessário para lhe evitar prejuízo" (§10 do art.
112, NCPC).

25. CUNHA, Maurício, FIGUEIREDO, Roberto e DOURADO, Sabrina. Comentários ao Novo


Código de Processo Civil. 1• edição. Recife: Armador, 2015, p. 134.
Cap. 6 • Mandato 585

A Lei Federal no 8.906/94, conhecida como Estatuto da OAB, já


estabelece em seu art. 50, § 30, que "o advogado que renunciar ao
mandato continuará, durante os dez dias seguintes à notificação da
renúncia, a representar o mandante, salvo se for substituído antes do
término desse prazo".

6. DAS OBRIGAÇÕES DO MANDATÁRIO


RODOLFO PAMPLONA E PABLO STOLZE16 lembram que o mandato é "um
contrato aprioristicamente unilateral, que somente geraria obrigações
para o mandatário". Ao mandante, em linha de princípio, restaria
tão somente dar cumprimento aos atos assumidos pelo mandatário
"o que já é uma fase posterior à avença contratual". No mesmo sen-
tido, CR1sr1ANO CHAVES OE FA.RIAS E NELSON RosENVALD 27 •
o mandatário é obrigado a aplicar toda sua diligência habitual
na execução do mandato, e a indenizar qualquer prejuízo causado
por culpa sua ou daquele a quem substabelecer, sem autorização,
os poderes que devia exercer pessoalmente, como prevê o art. 667
do cc. Deve, portanto, executar as tarefas que lhe foram confiadas
pelo mandante, inclusive à luz dos deveres anexos da boa-fé (CC,
187) na busca pelo total adimplemento de suas obrigações, nos
limites da eticidade e da função social do mandato.
Como se vê, a responsabilidade civil do mandatário pelos pre-
juízos causados é subjetiva. A culpa é exigida pela norma e deve
ser compreendida no caso em sua modalidade ampliada, vale di-
zer, tanto para caso de dolo, quanto para hipótese de culpa no
sentido estrito da expressão.
Curioso observar, por força do § lº do mesmo art. 667, que
não obstante proibição do mandante, se o mandatário se fizer
substituir na execução do mandato, responderá ao seu constituin-
te pelos prejuízos ocorridos sob a gerência do substituto, embora

26. PAMPLONA FILHO, Rodolfo e GAGLIANO, Pablo Stolze. Novo Curso de Direito Civil.
Contratos em Espécie. 6• edição. São Paulo: Saraiva, 2013, p. 380.
27. CHAVES DE FARIAS, Cristiano e ROSENVALD, Nelson. Curso de Direito Civil. Contratos.
Teoria Geral e Contratos em Espécie. 4• edição. Salvador: JusPodivm, 2014,
p. 925.
586 Direito Civil - Vol. 13 • Luciana Figueiredo e Roberto Figueiredo

provenientes de caso fortuito, salvo provando que o caso teria


sobrevindo, ainda que não tivesse havido substabelecimento.
Destaque-se que se a proibição de substabelecer constar da
procuração, os atos praticados pelo substabelecido não obrigam o
mandante, salvo ratificação expressa, que retroagirá à data do ato.
Havendo poderes de substabelecer, só serão imputáveis ao
mandatário os danos causados pelo substabelecido, se tiver agido
com culpa na escolha deste ou nas instruções dadas a ele.
Sendo omissa a procuração quanto ao substabelecimento, o procu-
rador será responsável se o substabelecido proceder culposamente.
Ademais disto, o mandatário é obrigado a dar contas de sua
gerência ao mandante, transferindo-lhe as vantagens provenientes
do mandato, por qualquer título que seja (CC, art. 668). Este será
o fundamento jurídico para a prestação de contas, que poderá ser
exigida judicial ou de modo extrajudicial.
A ação judicial de exigir contas é disciplinada no Novo CPC (NCPC)
a partir do art. 550 segundo o qual "Aquele que afirmar ser titular do
direito de exigir contas requererá a citação do réu para que as preste
ou ofereça contestação no prazo de quinze dias".

o autor do pedido de prestação de contas deverá especificar


detalhadamente as razões pelas quais exige as contas, instruindo-a
com documentos comprobatórios dessa necessidade, se existirem.
A decisão que julgar procedente o pedido condenará o réu a pres-
tar as contas no prazo de quinze dias, sob pena de não lhe ser
lícito impugnar as que o autor apresentar.
De acordo com a doutrina dos processualistas MAuRíoo CuNHA, Ro-
BERTO F1GuE1Rrno E SABRINA DouRA00 28 "o antigo CPC afirmava que as contas

28. CUNHA, Maurício, FIGUEIREDO, Roberto e DOURADO, Sabrina. Comentários ao Novo


Código de Processo Civil. ia edição. Recife: Armador, 2015, p. 554.
Cap. 6 • Mandato 587

deveriam ser apresentadas em "forma mercantil". o NCPC altera este


trecho normativo para afirmar que tais contas devem ser apresenta-
das "na forma adequada", especificando-se as receitas, a aplicação
das despesas e os investimentos, se houver".

Por outro lado, a teor do art. 669 do CC, o mandatário não pode
compensar os prejuízos a que deu causa com os proveitos que, por
outro lado, tenha granjeado ao seu constituinte. RoooLFO PAMPLONA E
PABLo SroLZE29 ressaltam que a "justificativa do dispositivo é muito sim-
ples: é obrigação do mandatário realizar o mandato de forma bené-
fica ao mandante. Se, no desempenhar desta atribuição, granjeou-lhe
proveitos, nada mais do que se espera e deseja".
!í.,

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2àti~a' (;i)~~' fiá' g~âoJ~a'.cí~ 0.ao;set1·
constitUillt~·foi ;c; í"'~> ' . <',,::,, ~;</,i~~'.i ,~ ."'/; '-: :r:;:'./1' )~J.;:/ ~'.i ,.;;·,>,_',,/, ~·.:'.;.~;i /:~ · <

Observe-se ainda que pelas somas que devia entregar ao man-


dante ou recebeu para despesa, mas empregou em proveito seu,
pagará o mandatário juros, desde o momento em que abusou (CC,
art. 670). Aqui se observa uma disciplina específica do instituto do
abuso do direito para além do art. i87 do CC.
Pela letra da lei se vê que o mandatário não poderá utilizar das
somas recebidas e de propriedade do mandante para si próprio,
sob pena de arcar com juros desde o momento em que incorreu no

29. PAMPLONA FILHO, Rodolfo e GAGLIANO, Pablo Stolze. Novo Curso de Direito Civt1.
Contratos em Espécie. 6• edição. São Paulo: Saraiva, 2013, p. 382.
588 Direito Civil - Vol. 13 • Luciano Figueiredo e Roberto Figueiredo

abuso do direito e, acrescemos, a título de reflexão, sem embargo


de perdas e danos eventualmente experimentadas por força dessa
situação.
Se o mandatário, tendo fundos ou crédito do mandante, com-
prar, em nome próprio, algo que deveria comprar para o mandan-
te, por ter sido expressamente designado no mandato, terá este
ação para obrigá-lo à entrega da coisa comprada (CC, art. 671).
Ainda no campo das obrigações, é interessante perceber que o
Código Civil exime o mandatário de responsabilidade civil em re-
lação à terceiro para negócios com este celebrados e qualificados
pela norma como exorbitante ao mandato.
Com efeito, o terceiro que, depois de conhecer os poderes do
mandatário, com ele celebrar negócio jurídico exorbitante do man-
dato, não tem ação contra o mandatário, salvo se este lhe prome-
teu ratificação do mandante ou se responsabilizou pessoalmente
(CC, art. 673).
Embora ciente da morte, interdição ou mudança de estado do
mandante, deve o mandatário concluir o negócio já começado, se
houver perigo na demora (CC, art. 674). Trata-se de uma regra de
exceção muito importante cujo objetivo será a um só tempo respei-
tar a eficácia pós contratual, a autonomia privada do mandante e
evitar o potencial dano que poderia decorrer pelo perigo da demo-
ra. Um belo exemplo disto é a execução post mortem da vontade do
mandante a fim de evitar o perecimento de um direito.

7- DAS OBRIGAÇÕES DO MANDANTE


O mandante é obrigado a satisfazer todas as obrigações con-
traídas pelo mandatário, na conformidade do mandato conferi-
do, e adiantar a importância das despesas necessárias à execução
dele, quando o mandatário pedir (CC, art. 675). Convenhamos que
a legislação diz o óbvio.

O m2.ndante tem o dever jurídico, seja pela tutela à legítima


confiança e expectativa criadas, seja pela força obrigatória dos con-
tratos, seja pela mais comezinha noção de segurança jurídica, de
cumprir as obrigações regularmente assumidas pelo mandatário,
Cap. 6 • Mandato 589

inclusive pagando as despesas necessárias à execução do mandato


quando este o solicitar.
o custeio da execução do contrato de mandato compete, pois,
ao mandante. Exemplifique-se com a hipótese em que um advo-
gado se dirige para realizar uma audiência na qual será preciso
custear o pagamento de uma perícia técnica. Evidentemente que
o custeio desta diligência competirá ao cliente (mandante) que, no
processo civil, foi a parte que requereu a produção da prova.
o art. 676 do cc evidencia que o mandato é um contrato que
enseja ourigação de meio e não obrigação de resultado. Segundo a
norma: "É obrigado o mandante a pagar ao mandatário a remunera-
ção ajustada e as despesas da execução do mandato, ainda que o ne-
gócio não surta o esperado efeito, salvo tendo o mandatário culpa".
Destarte, ainda que o resultado esperado não ocorra, subsistirá o
dever jurídico de pagamento da remuneração.
Justo por isto é que as somas adiantadas pelo mandatário,
para a execução do mandato, vencem juros desde a data do de-
sembolso (CC, art. 677), pois a mora surgirá a partir do momento
em que ocorreu o desembolso. Trata-se da denominada mora ex
re (automática).
Além dos juros que incidirão de forma automática, vale dizer,
sem a necessidade de interpelação, o mandante será civilmente
responsável pelas perdas experimentadas pelo mandatário na
execução do mandato. Neste sentido, o art. 678 do CC: "É igualmen-
te obrigado o mandante a ressarcir ao mandatário as perdas que
este sofrer com a execução do mandato, sempre que não resultem de
culpa sua ou de excesso de poderes".
RODOLFO PAMPLONA E PABLO STOLZE 3º sustentam que o "direito do manda-
tário a ser ressarcido de todas as despesas e perdas que teve pelo
regular cumprimento do mandato é uma prerrogativa tão importante
que foi prevista duas vezes no novo texto codificado". De fato, a ma-
téria é tratada nos arts. 677 e 678 do CC.

30. PAMPLONA FILHO, Rodolfo e GAGLIANO, Pablo Stolze. Novo curso de Direito Cívil.
Contratos em Espécie. 6• edição. São Paulo: Saraiva, 2013, p. 384.
590 Direito Civil - Vol. 23 • Luciano Figueiredo e Roberto Figueiredo

Uma das formas de se assegurar ao mandatário o direito a este


ressarcimento está consagrada no art. 681 do cc e se dá pela retenção
do bem que se encontrar em posse do mandatário: "O mandatário
tem sobre a coisa de que tenha a posse em virtude do mandato, direito
de retenção, até se reembolsar do que no desempenho do encargo
despendeu".

Observe-se, já em linha de conclusão sobre o assunto, que ain-


da que o mandatário contrarie as instruções do mandante, se não
exceder os limites do mandato, ficará o mandante obrigado para
com aqueles com quem o seu procurador contratou, mas terá con-
tra este ação pelas perdas e danos resultantes da inobservância
das instruções (CC, art. 679).
E se o mandato for outorgado a duas ou mais pessoas?
Neste caso, se o mandato for outorgado por duas ou mais pes-
soas, e para negócio comum, cada uma ficará solidariamente res-
ponsável ao mandatário por todos os compromissos e efeitos do
mandato, salvo direito regressivo, pelas quantias que pagar, contra
os outros mandantes (CC, 680).

8. IRREVOGABILIDADE DO MANDATO
A regra é a de que o mandato é revogável. Portanto, o mandan-
te terá direito potestativo de cancelar, desfazer, cassar os poderes
que transferiu ao mandatário, revogando e extinguindo o contrato
desta maneira, como advertem CR1snANO CHAVES oE FARIAS E NELSON RosEN-
vAto3•. No mesmo sentido, CARLOS Rosrnrn GoNÇALVEs.32

31. CHAVES DE FARIAS, Cristiano e ROSENVALO, Nelson. Curso de Direito Civil. Contratos.
Teoria Geral e Contratos em Espécie. 4ª edição. Salvador: JusPodivm, 2014, p. 933.
32. GONÇALVES, Carlos Roberto. Curso de Direito Civil Brasileiro. Contratos e Atos
Unilaterais. 9• edição. São Paulo: Saraiva, 2012, p. 417
Cap. 6 • Mandato 591

RODOLFO PAMPLONA E PABLO SroLZE3 3 defendem a tese de que excepcio-


nalmente o mandato pode ser irrevogável. Mais que isto, susten-
tam que a irrevogabilidade comporta graus sendo "possível clas-
sificar a irrevogabilidade em relativa (ou mitigada pela autonomia
privada) e absoluta (ou imposta por norma de ordem pública)", da
seguinte maneira:

8.1. A Irrevogabilidade Relativa ou Mitigada pela Autonomia Privada


A irrevogabilidade relativa ou mitigada pela autonomia privada
está prevista no art. 683 do CC cujo teor é o seguinte: "Quando o
mandato contiver a cláusula de irrevogabilidade e o mandante o re-
vogar, pagará perdas e danos".
É possível observar que a legislação brasileira admite, em fiel
respeito ao princípio da autonomia privada, que as partes estipu-
lem uma cláusula contratual de irrevogabilidade.
A consequência jurídica do descumprimento desta cláusula, con-
tudo, não é, pela letra fria da lei, uma tutela jurídica específica
de obrigação de fazer, mas apenas as perdas e danos. Trocando
em miúdos, o inadimplemento e a revogação de um contrato que
contemplar cláusula de irrevogabilidade dá azo apenas ao pedido
de perdas e danos. Desta maneira, o tema será solucionado pela
teoria da responsabilidade civil negocial e os elementos do dever
de reparar o dano (conduta, nexo, prejuízo ou dano injusto, dolo
ou culpa) deverão ser considerados.

8.2. A Irrevogabilidade Absoluta ou Imposta por Norma de Ordem


Pública
Avançam RoootFo PAMPLONA E PAsto SroLZE 34 para dizer que "há outra
modalidade de cláusula de irrevogabilidade, que se reveste de natu-
reza absoluta, ensejando a ineficácia do ato unilateral de revogação",
referindo-se aos arts. 684 e 685 do CC.

33. PAMPLONA FILHO, Rodolfo e GAGLIANO, Pablo Stolze. Novo Curso de Direito Civil.
Contratos em Espécie. 6• edição. São Paulo: Saraiva, 2013, p. 360.
34. PAMPLONA FILHO, Rodolfo e GAGLIANO, Pablo Stolze. Novo Curso de Direito Civil.
Contratos em Espécie. 6• edição. São Paulo: Saraiva, 2013, p. 387.
592 Direito Civil - Vol. 13 • Luciano Figueiredo e Roberto Figueiredo

A teor do art. 684 do CC, quando a cláusula de irrevogabilidade


for condição de um negócio bilateral, ou tiver sido estipulada no
exclusivo interesse do mandatário, a revogação do mandato será
ineficaz. Nesta situação jurídica é a própria norma que enquadra a
irrevogalibilidade como uma situação a impor, de maneira absoluta,
a ineficácia da revogação. Em outras palavras, a revogação não gera
nenhum efeito no mundo jurídico ou, como afirma a lei, é ineficaz.
outra hipótese envolverá o mandato in rem suam (mandato em
causa própria) e está previsto no art. 685 do CC com a seguinte
redação: "Conferido o mandato com a cláusula "em causa própria",
a sua revogação não terá eficácia, nem se extinguirá pela morte de
qualquer das partes, ficando o mandatário dispensado de prestar
contas, e podendo transferir para si os bens móveis ou imóveis objeto
do mandato, obedecidas as formalidades legais". No mandato em
causa própria, o mandatário atua para si mesmo, daí porque "está,
obviamente, isento da prestação de contas", na lição de CRISTIANO CHAVES
DE FARIAS E NELSON RosENVAL0 35 .

.- E na hora da prova?
Ano: 2014 Banca; CESPE órgão: Câmara dos Deputados Provai
Analista Legislativo
A respeito dos contratos de prestação de serviços, empreitada e man-
dato, julgue o item subsequente. ··
Terá eficácia perante o mandatário a revogaÇão do màndato com a cláu-
sula e.m causa própria por simples iniciativa do outorgante:
Gabarito: Falso

.- E na hora da prova?
Ano: 2014 Banca: VUNESP Órgão: SP-URBANISMO Prova: Analista Administrativo
É correto afirmar que no mandato conferido com a cláusula "em causa
própria":
a) o mandante pode revogá-lo a qualquer tempo, indenizando o man-
datário por eventuais perdas e d;:i.nos ..
b) nãc há sua extinção em decorrência da morte do mandante.

35. CHAVES OE FARIAS, Cristiano e ROSENVALD, Nelson. Curso de Direito Civil. Contratos.
Teoria Geral e Contratos em Espécie. 4• edição. Salvador: JusPodivm, 2014, p. 935.
Cap. 6 • Mandato 593

9. DA EXTINÇÃO DO MANDATO
Nos termos do art. 682 do CC cessa o mandato: pela revogação
ou pela renúncia; pela morte ou interdição de uma das partes;
pela mudança de estado que inabilite o mandante a conferir os
poderes, ou o mandatário para exercê-los; e, finalmente, pelo tér-
mino do prazo ou pela conclusão do negócio. Estas são aquilo que
CRISTIANO CHAVES DE FARIAS E NELSON RosENVAL0 36 denominaram das causas
genéricas da extinção do contrato de mandato. No mesmo sentido,
CARLOS ROBERTO GoNÇALVEs37.
Revogação, renúncia, morte, interdição, mudança de estado
que inabilite um dos contratantes e conclusão do negócio: eis as
causas de extinção do contrato ele acordo com a lei.

36. CHAVES DE FARIAS, Cristiano e ROSENVALD, Nelson. Curso de Direito Civil. Contratos.
Teoria Geral e <:ontratos em Espécie. 4• edição. Salvador: JusPodivm, 2014,
p. 937.
37. GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito Civil l.lrasileiro. Contratos e Atos Unilaterais.
São Paulo: Saraiva, 2004, v. Ili, p. 437.
594 Direito Civil - Vol. 13 • LUciano Figueiredo e Roberto Figueiredo

Sobre a revogação, o art. 686 exige que seja notificado o man-


datário a este respeito, a fim de se formalizar e dar ciência a este
do referido ato. Extrai-se do texto a ideia também de que não se
pode opor aos terceiros que, ignorando (desconhecendo) a notifi-
cação, de boa-fé, trataram com o mandatário.
A revogação é considerada perfeita e acabada "Tanto que for
comunicada ao mandatário a nomeação de outro, para o mesmo ne-
g6cio" (CC, art. 687).
Ao lado da revogação, o Código Civil disciplina a situação jurí-
dica de renúncia, que pode ser considerada como a demissão da
qualidade de mandatárfo. A teor do art. 688 do cc "A renúncia do
mandato será comunicada ao mandante, que, se for prejudicado pela
sua inoportunidade, ou pela falta de tempo, a fim de prover à substi-
tuição do procurador, será indenizado pelo mandatário, salvo se este
provar que não podia continuar no mandato sem prejuízo considerá-
vel, e que não lhe era dado substabelecer".
O legislador brasileiro não ignorou de forma alguma os valores
da confiança, da justa expectativa criada e da boa-fé. Justamente
por isto prescreveu serem válidos, a respeito dos contratantes de
boa-fé, os atos com estes ajustados em nome do mandante pelo
mandatário, enquanto este ignorar a morte daquele ou a extinção
do mandato, por qualquer outra causa (CC, art. 689).
Neste sentido também a doutrina: "prestando justa homenagem a
boa-fé, que é pedra angular das relações privadas, o estudo do contrato
de mandato não pode se afastar do princípio da notoriedade - notada-
mente, da conhecida teoria da aparência - protegendo judicialmente o ter-
ceiro de boa-fé", como advertem CR1snANo CHAVES oE FARIAS ENELSON RosENvAw38 •

38. CHAVES DE FARIAS, Cristiano e ROSENVALD, Nelson. Curso de Direito Civil. Contratos.
Teoria Geral e Contratos em Espécie. 4ª edição. Salvador: JusPodivm, 2014, p. 929.
Cap. 6 • Mandato 595

A morte, em linha de princípio, deve ser outra causa importante


de extinção do contrato de mandato, que é personalíssimo e, por
isto, não deveria se transmitir. Porém, sobre o tema, existe uma im-
portante consideração a ser feita derredor do art. 690 do cc Hse fa-
lecer o mandatário, pendente o neg6cio a ele cometido, os herdeiros,
tendo ciência do mandato, avisarão o mandante, e providenciarão a
bem dele, como as circunstâncias exigirem".
Tais herdeiros devem se limitar às medidas conservatórias ou a
continuar os negócios pendentes que se não possam demorar sem
perigo, regulando-se os seus serviços dentro desse limite, pelas
mesmas normas a que os do mandatário estão sujeitos.
Capítulo

Empréstimo

1. NOTA INTRODUTÓRIA: CONCEITO IE NATUREZA JURÍDICA


Empréstimo é um contrato típico no qual uma pessoa, natural
ou jurídica, entrega a outra, de modo personalíssimo, coisa física,
por determinado tempo ou para uma específica finalidade, com
posterior devolução.
Vê-se que a confiança e as características específicas da pessoa
que recebe o bem emprestado evidenciarão que este contrato será
formado de modo personalíssimo, o que nos leva a imediata conclu-
são de que a morte daquele que recebeu a coisa emprestada deve
ensejar a extinção do contrato, ante seu caráter intransmissível.
CR1sr1AN0 CHAVES DE FARIAS E NELSON RosENVALD' conceituam o empréstimo
como a "convenção pela qual uma parte entrega a outra um determi-
nado bem, sob a obrigação de posterior restituição [ ... ]. A realização
de empréstimos é ato que transcende os tempos, ajudando a manter
os vínculos sociais e econômicos por encorajar a reciprocidade entre
as pessoas".
O empréstimo é um dos históricos contratos que acompanham
as civilizações, constituído sob a base da confiança, da lealdade,
dos laços de amizade ou, até mesmo, das relações familiares,
como nas hipóteses em que pais emprestam aos filhos casas para
estes morarem.
Tecnicamente, trata-se o empréstimo de negócio jurídico típico,
nominado, personalíssimo, de duração, unilateral, gratuito, infor-
mal, comutativo e real (aperfeiçoa-se com a entrega do bem).

l. CHAVES DE FARIAS, Cristiano e ROSENVALD, Nelson. Curso de Direito Civil. Contratos.


Teoria Geral e Contratos em Espécie. 4• edição. Salvador: JusPodivm, 2014, p. 727.
598 Direito Civil - Vol. 13 • Luciano Figueiredo e Roberto Figueiredo

O empréstimo é um contrato gênero dentro do qual comodato e


mútuo são suas respectivas espécies (CC, arts. 579 a 592). Mas como
diferenciar o comodato do mútuo?
O comodato é "o empréstimo gratuito de coisas não fungíveis.
Perfaz-se com a tradição do objeto", nos exatos termos do art. 579
do CC. Do conceito legal duas características do comodato saltam
aos olhos: gratuidade e infungibilidade.
ORLANDO GoMEs2 conceitua o comodato como a "cessão gratuita de
uma coisa para seu uso com estipulação de que será devolvida em
sua individualidade, ap6s algum tempo".
Desse modo, o comodante - aquele que entrega, empresta o
bem - transferirá a posse direta em benefício do comodatário, para
que este use da coisa. Terá, nessa dinâmica contratual, o comoda-
tário a posse direta da coisa, enquanto o comodante a indireta. Os
desdobramentos da posse conviverão entre si, sendo possível ao co-
modante e ao comodatário saírem na defesa do bem em face de ter-
ceiros, de forma conjunta ou isolada. Outrossim, terá o comodante
possessória em face do comodatário e este em face do comodante
(CC, art. 1.197 e Enunciado 76 do Conselho da Justiça Federal).
RoDoLFo PAMPLONA E PAaLo SrotzE3 definem o comodato como um "ne-
gócio jurídico unilateral e gratuito, por meio do qual uma das partes
(comodante) transfere a outra (comodatário) a posse de um determi-
nado bem, m6vel ou im6vel, com a obrigação de restituir".
E o que seria o mútuo?
O mútuo é o empréstimo, em regra gratuito, de coisas fungíveis.
Diz-se tratar de empréstimo para consumo. o mutuário, aquele
que recebe o bem, terá o dever jurídico de, posteriormente, devol-
ver ao mutuante (aquele que emprestou) coisa do mesmo gênero,
qualidade e quantidade.
Se é certo dizer que o comodato é um empréstimo para uso,
também será certo afirmar que o mútuo é um empréstimo para

2. GOMES, Orlando. Contratos. 2• edição. Rio de Janeiro: Forense, 2009, p. 385.


3. PAMPLONA FILHO, Rodolfo e GAGLIANO, Pablo Stolze. Novo Curso de Direito Civil.
Contratos em Espécie. 6• edição. São Paulo: Saraiva, 2013, p. 24i.
Cap. 7 • Empréstimo 599

consumo. No mútuo transfere-se a propriedade da coisa, e não


apenas a posse direta, tendo o mutuário o dever de, ao final do
contrato, restituir coisa do mesmo gênero, quantidade e qualidade.
Vistas as notas introdutórias o sobre o empréstimo, é momento
de aprofundar suas modalidades, realizando um passeio doutriná-
rio pelo comodato e pelo mútuo.

2. DO COMODATO E SEU REGIME JURÍDICO


O comodato é negócio jurídico unilateral, gratuito, não solene,
personalíssimo e real, por meio do qual uma coisa infungível é en-
tregue a outrem para uso temporário e não remunerado.
Optamos em dizer que no comodato a coisa é entregue, ao
invés de sugerir que a coisa é cedida, afinal de contas, no direi-
to brasileiro, a cessão costuma ser utilizada para transmissão de
obrigações e direitos (incorpóreos). A própria legislação qualifica o
contrato de comodato como um empréstimo gratuito de coisas não
fungíveis, o qual se perfaz (aperfeiçoa-se) por meio da tradição
(entrega) do objeto (CC, art. 579).
o comodatário terá a posse precária e direta do bem, de "na-
tureza instável e sem animus domini (intenção de atuar como dono)",
não causando usucapião, como acertadamente advertem RoDotFo
PAMPLONA E PABLO Srom4 • Já o comodante terá a posse indireta da coisa,
mantendo-se como proprietário do bem.

4. PAMPLONA FILHO, Rodolfo e GAGLIANO, Pablo Stolze. Novo Curso de Direito Civil.
Contratos em Espécie. 6• edição. São Paulo: Saraiva, 2013, p. 241.
600 Direito Civíl - Vol. 13 • Luciano Figueiredo e Roberto Figueiredo

o direito real de propriedade autoriza ao proprietário a usar,


gozar ou fruir, reaver e dispor do bem (CC, art. 1.228). Dessa manei-
ra, o proprietário estará autorizado a transmitir a posse e o direito
de uso, mediante contrato, a outrem. O comodante ficará com a
posse indireta do bem. o comodatário ficará com a posse direta
do bem. O comodato é um belo exemplo do desdobramento das
posses, também denominado de posses paralelas.
Para ORLANDO GoMEs5 a bipartição e o desdobramento da posse em
graus "é construção doutrinária de lhering", simbolizando uma espi-
ritualização da posse. Com esta ficção jurídica, o possuidor indireto
é obstruído de utilizar o bem, por força de relação obrigacional ou
real, gratuita ou onerosa. Tais posses paralelas, como dito, convi-
vem entre si. Uma não anulará a outra, havendo um mero desdo-
bramento transitório da posse quanto ao seu exercício.
Posse direta ou imediata é aquela em que o possuidor tem o
contato material e imediato com a coisa. O titular da posse direta
é o não proprietário, a exemplo do usufrutuário, comodatário e do
locatário. Trata-se, pois, de uma posse subordinada e derivada ao
dono do bem.
Já a posse indireta ou mediata é aquela na qual o possuidor
está afastado da coisa, mas aufere vantagens desta, e/ou ainda
tem poderes sobre o bem, como o proprietário no contrato de
locação e de comodato, ou o nu proprietário no usufruto.
Tal bifurcação é transitória. Findo o fato gerador de diferencia-
ção, a posse é novamente reunificada. Assim, findo o comodato,
posse direta e indireta serão reunidas na titularidade do proprie-
tário. Em sendo um fenômeno transitório, apenas é possível falar-
-se na posse direta enquanto houver a indireta e vice-versa.
Mas qual o objetivo desta divisão?
Divide-se para facilitar a proteção. Isto, porque, se um terceiro
atentar contra a posse, tanto o possuidor direito, como o indireto,
poderão sair em sua defesa, seja de forma isolada ou conjunta.

s. GOMES, Orlando. Direitos Reais. Atualizador Luiz Edson Fachin. Rio de Janeiro:
Forense, 2008, p. 58.
Cap. 7 • Empréstimo 601

Exemplifica-se com a seguinte casuística. Imaginem que Roberto


(comodante) emprestou um imóvel de sua propriedade a Luciano
(comodatário). Se Cristiano (terceiro) tentar violar a posse des-
te bem, tanto Roberto, como Luciano, de forma isolada ou con-
junta, poderão sair na defesa da coisa, utilizando-se de tutelas
possessórias.
Outrossim, ambos os possuidores (direito e indireto) poderão
sair na autodefesa do bem, segundo o desforço in continenti, de
maneira proporcional e razoável (art. i.210, parágrafo primeiro do
Código Civil).
Mas teria comodatário direito de ajuizar ação possessória con-
tra o comodante, em vice-versa?
A resposta é positiva. Comodante e comodatário poderão li-
tigar entre si. Aliás, o próprio art. i.197 do Código Civil, já cita-
do, aduz, ao final da sua redação, que pode o possuidor direto
defender a sua posse contra o indireto. No particular a doutrina
vai além, informando a possibilidade, até mesmo, do inverso:
do possuidor indireto também defender a sua posse do direito.
Nesse sentido caminha o Enunciado 76 do CoNsELHo DA Jusr1çA FEDERAL:
"O possuidor direto tem direito de defender a sua posse contra o
indireto, e este, contra aquele".
Exemplifica-se com a seguinte casuística. Roberto (comodante
e possuidor indireto) emprestou o seu imóvel para Luciano (co-
modatário e possuidor direito). É consabido que Roberto, por
ser proprietário do bem, tem o direito de vistoriá-lo, desde que
de forma proporcional. Neste cenário, se Roberto der início a
uma série de vistorias diárias, em claro abuso de direito e atos
que turbem (atrapalhem) a posse de Luciano, este poderá se
valer da tutela possessória, ajuizando uma ação de manutenção
da posse.
602 Direito Civil - Vol. 13 • Luciana Figueiredo e Roberto Figueiredo

A doutrina brasileira recorda ser o comodato um contrato ha-


bitual, "em especial no âmbito familiar e filantrópico e nos círculos
de amizade, sendo comum o empréstimo gratuito de livros e veículos,
equipamentos médicos, objetos de arte, imóveis residenciais, dentre
outros bens", como advertem CR1sr1ANO CHAVES oE FARIAS E NusoN RosENVALo. 6
A legislação cível não exige forma alguma para celebração do
comodato. Dessa maneira, vigora a regra geral da liberdade das
formas - ou da forma livre -, estampada no art. 107 do Código Civil.
Não se ignora, todavia, que a liberdade de formas não é abso-
luta. Nessa ordem de ideias, tem-se como possível que a norma ou
a vontade, excepcionalmente, exija uma forma vinculada.
Exemplifica-se a forma vinculada por força de lei com a reda-
ção do art. 108 do Código Civil, o qual verbera que "não dispondo
a lei em contrário, a escritura pública será essencial à validade dos
negócios jurídicos que visem a constituição, a transferência, a modifi-
cação ou a renúncia de direitos reais sobre imóveis de valor superior
a trinta vezes o maior salário mínimo vigente no País".
Nas pegadas do Enunciado 289 do Conselho da Justiça Federal
"O valor de 30 salários mínimos constante no artigo 108 do Código Civil
brasileiro, em referência à forma pública ou particular dos negócios
jurídicos que envolvam bens imóveis, é o atribuído pelas partes con-
tratantes e não qualquer outro valor arbitrado pela Administração
Pública com finalidade tributária".
o desrespeito à previsão indicada no art. 108 do Código Civil
acarretará a nulidade absoluta do negócio jurídico, a teor do art.
166 do mesmo diploma.

6. CHAVES DE FARIAS, Cristiano e ROSENVALD, Nelson. Curso de Direito Civil. Contratos.


Teoria Geral e Contratos em Espécie. 4• edição. Salvador: JusPodivrn, 2014, p. 729.
Cap. 7 • Empréstimo 603

Ademais, possível a exigência de forma vinculada por força


da vontade. Exemplifica-se com um contrato preliminar (pro-
messa) que veicula a forma de realização do futuro contrato
definitivo.
Recorda-se, ainda, que quando a forma for livre, e o instrumento
inválido, este nãoirá gerar a invalidade do ato, pois se estará dian-
te de uma situação na qual a forma é uma mera questão de prova
(forma ad probationem), e não de substancia (ad substandone),
tudo consoante a redação do art. 183 do Código Civil.
A propósito, é juridicamente relevante a simplicidade das for-
mas nos contratos de empréstimo, seja porque assim estará pres-
tigiado o princípio da operabilidade do Código Civil, seja, princi-
palmente, porque o contrato de empréstimo é corriqueiro e tem
em sua origem a relação de confiança, sendo comum entre amigos,
parentes, sócios, assim como para toda e qualquer pessoa que
tenha, em relação a outrem, uma fidúcia. Justamente por isto é que
o contrato de comodato é personalíssimo.
o objeto do comodato, corno visto no conceito legal, é um bem
infungível, não sendo passível de substituição por outro do mesmo
gênero, quantidade e qualidade (CC, art. 85). São casos de imóveis,
livros autografados, obras de arte.

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b) t~rii&e1, à exem~to <J~,ó . ·.·.· ·. .~rt · .. · ~&l"éJJ~â~tj~t ~~l1i1~Jór,
aperfeiçóando-se. com a,.tradií;ã'.011. dife~~ntem~J;tte.<dÓ Ql!f <;idorre
com9·mú.tuQ; • > .··. ·•· · · · . ·• , / • ·. . > ••... ·...•.•..•.. ··•
c) infungívet a exemf>l<>.• f1?;dirfüeiro1 a~~~éi~oançhj·Se com Q (lC(Jrdo
de vontades, tal. comoiócorre com o motuo. <.
d) infungível, a exemplo..de obra d~ ar!;~. ~utografada pqr seu> alftpr,
aperfeiÇóando-se côm ó acordo de vontades, tal como ocorre com
o mútúo. ··
e) infungível, a exernpló de· obra de arte autografada por seu ~utor,
aperfeiçoando-se com a tradição, tal como ocorre com o mútuo.
Gabarito: e
604 Direito Civil - Vol. 13 • Luciano Figueiredo e Roberto Figueiredo

Ressalta-se, porém, que o conceito de infungibilidade tem um


quê de relativismo. Com efeito, nada impede que a vontade das
partes torne um bem essencialmente fungível em infungível. É o
que se verifica nos empréstimos para ornamentação, a exemplo
de uma cesta de frutas exóticas. Outro exemplo é um relógio que,
em tese, seria um bem fungível, mas que por uma particularidade
qualquer sofre específica discriminação, tornando-se valorizado
em uma família, ou pela sociedade, sentimental ou historicamente
e, por isso, torna-se infungível.
Isso, contudo, não poderia gerar absurdos, ou exageros, pois os
limites da eticidade, da socialidade e da operabilidade, princípios
máximos da legislação cível, obstruiriam tal prática. Não por outro
motivo que CA10 MÁR10 oA SILVA PEREIRA 7 adverte que "A vontade não pode
ir ao extremo de considerar fungíveis bens individua/mente caracteri-
zados, ao arrepio da definição legal".
lembre-se, ainda, que o caráter fungível ou infungível não está
ligado ao aspecto econômico da coisa.

., Como esse assurjto kti oot>rad,o em (:OSJcurso? ·"


A banca examinadora>CESPE; erh prova re<:ilizada para Analist~,l.egis~.·
lativo e Consultor legislativo - Câmara dos Deputados -:, anó. de 2014,
considerou correta a seguinte assertiva: "Um dos pressupostos par<l.
a fungibilidade de 1Jm bem·é·que esse.seja.móvel, pois,do·contrario,
seria materialmente inviável· a suasubstitiJ.ição~ gxc:ePtic>nalmente, en~
tretanto, um bem imóvel pode s.er·fungível". . . '. .. !. : : .• i ;
, , . , ·, ,,,.·'.,:_,: ..·i··· '·-:· · «.:·., ..·~:-. ·:; .:~><~" r>'f:·/· ~'í:;:~·:.\ :' ·:·::"f;.~':;-: ,~:~ :.'.·;·,:;:ti\ .~<,X-\ .-::<:·r ._~:>A 't··!f,·:'-.: /'.,? <.·.: ·- ;.·n:.
(leses - cànório - rt,.. PS/2of~~ s~gun.do• <?·ordêrárn~nto Juridic,o dvilis·
ta, o ato d~ef1lpréstl~~·;g~~iUtt~:;~~ ÇqJ~~·,nª't.>.;fQn~f~~íJ·:~Q~::~s,~;#:~tt~~
a) Mútuo·: , . . .. " . . "· .·· . : .. ,< • . . ... , , ,. '•i 1 ..
·····•·t;i;i:.•.
atravésda•t\<lplç~o•. do··~.bleto é <l~fln,IÇ\§icolJl.of'. •; ;·j··;~·:;::::1~t;.1Y.
1

b) DepósitJ Jbtuntário'..
e) Comodato,
d)
:
Doação.:
,··· '·._,1,--"·'·
Gabarito! e\ •
Por outro lado, "São consumíveis os bens móveis cujo uso im-
porta destruição imediata da própria substância, sendo também

7. Op. Cit., p. 427.


Cap. 7 • Empréstimo 605

considerados tais os destinados à alienação". Exemplifica-se com


sanduíches, frutas, livros em uma estante para venda (CC, art. 86).
Nessa esteira, os bens são materialmente consumíveis - natural
ou fisicamente -, por seu uso importar destruição imediata, ou juri-
dicamente consumíveis, por estarem postos a alienação.
D'outra banda, são inconsumíveis os bens que suportam uso
continuado sem destruição da substância, como aviões, carros,
televisores, etc. À luz do direito civil se tais bens, naturalmente
inconsumíveis, forem destinados à venda, serão considerados con-
sumíveis (juridicamente consumíveis, e não naturalmente).
Assim, quando o art. 586 conceitua o comodato como emprésti-
mo de coisas não fungíveis, à luz de uma interpretação sistêmica,
significa dizer que o objeto do comodato envolve bem jurídico que
não poderá ser substituído por nenhum outro da mesma espé-
cie, qualidade e quantidade. De idêntico modo, se o comodato é
empréstimo para uso, importa isto dizer que o bem objeto des-
te empréstimo não será destruído imediatamente em sua própria
substância, sendo um bem inconsumível.
Seguindo no tratamento do tema, os administradores de bens
alheios, a exemplo de tutores e curadores, não poderão dar os
bens geridos em comodato, salvo com autorização judicial (CC, art.
580). A explicação é simples: o comodato é gratuito e deve-se evitar
benesse com patrimônio alheio.
Na casuística dos tutores e curadores, por envolver interesse de
incapaz, mister a intervenção do Ministério Público, como fiscal da
lei (custos legis), antes da autorização judicial.
Outra importante regra concernente ao comodato gira em tor-
no da (in)existência de prazo expresso de vigência do ajuste. De
fato, em havendo prazo entabulado no contrato para a vigência
do comodato, este há de ser respeitado. Mas e se o contrato não
trouxer o prazo?
Nas pegadas art. 581 do CC, "se o comodato não tiver prazo con-
vencional, presumir-se-lhe-ó o necessário para o uso concedido; não
podendo o comodante, salvo necessidade imprevista e urgente, reco-
nhecida pelo juiz, suspender o uso e gozo da coisa emprestada, an-
tes de findo o prazo convencional, ou o que se determine pelo uso
outorgado".
606 Direito Civil - Vol. 13 • wcrano Figueiredo e Roberto Figueiredo

Das duas uma: ou o contrato de comodato não previu o tempo


de vigência (sendo, destarte, por tempo indeterminado), ou o con-
trato de comodato expressamente conteve termo final de duração,
hipótese em que se encerrará automaticamente com o advento do
seu termo.
No primeiro caso - ausência de previsão do tempo de vigência
do comodato -, o comodante (proprietário e possuidor indireto)
deverá interpelar o comodatário (possuidor direto), para apenas
após esta interpelação (judicial, ou extrajudicial), constituí-lo em
mora ex personae. É o que se extrai do art. 397 do cc. Esta inter-
pelação é chamada na prática forense de notificação. Tem natureza
jurídica de verdadeira resilição unilateral, de modo a respeitar o
regime jurídico previsto no art. 473 do CC8 • Registra-se que apenas
será viável a notificação in casu se houver transcorrido tempo ra-
zoável ao uso concedido.
No segundo caso -; existência de previsão do tempo de vigência
do comodato - a mora é automática e decorre do advento do ter-
mo final, ou seja, do vencimento do contrato. É a denominada mora
ex re, prevista no parágrafo único do art. 397 do CC.
E seria possível ao comodante encerrar o comodato antes do
prazo estipulado no contrato ou, no silêncio do pacto, antes do
prazo necessário ao uso da coisa?
O ato do comandante (proprietário) de reaver a coisa anter tem·
pus- antes do momento previsto no contrato - configura inadimple-
mento contratual - no caso, do credor - e autoriza o comodatário
(possuidor direto) a defender sua posse. Exceção a esta regra é a
"necessidade imprevista e urgente", a qual há de ser judicialmente
demonstrada.
Em outras palavras, pela letra da lei o comodante deverá ajuizar
demanda judicial postulando a extinção anter tem pus do comodato,

8. Art. 473. A resilição unilateral, nos casos em que a lei expressa ou implicitamente
o permita, opera mediante denúncia notificada à outra parte
Parágrafo único. Se, porém, dada a natureza do contrato, uma das partes houver
feito investimentos consideráveis para a sua execução, a denúncia unilateral só
produzirá efeito depois de transcorrido prazo compatível com a natureza e o
vulto dos investimentos.
Cap. 7 • Empréstimo 607

com base em uma necessidade imprevista e urgente, comprovan-


do, de modo robusto e convincente, a um juiz de direito.
O desrespeito a estas restrições autoriza o comodatário a bus-
car proteção judicial através do uso das possessórias, cumulada
com eventuais perdas e danos.

2.1. Caracteres do Contrato de Comodato


O contrato de comodato - à luz da legislação, do conceito dou-
trinário e da conformação de sua natureza jurídica - pode ser
identificado por seis características, como afirmam, dentre outros,
RODOLFO PAMPLONA E PABLO 5TOLZE9.

São elas: contrato real; unilateral; gratuito; fiduciário; temporá-


rio e personalíssimo. Vamos aprofundá-las.
a) Contrato real.
Assim como no depósito e no penhor, o comodato se aperfeiçoa
com a tradição: entrega do bem pelo comodante ao comodatário.
Nessa oportunidade a posse é transferida e, ademais disto, o pacto
se torna perfectibilizado. Antes disto, não há falar-se em comodato.

9. PAMPLONA FILHO, Rodolfo e GAGLIANO, Pablo Stolze. Novo curso de Direito Clvl.
Contratos em Espécie. 6• edição. São Paulo: Saraiva, 2013, p. 242/244.
608 Direito Civil - Vol. 13 • LUciano Figueiredo e Roberto Figueiredo

b) Contrato unilateral.
Diz-se unilateral o contrato quando apenas uma das partes pos-
sui oneração. É o que ocorre com o contrato de comodato. Neste
ajuste, o comodatário assume obrigações e direitos. O comodante
não terá qualquer tipo de contraprestação.
e) Contrato gratuito.
o comodante não recebe remuneração alguma à vista do em-
préstimo de uso. O comodatário recebe a posse do bem de modo
que se-lhe-é autorizado usar do mesmo sem, contudo, assumir, em
contraprestação, qualquer tipo de dever jurídico de pagamento em
relação ao comodante.
Observe-se que o pagamento eventual de despesas pela con-
servação ou pelo uso em si -à exemplo do pagamento de combustí-
vel para utilização do automóvel emprestado - não desnatura esta
regra, na medida em que, de rigor, não configura contraprestação,
comutatividade ou sinalagma contratual. Trata-se de mera despesa
usual para utilização da coisa.
d) Contrato fiduciário.
A lealdade e a confiança se destacam no âmbito do contrato
de comodato em relação às demais modalidades contratuais. O
empréstimo traduz uma conduta humana de nítida consideração e
fé na credibilidade daquele que se beneficiará do uso.
Justamente por isso e, ademais, por conta do caráter intuito
personae, é que o comodato terá outra característica: a intransmis-
sibilidade tanto inter vivos como causa mortis.
e) Contrato temporário.
A posse em sede de comodato é precária e será transferida nos
exatos limites da necessidade e do tempo de uso, de maneira que
não se imaginaria um contrato de comodato perpétuo. Comodato
perpétuo seria, enviezadamente, uma doação.
A propósito, o art. 581 do CC prescreve que se o comodato não
possuir prazo convencional, "presumir-se-1he-á o necessário para o
uso concedido", motivo pelo qual o comodante não poderá, "salvo
necessidade imprevisra e urgente, reconhecida pelo juiz, suspender o
Cap. 7 • Empréstimo 609

uso e gozo da coisa emprestada, antes de findo o prazo convencional,


ou o que se determinar pelo uso outorgado".
Logo, temporariedade é essencial ao comodato.
f) Contrato personalíssimo.
Não se imaginaria o empréstimo de um bem para fins de uso a
uma pessoa desconhecida ou não confiável. Ao contrário disto, o
ato de emprestar pressupõe a qualidade pessoal de quem se bene-
ficia do empréstimo. Comodato, por conseguinte, é personalíssimo.

2.2. Dos Direitos e Deveres do Comodatário


O Código Civil apresenta, de forma expressa, uma série de de-
veres jurídicos impostos ao comodatário, notadamente entre os
arts. 582 e 595 do CC. Dentre os deveres, destacam-se: conservar
o bem, não desviar a finalidade do uso da coisa (utmzar adequa-
damente a coisa), restituir o bem quando constituído em mora,
impedir o perecimento do bem e, finalmente, pagar as despesas
decorrentes do uso do bem.
Com efeito, o comodatário é obrigado' a conservar a coisa
"como se sua própria fora" (CC, art. 582), "não podendo usá-la senão
de acordo com o contrato ou a natureza dela, sob pena de responder
por perdas e danos".
Portanto, o comodatário terá o dever jurídico de usar a coisa de
acordo com a finalidade, surgindo disto uma obrigação negativa de
não desviar a finalidade contratual, ou da própria natureza do bem.
A título de exemplo, observe que o comodatário não poderá utilizar
de um carro de passeio individual para realizar transporte de carga.
Ademais disto, o comodatário é obrigado a restituir a coisa no
termo final do contrato, ou quando constituído em mora, sob pena
de pagar um aluguel-sanção. Este será arbitrado pelo comodante
e funcionará como uma contraprestação pelo uso da coisa, tendo
em vista ter se desnaturado o empréstimo, bem como uma pena,
sanção. Logo, o valor há de ser superior à média do mercado.
Que fique claro! O aluguel-pena não objetiva transformar o co-
modato em locação. Ao contrário disto, destina-se a coagir o como-
datário à pronta devolução do bem.
610 Direito Civil - Vol. 13 • Wclano Figueiredo e Roberto Figueiredo

~):~·~~~ d,~J~~var .· . . ·. .. . r
Ano:. 2015 .~anc:.a: FCC 6~p: DPE".SP Prova:. Defensor Públlco
Marcos co"mpárece à Defensoria.. Públic~ alegando que vivia em união
e
estável ·comRaquel que, para moradia do casal, sua s0 gra Eunice ce-
deu-lhes ~de boca" uma casa de. sua propriedade, Durante o curso da
. União: O#sal édnstrUiU'.Utn. quarto ê banhefto'.nafcáSa que já existia no
lerre:no,• alé.IJÍ•da re<lli2:a~o·derêformas aleatórias c~mo ~focânamento
e flaÇão>dtolTe ·que a união ·estávét h~vida entre Marcos e Raquel foi
•di~spJvJÇ!~\~,~E,t.1rtlc:e1 n~tlfiçq1,1:~ora:4.elxar~,im9Ye:f . l)lo.Pra~O"çfe 15.(quinze)
··dla.s~ 1'1f<>rrn<?(J•Ma,rçps, airrcla, que: sempre . pago1.1 o IPTU. e tai<as. condo-
níiniais. do im6vel. Desse modo, ·
. a) ó tdmÔctiitáfiô qÚe ;sê: n~gar 'a ;r~kituir ~ coisa vencido o pràzo
côntratuàl r>ratié:a esbulho; ·porém, cóntrâ ele .não é cabível ação de
reintegração de posse, Visto ser O comodato l.lm contrato real.
b) tendo ém vista qtlê Marcos pagava os impostos e taxas gerados
pelo imóvel~ não há que sê ralár em comodato, visto ter este con-
trato natureza Júrfdica unilateral e gratuita. Configura-se, no caso
.em.tet~;·um contratóde lócaçã~ por prato indeterminado. Assim, o
o
pràzó para ele detxar Ímóvel se~la 'dé3() (trinta) dfas, conforme
J)revlsfo na leFde lcrtâÇão de fri16vêts urbànos.
Cap. 7 • Empréstimo 611

Gabatito: ~ ·

Sobre o terna do pagamento de aluguéis decorrente da não res-


tituição da coisa dada em comodato, a doutrina brasileira consoli-
dou entendimento acerca da possibilidade do magistrado limitar o
valor do aluguel arbitrado pelo cornodante aplicando, por analo-
gia, o art. 575, p. ú., do CC. Este assunto está cristalizado no ENUNCIADO
180 00 CONSELHO DA JUSTIÇA FEDERAL: "A regra do parágrafo único do art. 575
do novo CC, que autoriza a limitação pelo juiz do aluguel arbitrado
pelo locador, aplica-se também ao aluguel arbitrado pelo comodante,
autorizado pelo art. 585, 2° parte, do novo CC".
De mais a mais, o aluguel-sanção não excluirá o dever do co-
modatário, em mora, reparar o dano por caso fortuito, muito me-
nos por força maior, salvo comprovada isenção de culpa ou que o
evento ocorreria ainda que o bem estivesse nas mãos do como-
dante (CC, art. 399).
Seguindo nas obrigações do comodatário, uma curiosa previ-
são normativa encontra-se capitulada no art. 583 do CC, a saber:
"Se, correndo risco o objeto do comodato juntamente com outros do
comodatário, antepuser este a salvação dos seus abandonando o do
comodante, responderá pelo dano ocorrido, ainda que se possa atri-
buir a caso fortuito, ou força maior". Trata-se de um curioso caso de
responsabilidade civil objetiva com risco integral, como acertada-
mente reconhecem CRISTIANO CHAVES OE FARIAS E NELSON RoSENVAL0 10 •

10. CHAVES DE FARIAS, Cristiano e ROSENVALD, Nelson. Curso de Direito Civil. Contratos.
Teoria Geral e Contratos em Espécie. 4• edição. Salvador: JusPodivm, 2014, p. 739.
612 Direito Civil - l/ot 13 • LUciano Figueiredo e Roberto figueiredo

O cÓJbo
coisás<f .· .. . ·. . . . •. . . ·.d:ê'$ ·:
~fu~.~.~#í.~:~~b.Q~.~~.:.~~~~;:~. :~.c~s~q.m~.·~)1
b) Se, cor:ren·d·()'.ri~co · ·o b"J~t o d i) COO)
• · ·• ,() · · · od._t. ·· 1u..
: ~ p)1
fü~.~~~:r1d~!~
utro.. ..,.. ·~.·
:·o. . s. ··;.!···
.. <>.

COITIO.dat~rj~~~.,,8t~pu~er··· ~~~~; ~ sahf~~~i}1i .;~f nc;tp~~~~~'.;,o>}


do .comodant~,.r~spori<:lera p~lp díiíl()~?5~t ··ª··~~~ 1s~~l>,?.s~~;11
atribuira caséMõrtuito oh fo'r~ mafo~. >·•\. •·.· · · . · .· . . . . ·. ·• . 1 •··.•..•••..·. ·.·· •. ·.••
1

: ~~~i~~J~§.~i:~1:~;;f~b.~J:;1tt~~~!~~;r.;~trf:;
tabelecido por; pf"azo lndetermil)add; qualquer qutf seja a natureza
do uso co?ce~ido,. Poct~nd<t(<> ·.~oíl)pdftnt~ p~gir:1ª: r~stit~içã9 ~a
coisa à qualquer tempo;.:desâ~ ~ll~fJl~i:Ji~n~é'~~iijifnicaÇão Pr~yi~1.e ·
inequívoca~ asi;lrt~lanclo· praz9,(:le 3()cth:tl). ·· ·· · · · ·
Gabarito:. b•·' . ....· : .. ; .. . . ; .. L • •y ··;•• e .

Por outro lado, é previsível que o comodatário se respon-


sabilize pelas despesas decorrentes do uso e gozo da coisa
emprestada, tal qual impõe o art. 584 do CC. Tanto isto é certo
que "O comodatário não poderá jamais recobrar do comodante as
despesas feitas com e uso e gozo da coisa emprestada". Exempli-
fica-se com o combustível colocado no veículo emprestado para
o seu uso.
Finalmente de se notar a previsão de responsabilidade civil
solidária para o caso deste empréstimo beneficiar duas ou mais
pessoas, a um só tempo (CC, at. 585). Infere-se hipótese de solida-
riedade legal, respeitosa ao regime de exceção das solidariedades
(CC, art. 265).
Cap. 7 • Empréstimo 613

2.3. Dos Direitos e Deveres do Comodante


Quase nenhum dever jurídico terá o comodante em decorrência
do comodato, ante o caráter benéfico e unilateral deste negócio
jurídico. Tal aspecto afasta, por exemplo, a responsabilidade civil
do comodante por vício redibitório (CC, art. 441), ou mesmo por
evicção (CC, art. 447).
Nada obstante, é razoável reconhecer que o comodante terá
o dever jurídico de respeitar o prazo de vigência do comodato e,
portanto, aguardar o tempo necessário ao seu uso, de modo a não
admoestar a posse do comodatário anter tempus.
Deverá também o comodante receber o bem sem causar qual-
quer tipo de embaraço, assim como não interferir no gozo e fruição
do comodatário, reembolsando este pelas despesas "extraordiná-
rias, necessárias e urgentes, com a coisa", para o fim de evitar o
"enriquecimento sem causa", como bem advertem CR1sr11.No CHAVES oE
FARIAS E NELSON RosENVALD 11 •

2.4. Extinção do Comodato


Deseja-se que o contrato de comodato seja extinto pelo natural
cumprimento da finalidade pactuada: devolução no prazo estipula-
do ou após o uso da coisa.
Mas existem situações jurídicas atípicas que podem levar a ex-
tinção do comodato como, por exemplo, o reconhecimento judicial
da invalidade do contrato (nulidade absoluta ou anulabilidade),
inadimplemento, direito de arrependimento, redibição, resilição,
resolução, rescisão e morte do comodatário.

3. DO MÚTUO E DO SEU REGIME JURÍDICO


O mútuo é um contrato de empréstimo para o consumo. Ca-
racteriza-se pela transferência do domínio da coisa emprestada
pelo mutuante ao mutuário. Eis o conteúdo do art. 587 do CC: "Este

11. CHAVES DE FARIAS, Cristiano e ROSENVALD, Nelson. Curso de Direito Civil.


contratos. Teoria Geral e Contratos em Espécie. 4• edição. Salvador: JusPodivm,
2014, p. 742.
614 Direito Civil - Vol. 13 • Luciano Figueiredo e Roberto figueiredo

empréstimo transfere o domínio da coisa emprestada ao mutuário,


por cuja conta correm todos os riscos dela desde a tradição".
O objeto deste empréstimo é um bem fungível e consumível, o
qual poderá ser substituído por outro do mesmo gênero, quantida-
de e qualidade. O mútuo poderá ser gratuito ou oneroso.
RODOLFO PAMPLONA E PABLO STOLZE 12 conceituam o mútuo como um "ne-
gócio jurídico unilateral, por meio do qual o mutuante transfere a
propriedade de um objeto móvel fungível ao mutuário, que se obriga
à devolução, em coisa do mesmo gênero, qualidade e quantidade".
FLÃvto TARTUcE'3 leciona que em regra "trata-se de contrato unilateral
e gratuito, exceção feita para o mútuo oneroso. Além disso, o contrato
é comutativo, real, temporário e informal. Exemplo típico evolve o em-
préstimo de dinheiro, uma vez que o mútuo somente terá como objeto
bens móveis, pois somente esses podem ser fungíveis (art. 85 do CC)".
<·,j: 1>;>,',:,~>"Yj'~~1 t:i'·':. '·.. \.}';'
• e. na hOféi f:fa prova~ .,
Ano: 2(,is: ê~n.cci~ FC{l;Õrgão: SEFÁZ·PE Prova:. Júlgaq~r Administrativo Tri-
buiãriO Cio Tesouro Est~duaL · ·•. ••·.. .
NÓ tÓ~tfctt.Ô ttêefu ptéstirhd;,distinguerr)~se o· mÕti,íó·~fÓ .C:orrio'dato• porque
a). afub'Ós.sã~n'efess.ariament~ ()tterosos, .contudo aquele. tem por ob-
Jéto cois.âi1tOfüfigWet é este tem por <>t>Jeto coisa fungível.. ,
b) .esté tei]i pof objeto coisà lnfunglvel e ê nece.ssariamente gratuito,
e~ql!~~(o .w:i~el~.Jer:n. )1()r .()bjeto C()iSa fungíve,l ,e. é nece,ssariamente
ob'ef!s&.•"1•0·, .·•u;\'ÍiÍ ••·•·.. · ,,.,.. , : , •...

c?:, a·9}1eí~r t~tri P,~r)>bJe.~R col~~ Jrtf~.Ôgíve.1,. s(!n~~ n~Çes·. sa~ia~ente


gratuita; ~hqu~nfo e~té tem. pór ot)Jet() coisa. fungível; sendo neces-
, ,,, ,, ,.;,:,, ,;\«:,,_:, y-:r -, ,,,_
,,;'.-~" ';''1'><>N'',·,:,;,.''-.,'i:;i'. ,l•f-"j;'~ "'f·,' ,., ,->'\;j~/ó;',',\/'' ,,<' ,', ,

:saria.mente..onero.sor · • · . ·•·.·. · · · · ·
d) amb~s s~o, nece.~sarJamente gratuitos, CQnt~cl~ aquel~ tem por ob-
jeto coisa fungível .€!.este tem por ,pbJE!t() coisa infungível.
e) aquele tem por objeto coisa rungí~el, p'Ódê~dó sér gratuito ou oneroso
e estetêlTf pór objeto coisa infungível e é nec:essariamente gratuito.
'-".,,,> •,,,,,, ,;' ·.:,. ,, ,_•\ ''<>; ' • , ' ,., ' ,- - - '

Gabarito:'ê

12. PAMPLONA FILHO, Rodolfo e GAGLIANO, Pablo Stolze. Novo Curso de Direito Civil.
Contratos em Espécie. 6• edição. São Paulo: Saraiva, 2013, p. 255.
i3. TARTUCE, Flávio. Direito Civil. Teoria Geral dos Contratos e Contratos em Espécie.
ioa edição. São Paulo: Método, 2015, p. 526.
Cap. 7 • Empréstimo 615

O mutuante e a pessoa que cede a coisa. O mutuário é quem re-


cebe o empréstimo. O contrato contém um caráter translativo, pois
gera transferência proprietária. Justo por isto, o mutuante poderá
exigir garantia "da restituição, se antes do vencimento o mutuário
sofrer notória mudança em sua situação econômica" (CC, art. 590).
Trata-se do que a doutrina denomina de cláusula de inseguridade,
sendo apta a gerar a resolução antecipada do contrato, como estu-
dado no capítulo de extinção dos contratos, na parte geral.
À luz do melhor interesse da infância e juventude, alinhando-se
a ideia de proteção integral e prioridade absoluta, o Código Civil
estabelece em seu art. 588 que "O mútuo feito a pessoa menor, sem
prévia autorização daquele sob cuja guarda estiver, não pode ser
reavido nem do mutuário, nem de seus fiadores".
É dizer: o empréstimo será válido e eficaz ao menor, protegido
pela norma. Contudo, não será juridicamente possível, no plano da
eficácia deste negócio jurídico, o mutuante cobrar a devolução do
que emprestou nem do mutuário (criança ou adolescente), nem de
seus fiadores. Eis um belo exemplo de obrigação natural, incom-
pleta ou imperfeita.
Para S1Lv10 RoDRIGuEs' 4 a legislação cível, ao proteger o menor, "nega
ao mutuante que lhe concedeu empréstimo, sem prévia autorização
do pai ou tutor, o direito de reaver a importância emprestada, quer
do próprio menor, quer de seus fiadores ou abonadores".
A regra geral de impossibilidade de cobrança do mútuo feito a
menor, porém, sofre importantes exceções, capituladas no art. 589.
São elas: 1 - se a pessoa, de cuja autorização necessitava o mutuá-
rio para contrair o empréstimo, o ratificar posteriormente; li - se o
menor, estando ausente essa pessoa, se viu obrigado a contrair o
empréstimo para os seus alimentos habituais; Ili - se o menor tiver
bens ganhos com o seu trabalho. Mas, em tal caso, a execução do
credor não lhes poderá ultrapassar as torças; IV - se o empréstimo
reverteu em benefício do menor e V - se o menor obteve o em-
préstimo maliciosamente. Nestes casos poderá o mutuante reaver

14. RODRIGUES, Sílvio. Direito Civil - Dos Contratos e das Declarações Unilaterais de
Vontade. 30• edição. São Paulo: Saraiva, 2004, v. 3, p. 265.
616 Direito Civil - Vol. 23 • Luciano figueiredo e Roberto figueiredo

a importância do menor ou seus garantidores, falando-se em uma


obrigação civil ou perfeita.

3.1. Mútuo Feneratício (Oneroso)


o empréstimo para uso poderá se destinar a fins econômicos.
É a casuística do empréstimo de dinheiro sobre a condição de se
receber, a título de devolução, não apenas o mesmo valor nominal,
como ainda juros e capitalização. Fala-se, aqui, do mútuo feneratício,
frutífero ou a juros.
Infere-se, por conseguinte, que diferentemente do comodato, o
mútuo poderá ser oneroso. ORLANDO GoMEs'5 recorda que "ao contrário do
comodato, a gratuidade não é da essência do mútuo, mas sim de sua na-
tureza. Em Direito Civil, s6 não é gratuito se for expressamente estipulado
o contrário. Tal estipulação se permite. Toma, então, o nome de mútuo fe-
neratício ou frutífero, sendo normalmente oneroso o mútuo de dinheiro".
Na linha do dito, firma o art. 591 do CC que "destinando-se o
mútuo a fins econômicos, presumem-se devidos juros, os quais, sob
pena de redução, não poderão exceder a taxa a que se refere o art.
406, permitida a capitalização anual".
Sobre o tema, o ENuNc1Aoo 34 do CJF cristalizou entendimento no
sentido de que "No Novo C6digo Civil, quaisquer contratos de mútuos
destinados a fins econômicos presumem-se onerosos (art. 591), fican-
do a taxa de juros compensatórios limitada ao disposto no art. 406,
com capitalização anual".

.~. E n~ llÓ~·cl~:~rp~•? · · . . , . . . . .. . .. . ; 1• • :; ,:: , i


Ano:·· '2015: s~~eà::icc.ó~gãO!SEFAZ~Pí·· Prova: •·Àu ditór:Fi§€àJtâa Fázéhda.
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De acordo com o cófoi~Cívil, o mútuo
a) nã()transt~"t~.ê> ;rri~ru.ãrio o :dominJoda coisa' ~rnl:>rêsta.da ..· .·
b), aut~riz~ ci:~tiwãri~ ª,deYolver coi~<i ~e: gê~~O:•. fui~ti~~de ..e.9 4 an-
tictactes dlfer~ntêís da emprestada, dé~d~.·que dé'igual valor. ·....

15. GOMES, Orlando. Contratos. 14ª edição. Rio de Janeiro: Forense, 1994, p. 318.
Cap. 7 • Empréstimo 617

Sobre o tema, FLAv10 TARTucE' 6 recorda o entendimento dos tri-


bunais superiores no sentido ele não aplicação da Lei da usura
(Decreto-Lei n° 22.626/33) às entidades bancárias.

~~~-~ij;
que~s.··institUÍçõ~s··bánt~
poslçõé:; do Decretó 2~ió2 .· . . ·. 33 flif<}
enC(lrgos co6raêt9s nás <Úie~Çõe~i
privàdas, que· iot~grcurr p ststemq:finitn~~'iió
N.o . mesrno sentid~···cáriliilfiâ 7~~-síit~~it.J'ijj·
la 382, segundo a qual "'A~S'itvui~~tf();4é ... ·. .· .
a 12% ao ano, por Si;Só,Mo·llliitt:àa6µsiVfdadtt~,a~$fnH6'ril' ma SIÍ-.
mula ~79, par~. q,ual . "Nos f;:q~tf~fl"Js b()Ô~~~p~ •iJjj8 r~gido~; pot:légisfdÇiJo····
especifica, os 1uros moratórlos poderão ser convel'ie1onados até o limite
de l % ao mês". · · · · ·

O prazo do contrato de mútuo deve ser convencionado no pró-


prio instrumento. Todavia, caso não o seja, o art. 592 do Código
Civil afirma os marcos de vencimento: a) até a próxima colheita, se
o mútuo for de produtos agrícolas, assim para o consumo, como
para semeadura; b) de trinta dias, pelo menos, se for de dinheiro
e, finalmente e c) do espaço de tempo que declarar o mutuante, se
for de qualquer outra coisa fungível.

3.2. Extinção do Mútuo


Assim como se argumentou no comodato, também se deseja
aqui que o contrato de mútuo seja extinto pelo natural cumprimen-
to da finalidade pactuada: adimplemento regular.

i6. TARTUCE, Flávio. Direito Civil. Teoria Geral dos Contratos e contratos em Espécie.
lo• edição. São Paulo: Método, 2015, p. 517.
618 Direito Civil - Vol. 13 • Luciano Figueiredo e Roberto Figueíredo

Mas existem situações jurídicas atípicas que podem levar a


extinção do mútuo como, por exemplo, o reconhecimento judicial
da invalidade do contrato (nulidade absoluta ou anulabilidade),
inadimplemento, direito de arrependimento, redibição, resilição,
resolução, rescisão,· etc.
Anotações
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