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PODER JUDICIÁRIO

TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO


27.ª CÂMARA DE DIREITO PRIVADO

Registro: 2013.0000778183

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos estes autos de


Apelação n.º 0013463-39.2009.8.26.0084, da Comarca de
Campinas, em que é apelante JOÃO FLORÊNCIO TAVARES (JUSTIÇA
GRATUITA), é apelado FERNANDO MARCELO PAIXÃO ANDRADE,

ACORDAM, em 27ª Câmara de Direito Privado do Tribunal


de Justiça de São Paulo, proferir a seguinte decisão:
"Deram provimento em parte ao recurso. V. U.", de
conformidade com o voto do Relator, que integra este
acórdão.

O julgamento teve a participação dos Exmos.


Desembargadores GILBERTO LEME (Presidente), MORAIS PUCCI E
CLAUDIO HAMILTON.

São Paulo, 10 de dezembro de 2013.

Gilberto Leme
RELATOR
Assinatura Eletrônica
PODER JUDICIÁRIO
TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO
27ª CÂMARA DE DIREITO PRIVADO

Apelação com revisão n.º 0013463-39.2009.8.26.0084

Comarca: Campinas
Apelante: João Florêncio Tavares (justiça gratuita)
Apelado: Fernando Marcelo Paixão Andrade

Juíza sentenciante: Dra. Maristela Tavares de Oliveira Farias

LOCAÇÃO DE IMÓVEIS. CONTRATO ESCRITO.


TÍTULO EXECUTIVO EXTRAJUDICIAL. PRESCRIÇÃO
TRIENAL. RECONHECIMENTO.JUROS E MULTA
CONTRATUAL. LITIGÂNCIA DE MÁ-FÉ AFASTADA.
1. O contrato de locação é título
executivo extrajudicial (Código de
Processo Civil, artigo 585, inciso V),
admitindo-se a execução por quantia certa
contra devedor solvente para satisfação da
dívida locativa, inclusive os encargos da
locação.
2. O prazo prescricional para o exercício
da pretensão de executiva de débito
locativo é de três anos contados da data
do vencimento do aluguel cobrado, nos
termos do artigo 206, §3.º, inciso I, do
Código Civil.
3. Na locação de imóveis, são devidos
juros de mora e multa na forma contratada,
por força do princípio pacta sunt
servanda.
4. Caracterizada a litigância de má-fé
pela alteração da verdade dos fatos de
forma impertinente, afirmando fato
extintivo (pagamento) que não existiu.
Recurso parcialmente provido.

VOTO N.º 8.493

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Trata-se de recurso de apelação


interposto à r. sentença que julgou parcialmente
procedentes os embargos à execução para reconhecer a
prescrição dos aluguéis vencidos entre abril a julho de
2005, excluindo-os do cálculo, prosseguindo a execução em
relação ao restante. Condenado o embargante, pela
litigância da má-fé, ao pagamento de multa de 10% do valor
da causa (execução). Condenado o embargado ao pagamento das
custas processuais despendidas pelo embargado e honorários
advocatícios arbitrados em 10% do valor da dívida.

Opostos embargos de declaração, forma


rejeitados (fls. 163).

Recorre o embargante, arguindo a


nulidade do título executivo por falta de instrução da
execução com o demonstrativo de débito, desatendendo o
inciso II do artigo 614 do Código de Processo Civil. Alega
a prescrição dos valores cobrados em data anterior a agosto
de 2005, nos termos do inciso I do § 3.º do artigo 206 do
Código Civil. Pleiteia a redução de multa e juros na forma
da lei. Insurge-se contra a aplicação da pena por
litigância de má-fé no exercício do direito de defesa.

Recurso tempestivo, isento de preparo


ante a gratuidade judiciária concedida ao recorrente e
respondido.

É o relatório.

Estabelece o inciso V do artigo 585 do


Código de Processo Civil que são títulos extrajudiciais “o

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crédito, documentalmente comprovado, decorrente de aluguel


de imóvel, bem como de encargos acessórios, tais como taxas
e despesas de condomínio.”

Consoante noção cediça, basta que se


faça a comprovação do contrato de locação firmado entre as
partes para que o crédito dele decorrente seja reconhecido
como título executivo extrajudicial certo, líquido e
exigível, independentemente de ser subscrito por duas
testemunhas, o contrato de locação é título executivo
extrajudicial (RT 677/163, 705/160, Lex JTA 149/300, RJTAMG
52/170).

Nesse sentido:

“LOCAÇÃO DE IMÓVEIS - EXECUÇÃO POR QUANTIA CERTA CONTRA


DEVEDOR SOLVENTE - PETIÇÃO INICIAL INDEFERIDA - CONTRATO DE
LOCAÇÃO TÍTULO EXECUTIVO EXTRAJUDICIAL ART. 585, IV DO CPC
- EXECUÇÃO FUNDADA NESTE - VIA PROCESSUAL ADEQUADA -
SENTENÇA REFORMADA - RECURSO PROVIDO. Nos termos do art.
585, V, do CPC, o contrato de locação constitui-se título
executivo extrajudicial líquido, certo e exigível, que
ampara a propositura de ação de execução, não havendo que
se falar em inadequação de procedimento.” (TJSP, 31.ª
Câmara de Direito Privado, Apelação nº
0005800-10.2009.8.26.0126, rel. Des. PAULO AYROSA,
28/2/2012, v.u.)

“APELAÇÃO CÍVEL. Interposição contra sentença que julgou


improcedentes embargos à execução. Julgamento antecipado
dos embargos. Possibilidade. Previsão expressa no artigo
740 do Código de Processo Civil. Preliminar de cerceamento
de defesa afastada. Execução de título executivo
extrajudicial revestido de certeza, liquidez e
exigibilidade. Desnecessidade de assinatura de testemunhas
em contrato locatício. Incidência do artigo 585, V, do
Código de Processo Civil. Sentença mantida. Apelação não
provida.” (TJSP, 33.ª Câmara de Direito Privado, Apelação
n.º 0151522-22.2010.8.26.0100, rel. Des. MARIO A. SILVEIRA,
j. 22.10.2012, v.u.)

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Na espécie, a execução encontra-se


aparelhada por contrato de locação de imóvel para fins não-
residenciais pelo prazo de 12 (doze) meses, com início a
partir de 1.º de fevereiro de 1999 e término em 31 de
janeiro de 2000, prorrogado por tempo indeterminado (fls.
32/32v.º).

Também aparelhada a execução com o


acordo extrajudicial que também tem força de título
executivo judicial, porque constituído o crédito,
documentalmente comprovado, decorrente de aluguel de
imóvel, bem como de encargos acessórios, tais como taxas e
despesas de condomínio (Código de Processo Civil, artigo
585, inciso V).

Conquanto o réu alegue a iliquidez e


incerteza do débito por conta do demonstrativo de cálculo,
é certo que ele possibilita o contraditório e a ampla
defesa, por estar ali especificados os débitos em aberto
(aluguéis e acessórios), o saldo devedor mensal e o
decorrente do acordo e o acréscimo de multa, juros e
correção monetária (fl. 26).

Assim, resta atendido o inciso II do


artigo 614 do Código de Processo Civil.

No caso em julgamento, a ação foi


ajuizado em 5 de agosto de 2008, objetivando o exequente a
satisfação da quantia de R$ 21.134,39, firmado em 29 de
março de 2005 (fl. 23), além dos aluguéis vencidos entre 10
de abril de 2005 e 10 de dezembro de 2005 e das contas da
Sanasa vencidas nos meses de novembro e dezembro de 2005

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(fls. 20/26).

Notadamente, os aluguéis e acessórios


vencidos antes de 10 de agosto de 2005 estão prescritos
porque decorridos o triênio legal (Código Civil/2012, art.
206, § 3º., I).

Entrementes, o MM. Juiz a quo afastou a


arguição de prescrição dos aluguéis e acessórios constante
no acordo porque a ele se aplica o artigo 206, § 5.º,
inciso I, do Código Civil, ou seja, a prescrição seria
quinquenal.

Sob o ponto de vista jurídico, o acordo


não alterou a natureza jurídica do débito que,
evidentemente, continua a ser proveniente da locação de
imóveis.

A saber, o acordo é mera forma de


solução de forma conjunta e participativa das pessoas
buscarem pôr fim às divergências existentes entre elas de
uma maneira amigável.

Descumprido o acordo, o locador tem o


prazo de três anos para reclamar pagamento de aluguéis,
inclusive daqueles constantes do acordo, isso porque o
acordo não altera a relação obrigacional locativa, ao
contrário, ele decorre do descumprimento de obrigação ali
assumida.

Assim, aplica-se à espécie o prazo


prescricional do inciso I, § 3.º, artigo 206 do Código

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Civil de 2002 à espécie, configurada a prescrição pelo


exaurimento do triênio legal, iniciado em 29 de março de
2005 (fl. 23).

No que concerne a redução da multa e


juros, é de se dizer que a cláusula 30 prescreve que “caso
o aluguel seja pago após o vencimento o mesmo será
acrescido de 10% de multa, 1% de juros, correção monetária
e 20% de honorários advocatícios.” (fl. 32v.º).

Impende registrar que os contratos


devem ser cumpridos, regra consolidada no direito canônico
sobre o brocardo pacta sunt servanda, prevista no artigo
422 do atual Código Civil.

CAIO MÁRIO DA SILVA PEREIRA já


ensinava: “A ordem jurídica oferece a cada um a
possibilidade de contratar, e dá-lhe a liberdade de
escolher os termos da avença, segundo as suas preferências.
Concluída a convenção, recebe da ordem jurídica o condão de
sujeitar, em definitivo, os agentes. Uma vez celebrado o
contrato, com observância dos requisitos de validade, tem
plena eficácia, no sentido de que se impõe a cada um dos
participantes, que não têm mais a liberdade de se forrarem
às suas consequências, a não ser com a cooperação anuente
do outro. Foram as partes que acolheram os termos de sua
vinculação, e assumiram todos os riscos. A elas não cabe
reclamar, e ao juiz não é dado preocupar-se com a
severidade das cláusulas aceitas, que não podem ser
atacadas sob a invocação de princípios de equidade [...]”
(Instituições de Direito Civil, vol. III, n.º 185, pág. 6,
Forense, 1995)

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Nesse diapasão, não procede a alegação


do excesso de cobrança pela aplicação da multa de 10%
porque é inaplicável o Código de Defesa do Consumidor à
espécie.

Inaplicável, igualmente, o artigo 9.º


do Decreto n.º 22.626, de 7 de abril de 1933 que dispõe
sobre juros do contrato, nos seguintes termos: “Não é
válida a cláusula penal superior a importância de 10% do
valor da dívida.”

A saber, este Decreto trata das


relações de mútuo e servia para situações previstas no
Código Civil de 1916. Hodiernamente, o Código Civil de 2002
não faz qualquer menção à Lei de Usura, agindo de forma
diversa em relação às leis que pretende manter em vigor.

Inobstante a discussão sobre a vigência


ou não da Lei de Usura diante do novo Código Civil, tenha-
se presente que a relação locatícia é prevista por lei
específica, não se devendo aplicar um Decreto que trata de
assunto diverso aos contratos de aluguel.

Nesse sentido, já se posicionou o


Superior Tribunal de Justiça:

“RECURSO ESPECIAL. LOCAÇÃO E PROCESSUAL CIVIL. LEGITIMIDADE


PARA COBRANÇA DE ALUGUÉIS. COMPROVAÇÃO DA TITULARIDADE DO
BEM. DESNECESSIDADE. INEXISTÊNCIA DE DÉBITOS CONTRATUAIS.
ANÁLISE. INVIABILIDADE. SÚMULA N.º 7 DESTA CORTE. LEI DE
USURA E CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR. INAPLICABILIDADE.
1. O entendimento deste Superior Tribunal de Justiça é no
sentido de que é possível a cobrança dos aluguéis pelo

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locador, sem a exigência de prova da propriedade, sendo


suficiente a apresentação do contrato de locação para a
instrução da execução extrajudicial. Precedentes.
2. Desconstituir o entendimento da instância a quo,
soberana em matéria de prova, para reconhecer a
inexistência de débitos contratuais, implicaria,
necessariamente, reexame da matéria fático-probatória
constante dos autos, impossível na via estreita do recurso
especial, a teor do disposto no verbete sumular n.º 07
deste Tribunal Superior.
3. A Lei de Usura, destinada a regular os contratos de
mútuo, assim como o Código de Defesa do Consumidor não são
aplicáveis aos contratos locatícios.
4. Recurso especial desprovido.” (5.ªT, REsp 706594 / PR,
Rel.ª Min.ª LAURITA VAZ, j. 10.9.2009, DJe 28.9.2009,
v.u.).

Nessa vereda, não procede a pretensão à


redução do percentual da multa e dos juros de mora.

No que concerne à litigância de má-fé,


o MM. Juiz a quo condenou o apelante em decorrência da
alteração da verdade dos fatos ao afirmar fato extintivo do
direito pretendido (pagamento).

Entre os princípios que norteiam o


processo civil está o da lealdade e da boa-fé, previstos no
artigo 14, inciso II, do Código de Processo Civil. Das
partes, exige-se uma conduta regada pela boa-fé, imbuída do
propósito de não permitir distorções nem dar ensejo a
abusos capazes de desvirtuar a realidade fática ou jurídica
da causa.

O artigo 18, caput, do Código de


Processo Civil, com a redação que lhe deu a Lei n.º
8.952/94, permite a decretação da litigância de má-fé de
ofício.

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Sobre a condenação de ofício, discorrem


Nelson Nery Júnior e Rosa Maria de Andrade Nery:

“A L 8.952/94 já deixara expresso o


dever de o juiz condenar, de ofício, o litigante de má-fé,
como já exposto na 1.ª ed., destes comentários. A L
9.668/98 reafirma essa regra. O destinatário primeiro da
norma é o juiz ou tribunal, de sorte que lhe é imposto um
comando de condenar o litigante de má-fé a pagar multa e a
indenizar os danos processuais que causou à parte
contraria. Isto porque o interesse público indica ao
magistrado que deve prevenir e reprimir os abusos cometidos
pelos litigantes, por prática de atos que sejam contrários
à dignidade da justiça. Deve assim proceder de ofício,
independentemente de requerimento da parte. [...]” (Código
de Processo Civil Comentado e Legislação Extravagante, 6.ª
ed., RT, 2002, pág. 306).

No presente caso, bem aplicada a multa


de litigância por má-fé, pois o que a tipifica é a
consciência de estar agindo maliciosamente para obter
resultado indevido (extinção da execução pelo
reconhecimento do pagamento), configurando a intenção do
réu de alterar a verdade dos fatos para lograr êxito na
demanda, devendo ser mantida a aplicação de multa por
litigância de má-fé, de acordo com os artigos 17, inciso
II, e 18, ambos do Código de Processo Civil.

Pelo meu voto, dou parcial provimento


ao recurso para declarar prescrita a quantia objeto do
acordo extrajudicial, mantendo-se a execução em relação ao

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saldo devedor não prescrito. Ante a derrota objetiva das


partes, ficam repartidos, em partes iguais, os ônus da
sucumbência.

GILBERTO LEME
Relator

Apelação nº 0013463-39.2009.8.26.0084 11

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