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Processo: 3252/17.3T8OER-E.L1.S1
Nº Convencional: 7.ª SECÇÃO
Relator: FERREEIRA LOPES
Descritores: EXECUÇÃO PARA PAGAMENTO DE QUANTIA CERTA
AGENTE DE EXECUÇÃO
HONORÁRIOS
PROVIDÊNCIAS DE RECUPERAÇÃO
CRÉDITO
PENHORA
NEXO DE CAUSALIDADE
TRANSAÇÃO
EXEQUENTE
EXECUTADO
ADMISSIBILIDADE DE RECURSO
RECURSO DE REVISTA
OPOSIÇÃO DE ACÓRDÃOS
Data do Acordão: 02/06/2021
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: CONCEDIDA A REVISTA
Sumário :
I - Nas execuções de pagamento de quantia certa, é devida ao agente de execução a
remuneração adicional prevista na Portaria nº 282/2013, desde que haja produto recuperado
ou apreendido, nos termos do art. 50º, nºs 5 e 6, sempre que se evidencie que para o
resultado contribuíram as diligências promovidas pelo agente de execução;
II – O direito do agente de execução àquele pagamento não depende de ter tido intervenção
directa nas negociações entre o exequente e o executado que levaram a uma transação, na
qual foi acordado o valor da dívida e as condições de pagamento.
Decisão Texto Integral:
Acordam no Supremo Tribunal de Justiça
///
31ª - Pelo que (…) deve oacórdão recorrido ser revogado e substituído por outro que
determine a inclusão na nota discriminativa dos honorários no processo 3252/... (…),
apresentada pelo recorrente, agente de execução, 48.579,23€ (quarenta e oito mil
quinhentos e setenta e nove euros e vinte e três cêntimos) correspondentes à remuneração
adicional calculada de acordo com a tabela do anexo VIII e o os números 1, 5, 6, e 9 do
artigo 50º da Portaria nº 282/2013 de 29 de Agosto,
Contra alegou o Recorrido, pugnando pelo indeferimento da revista excepcional; se assim,
se não entender o recurso deve improceder, tendo apresentado as seguintes conclusões
(suprimem-se igualmente as referentes à inadmissibilidade da revista excepcional):
M. No caso dos autos, é manifesta a total irrelevância das penhoras para a celebração do
acordo, por falta de nexo temporal e causal entre elas e o acordo, celebrado na véspera do
julgamento da Oposição.
N. Mas, mais grave, resulta dos autos que o Agente de Execução praticou constantemente
atos ilegais, prejudicando severamente ambas partes, em vez de as beneficiar;
O. Ao longo de todo o processo, o Agente de Execução só contribuiu para tornar os autos
prolixos e obrigar os Executados a apresentar duas Oposições à Penhora por excesso
originário de penhora, provocando encargos económicos perfeitamente evitáveis a ambas
as Partes e arrastando os autos durante meses com discussões inúteis, crispando as posições
em confronto;
P. A falta de profissionalismo do AG culminou na não devolução de todas as quantias
ilegalmente, na cobrança de despesas originadas por penhoras ilegais e na impensável
realização de penhoras após as partes chegarem a acordo;
Q. E, nesta sede, superou-se com uma revista manifestamente inadmissível;
R. É perfeitamente inconcebível que, num contexto destes, o Agente de Execução seja
premiado com uma remuneração adicional, no valor de € 48.579,23, sendo ilegal e
inconstitucional qualquer interpretação dos n.º5 e 9 do artigo 50.º da Portaria 282/2013 que
o permita;
S. O disposto nos n.º 5 e 9 do artigo 50.º da Portaria 282/2013 tem de ser interpretado de
acordo com a sua ratio legis, que exige um nexo de causalidade entre a recuperação e a
condutado Agente de Execução, pois a remuneração adicional visa promover uma maior
eficiência e celeridade na recuperação das quantias exequendas, premiando a diligência do
Agente de Execução (cfr. preâmbulo do diploma);
T. Estando a ratio legis expressamente consagrada no preâmbulo do diploma em análise, é
incontornável reconhecer que o pensamento legislativo tem na letra da lei total
correspondência verbal, pelo que o disposto no n.º 2 do artigo 9.º do Código Civil não tem
aplicação;
U. E, por força do disposto no n.º 3 do artigo 9.º do Código Civil, tem de se presumir ser
essa a solução globalmente consagrada, face a tudo o expresso pelo legislador na Portaria
nº 282/2013, não se podendo fazer letra morta do preâmbulo, como elemento interpretativo
chave do pensamento legislativo, que indubitavelmente é
V. Mais, por interpretação sistemática, tem necessariamente de se verificar uma
proporcionalidade entre o trabalho desenvolvido e a remuneração recebida, sob pena de
enriquecimento sem causa e violação do princípio da proporcionalidade;
W. Portanto, não há dúvida que o n.º 5 e 9 do artigo 50.º da Portaria 282/2013 não podem
ser interpretados como atribuindo um direito absoluto à remuneração adicional,
independentemente de uma análise causal e de proporcionalidade;
X. Acresce que, por outro lado, uma interpretação que permita premiar cegamente o AE,
prescindindo da necessária ponderação concreta do impacto do seu trabalho para as partes,
em especial da (ir)relevância da sua actividade para a resolução consensual do litígio é uma
interpretação claramente inconstitucional da norma, por violação dos princípios da justiça e
da proporcionalidade (proibição do excesso), ínsitos no princípio do Estado de direito
democrático, e da garantia de um processo equitativo e do direito de acesso à justiça e aos
tribunais, previstos nos artigos 2.º e 20.º da Constituição, o que expressamente se invoca;
Y. Afastar as normas do n.º 5 e 9 do artigo 50.º da Portaria 282/2013 de considerações de
proporcionalidade e causalidade é, na verdade, transformar a remuneração adicional num
verdadeiro imposto particular, o que não se pode admitir, desde logo porque não foi criado
por lei;
Z. O Acórdão recorrido não violou nenhuma das normas indicadas na conclusão 30, que
pouco relevam para a decisão da questão em análise, limitou-se a honrar a Constituição e a
cumprir o seu dever de bem interpretar as leis, não merecendo a menor censura;
AA. Face a tudo o exposto, o recurso tem de improceder.
Colhidos os vistos, cumpre decidir.
Fundamentação.
O acórdão recorrido louvou-se na seguinte tramitação processual:
1. Em 13/7/2017 Banco Santander Totta, S.A. intentou contra BB e CC execução para
pagamento da quantia de € 1.618.459,29, correspondente ao capital de € 1.585.851,57 e
juros de mora no montante de € 24.678,46, calculados à taxa de 4% e vencidos até
7/7/2017, e apresentando como título executivo uma livrança subscrita pelos executados,
no montante de 1.585.851,57 e vencida a 15/2/2017. No mesmo requerimento executivo o
exequente designou como agente de execução AA.
2. Em 25/9/2017 a executada CC veio à execução informar do falecimento do executado
BB, ocorrido em 17/4/2017, juntando a correspondente certidão de assento de óbito.
3. Ainda em 25/9/2017 a executada CC deduziu embargos de executado (apenso A), aí
concluindo pela inexigibilidade da livrança dada à execução e pela procedência dos
embargos, com a extinção da execução. Mais requereu a suspensão da execução, nos
termos da al. a) do nº 1 do art.º 733º do Código de Processo Civil, oferecendo-se para
prestar caução, em prazo não inferior a 10 dias.
4. Em 27/9/2017 o agente de execução declarou a suspensão da execução, por força do
óbito do executado BB, tendo o exequente intentado incidente de habilitação de herdeiros,
que correu por apenso à execução (apenso B), e onde foi proferida sentença em 20/11/2017
(transitada em julgado), que declarou a executada CC, bem como os requeridos DD, EE e
FF, habilitados para, na qualidade de únicos herdeiros de BB, prosseguirem os termos da
execução
5. Em 12/1/2018 foi proferido despacho (no apenso A), admitindo os embargos de
executado e determinando a notificação do exequente para os contestar, querendo, bem
como para se pronunciar quanto à suspensão da execução sem prestação de caução,
despacho esse que foi notificado ao agente de execução em 17/1/2018.
6. Em 22/1/2018 o agente de execução notificou o Centro Nacional de Pensões para a
penhora da pensão devida à executada CC, nos termos e para os efeitos do disposto no art.º
779º do Código de Processo Civil, indicando como valor total previsto da penhora a
quantia de € 1.700.085,95.
7. Em 7/2/2018 o agente de execução elaborou auto de penhora, aí indicando como limite
da penhora a quantia de € 1.699.382,25, correspondente à dívida exequenda de €
1.618.459,29 e despesas prováveis de € 80.922,96, e identificando as seguintes verbas
como bens penhorados:
Real: Sim
Sociedade
sociedade por quotas T…, COMPRA E
///
Fundamentação de direito.
A revista foi admitida com fundamento na alínea d) do nº 2 do art. 629º do CPC –
contradição jurisprudencial entre o acórdão recorrido e o Acórdão da Relação de Lisboa de
07.11.2019 – sobre a seguinte questão essencial de direito: saber se na execução para
pagamento de quantia certa, em que foi celebrado um acordo de pagamento entre o
exequente e o executado, o direito do agente de execução à remuneração adicional prevista
no art. 50º, nº 5 da Portaria nº 282/13 de 29 de Agosto, depende de ter tido intervenção no
acordo obtido.
Entendeu o acórdão recorrido que não, como se extrai do seguinte segmento do respectivo
sumário:
Quando as diligências processuais praticadas pelo agente de execução se limitam à
realização dos actos ou diligências normais ou previstos na regular tramitação do
processo executivo, englobados na remuneração fixa prevista no Anexo VII da referida
Portaria, e a garantia obtida corresponde ao valor a recuperar por via de acordo de
pagamento extrajudicial, no qual não se apreende qualquer contribuição do agente de
execução, não se pode afirmar que o sucesso na obtenção dessa garantia de recuperação é
decorrência da actividade do mesmo, assim inexistindo o direito à remuneração adicional.
Pelo contrário, entendeu o Acórdão da Relação de Lisboa de 07.11.2019,
(P.970/17.0T8AGH-A.L1.6):
O direito do agente de execução à remuneração adicional nas execuções para pagamento
de quantia certa prevista na Portaria nº 282/13, não está dependente de ter intervindo na
negociação entre exequente e executado para pagamento imediato ou em prestações da
quantia exequenda.”
O Recorrente louva-se no entendimento perfilhado neste aresto; ainda que assim não se
entenda, alega que “no caso está demonstrada a actividade do Recorrente para a obtenção
para o processo de valores recuperados e garantidos em benefício do exequente.”
Outra é, naturalmente, a posição dos Recorridos.
Vejamos se o recurso merece provimento.
Ao agente de execução, figura criada com a desjudicialização da acção executiva levada a
efeito pelo DL nº 38/2003 de 08.03., cabe realizar o essencial dos actos do processo,
“nomeadamente as citações, notificações, publicações, consultas de bases de dados,
penhoras e seus registos, liquidações e pagamentos.” (art. 719º do CPC).
Tem direito a receber remuneração pelos seus serviços, nos termos dos arts. 43º a 55º da
Portaria nº 282/2013 de 29 de Agosto, compreendendo os honorários uma parte fixa,
estabelecida para determinados tipos de actividade processual, e uma parte adicional
variável.
É esta parte da remuneração que está em causa no recurso, a ela se referindo o art. 50º, nºs
5 e 6 da Portaria nº282/2013 nestes termos:
5. Nos processos executivos para pagamento de quantia certa, no termo do processo é
devida ao agente de execução uma remuneração adicional, que varia em função:
a) Do valor recuperado ou garantido;
b) Do momento processual em que o montante foi recuperado ou garantido;
c) Da existência, ou não, de garantia real sobre os bens penhorados ou a penhorar.
Como decorre do preâmbulo da Portaria 282/13, e tem sido acentuado pela doutrina e
jurisprudência, “a remuneração adicional consiste num valor que o agente de execução irá
cobrar sobre o valor recuperado ou garantido da dívida. A ideia é premiar o agente de
execução em razão da sua eficácia e eficiência na recuperação ou garantia do crédito
exequendo; quanto mais cedo esta ocorrer, maior é, em termos relativos, a remuneração
adicional” (cf. Rui Pinto, A acção executiva, 2019, pag. 95, e entre outros, citando apenas
os mais recentes, os Acórdãos da Relação de Coimbra de 11.04.2019 (relatado pelo 1º
Adjunto, Cons. Manuel Capelo), da Relação do Porto de 16.12.2020 (Correia Gomes), e da
Relação de Lisboa de 04.02.2020, (Diogo Ravara), de 25.02.2021 (Carlos Castelo Branco),
e de 06.02.2020 (Inês Moura).
E ainda que a execução termine por acordo, a remuneração adicional não deixa de ser
devida, como decorre do nº 1 do art. 51º: “Sem prejuízo do disposto nos números seguintes,
os honorários referidos no artigo anterior (incluindo, portanto, a remuneração adicional)
são pagos ao agente de execução no termo do processo ou procedimento, ou quando seja
celebrado entre as partes acordo de pagamento em prestações.” (sublinhado nosso).
A lei não faz depender o direito do agente de execução à remuneração adicional do facto de
este ter tido intervenção directa nas negociações entre exequente e executado que levaram
ao pagamento imediato ou em prestações da totalidade e ou de parte da quantia cujo
pagamento coercivo foi peticionado, como bem decidiu o Acórdão da Relação de Évora de
23.04.2020, (Albertina Pedroso).
O que é determinante é que haja produto recuperado ou garantido, na sequência das
diligências do agente de execução, o que aponta para que deve evidenciar-se algum nexo
de causalidade entre a actividade do agente de execução e um resultado positivo da
execução, nos termos das alíneas a) e b) do nº6 do art. 50º.
Nexo que existirá sempre que dos factos apurados se possa concluir com alguma
segurança, lógica e razoabilidade que a actividade do agente de execução contribuiu, criou
as condições, para a obtenção de um acordo, ou para que haja valor recuperado.
E, consequentemente, para além das situações previstas no nº12 do art. 50º, em que o
legislador excluiu expressamente o pagamento de remuneração adicional, não haverá lugar
a remuneração adicional nas situações em que não se descortina qualquer contribuição do
agente de execução para o proveito conseguido pelo exequente.
Diferente interpretação poderia estar ferida de inconstitucionalidade, por violação dos
princípios da proporcionalidade e do acesso à justiça e aos tribunais, consagrado nos arts.
2º, 18º/2 e 20º da CRP, mormente nos casos de flagrante desproporção entre o valor da
remuneração adicional face aos resultados e a singeleza dos actos do agente de execução.
(cf. Rui Pinto, obra citada, pag. 96: “Os nºs 5 e 6 da alínea b) do art. 50º são
inconstitucionais tal qual foram delineados pelo legislador, pelo que deve ser feita uma
interpretação restritiva que os torne proporcionais nos resultados e que passa pela
consideração dos valores que o exequente veio realmente a receber.”
Revertendo ao caso dos autos.
- A execução iniciou-se no dia 13.07.2017, com vista ao pagamento da quantia de
€1.618.459,29;
- Os Executados deduziram oposição por embargos que foram julgados improcedentes;
- Em 07.02.2018, o Sr. Agente de Execução elaborou auto de penhora que incidiu sobre
depósitos bancários, uma carteira de títulos no valor de € 84.215,00 (que veio a ser
levantada nos termos do art. 794º do CPC), e sobre unidades de participação de um Fundo
Imobiliário, no valor de €1.700.085,95;
- Em 23.03.2018, o Sr. Agente de Execução elaborou novo auto de penhora, aí indicando o
valor de €1.699.382.25 como limite da quantia exequenda e despesas prováveis, e a
penhora das quotas da executada nas sociedades “Lagoest – Investimentos Financeiros
Imobiliários, Lda”, “Exoteca – Comércio de Mobiliário Lda”, “Dollar Land” e Tessier &
Neto Lda”;
- Em 21.05.2018, foi proferida decisão no incidente de oposição à penhora que determinou
o levantamento de todas as penhoras do auto de 07.02.201, salvo a verba nº4, que incide
sobre as unidades de participação do Fundo Imobiliário;
- Em 04.07.2018, o Sr. Agente de Execução veio indicar como verba penhorável o
reembolso do IRS da Executada no valor de €657,00;
- Em 07.01.2019, foi proferido novo despacho sobre incidente de oposição à penhora, que
determinou o levantamento de todas as penhoras, excepto a que incide sobre o fundo
imobiliário no montante de €1.700.085,95;
- Em 29.07.2019, Exequente e Executados juntaram ao processo um requerimento em que
comunicavam ter celebrado um acordo de pagamento da quantia em dívida em prestações.
- No acordo de pagamentos, as partes fixaram a dívida em €1.594.827,63, sob as seguintes
condições:
- Pagamento imediato de €594.827,63;
- O restante, €1.000.000,00, seria pago no prazo de um ano;
- O exequente não prescindiu da penhora sobre as unidades de participação do Fundo de
Investimento Imobiliário, “reduzindo-se a penhora para o valor de €1.072.000,00 que se
reputa suficiente para garantia do pontual pagamento da prestação” (em dívida);
- Sobre as Unidades de Participação existiam três penhores constituídos a favor do Banco
(ex-Popular), celebrados por documentos particulares, respectivamente, 24.01.2006, em
12.02.2014, e em 29.03.2016.
Tendo presente esta sequência de factos, não podemos acompanhar o acórdão recorrido
quando refere que não se verifica qualquer nexo causal entre a actividade do agente de
execução e o resultado alcançado na execução.
Pelo contrário. Para o acordo conseguido pelo Exequente, em que assegurou o pagamento
de parte substancial da quantia exequenda, é legítimo concluir que não foi alheia a
actividade desenvolvida pelo agente de Execução, essencialmente a penhora das unidades
de participação.
Sumário:
I - Nas execuções de pagamento de quantia certa, é devida ao agente de execução a
remuneração adicional prevista na Portaria nº 282/2013, desde que haja produto
recuperado ou apreendido, nos termos do art. 50º, nºs 5 e 6, sempre que se evidencie que
para o resultado contribuíram as diligências promovidas pelo agente de execução;
II – O direito do agente de execução àquele pagamento não depende de ter tido
intervenção directa nas negociações entre o exequente e o executado que levaram a uma
transação, na qual foi acordado o valor da dívida e as condições de pagamento.
Lisboa, 02.06.2021