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PROVA DE EXAME

ANO LETIVO 2019/2020 - 2º SEMESTRE

1º Ciclo – Licenciatura em Direito

4º Ano
PROCESSO EXECUTIVO – Época normal - 26/06/2020
OBSERVAÇÕES: - a duração do exame é de 120 minutos, com 15 minutos de tolerância.

I
António, empresário, é casado com Berta no regime da comunhão de adquiridos,
sendo ambos residentes em Milão, Itália. António e Berta também visitam
esporadicamente a cidade do Porto em épocas festivas.
Sucede que António e Berta foram réus na 1.ª sezioni civili do tribunal de Milão
(tribunal 1.ª instância), numa ação declarativa de incumprimento contratual instaurada
contra eles por Carlo.
Esta ação terminou com uma sentença pela qual os dois cônjuges foram
condenados, em 12/12/2019, a pagar a Carlo a quantia de 65.000,00 euros.
Perante a falta de pagamento da referida quantia, Carlo instaurou uma ação
executiva no Juízo Cível Central da Comarca do Porto, com competência no município do
Porto(1). A execução foi instaurada apenas contra António e o requerimento executivo foi
subscrito por um solicitador.
Em 1/03/2020, por indicação do exequente, foi penhorado um prédio urbano situado
no Porto, que é propriedade exclusiva de António, e cujo valor é aproximadamente de
120.000,00 euros.
António entende que os tribunais portugueses são internacionalmente
incompetentes para esta execução e que a execução deveria ter sido também instaurada
contra Berta.

( ) No âmbito dos conflitos de direito privado, na Comarca do Porto estão instalados juízos locais cíveis,
1 ?

juízos centrais cíveis, juizos de comércio, juízos de família e menores e juízos de execução.

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1) Aprecie os pressupostos da competência internacional, competência interna,
legitimidade processual e patrocínio judiciário; sua verificação; não verificação;
consequências. Justifique (6 Val.).

2) Carlo está convencido que a sentença condenatória italiana está sujeita ao trâmite
previsto no art. 978.º e segs. do CPC português, a fim de poder ser título executivo
em Portugal. Terá razão? Justifique (3 Val.).

3) Pode, no quadro desta execução, António opor-se à penhora, alegando a


desproporção do valor do bem penhorado e o facto de ele auferir uma renda mensal
de 1.000,00 euros, proveniente do arrendamento de um outro prédio, de que também
é proprietário, sito em Matosinhos? Justifique (3 Val.).

4) Foi penhorado, como se referiu atrás, em 1/03/2020, um prédio urbano propriedade


exclusiva de António; penhora, esta, que foi imediatamente levada a registo.
Sucede, porém, que este prédio tinha sido por ele, António, vendido a Daniel, em
1/10/2019, o qual ainda não registou a sua aquisição. Pode Daniel reagir contra esta
penhora com êxito? Justifique (5 Val.).

5) Suponha, ainda, que o referido prédio urbano havia sido hipotecado por António
em favor do NOVO BANCO, em 26/04/2019. Poderá esta instituição financeira
reclamar os seus créditos contra António no âmbito desta execução, ainda que não
disponha, no momento, de título executivo contra ele? Justifique (3 Val.).

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CENÁRIOS DE RESPOSTA / CRITÉRIOS DE CORREÇÃO

1) Os tribunais portugueses são internacionalmente competentes para neles tramitar


esta execução.
Aliás, os tribunais portugueses são exclusivamente competentes para neles
tramitar esta execução, na medida em que o exequente quer penhorar um imóvel
localizado em Portugal (arts. 63.º, d, e 89.º/3, ambos do CPC). O lugar da
execução é Portugal (art. 24.º/5 do Regulamento (EU) n.º 1215/2012), pois é no
nosso país que o executado (não residente em Portugal) tem bens penhoráveis.
No quadro da competência interna, deteta-se uma incompetência em razão da
matéria, já que a execução deveria ter sido instaurada no juízo de execução da
Comarca do Porto (art. 129.º/1 da Lei de Organização do Sistema Judiciário) e
não no Juízo Cível Central. Esta é uma incompetência absoluta (art. 96.º, a,
CPC), a qual, sendo a execução tramitada sob processo sumário (art. 550.º/2, a,
CPC), deveria ser suscitada pelo agente de execução ao juiz do processo (art.
855.º/2, b, CPC), a fim de este indeferir liminarmente o requerimento executivo
ou enviar o processo para o juízo de execução, a pedido do exequente se o
executado não deduzir oposição justificada a esta remessa.
Caso se entenda que a execução, em Portugal, desta sentença condenatória
implica a notificação prévia à pessoa contra quem a execução é requerida da
certidão emitida pelo tribunal de origem (art. 43.º/1 do Regulamento (UE) n.º
1215/2012), a tramitação da execução, em Portugal, aproxima-se do trâmite do
processo executivo ordinário para pagamento de quantia certa, já que as
penhoras devem ser sempre precedidas, neste caso, da referida notificação ao
devedor.
Este vício constitui uma exceção dilatória consubstanciadora da falta de um
pressuposto processual suscetível de ser invocada em sede de embargos de

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executado (art. 729.º, c, CPC). Quanto à competência em razão do território, a
execução deverá instaurada na Comarca do Porto, nos termos do art. 89.º/3
CPC. Enfim, quanto à hierarquia e ao valor, o Juízo de Execução da Comarca do
Porto também era competente.
Veja-se, no entanto e como se disse, a necessidade de notificar a pessoa contra a
qual a execução é requerida em Portugal antes de ser efetuada a primeira medida
de execução (isto é, no caso, a penhora), nos termos do art. 43.º/1 do citado
Regulamento (UE) n.º 1215/2012, o que implica a adaptação desta execução
para regras similares às da execução (em Portugal) sob forma ordinária para
pagamento de quantia certa. Isto sem prejuízo da aplicação do art. 727.º do CPC,
o qual permite, sob certos pressupostos, a dispensa da citação prévia do
executado nas condições nele previstas.
Quanto à legitimidade processual, pese embora a sentença condenatória
proferida pelo tribunal italiano abranja os dois cônjuges, na qualidade de
devedores, o credor exequente está livre de apenas instaurar execução contra um
deles, renunciando, nesta parte, à responsabilidade patrimonial imputável ao
outro cônjuge.
Não se trata, na perspetiva do curso (LEBRE DE FREITAS e REMÉDIO
MARQUES) de uma situação que exija a verificação de litisconsórcio
necessário, nos termos do art. 34.º/3, 2.ª parte, do CPC. Seja como for, a
execução é movida contra a pessoa (uma das pessoas) que figura no título
executivo com a qualidade de devedor (art. 53.º/1 CPC). Admite-se, porém, que
o aluno responda a esta específica questão defendendo, com fundamentação
adequada, a aplicabilidade do art. 34.º/3, 2.ª parte, às ações executivas.
No que respeita ao patrocínio judiciário, este é obrigatório desde o início da
presente ação executiva, já que o valor da execução é superior à alçada da
Relação (art. 58.º/1 CPC), 1.ª parte, CPC. A inobservância deste pressuposto
gera uma exceção dilatória sanável, devendo o juiz, mediante despacho de
aperfeiçoamento, convidar o exequente a juntar aos autos procuração forense.

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2) O reconhecimento e execução em Portugal da sentença condenatória italiana não
está sujeita ao processo especial previsto no art. 978.º e ss. do CPC.
A sua execução em Portugal subordina-se ao disposto no art. 39.º e ss. do
Regulamento (UE) n.º 1215/2012 (e não a qualquer regra prevista na Convenção
de Lugano). Assim, a execução destas sentenças condenatórias provenientes de
um tribunal de um Estado-Membro da UE apenas está dependente da emissão de
uma certidão utilizando o formulário reproduzido no Anexo I do citado
Regulamento da União Europeia, não sendo necessário pedir a emissão de uma
declaração de executoriedade (exequatur) no Estado-Membro do lugar da
execução (no caso, em Portugal).
O exequente (em Portugal) deve apenas cumprir os formalismos previstos no
art. 42.º do mesmo Regulamento (copia da decisão que ateste a sua
autenticidade; certidão que comprove que a decisão é executória, eventual
tradução para a língua portuguesa).
De resto, à luz do art. 706.º/1, as sentenças (condenatórias ou homologatórias)
proferidas por tribunais estaduais ou arbitrais em país estrangeiro podem ser
executadas em Portugal, contanto que a sua exequibilidade obedeça ao disposto
no CPC ou em tratados, convenções ou regulamentos da União europeia (o que
é este último caso).

3) Pede-se a referência e discussão respeitante ao princípio da proporcionalidade


da penhora (e agressão ao património do executado), em particular a
possibilidade de penhorar um imóvel quando há outros bens cujo valor
pecuniário é de mais fácil realização, ou seja, no caso, as rendas auferidas pela
cedência do gozo do outro imóvel.
Todavia, uma vez que a penhora destas rendas não permite a satisfação integral
do credor no prazo de seis meses (o imóvel penhorado não é a habitação própria
permanente do executado), é lícita a penhora imediata do referido imóvel (art.
751.º/3, c, CPC). De modo que o executado não poderia, com êxito, opor-se à
penhora (art. 784.º/1, a, CPC).

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4) Esta questão suscita a discussão respeitante à aplicação do artigo 5.º/4 do
Código de Registo Predial ao conflito entre o exequente (que obteve e levou a
registo a penhora) e a pessoa a quem o executado alienou o bem onerado antes
do registo desta penhora, mas que não levou a registo (predial) esta aquisição da
propriedade. A reação de Daniel poderá ser equacionada no quadro dos
embargos de terceiro (art. 342.º CPC) na decorrência do ato de penhora do
direito de propriedade relativo a esse imóvel.
Deverá ser feita referência à conceção restrita e à conceção ampla de terceiros
para efeitos (do efeito central) de registo. Ou seja: à jurisprudência uniformizada
do STJ, na sequência do acórdão n.º 3/99, de 10 de julho.
À luz desta jurisprudência, os embargos de terceiro devem ser julgados
procedentes, mesmo que na data da efetivação da penhora do imóvel a anterior
aquisição por parte de Daniel não tivesse sido registada. É que, nesta perspetiva
«restrita» de terceiros para efeitos de registo, o executado já havia antes (e
voluntariamente) transmitido o bem penhorado.
A transmissão da propriedade ter-se-á dado por mero efeito do contrato (art.
408.º/1 do CC), independentemente de esta aquisição ser levada a registo; de
modo que, nesta perspetiva, a oneração consubstanciada na penhora levada a
registo é, apesar de tudo, inoponível à aquisição anterior do terceiro que este
ainda não registou. Assim, neste enfoque, os embargos de terceiro serão
julgados procedentes e a penhora será levantada.
Na perspetiva «ampla» de terceiros para efeitos de registo (isto é, da situação de
oponibilidade que decorre das situações jurídicas levadas a registo: art. 6.º do
Código do Registo Predial), a penhora é, pelo contrário, oponível à situação
jurídica de alienação não levada a registo. De todo o modo, a penhora (e a
ulterior venda executiva do bem penhorado) derivam do mesmo transmitente
(isto é, o executado).
Referir a distinção entre aquisição (ou oneração) forçada e aquisição voluntária.
Cfr. LEBRE DE FREITAS, Ação Executiva, 7.ª ed., Coimbra, Gestlegal, 2017,
pp. 305 a 308 e nota de rodapé n.ºs 8 e 9; REMÉDIO MARQUES, Curso de
Processo Executivo, Coimbra, Almedina, 2000, pp. 289-297.

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5) Devem ser referidas as características da ação executiva em Portugal: execução
concursal mista; ou seja, nem todos os credores do (mesmo) executado podem
reclamar créditos na execução (ao invés, do que sucede no processo de
insolvência).
O credor que pretenda reclamar créditos e ser pago pelo produto da venda dos
bens penhorados terá que reunir três requisitos: dispor de garantia real sobre os
bens penhorados; dispor de título executivo contra o (mesmo executado); e ser a
obrigação certa e exigível (embora a possa tornar certa e exigível pelos mesmos
meios que estão ao dispor do executado: arts. 714.º e 715.º, ex vi do art. 788.º/7,
todos do CPC).
No caso concreto, faltava ao Novo Banco título exequível contra o (mesmo)
executado. Todavia, esta circunstância omissiva pode ser ultrapassada ao abrigo
do disposto nos n.ºs 2 a 5 do art. 792.º do CPC: se o executado (notificado pela
Secretaria para se pronunciar no prazo de 10 dias) não reconhecer a existência
do crédito invocado pelo Novo Banco, este deverá instaurar uma ação
declarativa condenatória contra o executado (e contra o cônjuge do executado),
a fim de tentar obter uma sentença condenatória contra este(s). A graduação dos
créditos abrangidos pela hipoteca constituída e favor do Novo Banco irá assim
sustar-se relativamente ao bem imóvel atingido pela hipoteca até ao trânsito em
julgado da referida ação declarativa condenatória; a qual, sendo julgado
procedente, formará título executivo contra o mesmo executado e permitirá que
este outro credor possa ver o seu crédito graduado e eventualmente pago pelo
produto da venda desse imóvel.

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