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1ª VARA CÍVEL DA COMARCA DE SANTO ÂNGELO (RS)

Espécies: Revisão de Contrato


Processo n° 029/1.10.0001932-5
Autor: Neslio Laipper Bittencourt
Réu: Banco do Brasil S/A
Juiz Prolator: Carlos Alberto Ely Fontela
Data da sentença: 12/11/2010

Vistos etc.

NESLIO KAIPPER BITTENCOURT ajuizou


ação de revisão contratual c/c repetição de indébito contra o
BANCO DO BRASIL S/A, ambos qualificados na exordial.
Aduziu que firmou contrato para custeio da lavoura, através das
cédulas rurais pignoratícias nºs 88/00330-2, 89/00790-5 e
89/00331-0, com vencimentos em 01/07/1991, 01/08/1990 e
01/07/1991, respectivamente, nos valores de Cz$ 5.204.800,00,
NCz$ 188.655,44 e Cz$ 725.000,00. Narrou que os referidos
instrumentos estabeleceram correção monetária pelo índice da
caderneta de poupança. Defendeu que o prazo prescricional, em
espécie, é o vintenário. Alegou que os contratos contêm cláusulas
abusivas que os oneraram demasiadamente, além de não ter sido
observada a devida correção monetária decorrente das perdas
sofridas com o Plano Collor I. Postulou a revisão das avenças a fim
de que seja determinada a incidência da correção monetária
calculada com base no índice oficial do BTN na razão de 41,28%
para o período de março/abril 1990 e a redução da multa prevista,
limitando-a a 2%. Requereu, também, a repetição do indébito,
aplicando-se ao valor a capitalização mensal dos juros contratados.
Pediu, por fim, AJG, que lhe foi deferida na fl. 27. Juntou
procuração e documentos (fls. 14/26).

Citado (fl. 28, verso), o requerido ofertou


contestação (fls. 29/39). Arguiu, preliminarmente, a impossibilidade
jurídica do pedido, na medida em que se trata de pedido de revisão
de contratos já extintos pelo pagamento. Em preliminar de mérito,
aventou a prescrição da pretensão dos demandantes. Apontou a
improcedência do pedido de repetição do indébito, porquanto
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inexiste prova de pagamento a maior. Refutou a aplicação do
Código de Defesa do Consumidor em espécie, razão pela qual não
merecem prosperar os pedidos de inversão do ônus da prova, de
limitação da multa e da repetição dobrada. Postulou, desse modo, o
acolhimento da prefacial com a consequente extinção do feito ou,
caso ultrapassada, a improcedência dos pedidos. Juntou procuração
(fls. 40/41).

Houve réplica (fls. 43/55).

Intimado o demandado para acostar extrato das


operações financeiras, este o fez nas fls. 59/68, sendo dada vista ao
requerente, que se manifestou à fl. 70.

Os autos vieram conclusos para prolação da


sentença.

É o RELATÓRIO. Decido.

Julgo antecipadamente o feito, forte no artigo


330, inciso I, do Código de Processo Civil, pois há elementos
suficientes nos autos para solucionar a lide, não havendo a
necessidade de dilação probatória, já que as matérias agitadas são
de direito por excelência.

Primeiramente, com relação à preliminar de


impossibilidade jurídica do pedido, impõe-se o reconhecimento
de que, com relação ao índice de correção monetária, não se está,
em verdade, a buscar revisão de cláusulas do contrato, mas sim de
aplicar o que previu o contrato, ou seja, a correção pelos índices das
cadernetas de poupança, enquadrando-se dentro da hipótese
permissiva da repetição do indébito.

Afasto, assim, a prefacial suscitada e avanço ao


mérito.

No que tange à prescrição, infere-se que a


mesma não ocorreu na espécie, na medida em que o prazo
prescricional da presente ação é o vintenário, nos termos do artigo
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2.028, do Código Civil de 2002 e do artigo 177, do Código Civil de
1916, diploma legal vigente quando da formalização dos contratos.

Sendo a causa de pedir a cobrança de valores


indevidos em razão da aplicação do índice da correção monetária
em desacordo com a previsão contratual a partir de março de 1990,
tem-se que a data a ser adotada como o marco inicial para contagem
do prazo prescricional é a do vencimento dos contratos, ou seja,
dois deles em 01/07/1991 e um terceiro em 01/08/1990,
respectivamente.

Considerando, desse modo, que a demanda foi


ajuizada em 15/03/2010 não resta implementado o prazo
prescricional.

Por essas razões, rejeito a prejudicial de mérito


arguida.

Dito isso, passo a examinar as questões de fundo.

Inicialmente, imperioso destacar que a questão


trazida é recorrente, já tendo sido amplamente analisada pelo nosso
Tribunal de Justiça, bem como no Superior Tribunal de Justiça.

Compulsando os autos verifica-se que,


efetivamente, restou acordado pelas partes quando da contratação a
correção dos contratos pelo índice da caderneta de poupança da
época (fls. 21/26), não tendo o réu contestado, por outro lado, a
alegação do demandante de que teria utilizado no mês de março de
1990, em afronta ao ajuste, índice diverso, qual seja, o IPC.

Os valores objeto dos títulos, emitidos antes da


edição do "Plano Collor", nos quais havia a previsão de a correção
monetária ser atrelada aos índices remuneratórios da caderneta de
poupança, devem sofrer indexação, no mês de março de 1990, com
base no mesmo critério que serviu à atualização do saldo de
cruzados novos bloqueados - variação do BTNF de 41,28% (artigo
6º, § 2º da Lei 8.024/90), sendo indevida a sua efetivação no
patamar de 84,32% previsto pelo IPC.
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Considerando, desse modo, que a correção
monetária das cédulas discutidas deveria ter sido operada, em março
de 1990, pelo BTN, no montante de 41,28%, o pedido de repetição
de indébito merece guarida.

Não é outro o entendimento do Superior Tribunal


de Justiça, veja-se:

Cédula rural. Juros. Correção monetária de março de 1990.


Capitalização. Utilização da TR. Multa. Precedentes da
Corte.
1. A Segunda Seção consolidou orientação que nas cédulas
rurais deve ser aplicado, no mês de março de 1990, o BTN
de 41,28%.
2. Nas cédulas rurais é possível o pacto de capitalização
mensal, como alinhado em inúmeros julgados do Superior
Tribunal de Justiça.
3. Desde que pactuada, a Corte não rechaça a utilização da
TR.
4. A Lei nº 9.298/96 tem aplicação aos contratos firmados
após a sua entrada em vigor.
5. Recurso especial conhecido e provido, em parte.
REsp 468.340/RS, Rel. Ministro CARLOS ALBERTO
MENEZES DIREITO, TERCEIRA TURMA, julgado em
26/06/2003, DJ 08/09/2003, p. 324). (Grifei).

Em relação ao pedido de aplicação de


capitalização aos juros quando da repetição do indébito, mostra-se
incabível, por falta de amparo legal.

Os juros de mora incidem a partir da citação, nos


termos do artigo 219 do Código de Processo Civil e devem
obedecer os índices oficiais, conforme previsão do dispositivo 395
do Código Civil, não havendo, portanto, razão de serem
capitalizados.

Por fim, no que tange à multa contratual,


prevalece o patamar de 10% pactuado, visto que está expressamente
pactuado nas cédulas sub judice (fls. 21, verso e 23, verso), assim
como previsto no artigo 71 do Decreto-Lei n. 167/671.
1 Art 71. Em caso de cobrança em processo contencioso ou não, judicial ou
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No mesmo sentido o posicionamento do STJ,
conforme arestos a seguir:

“COMERCIAL. CÉDULA RURAL PIGNORATÍCIA. …


MULTA MORATÓRIA. 10%. …
III - Legítima é a cobrança da multa de 10% prevista no
contrato, no caso de inadimplemento da obrigação.
IV - Recurso especial conhecido e parcialmente provido”
(REsp n. 240.297-RS, 4ª Turma, Rel. Min. Aldir Passarinho
Júnior, julgado em 15.02.2000, DJU 17.04.2000, p. 69).”

“DIREITOS ECONÔMICO E PROCESSUAL CIVIL.


MÚTUO RURAL. …
IV - O emitente de cédula de crédito rural, em caso de
inadimplemento, responde pela multa de 10% prevista no
art. 71 do Decreto-Lei 167/67 e pactuada no contrato. …”
(REsp n. 198.243-RS, 4ª Turma, Rel. Min. Sálvio de
Figueiredo Teixeira, julgado em 23.02.99, DJU 14.06.99, p.
210).”

Ainda quanto a este ponto, vale ressaltar que as


cédulas rurais pignoratícias foram pactuadas antes da entrada em
vigor do Código de Defesa do Consumidor, não retroagindo a
norma para aplicação nos negócios, ressaltando que a multa
somente passou para 2% com a edição da Lei 9.298/96, que alterou
o § 1º do art. 52 do CDC.

Assim, a parcial procedência da ação é a medida


que impera, devendo, a repetição do indébito, caso existam valores
a serem devolvidos ao autor, dar-se na forma simples, sendo que a
apuração da diferença entre os montantes pagos e os efetivamente
devidos, deverá ser efetuada através de liquidação de sentença.

ISSO POSTO, julgo parcialmente procedentes


os pedidos para determinar a aplicação da correção monetária no

administrativo, o emitente da cédula de crédito rural, da nota promissória


rural, ou o aceitante da duplicata rural responderá ainda pela multa de
10% (dez por cento) sobre o principal e acessórios em débito, devida a
partir do primeiro despacho da autoridade competente na petição de
cobrança ou de habilitação de crédito.
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mês de março de 1990 pelo BTN, no patamar de 41,28% às Cédulas
Rurais Pignoratícias n°s 88/00330-2, 89/00790-5 e 89/00331-0; e,
constatada a existência de saldo em favor do autor, condenar o réu
à repetição do indébito de forma simples em favor do autor, a ser
apurado em liquidação de sentença, incidindo a correção monetária
pelo IGP-M desde a cobrança indevida, e juros de mora de 1% ao
mês (não capitalizados), a contar da citação (20/04/2010).

Havendo sucumbência recíproca, arcará o réu


com 2/3 das custas processuais e parte autora com 1/3, sendo que os
honorários advocatícios vão fixados em R$ 1.500,00, distribuídos e
devidos na mesma proporção das custas processuais, admitida a
compensação, na forma do art. 20, § 4º e art. 21, ambos do CPC e
Súmula nº 306, do STJ, obviando a singeleza do processo e a
repetição da matéria. Suspendo, todavia, a exigibilidade de tais
verbas em relação do autor, em razão da gratuidade judiciária.

Publique-se.
Registre-se.
Intimem-se.

Santo Ângelo/RS, 12 de novembro de 2010.

CARLOS ALBERTO ELY FONTELA


Juiz de Direito

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26.2010.8.21.0029)

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