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 Aula 03 – Alterações do Pacote Anticrime na Lei

de Improbidade Administrativa

 CURSO CPIURIS 2020

Prof. Guilherme Carvalho


Transação na Ação de Improbidade Administrativa

Lei nº 8.429/92 – Lei de Improbidade Administrativa

Primeira crítica, a Lei nº 13.964/19 estabelece que aperfeiçoa a legislação


penal e processual penal, a pesar a lei de improbidade administrativa não ser uma lei
penal e nem de processual penal, trata-se de lei civil. A lei de improbidade administrativa
é regida pelas normas da lei de ação civil pública e subsidiariamente ao CPC.

Um erro muito comum na prática cometido pelo legislativo e tribunais


porque a lei de improbidade tem um entrosamento com o direito penal e por isso se diz
fazer parte do direito administrativo sancionador ou sancionatório. Isto é, a lei de
improbidades administrativa visa a penação de pessoas que cometem ilícitos
administrativos, que não são ilícitos penais, razão pela qual a condenação com base na
lei de improbidade não suprime o poder-dever de estado de instaurar a persecução
penal.

Apesar de trazer uma novidade, não podemos afirmar que há uma grande
novidade trazida pelo pacote anticrime, isto é, não se trata de uma alteração tão
substancial.

Sacramentou a possibilidade de transação na ação de improbidade


administrativa. No entanto, já era possível por previsão do art. 26 da LINDB:

LINDB. Art. 26. Para eliminar irregularidade, incerteza jurídica ou situação contenciosa
na aplicação do direito público, inclusive no caso de expedição de licença, a autoridade
administrativa poderá, após oitiva do órgão jurídico e, quando for o caso, após
realização de consulta pública, e presentes razões de relevante interesse geral,
CELEBRAR COMPROMISSO COM OS INTERESSADOS, observada a legislação aplicável, o
qual só produzirá efeitos a partir de sua publicação oficial. (Incluído pela Lei
nº 13.655, de 2018) (Regulamento)

A diferença é que passou a existir dentro da Lei de Improbidade em seu


art. 17 essa possibilidade.
Histórico da Lei nº 8.429/92

Tudo se construiu em torno de uma suposta possibilidade irrestrita de


ponderação em relação ao princípio da indisponibilidade do interesse público, que não
se trata de princípio infalível e imponderável, conquanto como todo e qualquer outro
convivente com os demais princípios.

Isso é uma ideia na qual cresceu o direito administrativo, e que o princípio


da indisponibilidade junto com o princípio da supremacia do interesse público tornando
um núcleo duro do direito administrativo.

Essa lei surgiu em um período com altos escândalos de corrupção no


Brasil, por isso veio de uma vez, mal elaborada, sem debates. O seu objetivo era tratar
a questão de forma muito incisiva, consistente, a ponto de inquinar como improbidade
todo e qualquer ato que fosse vinculado ao exercício da função administrativa. Porque
na dúvida era melhor apenar do que não apenar.

Esse assunto já foi tratado:

MP nº 703 de 2015 que revogou expressamente o §1º do art. 17 da Lei


de Improbidade, que vedava a transação. Todavia, por questões exclusivamente
relacionadas ao momento político que vivia o Brasil, tal medida provisória não foi
convertida em lei, não foi sua essência. Foi editada no exato momento em que é aceito
o pedido de impeachment da então Presidente Dilma Rousseff, ou seja, para aquele
momento a única coisa que interessava era o impeachment, fazendo com que a MP
perdesse a validade sem discussão no Congresso Nacional.

Porém, durante esse momento de vigência da MP alguma transação pode


ter sido feita.

Conteúdo Constitucional da Improbidade Administrativa

A CRFB de 1988 ousou transferindo do plano político administrativo,


infrações catalogadas como improbidade administrativa.

Conceito de Improbidade – José Afonso da Silva – a improbidade é a


imoralidade constitucionalmente qualificada.

A CRFB não veda a transação na improbidade administrativa. O que


constitui uma leve falha no ordenamento brasileiro durante muito tempo, em que se
resistiu por essa possibilidade.
A ideia central é encarar a função administrativa como sendo o melhor
cumprimento das atividades do público voltado ao administrado. Daí que emerge em
seu sentido mais amplo o corolário do princípio da eficiência. O que é melhor perseguir
o infrator ou converter em multa, finalizar uma obra?

Essa ideia também veio surgindo no Direito Penal propriamente dito com
os acordos de leniências.

A finalidade para o poder público é atingir o interesse público, calcado no


princípio da eficiência administrativa.

De modo que, podemos concluir, que a possibilidade de transação visa


atender ao princípio da eficiência previsto no caput do art. 37 da CRFB.

Legislação correlata a esse tema

Essas legislações já eram observadas mesmo antes da MP 703 de 2015 e


o Pacote anticrime.

- Lei nº 13.129/2015 que alterou a legislação de arbitragem, permitindo


a Administração Pública direta e indireta utilizar de arbitragem.

- Lei nº 13.140/2015 que trata da mediação em conflitos que envolviam


a Administração Pública.

- Lei nº 12.846/2013 chamada de Lei Anticorrupção, que prevê o acordo


de leniência. Com influências sobre o tema surgiu também o Dec. 8.420/15 e a IN-CGU
13/2019.

Até para trazer coerência ao ordenamento, não teria porque poder


transacionar por um acordo de leniência sem poder transacionar pela lei de
improbidade.

- Lei nº 13.019/2014 – Regime jurídico de parcerias da Administração e as


organizações da sociedade civil. Também trouxe a autocomposição de conflitos.

- Lei nº 13.655/2019 – que alterou a LINDB, incluindo normas


relacionadas à segurança jurídica e eficiência. Lei esta capaz de já ter revogado
parcialmente o art. 17 da LIA, pois a LINDB já previa a possibilidade de celebrar
compromisso no âmbito da administração pública.
- Lei nº 13.876/2019 – que altera o Dec. 3.365/41 para possibilidade a
opção de mediação ou pela via arbitral, acerca das indenizações relacionadas à
desapropriação.

- Resolução 179/2017 do CNMP – art. 1º, §2º;

- Resolução nº 02/2017 do CSMP do MPAP. Sem descartar eventuais


resoluções de outros estados.

Essa discussão se cabe ou não foi resolvida parcialmente pelo pacote


anticrime:

A MP que antes tinha tentado resolver a questão apenas suprimia o §1º


do art. 17 da LIA que vedava a transação.

O pacote anticrime alterou a redação do §1º e passou a prevê o seguinte:

Art. 17. A ação principal, que terá o rito ordinário, será proposta pelo Ministério Público
ou pela pessoa jurídica interessada, dentro de trinta dias da efetivação da medida
cautelar.

§ 1º As ações de que trata este artigo ADMITEM A CELEBRAÇÃO DE ACORDO DE NÃO


PERSECUÇÃO CÍVEL, nos termos desta Lei. (Redação dada pela Lei nº 13.964, de 2019)

(....)

§ 10-A. Havendo a possibilidade de solução consensual, poderão as partes requerer ao


juiz a interrupção do prazo para a contestação, por prazo não superior a 90 (noventa)
dias. (Incluído pela Lei nº 13.964, de 2019) (NEGÓCIO JURÍDICO PROCESSUAL)

Primeira alteração passou a permitir a celebração do acordo nos termos


“desta lei” no §1º. No entanto, a lei não regulamenta, visto que o art. 17-A foi vetado
integralmente.

A segunda alteração do §10-A permite a celebração de negócio jurídico


processual típico. Não precisava desta segunda alteração porque o CPC já prevê negócio
jurídico processual e o CPC já é aplicado subsidiariamente à LIA.

Algumas questões surgem:

1ª Compatibilidade do acordo de não persecução cível com o acordo de


leniência previsto na lei de anticorrupção:
Não adianta fazer um acordo de leniência (na esfera penal) e não fazer
um acordo de não persecução cível. O contrário também não adianta. Quem sofre os
dois tipos de ações tem interesse de resolver os dois.

Esse é um ponto que a doutrina e a jurisprudência têm que trabalhar e


debater, tendo em vista que o pacote anticrime ao trazer a possibilidade não
regulamentou.

2ª É possível as partes requererem ao juiz a interrupção do prazo para


recurso? O legislador ao dizer do prazo para contestação ele quis que fosse apenas para
contestação ou ele colocou contestação como uma das possibilidades?

Uma interpretação que podemos fazer é o seguinte, o recurso é uma


extensão do estado de litispendência do processo, uma lide ainda pendente. Ora, se o
recurso é uma extensão do estado de pendência, desta resistência por que não poderia
requerer a suspensão do prazo para o recurso para visar uma solução pacífica de
conflitos se é permitido no momento da contestação.

Professor então entende que é possível.

Outro ponto é: os requisitos de exigibilidade no corpo de parágrafos do


art. 16 da Lei 12.843/2013 que traz o acordo de leniência podem ser utilizados como um
conjunto mínimo e cumulativo para que a Administração Pública possa ser autorizada
a firmar o acordo de não persecução cível em sede de improbidade administrativa. Esse
assunto também será avaliado por debate da doutrina.

É possível transacionar em ACP de improbidade administrativa já


transitada em julgado?

Prof. Entende que sim. O objetivo da persecução cível é receber ou


reparar o dano. Inicia a fase de cumprimento de sentença, porém o executado concorda
com os valores e oferece uma proposta de acordo para administração receber de forma
parcelada. Não há prejuízo, vai evitar até que a administração tenha dificuldade para
executar.

Conclusões da alteração

Considerando que o Brasil é um país legalista, a transação agora ficou


mais fácil, em razão da previsão específica.
Existem outras legislações que tratam do mesmo tema relacionado à
formação de acordo, permitindo a transação em demandas com conteúdo inclusive mais
restritos, como é o caso da delação premiada que permite ajuste na seara criminal.

Por fim, a dificuldade será saber os limites da transação. Será que só a


reparação do dano será suficiente? Ou o réu deverá ter outro tipo de sanção. Até porque
a jurisprudência do STJ é pacífica no sentido de que a reparação do dano não é sanção.

Maior de todos os desafios: avaliação do controle externo sobre a


avaliação da “vantajosidade” do acordo.

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