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Comente sobre a distribuição do ônus da prova nas ações civis públicas ambientais nas quais

se busca a condenação em razão de degradação ambiental, explicando sobre o pagamento de


perícias requeridas pelo Ministério Público.

Nas ações civis públicas ambientais nas quais se busca a condenação em razão de
degradação ambiental, é cabível a inversão do ônus da prova, em razão da aplicação do princípio da
precaução. Nesse sentido, é o teor da Súmula nº 618 do STJ, segundo a qual “A inversão do ônus da
prova aplica-se às ações de degradação ambiental”.

Na prática, isso significa que “O autor precisará provar apenas que existe um nexo de
causalidade provável entre a atividade exercida e a degradação ambiental. Sendo isso provado, fica
transferido para a concessionária o encargo (ônus) de provar que sua conduta não ensejou riscos ou
danos para o meio ambiente” (STJ. 3ª Turma. AgInt no AREsp 1311669/SC, Rel. Min. Ricardo
Villas Bôas Cueva, julgado em 03/12/2018). Ou seja, “Aquele que cria ou assume o risco de danos
ambientais tem o dever de reparar os danos causados e, em tal contexto, transfere-se a ele todo o
encargo de provar que sua conduta não foi lesiva” (STJ. 1ª Turma. REsp 1.049.822/RS, Rel. Min.
Francisco Falcão, julgado em 23/04/2009).

No tocante ao pagamento de perícias requeridas pelo Ministério Público, é pacífico o


entendimento do STJ, segundo o qual “não é possível se exigir do Ministério Público o
adiantamento de honorários periciais em ações civis públicas. Ocorre que a referida isenção
conferida ao Ministério Público em relação ao adiantamento dos honorários periciais não pode
obrigar que o perito exerça seu ofício gratuitamente, tampouco transferir ao réu o encargo de
financiar ações contra ele movidas. Dessa forma, considera-se aplicável, por analogia, a Súmula nº
232 desta Corte Superior (A Fazenda Pública, quando parte no processo, fica sujeita à exigência do
depósito prévio dos honorários do perito), a determinar que a Fazenda Pública ao qual se acha
vinculado o parquet arque com tais despesas” (Tema 510 - REsp 1253844/SC).

Entretanto, o Ministro Ricardo Lewandowski, em decisão monocrática, entendeu,


recentemente, que o “entendimento do Superior Tribunal de Justiça (STJ) a respeito da matéria –
firmado na vigência do antigo Código de Processo Civil (CPC) e mantido após o advento do CPC
de 2015 – deve ser repensado (…). Segundo o ministro, havia compatibilidade dos dispositivos do
CPC/1973 com o artigo 18 da Lei 7.347/1985 (Lei da Ação Civil Pública), pois não concebiam o
adiantamento dos honorários periciais pelo Ministério Público. No entanto, destacou Lewandowski,
há agora ‘interpretações mais condizentes com o atual arcabouço legislativo processual e que
calibram melhor os incentivos para a atuação das partes no processo”. O relator explicou que o
novo CPC, redigido à luz da realidade atual – em que se sabe que os peritos qualificados para as
perícias complexas a serem produzidas nas ações coletivas dificilmente podem arcar com o ônus de
receber somente ao final –, trouxe dispositivo condizente com os ditames econômicos da vida
contemporânea e, no seu artigo 91, dispõe especificamente sobre a questão. O parágrafo 1º do
dispositivo estabelece que as perícias requeridas pela Fazenda Pública, pelo Ministério Público ou
pela Defensoria Pública poderão ser realizadas por entidade pública ou, havendo previsão
orçamentária, ter os valores adiantados por aquele que requerer a prova. O parágrafo 2º prevê que,
se não houver previsão orçamentária no exercício financeiro para adiantamento dos honorários
periciais, eles serão pagos no exercício seguinte ou ao final, pelo vencido, caso o processo se
encerre antes do adiantamento a ser feito pelo ente público. ‘O novo CPC disciplinou o tema de
forma minudente, tendo instituído regime legal específico e observado que o Ministério Público
ostenta capacidade orçamentária própria, tendo, ainda, fixado prazo razoável para o planejamento
financeiro do órgão’, disse Lewandowski. Segundo o ministro, essa interpretação não enfraquece o
processo coletivo. ‘Pelo contrário, o que se pretende é, de fato, fortalecê-lo, desenvolvendo-se
incentivos para que apenas ações coletivas efetivamente meritórias sejam ajuizadas’, afirmou,
enfatizando que as perícias poderão ser realizadas por entidades públicas ou mesmo por
universidades públicas, fazendo com que os custos sejam menores ou até inexistentes”1.

Entretanto, o referido entendimento não tem prevalecido na jurisprudência. Isso porque,


em sede de ação civil pública, a superveniência das disposições do art. 91 do CPC/2015, as quais
alteraram a responsabilidade pelo adiantamento dos honorários periciais, não revogaram os
fundamentos e o comando do Recurso Repetitivo supramencionado, pois a Lei 7.347/1985 (Lei da
Ação Civil Pública) apresenta regime especial de custas e despesas processuais e, exatamente por
conta dessa especialidade, aplica-se à Ação Civil Pública, derrogadas, no caso, as normas gerais do
CPC/2015.

**** Este é o entendimento do TJSP

1 https://portal.stf.jus.br/noticias/verNoticiaDetalhe.asp?idConteudo=399976
Natureza jurídica da ação de improbidade administrativa antes e depois da Lei nº
14.230/2021.

Até a entrada em vigor da Lei nº 14.230/2021, a doutrina, de forma amplamente


majoritária, e o Supremo Tribunal Federal e o Superior Tribunal de Justiça, entendiam pela natureza
civil da ação de improbidade.

Entretanto, com o advento da Lei nº 14.230/2021, foi acrescentado o art. 17-D na Lei nº
8.249/92, que assim prevê “A ação por improbidade administrativa é repressiva, de caráter
sancionatório, destinada à aplicação de sanções de caráter pessoal previstas nesta Lei, e não
constitui ação civil, vedado seu ajuizamento para o controle de legalidade de políticas públicas e
para a proteção do patrimônio público e social, do meio ambiente e de outros interesses difusos,
coletivos e individuais homogêneos”

A respeito do dispositivo, Daniel Amorim Assumpção Neves assim entende2:

Na vigência da redação originária da Lei 8.429/1992, havia no âmbito doutrinário


discussão a respeito da relação existente entre a ação de improbidade administrativa e a
ação civil pública. Para alguns, a ação de improbidade administrativa não era espécie de
ação civil pública, enquanto para outra corrente doutrinária a ação de improbidade
administrativa seria uma espécie de ação civil pública, tendo sido esse o entendimento
consagrado no Superior Tribunal de Justiça.
O art. 17-D, caput, do CPC ao prever que a ação de improbidade administrativa não é
uma ação civil parece na realidade se referir à ação civil pública, o que pode ser
confirmado pela segunda parte do dispositivo, ao prever ser vedado seu ajuizamento
para o controle de legalidade de políticas públicas e para a proteção do patrimônio
público e social, do meio ambiente e de outros interesses difusos, coletivos e individuais
homogêneos.
E de maneira ainda mais clara no parágrafo único, ao prever que fora as hipóteses
contempladas pela Lei 8.429/1992, o controle de legalidade de políticas públicas e a
responsabilidade de agentes públicos, inclusive políticos, entes públicos e
governamentais, por danos ao meio ambiente, ao consumidor, a bens e direitos de valor
artístico, estético, histórico, turístico e paisagístico, a qualquer outro interesse difuso ou
coletivo, à ordem econômica, à ordem urbanística, à honra e à dignidade de grupos
raciais, étnicos ou religiosos e ao patrimônio público e social submetem-se aos termos
da Lei 7.347, de 24 de julho de 1985.
Sendo uma ação de natureza civil, mas distinta da ação civil pública, resta a pergunta se
a ação de improbidade administrativa continua a fazer parte do microssistema coletivo.
Não tenho dúvida que sim. Afinal, o direito tutelado pela demanda continua sendo o
mesmo, qual seja, o patrimônio e a moralidade pública, de titularidade da coletividade e,
portanto, de natureza difusa. Além disso, os pedidos de natureza reparatória elaboráveis
numa ação de improbidade administrativa podem perfeitamente serem encontrados
numa ação civil pública ou numa ação popular, outras espécies de ação coletiva.

2 Comentários à Reforma da Lei de Improbidade Administrativa


Esse reconhecimento é importante porque assim se permite a utilização das normas do
microssistema na ação de improbidade administrativa, ainda que, em regra, de forma
apenas subsidiária. E caso não haja norma no microssistema coletivo, aplica-se a regra
prevista no Código de Processo Civil.
Um exemplo. O art. 12, § 9º, da LIA prevê que as sanções só podem ser aplicadas com o
trânsito em julgado da decisão condenatória. Processualmente significa dizer que todos
os recursos interpostos contra a parte de decisão que aplica sanções têm efeito
suspensivo. O dispositivo, entretanto, não versa sobre a parte reparatória de eventual
decisão condenatória. Nesse caso, portanto, diante da omissão da Lei 8.429/1992, deve-
se aplicar ao caso o art. 14 da LACP, que prevê não ter a apelação efeito suspensivo.
Quanto aos demais recursos, a existência ou não de efeito suspensivo rege-se pelos
dispositivos do Código de Processo Civil.

Por outro lado, após as modificações introduzidas pela Lei nº 14.230/21, Fredie Didier Jr.
propôs então a reconstrução do sistema tradicional de categorias classificatórias, de modo a alocar a
ação de improbidade fora do conceito de processo coletivo.

Hermes Zaneti Jr., de seu turno, entende ainda ser possível o enquadrar a ação de
improbidade como espécie de ação coletiva, pois é destinada ao combate à corrupção, tutelando a
moralidade e probidade administrativa, direitos coletivos em sentido amplo3.

3 https://www.migalhas.com.br/coluna/elas-no-processo/361202/breves-anotacoes-processuais-sobre-a-lei-14-230-21
Caso concreto: Uma criança possui plagiocefalia posicional e necessita de uma órtese que foi
indicada pelo médico. Entretanto, este tratamento não se encontra no rol da ANS, tampouco
no contrato de adesão. Seria possível pleitear a concessão da mencionada órtese judicialmente,
caso haja a negativa do plano de saúde?

Depende. No julgamento do EREsp 1.886.929, a segunda seção do STJ pacificou o


entendimento de que o rol de Procedimentos e Eventos em Saúde Suplementar é, em regra, taxativo.
De acordo com a C. Corte, “A operadora de plano ou seguro de saúde não é obrigada a arcar com
tratamento não constante do rol da ANS se existe, para a cura do paciente, outro procedimento
eficaz, efetivo e seguro já incorporado ao rol”.

Isso porque, a Lei dos Planos de Saúde (Lei 9.656/1998) confere à ANS a competência
legal para eleger cobertura mínima obrigatória como referência às operadoras (art. 10, § 4º).

Conforme voto do Ministro Ricardo Villas Bôas Cueva, “A higidez do sistema de saúde
suplementar depende da segurança jurídica, da boa-fé e de relevantes trocas de informação entre
todos os atores envolvidos no setor. A adoção de um rol exemplificativo sem estudos e adaptações
normativas que devem advir das funções legislativa e executiva do Estado pode causar disfunções
aptas a erodir a própria prestação do serviço assistencial”.

Entretanto, de acordo com o STJ, “não havendo substituto terapêutico ou esgotados os


procedimentos do rol da ANS, pode haver, a título excepcional, a cobertura do tratamento indicado
pelo médico ou odontólogo assistente, desde que (i) não tenha sido indeferido expressamente, pela
ANS, a incorporação do procedimento ao rol da Saúde Suplementar; (ii) haja comprovação da
eficácia do tratamento à luz da medicina baseada em evidências; (iii) haja recomendações de órgãos
técnicos de renome nacionais (como CONITEC e NATJUS) e estrangeiros; e (iv) seja realizado,
quando possível, o diálogo interinstitucional do magistrado com entes ou pessoas com expertise
técnica na área da saúde, incluída a Comissão de Atualização do rol de Procedimentos e Eventos em
Saúde Suplementar, sem deslocamento da competência do julgamento do feito para a Justiça
Federal, ante a ilegitimidade passiva ad causam da ANS”.

Assim, comprovados os requisitos supracitados, é possível pleitear judicialmente a


concessão de órtese para a criança.

*** No caso específico, julgado em 2020, o TJSP destacou que “não obstante as alegações da ré de
que o tratamento não consta do rol de cobertura da ANS, no contrato celebrado não há qualquer
cláusula contratual de exclusão de cobertura para a doença que atingiu a menor apelada. E, sendo
inegável a submissão do ajuste às normas do Código de Defesa do Consumidor, as cláusulas
contratuais devem ser interpretadas de forma mais benéfica ao consumidor. Além disso, consta do
documento de fls. 26/29 o pedido do médico que assiste a autora menor para a utilização da órtese,
demonstrando a necessidade para melhora na vida da paciente, não podendo a empresa prestadora
de serviços de assistência médica interferir na indicação médica”. Além disso, o referido E. Tribunal
deu provimento à apelação da autora, para condenar o plano de saude em indenização por danos
morais (Apelação Cível nº 1042380-09.2019.8.26.0114) .

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