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Breve sumário

No acórdão em apreço temos a situação onde a requerente A,Lda intentou no Supremo


Tribunal Administrativo, recurso da decisão proferida pelo Tribunal Central
Administrativo Norte – acórdão de 5/06/2015.
Mais especificamente, a recorrente A,Lda apresentou, inicialmente, uma ação
administrativa especial de contencioso pré-contratual no Tribunal Administrativo e
Fiscal de Mirandela contra o município Mogradouro. Na referida ação, A,Lda, solicitou
a anulação de uma decisão do município que concedeu o contrato para uma empreitada
de obra pública. Como resultado da sentença proferida, a ação foi considerada válida e
tanto a decisão de conceder o contrato quanto o próprio contrato subsequentes foram
anulados.
Por sua vez, C,Lda, uma das oponentes ao referido concurso (4ª classificada do
concurso), invocando o disposto nos artigos 154 e 155 do CPTA, interpôs recurso de
revisão dessa sentença alegando não ter sido citada para intervir como
contrainteressada. O tribunal rejeitou esse recurso. Porém a referida empresa recorreu
dessa decisão para o Tribunal Central Administrativo Norte que concedeu provimento
ao recurso e declarou que todo o processo a partir da petição inicial era nulo – acórdão
5/06/2015
O acórdão do Supremo Tribunal Administrativo pretende ajudar a perceber e
uniformizar a interpretação da figura “contrainteressados” em Contencioso
Administrativo, figura cujos contornos é amplamente discutido pela doutrina e que
iremos tentar descodificar nesta análise.

Matéria relevante

A questão central do acórdão versa sobre a definição de contrainteressados na ação


administrativa especial de impugnação. Trata-se de uma questão que diz respeito à
interpretação do artigo 57 do Código do Processo nos Tribunais Administrativos
(CPTA).

A Administração Pública prossegue o interesse público, com o propósito de atender às


necessidades da sociedade como um todo. Dado que é impossível agradar a todas as
pessoas - uma decisão administrativa pode prejudicar os interesses de algumas, ao
mesmo tempo que beneficia outras. Quer isto dizer que, a mesma ação da administração
pode ter efeitos diversos, levando simultaneamente a que haja quem atue com vista a
destruição de uma decisão da administração e, quem queira a conservação dessa mesma
decisão. E é neste contexto que o artigo 57 CPTA vem tentar definir contrainteressados.
De acordo com este, são contrainteressados “quem o provimento do processo
impugnatório possa diretamente prejudicar ou que tenham legitimo interesse na
manutenção do acto impugnado”.

Segundo o Supremo Tribunal administrativo, houve um lapso na definição de


contrainteressados, tanto na 1ª como na 2º instância. O TAF de Mirandela decidiu um
recurso contencioso onde se peticionou não só a anulação do ato impugnado mas
também a exclusão dos concorrentes melhores classificados que o recorrente.
Considerou, portanto que, podendo o provimento do recurso determinar a exclusão
desses candidatos, era manifestamente evidente o seu interesse em contradizer o pedido
formulado no processo impugnatório já que, se ele fosse procedente, seriam ou
poderiam ser excluídos do concurso, daí que tivesse concluído que, por ser assim, os
mesmos gozavam de qualidade de contrainteressados e tinham legitimidade processual.
Considera o Supremo Tribunal Administrativo que há um erro na definição por excesso
de zelo, pois deveria apenas ter sido citado o verdadeiro contrainteressado que era
aquele que estava classificado em primeiro lugar.
Situação completamente distinta ocorreu no acórdão do Tribunal Central
Administrativo Norte, acórdão este que teve como fundamento o recurso para o
Supremo Tribunal Administrativo. Com efeito, aquele – proferido num recurso de
revisão intentado e decidido já no domínio do CPTA deparou-se com um pedido de
anulação de todo o processado, numa acão de contencioso pré contratual, a partir da
citação das partes indicadas na petição inicial com o fundamento de que a autora do
pedido de revisão , C,Lda, gozava da qualidade de contrainteressada e, por essa razão,
devia ter sido citada e não foi.

Para construir a noção de contrainteressado e perceber a construção feita pelo Supremo


Tribunal Administrativo atentemos, primeiramente nas definições apresentadas por
alguns autores especialistas nesta problemática.
De acordo com José Carlos Vieira de Andrade, os contrainteressados, são aqueles
“tenham interesse direito e pessoal em que não se dê provimento à ação intentado pelo
autor”, ressalvando que são legalmente verdadeiras partes no processo. O professor
regente Vasco Pereira da Silva compartilha da mesma visão. Por sua vez, Mário Aroso
de Almeida, enfatiza a importância de adotar uma definição ampla de
“contrainteressado” e sugere que é necessário evitar uma interpretação estrita dos
artigos 57º e 68º, nº2. Argumenta que a figura dos contrainteressados abrange “todas as
pessoas que têm o direito de não ser deixados à margem do processo em que se discute
a questão da subsistência ou da introdução na ordem jurídica do ato que lhes dizem
respeito.”

O Supremo Tribunal de Justiça para concretizar o conceito, recorre a distinção


proposta pelo professor Vieira de Andrade. O professor estabelece uma distinção entre
contrainteressados e co-interassados. Estes últimos são entidades ou pessoas que têm
interesse a que se dê seguimento ao pedido do autor e, quando não se encontrem em
litisconsórcio ou coligação, devem ser tratados como assistentes, já os
contrainteressados são entidades ou pessoas que têm interesse direto em que não se dê
provimento à ação.

O Supremo Tribunal Administrativo, servindo-se desta distinção considera que C,Lda,


não estaria numa posição de contrainteressado, mas sim de co-interessados. Posto isto,
não estaríamos na presença de um sujeito processual mas sim de uma parte acessória ou
assistente, ou seja de uma pessoa com potencial interesse em que o litigio seja resolvido
a favor de uma das partes, mas sem nenhum interesse direito ( C,Lda, inclusive apenas
sustenta o seu recurso na falta de citação, nada dizendo quanto a uma eventual
impossibilidade de exercer o seu direito, não retirando nenhum vantagem mesmo com a
manutenção do ato impugnado, pois não teria nenhum interesse direto no mesmo).

Estando em causa um co-interessado não haveria preterição de qualquer formalismo


legal. Apenas há preterição quando efetivamente haja um contrainteressado, pelo que
neste caso deve o sujeito, segundo o tribunal intervir no processo através de um
litisconsórcio necessário passivo.

Ora, no que a pluralidade e modo de intervenção das partes diz respeito, a doutrina
também não é unanime nas soluções que apresenta. Devemos reconduzir a figura dos
contrainteressados ao instituto da coligação ou do litisconsórcio necessário passivo?
Antes de mais, cabe referir que a coligação é uma situação de pluralidade de partes que
assenta numa pluralidade de relações jurídicas e distingue-se do litisconsórcio, que
pressupõe a co-tiularidade da relação jurídica entre os litisconsortes e, por isso também,
a existência de uma relação material, como se houvesse um único autor (litisconsorte
ativo) ou um único demandado (litisconsorte passivo).

Francisdo Paes Marques opõe-se a recondução dos contrainteressados ao instituto do


litisconsórcio necessário passivo. Questiona como poderá estar em causa uma situação
de litisconsórcio se a finalidade dessa figura é assegurar a unidade do caso julgado em
face da existência de uma pluralidade de sujeitos que são titulares da relação material
controvertida. Este autor nega a qualificação dos contrainteressados como sujeitos da
relação jurídica material controvertida e como tal considera incompatível a sua
intervenção no processo através do litisconsórcio necessário passivo.

Em contrapartida, a maioria da doutrina considera que o chamamento dos


contrainteressados ao processo deve ser efetuado através do litisconsórcio necessário
passivo . Os artigos 57º e 68º, nº2 do CPTA dão concretização ao regime da
legitimidade passiva constante no artigo 10º, nº1, que estipula a obrigatoriedade do
chamamento ao processo dos contrainteressados (que deve ser feito nos termos do artigo
78º, nº2, alínea b). Neste sentido seria da responsabilidade do autor mencionar os
potenciais contrainteressados, e se o mesmo não o fizesse a petição poderia ser recusada
nos termos do artigo 80º, nº1, alienas b) e c). Mais, o artigo 89º, nº2 e 89º, nº4,e do
CPTA prevê que em caso de ausência de identificação dos contrainteressado, estaremos
na presença de uma exceção dilatória, que gera a absolvição da instância e impede que o
Juiz conheça o mérito da causa.

O Supremo Tribunal Administrativo entende, como já foi referido, a intervenção pelo


litisconsórcio necessário passivo. Refere que há uma identidade de interesses entre o
Réu e o contrainteressado – o contrainteressado não deduz nenhum pedido, antes
defende a posição do réu, pois os seus interesses são igual.

Na minha opinião, a tese que perfilha o litisconsórcio necessário é a mais correta. Os


contrainteressados têm interesses diretos que podem interferir na decisão da sentença,
pelo que a intervenção destes no processo é imprescindível para que que a sentença
produza o seu efeito útil. A lei exige, assim, um litisconsórcio necessário passivo na
situação descrita no acórdão. Ressalve-se porém que, embora o contrainteressado
defenda um interesse que coincide com o interesse do réu, tem um atuação autónoma e
independente do ponto de vista processual.

Posto isto e após esclarecer algumas dúvidas existes no direito administrativo e


manifestadas em primeira e segunda instância, o Supremo Tribunal Administrativo
decide revogar a decisão da segunda instância, não considerando para efeitos C,Lda
como contrainteressada. Conclui que o determina a noção de contrainteressado é o
prejuízo que a impugnação do ato possa causar ou o interesse na manutenção desse ato,
em função da análise da concreta relação material em causa. É somente ao analisar a
situação concreta que podemos determinar se existe, de fato, um prejuízo ou um
interesse na manutenção do ato, só assim podendo aferir a legitimidade do
contrainteressado. Neste sentido não posso deixar de concordar com a decisão do
Supremo Tribunal Administrativo. A noção de contrainteressado terá, de ser construída
não a partir do eventual interesse que alguém pudesse ter em ser parte na ação mas a
partir do prejuízo que ele terá se não for chamado a juízo, conferindo legitimidade
passiva a todos aqueles que possam ser prejudicados pela anulação do ato. C,Lda teria
algum prejuízo? Não! Ocupava o 4ºlugar do concurso público pelo que não iria realizar
a obra e consequentemente não teria nenhum interesse na manutenção do ato
impugnado.

A análise deste acórdão, permitiu-me entender melhor a interpretação de um conceito


chave reflexo de alguns princípios basilares da nossa constituição, nomeadamente o
principio do acesso à justiça e o principio do direito a uma tutela jurisdicional efetiva
dos direitos e interesses legalmente protegidos dos administrados conjugados com o
principio do contraditório e o principio da igualdade das partes.

Bibliografia

ALMEIDA, Mário Aroso de, Manual de Processo Administrativo, 3.ª Edição,


Almedina, 2017

ANDRADE, José Carlos Vieira de, A Justiça Administrativa (Lições), 10.ª Edição,
Almedina, 2009

MARQUES, Francisco Paes, O estatuto processual dos contra-interessados nas ações


impugnatórias e de condenação à prática de ato administrativo, In Caderno de Justiça
Administrativa N.º 124, Centro de Estudos Jurídicos do Minho, 2017
SILVA, Vasco Pereira da, O Contencioso Administrativo no Divã da Psicanálise, 2.ª
Edição, Almedina, 2013

ANDRADE, José Carlos Viera de, A justiça administrativa, 19ª edição, Almedina, 2021

Marco António Lopes Correia, subturma 6, nº 64552

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