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Neste caso prático temos um único acto/situação que importa analisar: o indeferimento
do Secretário de Estado da Saúde.
O Ministro da Saúde é coadjuvado no exercício das suas funções pelo Secretário de Estado
da Saúde (artigo 4.º-10 da Lei orgânica do Governo - LOG), que, à semelhança dos
subsecretários de Estado, não tem competência própria.
Dadas estas circunstâncias, o SES apenas poderá decidir sobre esta matéria se tiver existido
delegação de competências e se essa delegação de competências cumprir os respectivos
requisitos legais. Em concreto, é preciso verificar se houve delegação de competência e
se havia norma habilitante que permitisse tal delegação.
Porém, em parte alguma se refere no caso prático ter havido delegação de competências.
Consequentemente, parece que o SES não poderia ter exercido esta competência. Desta
forma, o SES não é competente, pois não houve delegação de poderes.
Coloca-se o problema de saber se existe um direito à informação por parte dos particulares.
Ou seja, se estes deveriam ter sido informados do acto de indeferimento do SES, uma
vez que João só se apercebe de ter existido uma decisão porque foi, por sua iniciativa,
consultar o processo..
Os artigos 66.º CPA. e 268.º-1 da CRP dispõem que os particulares têm o direito de
conhecer e ser informados sobre as decisões definitivas tomadas pela Administração
Pública. Têm ainda a possibilidade de consultar os processos e de aceder aos
documentos administrativos (artigo 62.º CPA e Lei de Acesso aos Documentos
Administrativos – Lei n.º 46/2007, de 24 de Agosto).
Portanto, todos os particulares, tal como João, devem ser notificados sobre os actos
administrativos que decidam sobre quaisquer pretensões por eles formuladas- artigo
66.º, alínea a) do CPA. A notificação é, assim, um acto que tem por objectivo transmitir
ao destinatário “o conteúdo do mesmo ou se lhe faz saber um facto ou uma situação do
seu interesse próprio”.
No caso em análise, João devia ter sido notificado no prazo de oito dias após a decisão
de indeferimento (artigo 69.º do CPA). A notificação é um requisito de eficácia dos
actos administrativos pelo que a sua preterição tem como consequência a ineficácia do
acto de indeferimento. Não afecta a validade do acto, mas impede que este produza
efeitos.
No caso de João, o prazo da administração para a prática do acto devido não foi
ultrapassado. Com efeito, a decisão de indeferimento foi adoptada dentro desse prazo de
90 dias úteis. Porém, como vimos, essa decisão não foi notificada e, por isso, não
produz
efeitos. Ou seja, não produziu o efeito de interromper a contagem do prazo de 90 dias
úteis que a Administração tinha para se pronunciar.
Portanto, para efeitos de reacção contenciosa e eventual formação de acto tácito, o prazo
não deixou de contar, uma vez que ainda não se verificou qualquer decisão eficaz.
Houve uma decisão, mas não foi comunicada ao interessado e, logo, não é eficaz/não
produz efeitos.
Como sabemos, quando esse prazo não é cumprido, o particular insatisfeito pode mover
uma acção administrativa especial solicitando a condenação da Administração Pública a
praticar o acto que deveria ter praticado (artigos 46.º-2-b) e 67.º-1-a) do CPTA, que
revogaram parcialmente, de forma tácita, as referências do artigo 109.º CPA ao
“indeferimento tácito”). Em casos excepcionais identificados na lei, forma-se deferimento
tácito (artigo 108.º CPA). Isto é, o particular vê a sua pretensão concedida pelo silêncio
da Administração Pública.
Apenas existe deferimento tácito nos casos previstos na lei (artigo 108.º-3 CPA,
havendo quem entenda que também nos casos do artigo 108.º-1 CPA). Ora, à primeira
vista, parece que a presente situação não cabe no elenco de situações do artigo 108.º-3
CPA (eventualmente também artigo 108.º-1 CPA), pelo que não se terá formado
deferimento tácito.
Assim, João terá a faculdade de reagir perante este silêncio administrativo lançando
uma acção administrativa especial nos tribunais administrativos, na qual solicite a
condenação á
emissão do acto administrativo em falta. Veremos mais adiante se este direito está em
condições de ser exercido.
Para verificar se os pareceres (e este, em particular) precisam de ser seguidos quanto ao seu
conteúdo, importa considerar o artigo 98.º CPA.
O artigo 98.º-2 CPA prevê que, em regra, os pareceres referidos na lei são obrigatórios, mas
não são vinculativos. Ora, no caso prático nada nos é dito quanto ao facto de este
parecer ser legalmente exigido. Ou seja, o caso em apreço não se inclui expressamente
na situação do artigo 98.º-2 CPA.
No entanto, parece que se pode retirar, a partir do artigo 98.º-2 CPA, a regra quanto aos
pareceres “não referidos na lei”, a partir de um argumento de maioria de razão. Com efeito,
se os pareceres referidos na lei não são vinculativos, o parecer que nem sequer é referido na
lei “ainda menos vinculativo o será”.
Uma questão controversa na doutrina versa sobre a sanção a aplicar face a esta
invalidade. A posição maioritária, entre a qual a jurisprudência do Supremo Tribunal
Administrativo, entende que se aplica o regime da anulabilidade (artigo 135.º CPA), não
se verificando nenhum dos pressupostos do artigo 133.º CPA.
Porém, alguns autores defendem que a sanção será a nulidade por estarmos na presença
de um direito fundamental que encontra a sua previsão constitucional no artigo 267.º-5
da CRP, o qual seria um Direito, Liberdade e Garantia de natureza análoga (artigo 17.º
CRP). Assim, segundo o artigo 133.º-2-d) CPA, a inobservância da audiência dos
interessados significaria a violação do conteúdo essencial de um Direito Fundamental e
geraria a nulidade do acto.
Sim. Nos termos do artigo 124.º-1-a) CPA, os actos que neguem direitos ou interesses
legalmente protegidos devem ser fundamentados. No mesmo sentido, os actos que
decidam ao contrário de pretensões dos particulares também o devem ser artigo 124.º-1-
c) CPA.
Portanto, é evidente que este acto deve ser fundamentado. Será que o foi?
O acto de indeferimento do SES invoca o parecer para não acolher o pedido de João.
Pode tal invocação constituir fundamentação suficiente do acto administrativo? Parece
evidente que sim. O artigo 125.º-1 CPA determina que a fundamentação pode consistir
em mera declaração de concordância com os fundamentos de um parecer, o que parece
ter acontecido. Naturalmente que, neste caso, a fundamentação constante do parecer tem
de ser suficiente e cumprir os requisitos do artigo 125.º CPA, o que parece ter
acontecido.
g) A autorização podia ter sido indeferida por João não ser licenciado em
farmácia?
O SES indeferiu o pedido em virtude de João não ser licenciado em farmácia, uma vez
que a lei determinava que só os licenciados em farmácia podiam ser proprietários de
farmácias.
Sucede, porém, que João era licenciado em farmácia, ao contrário do que o SES
indicou. Assim, encontramos nesta situação um erro de facto nos pressupostos, uma vez
que o pressuposto relativo à licenciatura de João estava, na realidade, preenchido. Trata-se
de um vício de violação de lei que provoca a anulabilidade do acto.
A resposta efectiva a esta questão dependeria da análise dos diplomas legais que regem
a abertura de farmácias, o que não pode ser analisado para resolver este caso prático.
Assim, existem duas hipóteses que, em abstracto, devemos colocar.
Numa segunda hipótese, haverá que verificar aspectos relativos a questões técnicas, de
segurança e de higiene, mas não só. Neste caso, a abertura de farmácias não será
essencialmente livre, pois haverá que verificar outros aspectos de interesse público,
como seja a viabilidade económica das farmácias, para evitar que, numa determinada
zona do País, deixem de existir farmácias por terem falido. Se for esta a solução legal,
provavelmente, a margem de liberdade conferida à Administração será maior. Neste
caso, não haverá vício algum, pois a lei terá pretendido, não apenas a verificação de
aspectos técnicos e análogos, mas também a garantia da sua viabilidade económica,
como forma de assegurar que todas as zonas do País beneficiam de um certo número
de farmácias em
actividade. E, portanto, será perfeitamente legal um indeferimento baseado na
ponderação da viabilidade económica da farmácia.
Esta acção teria como finalidade condenar a Administração à prática do acto administrativo
em falta. Como se viu, não existe resposta ao pedido de João, pois o acto de
indeferimento nunca foi notificado. Consequentemente, verifica-se uma situação de
silêncio da Administração contra a qual João pode reagir, utilizando esta via.
Como se viu também, João já verificou que existia um acto praticado, mas não
notificado. E também se pode verificar, através da análise do caso prático, que esse acto
padece de vários vícios. Como evita então João que a Administração Pública, em sede de
execução de sentença, venha a cumprir a decisão do tribunal notificando um acto já
praticado, mas que já se viu ter vício?
Há, contudo, um último factor que impede João de mover esta acção. É que a mesma
deveria ter sido interposta no prazo de um ano após o final do prazo de 90 dias úteis que
a Administração tinha para decidir (artigo 69.º-1 CPTA e 58.º e 109.º CPA) e não o foi.
Com
efeito, a situação de silêncio da Administração verificou-se há mais de 10 anos, tendo já
caducado o direito à acção de João.