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1.

Notas introdutórias sobre o Direito de Ação Popular

A ação popular, “sendo sempre uma ação judicial e, neste sentido, a expressão do direito
fundamental de acesso aos tribunais, distingue-se de todas as demais modalidades de ações,
pela amplitude dos critérios determinativos da legitimidade para a respetiva propositura”.1

Trata-se de uma espécie de legitimidade ativa de quaisquer cidadãos no gozo dos seus direitos
civis e políticos (primeira parte do n.º 1 do artigo 2.º da Lei n.º 83/95, de 31 de maio) que pode
ser exercida perante qualquer tribunal, de forma a que se possa garantir interesses difusos,
sem que para isso seja necessário que se tenha que invocar um interesse pessoal e direto ou
mesmo uma conexão com a relação material controvertida (artigo 52º/3 CRP). Em suma,
constituem ações propostas por cidadãos na defesa de valores que interessam ao conjunto da
comunidade, sem terem necessariamente que dizer respeito aos autores individualmente.

Cabe também referir que são igualmente titulares do direito de ação popular “as associações e
fundações defensoras dos interesses previstos no artigo anterior [interesses difusos],
independentemente de terem ou não interesse direto na demanda” (segunda parte do n.º 1 do
artigo 2.º da Lei n.º 83/95, de 31 de maio), desde que, naturalmente, a intervenção tenha
acolhimento nos respetivos estatutos. São ainda titulares do direito de ação popular “as
autarquias locais em relação aos interesses de que sejam titulares residentes na área da
respetiva circunscrição” (n.º 2 do artigo 2.º da Lei n.º 83/95, de 31 de maio) e, por último, o n.º 2
do artigo 9.º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos (CPTA) estendeu a
titularidade do direito de ação ao Ministério Público, no âmbito do contencioso administrativo.
Sendo que, a partir de finais de 2015, o n.º 1 do artigo 16.º da Lei n.º 83/95, de 31 de maio,
reconheceu essa mesma extensão em termos gerais.2

No que toca ao objeto da ação popular, os interesses difusos, a Ordem Jurídica pode atribuir
um direito subjetivo mediante uma disposição constitucional (consagradora de um “estatuto”),
que atribui aos particulares a possibilidade de fruição individual de um bem jurídico (que é
“'coletivo”, ou de “todos”), de forma livre de agressões ilegais provenientes de entidades
públicas ou privadas. Estes correspondem aos Direitos Fundamentais que a CRP estabelece,
não existindo uma enunciação limitada dos bens ou interesses suscetíveis de tutela através do
exercício do direito de ação popular. Entre eles, podemos encontrar a saúde pública, os direitos
dos consumidores, a qualidade de vida, a preservação do ambiente e do património cultural,
mas a lei acrescenta, por exemplo, o ordenamento do território, o urbanismo ou o domínio
público (cfr. n.º 2 do artigo 9.º do CPTA). Em conclusão, interesses difusos são direitos
subjetivos públicos decorrentes da CRP.

Podemos dizer que o CPTA configura o ação popular em duas modalidades – no artigo 9º/2 e
no artigo 55º/2 – na primeira, trata do universo das ações que podem ser intentadas em defesa

1
A Acção Popular: Configuração e Valor no Actual Direito Português, Separata da Revista da Ordem dos
Advogados Ano 59, III pg. 871 – Lisboa, Dezembro 1999, Paulo Otero
2
https://dre.pt/dre/lexionario/termo/acao-popular
de valores e bens constitucionalmente protegidos, sendo neste artigo consagrado o fenómeno
de extensão da legitimidade processual para defesa de interesses difusos; na segunda, a ação
popular de impugnação de atos administrativos praticados por órgãos autárquicos, que
qualquer cidadão recenseado na localidade respetiva pode intentar nos termos do mesmo
artigo.

A importância desta figura consubstancia-se, portanto, na defesa de direitos fundamentais


numa perspetiva comunitária ou coletiva. Reafirmando o que foi avançado nos pontos
anteriores, diremos que quando a ofensa (ou perigo de ofensa) a estes direitos se traduzirem
num prejuízo (ou perigo de prejuízo) sentido diferenciadamente por um indivíduo (ou vários),
esse indivíduo gozará dos meios clássicos de reação, não devendo haver dúvidas relativas à
legitimidade processual para os acionar3.

Ainda sobre a relevância deste direito, quando a ofensa aos direitos enumerados anteriormente
se tratar se uma ofensa difusa ou fluida, que não se individualize na esfera jurídica de
indivíduos perfeitamente determinados, nem esteja em causa a violação de normas
directamente destinadas à protecção de direitos subjectivos ou interesses legalmente
protegidos de certos cidadãos em especial, é certo que fará todo o sentido o recurso à ação
popular.

Na verdade, a característica específica do direito de acção popular é a circunstância de


qualquer cidadão estar legitimado para litigar independentemente de ter um interesse directo e
pessoal na matéria: o litigante não tem de invocar, e muito menos de provar, qualquer interesse
pessoal na questão, o que conduz a que o pressuposto processual da legitimidade não tenha
de ser averiguado de forma concreta e casuística. Desta forma, ultrapassam-se as deficiências
de uma tutela jurisdicional baseada em conceções exclusivamente individualistas, que
conduziam, no esquema tradicional, a uma mera protecção de interesses necessariamente
ancorados na esfera subjetiva de um indivíduo. Através da ação popular é bem nítido o
alargamento das formas de acesso à justiça e aos tribunais não fazendo aqui sentido os
requisitos clássicos da legitimidade processual.4

Tendo, portanto, analisado o que se entende por ação popular e a sua importância no nosso
ordenamento jurídico, no presente comentário irei debruçar-me sobre a sua origem e evolução
no Direito Português, bem como a sua figura mais detalhada dentro do Contencioso
Administrativo.

3
Os efeitos da sentença na Lei de acção popular, Imprensa da Universidade de Coimbra “Impactum”,
pg.7 - Dias, José Eduardo Figueiredo
4
Os efeitos da sentença na Lei de acção popular, Imprensa da Universidade de Coimbra “Impactum” pg.
5 - Dias, José Eduardo Figueiredo
2. A sua origem e evolução

É no Direito Romano que encontramos a origem desta figura, tanto a nível penal como civil,
bem como nas Ordenações do Reino (Ordenações Manuelinas e Filipinas), sendo que foi na
Carta Constitucional de 1826 que, pela primeira vez, se faz expressa referência à ação popular
(direcionada a crimes praticados por juízes). No entanto, apenas com o Código Administrativo
de 1842 é que se assiste a uma referência à ação popular corretiva, que se traduz num
controlo jurisdicional da legalidade de certos atos da Administração (relativamente à matéria
eleitoral e, posteriormente, a atos da administração local contrários ao interesse público e à lei).
Apenas em 1878 é que o Código Administrativo consagra a ação popular de natureza supletiva,
que visa suprir as omissões dos órgãos públicos locais na defesa dos bens e direitos da
Administração

Com a Constituição de 1976, a ação popular é reconhecida expressamente como direito


popular, sendo integrada no âmbito dos direitos, liberdades e garantias de participação política,
tendo sido as suas modalidades alargadas com as revisões constitucionais de 1989 e 1998.

“De facto, a versão originária da Constituição de 1976 já estabelecia, ao lado do direito de


petição, um direito de ação popular, «nos casos e nos termos estabelecidos na lei» (artigo 49°,
n.° 2), mas é a revisão constitucional de 1989 que densifica o conteúdo desse direito,
determinando que ele inclui, «nomeadamente o direito de promover a prevenção, a cessação
ou a perseguição judicial das infracções contra a saúde pública, a degradação do ambiente e
da qualidade de vida ou a degradação do património cultural, bem como de requerer para o
lesado ou lesados a correspondente indemnização» (artigo 52.°, n.° 3, al. f)”5

Com a norma do artigo 52.º, n.º 3, a Constituição impôs um alargamento dos termos estritos
em que o instituto da ação popular estava previsto no nosso ordenamento
jurídico-administrativo, sendo agora possível o seu uso em geral — e não apenas no âmbito
local — para a tutela de alguns direitos e interesses fundamentais.

No que diz respeito às consequências que se podem extrair da configuração constitucional da


ação popular, podemos afirmar que a mesma não é tida como um instituto excecional, mas
antes como um verdadeiro direito fundamental, permitindo a defesa de interesses coletivos e o
acesso aos tribunais (20º/1 CRP) mesmo a quem não é titular de um interesse direto e pessoal.
Além disto, também o direito à impugnação dos atos administrativos e dos regulamentos
lesivos de posições jurídicas subjetivas estão articulados com o direito à ação popular no
contencioso administrativo. A partir do art. 52º/3 assistimos igualmente a uma divergência entre
a ação popular corretiva e a ação popular supletiva – que será analisada posteriormente – e
que a atividade de todas as estruturas da Administração Pública, nomeadamente a

5
O Contencioso Administrativo no Divã da Psicanálise, Ensaio Sobre as Acções no Novo Processo
Administrativo, 2ª Edição, Almedina, Vasco Pereira da Silva, pg. 203
Administração Central do Estado, passou a estar sujeita ao controlo contencioso através do
mecanismo da ação popular.6

Podemos afirmar que, a partir da sua consagração expressa na Constituição, o legislador


encontrou-se vinculado a irradiar este instituto para toda a ordem jurídica, tratando-se, portanto,
de um instrumento de tutela de interesses gerais do coletivo a nível administrativo, civil e
criminal.

Por fim, a Lei nº83/95, de 31 de Agosto implementa o imperativo constitucional, que


reconhecendo a ação popular como direito fundamental, vem conferir o necessário
desenvolvimento legislativo à figura.7

Através da LAP, o legislador ordinário veio a regular o direito de ação popular, cumprindo-se,
portanto, a imposição há muito contida na Constituição. Deste modo, abriu-se um caminho
mais alargado para o exercício da ação popular para proteção dos interesses previstos no nº2
do artigo 1º da LAP. Ao “regular o direito fundamental de ação popular, veio dar concretização
às opções constitucionais, desenvolvendo uma vertente objetiva do acesso à justiça,
particularmente relevante no domínio do Contencioso Administrativo”. 8

Podemos afirmar que a Lei nº 83/95 tem duplo alcance. Primeiro, o de conferir legitimidade
ativa para defesa de interesses difusos (desde que preencham os requisitos do art. 3º Lei nº
83/95), não se exigindo a existência de uma qualquer situação de apropriação individual do
interesse difuso lesado – quanto às Associações e Fundações, o direito de ação popular
encontra-se circunscrito à área de intervenção principal e de acordo com a sua incidência
geográfica – art. 3º/2 Lei nº 83/95. E segundo, o de permitir a adaptação do modelo de
tramitação processual normal (art. 13º e ss. Lei 83/95).

Quanto ao objeto da ação popular consagrada neste diploma legal, podemos encontrar três
espécies: a administrativa, a civil e a penal.

Na medida em que nos encontramos num “contexto administrativo”, analisaremos a primeira –


a ação popular administrativa (art. 12º/ nº1 LAP), que integra o âmbito de reserva de
competência dos mesmos (212º/ nº3 CRP). Estas podem manifestar-se através do “recurso
contencioso com fundamento em ilegalidade contra atos administrativos lesivos dos interesses
gerais da coletividade”, podem visar o “ressarcimento de danos provocados pela conduta por
ação ou omissão da Administração” (responsabilidade civil administrativa) ou mesmo envolver
“outras formas ou meios de tutela contenciosa efetiva dos interesses a que se refere o artigo
52º/ nº3 da CRP”.9

6
A Acção Popular: Configuração e Valor no Actual Direito Português, Separata da Revista da Ordem dos
Advogados Ano 59, III pg. 879 – Lisboa, Dezembro 1999, Paulo Otero
7
Idem, 873
8
O Contencioso Administrativo no Divã da Psicanálise, Ensaio Sobre as Acções no Novo Processo
Administrativo, 2ª Edição, Almedina, Vasco Pereira da Silva, pg. 203
9
A Acção Popular: Configuração e Valor no Actual Direito Português, Separata da Revista da Ordem dos
Advogados Ano 59, III pg. 881 – Lisboa, Dezembro 1999, Paulo Otero
Observando, portanto, o regime da ação popular consagrado na Lei nº 83/95, de 31 de Agosto,
o professor Paulo Otero elenca os cinco principais aspetos que merecem destaque. 10

➔ Em primeiro lugar, a legitimidade ativa da ação popular – que irei apreciar


posteriormente, dedicando a sua análise com base no pensamento do professor Vasco
Pereira da Silva.

➔ E segundo lugar, o facto dos interesses cujo autor popular faz valer em juízo se
considerarem automaticamente representados por este em termos processuais – sendo
o disposto criticado pelo professor Paulo Otero, na medida em que o autor não
necessita de qualquer mandato por parte de titulares de interesses ou direitos idênticos,
o que consubstancia uma inversão do funcionamento do modelo tradicional de
representação processual – ou seja, o silêncio de demais titulares do respetivo direito
serve como declaração de aceitação de representação, sendo necessário declarar uma
possível vontade de se excluírem – , tendo como consequência sentenças
administrativas cujo caso julgado goza de uma eficácia subjetiva geral.

➔ Além disto, verifica-se igualmente que o regime da ação popular confere uma maior
intervenção ou protagonismo processual do juiz, uma vez que este goza de iniciativa
própria ao nível da recolha de provas – não há vinculação às partes – e pode ainda
determinar que certo recurso tenha efeito suspensivo, mesmo sem base legal para o
mesmo.

➔ Quanto ao Ministério Público, este pode desempenhar simultaneamente dois papéis,


fiscalizando a legalidade e integrando a representação do Estado, os ausentes, os
menores e os incapazes.

➔ Por último, em matéria de preparos e de custas, os primeiros não são exigíveis, sendo
que as custas passaram a ter um valor muito reduzido (podendo igualmente não ser
exigíveis).

Contudo, esta Lei consagradora do direito de ação popular ainda não foi correspondida a
prática com a sua utilização efetiva, na medida em que se podem verificar escassos casos
jurisprudenciais deste expediente processual. “À escassez de uso da LAP na praxis
jurisprudencial não serão porventura estranhas as dificuldades relacionadas com alguns
aspectos do respetivo regime. Na verdade, os problemas suscitados por temas como o do
regime especial de representação processual, do direito de exclusão por parte dos titulares dos
interesses em causa ou dos efeitos das sentenças respectivas poderão eventualmente
continuar a suscitar um clima de dúvidas e perplexidades, quer por parte dos cidadãos, quer

10
A Acção Popular: Configuração e Valor no Actual Direito Português, Separata da Revista da Ordem
dos Advogados Ano 59, III pg. 883 – Lisboa, Dezembro 1999, Paulo Otero
por parte dos próprios profissionais do foro. Tal clima é pouco propício a um acesso mais fácil e
generalizado à justiça e aos tribunais para defesa de direitos e interesses.”11

3. Legitimidade ativa enquanto pressuposto processual

A legitimidade processual reporta-se à função da concreta relação que (alegadamente) se


estabelece entre as partes e uma concreta ação, com um objeto determinado. O CPTA assume
a legitimidade como pressuposto processual e não como uma condição de procedência da
ação, cuja titularidade se afere, portanto, por referência às alegações produzidas pelo autor. O
professor Vasco Pereira da Silva defende que a mesma se afere em relação ao Direito –
titularidade de posições jurídicas substantivas. O critério da legitimidade passou a ser a relação
jurídica material, tal como qualquer outra disciplina contenciosa e há o reconhecimento de que
a legitimidade serve para fazer a ponte entre a justiça administrativa e o direito material.

O CPTA regula separadamente as questões da legitimidade ativa e da legitimidade passiva.


Assim, na Parte Geral do Código temos a legitimidade ativa presente no art. 9º, tratando-se de
quem alegue a titularidade de uma situação cuja conexão com o objeto da ação proposta o
apresente como em condições de nela figurar como autor e a legitimidade Passiva – art. 10º -
que de reporta a quem deva ser demandado na ação com o objeto configurado pelo autor.

Sendo que o presente comentário resume-se ao direito da ação popular, importa tratar em
especial a legitimidade ativa. Assim, cabe dizer que este pressuposto processual não se esgota
no art. 9º do CPTA – a título de exemplo, os arts. 55º, 57º, 68º, 73º e 77-A – , existindo um
conjunto de regimes especiais em matéria de legitimidade ativa decorre, na medida em que
não se reporta, necessariamente, em abstrato, à pessoa do autor ou do demandado. Ou seja,
não se trata de saber se uma pessoa, em si mesma, tem personalidade ou capacidade
judiciária, mas de saber se ela se apresenta em posição de figurar como parte numa concreta
ação, em função do objeto com que ela surge configurada.

Os regimes especiais alargam a legitimidade ativa, além dos limites reportados à alegada
titularidade da relação material controvertida definida no art. 9º/1, sendo este alargamento
necessário, uma vez que há tipos de situações em que o litígio não pressupõe a pré-existência
de uma relação jurídica entre as partes. Podemos então afirmar que, como já referido nas
notas introdutórias, estamos perante um fenómeno de extensão da legitimidade, estendendo-se
a quem não alegue ser parte numa relação material que se proponha submeter à apreciação
do Tribunal.

Importa fazer uma distinção entre o interesse em agir e o interesse processual. O primeiro
encontra-se consagrado no art.9º do CPTA e podemos referir-nos ao mesmo como “um direito
potestativo de intentar uma ação[2]”, “tendo em vista o julgamento da causa perante os
verdadeiros interessados, evitando que haja repetição da causa entre partes diferentes[3]”. Em

11
Os efeitos da sentença na Lei de acção popular, Imprensa da Universidade de Coimbra “Impactum” -
Dias, José Eduardo Figueiredo, pg. 3
relação ao interesse processual, este tem em vista a utilidade da ação, ou seja, a utilidade de
recorrer aos tribunais. É de ressalvar que “o interesse em agir pressupõe a legitimidade da
parte, mas o mesmo não sucede em sentido contrário[4].”

Ora, o professor Vasco Pereira da Silva afirma a existência de um problema na formulação que
o artigo 9º/2 adotou para este poder da ação popular, tal como já o tinha feito na Lei da ação
popular – ao alargar a legitimidade de todos os processos, aquilo que já se dizia na LAP e que
se pede no artigo 9º/2 é algo que permite confundir a ação popular com a ação
jurídico-subjetiva. Se olharmos de uma forma linear e imediata, fazendo uma interpretação tão
literal para este número 2, percebemos que há uma sobreposição entre a legitimidade que se
atribui ao autor popular e aquela que se atribui no nº1 ao titular de direitos ou interesses
legalmente protegido, ou titular de direitos subjetivos em sentido amplo.

Para o professor, isto não faz sentido no direito português, uma vez que a legitimidade é
basicamente subjetiva, como decorre da Constituição. E, portanto, se isto não faz sentido, há
que introduzir aqui uma limitação que permita distinguir o nº1 do nº2. Para isto, tanto o
professor Vasco Pereira da Silva, como o professor Sérvulo Correia propõem uma interpretação
corretiva da primeira parte do nº2 do artigo 9º do CPTA – “independentemente” tem de ser
entendido no sentido negativo, no sentido de que não pode ter interesse. A diferença tem de
assentar na existência de uma posição substantiva de vantagem e atuação nesse âmbito
(subjetiva) ou não (ação popular).12

Concluindo, a titularidade do direito de ação popular, que, como já mencionado anteriormente,


cabe a qualquer cidadão no gozo dos seus direitos civis e políticos (art 2º/ nº1 LAP), às
associações e fundações defensoras dos interesses a que refere o art. 32º/2 da CRP e às
autarquias relativamente aos interesses de que sejam titulares residentes na área da respetiva
circunscrição (art. 2º/ nº 2 LAP).

4. Conclusão

Finalizando a análise ao direito de ação popular, podemos concluir o significado que a mesma
desempenha no contencioso administrativo. Com base nas palavras do professor Paulo Otero,
podemos perceber que existem duas ideias base à volta desta figura: a primeira relaciona-se
com o facto de traduzir um mecanismo de participação dos administrados no controlo da
legalidade da atuação administrativa; já a segunda, trata da questão da ação popular conferir
um cunho de natureza objetivista à função do contencioso administrativo.

Sendo a ação popular um mecanismo de participação administrativa, constitucionalmente


protegida como um direito de participação política, traduz-se num instrumento da democracia
participativa. O ator popular torna-se um verdadeiro substituto funcional do Ministério Público,
representante e defensor do interesse público e da legalidade administrativa, projetando essa

12
O Contencioso Administrativo no Divã da Psicanálise, Ensaio Sobre as Acções no Novo Processo
Administrativo, 2ª Edição, Almedina, Vasco Pereira da Silva, pg. 262 e ss
mesma participação ao nível da impugnação judicial das decisões administrativas e alargando
a legitimidade processual ativa, na medida em que não há necessidade de existência de um
interesse direto e pessoal. Podemos, portanto, afirmar que se trata de um instrumento que
consagra o princípio do Estado de Direito democrático, sendo o próprio cidadão a “fiscalizar” a
atividade administrativa atentatória de interesses gerais do coletivo, ainda que estes não sejam
de titularidade individual.

Bibliografia
● A Acção Popular: Configuração e Valor no Actual Direito Português, Separata da
Revista da Ordem dos Advogados Ano 59, III – Lisboa, Dezembro 1999, Paulo Otero
● O Contencioso Administrativo no Divã da Psicanálise, Ensaio Sobre as Acções no Novo
Processo Administrativo, 2ª Edição, Almedina, Vasco Pereira da Silva
● Os efeitos da sentença na Lei de acção popular, Imprensa da Universidade de Coimbra
“Impactum” - Dias, José Eduardo Figueiredo

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