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UNIDADE II - PODERES ADMINISTRATIVOS

Para atingir o bem comum, o Estado deve estar a serviço da coletividade,


disciplinando as relações sociais, preservando a ordem jurídica, proporcionando
segurança, além de atuar de forma preventiva, a fim de evitar a ocorrência de danos à
sociedade. Para isso, os agentes públicos deverão possuir certas prerrogativas e
instrumentos para a consecução desses fins públicos.

Os agentes públicos devem ser dotados de poderes instrumentais compatíveis á


realização de suas tarefas administrativas.

São poderes administrativos:

a) Poder vinculado (ou regrado).


b) Poder discricionário.
c) Poder disciplinar.
d) Poder hierárquico.
e) Poder de Polícia.
f) Poder regulamentar ou normativo.

São características comuns aos poderes da Administração.

1) Irrenunciabilidade: Uma vez observado o interesse público, o agente


público deverá persegui-lo, ante a manifestação do princípio da indisponibilidade do
interesse público. O poder atribuído ao agente é irrenunciável e deverá ser
obrigatoriamente exercido por seus titulares. Outra não é a razão de chamar o poder
administrativo de “poder-dever”. Quando se trata de função pública, esse interesse é da
coletividade, e exercê-la representa uma obrigação ao administrador. Não pode este abrir
mão do interesse do povo. Se, como diz Hely Lopes Meirelles, “para o particular o poder
de agir é uma faculdade, para o administrador público é uma obrigação e atuar, desde que
apresente o ensejo de exercitá-lo em benefício da comunidade”.
2) Observância do princípio da legalidade. A legalidade no direito público
afirma que o administrador só pode fazer o que a lei manda ou determina, estando
inteiramente subordinado aos ditames legais, podendo, inclusive, ser responsabilizado
caso extrapole os limites legais, por incorrer em abuso de poder (excesso de poder e
desvio de finalidade).

O excesso de poder se caracteriza quando o gestor vai além do que por lei
está autorizado. Isto é, se o agente público invadir atribuições de outro
agente, ou, ainda, exercer atividades que a lei não lhe conferiu, cometerá
abuso de poder na modalidade “excesso de poder”.

Desvio de finalidade ocorre quando houver prática de ato com fim diverso
daquele que a lei permitiu. Ex: remoção de servidor público, não com o
objetivo de atender a necessidade de serviço, mas com o fito de aplicar-lhe
uma penalidade por infração funcional; desapropriação realizada com o
intuito de beneficiar alguém.

3) Observância aos princípios da proporcionalidade e razoabilidade. Não


é possível ao administrador fazer uso imoderado dos meios para alcance de seus
resultados.

1 Poder vinculado

É a prerrogativa atribuída ao administrador que não lhe confere qualquer traço de


liberdade, nem a possibilidade de realização de juízo de valor (ou seja, não é possível a
realização de um critério de conveniência e oportunidade para a prática do ato, já que os
requisitos para sua realização estão expressamente previstos em lei).

A lei prevê todos os elementos do ato administrativo a ser praticado. O


administrador fica inteiramente preso ao que dispõe a lei. Esta confere apenas um
comportamento possível a ser tomado pelo agente público diante de casos concretos. Ex:
Aposentadoria compulsória aos 75 anos de idade (EC 88/2015 e Lei Complementar
152/2015). Diz a lei: serão aposentados compulsoriamente, com proventos proporcionais
ao tempo de contribuição, aos 75 anos de idade: a) os servidores titulares de cargos
efetivos da União, Estados, DF e Municípios, incluídas suas autarquias e fundações; b)
membros do Poder Judiciário; c) membros do Ministério Público; d) membros da
defensoria pública; e) membros dos Tribunais de Contas.

2 Poder discricionário

Hely Lopes Meirelles afirma que o poder discricionário é aquele que o Direito
“concede à Administração, de modo explícito ou implícito, para a prática de atos
administrativos com liberdade de escolha de sua conveniência, oportunidade e conteúdo”.
Essa atividade encontra sua justificativa no fato de que seria impossível o legislador
elencar na lei todos os atos que a prática administrativa exige.

Na lição de Rossi, “o poder discricionário diz respeito à liberdade de atuação que


possui a Administração Pública, permitindo que o administrador possa valorar a
oportunidade e a conveniência da prática de ato administrativo, desde que sejam
respeitados os limites legais”. O administrador está preso à lei, porém esta não fixa um
único comportamento a ser adotado pelo agente, o que legitima o uso da conveniência e
oportunidade no conteúdo do ato a ser praticado.

São exemplos de poder discricionário: autorização ou permissão de uso de bem


público (permissão de colocação de uso de mesas e cadeiras na calçada defronte a bares
e restaurantes).

Não há de se confundir, ainda, discricionariedade com arbitrariedade. Aquela


consiste em liberdade de atuar dentro dos limites da lei. Já a arbitrariedade é a atuação do
agente público que extrapola e exorbita os limites legais. O ato arbitrário é ilegal e
inválido, devendo ser expurgado do ordenamento jurídico.

O Poder Judiciário, via de regra, não pode controlar o ato discricionário, não
podendo substituir o discricionarismo do administrador pelo do magistrado. Porém,
quando extrapola os limites da lei (controle de legalidade) ou quando ofende o princípio
da proporcionalidade (controle de legitimidade), o Judiciário poderia intervir no ato
discricionário do administrador.

3 Poder disciplinar

È a prerrogativa da Administração para aplicar sanção (demissão, suspensão,


advertência, destituição de cargo em comissão e cassação de aposentadoria) a um de seus
agentes em razão da prática de infração disciplinar. Assim, só pode ser afetado por esse
poder aquele que está no exercício de um mister público, de uma função públicas.

Para a imposição de penalidade ao agente público, é indispensável a abertura de


prévia sindicância ou processo administrativo disciplinar, com observância dos princípios
do contraditório e da ampla defesa.

A sindicância poderá resultar em: a) arquivamento do processo; b) aplicação de


penalidade de advertência ou suspensão de até 30 dias; c) instauração de processo
disciplinar. O prazo para a conclusão da sindicância não excederá 30 dias, podendo ser
prorrogável por igual período, a critério discricionário da autoridade competente.

Se o ilícito funcional ensejar a imposição de penalidade de suspensão por mais de


30 dias, demissão ou cassação de aposentadoria ou destituição de cargo em comissão,
será obrigatória a instauração de processo disciplinar.

O processo disciplinar é o instrumento destinado a apurar a responsabilidade de


servidor por infração praticada no exercício de suas atribuições ou que tenha relação com
as atribuições do cargo em que se encontre investido.

Com a CF/88, não é mais possível punir o servidor com base no princípio da
verdade sabida. Este princípio autoriza o superior a punir o subordinado sempre que
aquele tivesse conhecimento pessoal do cometimento da infração.

A discricionariedade no poder disciplinar, conforme doutrina majoritária, consiste


em escolher a melhor pena para reprimir a infração cometida, quando a lei ficar mais de
uma penalidade possível para a infração; em valorar conceitos vagos e indeterminados,
ou seja, é possível que a lei, para se referir à infração, utilize-se de conceitos pouco
precisos (“será punido o servidor que cometer “falta grave” ou “incontinência pública”)
e gradação da pena.
Contudo, o STJ (MS 12.927/DF) fixou entendimento no sentido de que inexiste
aspecto discricionário (juízo de conveniência e oportunidade) no ato administrativo que
fixa sanção disciplinar, em respeito aos princípios da proporcionalidade, culpabilidade e
dignidade da pessoa humana.

4 Poder hierárquico

O poder hierárquico é o instrumento de que dispõe a Administração Pública para


distribuir e escalonar as funções de seus órgãos, ordenar e rever a atuação de seus agentes,
estabelecendo a relação de subordinação entre os servidores de seu quadro de pessoal
(MEIRELLES, p. 124).

O poder hierárquico e o poder disciplinar caminham juntos, estando um


correlacionado inexoravelmente ao outro. Isso porque não há como aplicar uma sanção a
servidor inferior se não houver uma relação hierárquica estabelecida, segundo Rossi
(2017, p. 115).

Convém lembrar que não há de se falar em hierarquia quanto às suas funções


institucionais típicas (julgar e legislar). Alguns autores, entretanto, propugnam que, com
o advento da Súmula Vinculante a partir da EC 45/2004, teria ocorrido uma relativização
ou mitigação a esse princípio de inexistência de hierarquia, uma vez que o magistrado
estaria impedido de decidir em desacordo com o enunciado da Súmula Vinculante, sob
pena de reclamação perante o STF. Logo, nesse sentido residiria a hierarquia.

Hierarquia, segundo José dos Santos Carvalho Filho, “é o escalonamento no plano


vertical dos órgãos e agentes da Administração que tem como objetivo a organização da
função administrativa” (2012, p. 128).

A hierarquia configura um poder de estruturação interna da atividade pública. Não


existe, pois, manifestação de hierarquia externa, ou seja, entre pessoas jurídicas distintas.
A hierarquia somente se manifesta dentro de uma mesma pessoa jurídica, definindo a
competência entre os órgãos e agentes públicos integrantes dessa entidade.

Assim, não há hierarquia entre os diferentes entes da Federação ou entre os entes


da administração direta e indireta. A hierarquia impõe os deveres de fiscalizar, de
obediência às ordens dados pelos superiores, o controle dos órgãos inferiores para
verificar a legalidade de seus atos, podendo anular os ilegais ou revogar aqueles
inoportunos ou inconvenientes.

O poder hierárquico permite, ainda, o exercício das atribuições de delegação a


avocação de competência.

A avocação consiste no fato de o chefe chamar para si, de forma temporária, a


competência que deveria inicialmente ser exercida por agente subalterno.
Delegação é a extensão de atribuições de um órgão a outro de mesma hierarquia
ou de hierarquia inferior, desde que não sejam exclusivas. A delegação é também
conferida de forma temporária. Não é uma transferência, mas uma extensão ou ampliação
de competência, ou seja, o agente delegante não perde a competência delegada. A
delegação sempre será efetivada, ainda, de forma restritiva, isto é, o ato de delegação deve
expressar a competência delegada e indicar o agente que se tornará competente. Não se
admite, dessa forma, ato genérico de delegação.

O Enunciado 510 da Súmula do STF dispõe, por exemplo, que a autoridade


coatora é o agente que praticou o ato, ainda que o tenha feito por delegação. (“Praticado
o ato por autoridade, no exercício de competência delegada, contra ela cabe o mandado
de segurança ou a medida judicial”).

A título de ressalva, convém destacar que a Lei 9784/99 expressamente veda a


delegação de competência (assim como a avocação) nas três situações abaixo descritas:

a) No caso de competência exclusiva, definida em lei;


b) Para decisão de recurso hierárquico;
c) Para edição de atos normativos.

5 Poder de Polícia

Com base na supremacia do interesse público sobre o privado, o Estado detém


prerrogativas ou poderes que possibilitam a interferência ou restrição na seara dos direitos
do cidadão, sempre objetivando a defesa do bem comum da coletividade.

Poder de polícia também pode ser conceituado como “limitação administrativa à


liberdade e propriedade”.

Pode ser conceituado como a atividade administrativa exercida pelos agentes


públicos no sentido de restringir e condicionar a liberdade e a propriedade dos indivíduos
em nome do interesse público. Em prol do princípio da legalidade, o ato praticado em
razão do poder de polícia pressupõe a prévia existência de lei. A jurisprudência entende
que somente será legítima a aplicação de sanções administrativas, decorrentes do
exercício do poder de polícia, se o ato praticado pelo administrado estiver previamente
definido em lei como infração administrativa (STJ, RESP 720.337/AL). Ademais, não se
admite tipificação ou penalização por analogia. (STJ, RMS 21.922/GO).

Em outras palavras, o poder de polícia é, segundo Carvalho Filho, a prerrogativa


de direito público que, calcada na lei, autoriza a Administração Pública a restringir o uso
e o gozo da liberdade e da propriedade particular, em favor do interesse da coletividade
(2012, p. 70).
Legalmente, o poder de polícia está previsto no art. 78 do CTN, entendido como
atividade da Administração Pública que, limitando ou disciplinando direito, interesse ou
liberdade, regula a prática de ato ou abstenção de fato, em razão de interesse público
concernente à segurança, à higiene, à ordem, aos costumes, à disciplina da produção e do
mercado, ao exercício de atividades econômicas dependentes de concessão ou
autorização do Poder Público, à tranquilidade pública ou ao respeito à propriedade e aos
demais direitos individuais e coletivos.

O ato de polícia é editado pela administração pública, com a finalidade de


fiscalização. Possuem a função tanto de prevenir a ocorrência de danos quanto aplicação
repressivamente sanções aos transgressores das normas de polícia. Ex: atos preventivos
de fiscalização (adequação de restaurantes e bares com as determinações impostas pela
vigilância sanitária) e atos repressivos de fiscalização (construção clandestina ou irregular
em logradouro público, sendo que cabe à Administração demolir o bem).

Oportuno salientar, aqui, que o Poder de Polícia, estudado no Direito


Administrativo, não se confunde com a chamada Polícia Judiciária, que visa a repressão
à prática de ilícitos criminais e que tem seu estudo no campo do Direito Penal e Processual
Penal. A polícia judiciária incide sobre pessoas, de forma ostensiva ou investigativa,
punindo infrações às normas penais. O Poder de Polícia Administrativa incide sobre bens
(propriedade) e direitos (liberdade), condicionando esses bens e direitos à busca pelo
interesse da coletividade.

De mais a mais, indaga-se: o Poder de Polícia é discricionário? Para a doutrina


tradicional (Hely Lopes Meirelles), a resposta é afirmativa. Embora seja a
discricionariedade a regra para o exercício do poder de polícia, é certo que há exceções,
isto é, o poder de polícia se manifestar por atos vinculados, como, p.ex., as licenças para
construção. Nesses casos, a lei fixa requisitos objetivos para a concessão de licença e,
uma vez cumpridos os requisitos legais, o particular terá direito subjetivo à concessão do
alvará requerido, sem que o agente público tenha qualquer margem de escolha.

Por sua vez, os atributos do poder de polícia são: a) discricionariedade, como visto
acima; b) autoexecutoriedade, ou seja, a Administração realiza seus atos
independentemente da presença ou autorização do Judiciário. Entretanto, a cobrança de
multa não paga somente pode ocorrer pela via judicial; c) coercibilidade, isto é, torna
obrigatório o ato, devendo este ser obedecido independente da vontade do
administrado/cidadão.

As sanções decorrentes do Poder de Polícia prescrevem em 5 anos, em respeito ao


princípio da segurança jurídica (Lei 9873/99). Inicia-se a contagem prescricional da
prática do ato lesivo pelo particular ou da cessação da conduta continuada que configure
infração de caráter permanente, ressalvadas a situação de o fato objeto da ação punitiva
da Administração também constituir crime, uma vez que, nestes casos, a prescrição reger-
se-á pelo prazo previsto na lei penal.
6 Poder normativo ou regulamentar

O poder normativo consiste naquele conferido à Administração para expedir normas


gerais, ou seja, atos administrativos gerais e abstratos com efeitos erga omnes. Não se
cuida de poder para edição de leis, mas apenas um mecanismo para a edição de normas
complementares à lei (CARVALHO, 2017, p. 125).

Ao poder regulamentar não cabe contraria a lei, sob pena de invalidação. Seu
exercício somente dar-se-á em conformidade com a lei e nos limites desta. O poder
normativo ou regulamentar facilita a compreensão do texto legal, facilitam a execução da
lei, minudenciando seus termos.

O regulamento e o decreto, vale mencionar, são referências ao mesmo ato


normativo. Regulamento é o ato normativo privativo do Chefe do Poder Executivo, sendo
o Decreto a sua forma. Em suma, o regulamento é expedido sob a forma de um decreto.

Os regulamentos são privativos do chefe do Poder Executivo, conforme previsão do


art. 84, IV, da CF/88 (Presidente, Governador e Prefeito).

São espécies de regulamento:

a) Regulamentos executivos: são aqueles editados para a fiel execução da


lei. Visa apenas complementar a lei.
b) Regulamentos autônomos: são regulamentos que atuam substituindo a lei
e têm o condão de inovar o ordenamento jurídico. São substitutos da lei, e não
facilitadores da lei.

A CF/88, em seu art. 84, VI, estabelece a competência do Presidente da


República para, por meio de Decreto, determinar a extinção de função ou cargo público
vago e tratar da organização administrativa, desde que não implique em aumento de
despesas e não haja criação ou extinção de órgãos públicos. Essas são as 2 (duas) únicas
hipóteses de regulamentos ou decretos autônomos no ordenamento jurídico nacional.

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