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A consensualidade no Direito

Administrativo
Acordos regulatórios e contratos administrativos

Alexandre Santos de Aragão

Sumário
1. Abertura à consensualidade. 2. Normas
que “dialogam” com os subsistemas regula-
dos (intersistematicidade). 3. Cautelas neces-
sárias. 4. Editais de licitação e contratos de de-
legação.

“Uno degli aspetti attraverso cui si mani-


festa la crisi del positivismo giuridico è la
crescente consapevolezza dell’emergere di
altre fonti di diritto che minano il monopolio
della produzione giuridica detenuto dalla le-
gge in uma società in rapida trasformazione
e intensamente conflituale, com’è la società
capitalistica nell’atuale fase di sviluppo.”

1. Abertura à consensualidade

A metodologia do Direito a ser exposta


no presente trabalho não implica uma dis-
ponibilidade do interesse público, mas uma
determinação do meio mais apto para al-
cançar os objetivos da lei, meio esse que,
eventualmente, não será a simples aplica-
ção da regra legal1.
Ademais, Santi Romano (1964, p. 341),
distinguindo a disposição em tese da titula-
Alexandre Santos de Aragão é Professor das ridade da competência administrativa da
Pós-graduações em Direito do Estado da Uni- negociação do seu mero exercício em deter-
versidade do Estado do Rio de Janeiro – UERJ e
minado caso concreto, já observava que
em Direito da Administração Pública da Uni-
versidade Federal Fluminense – UFF. Profes- “deve ser excluído que um poder pos-
sor do Mestrado em Regulação e Concorrência sa ser objeto de atos de disposição por
da Universidade Candido Mendes. Procurador parte do seu titular, que não pode
do Estado e Advogado no Rio de Janeiro. modificá-lo substancialmente, aliená-
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lo ou a ele renunciar. Todavia, em al- lização3; no sentido de que, em regra, a ado-
guns casos se pode admitir que pos- ção de uma medida por consenso é mais efi-
sa, mediante ato bilateral ou unilate- ciente que se adotada unilateral e coerciti-
ral, se comprometer a não exercitá-lo vamente, já que tem maiores chances de ser
ou a exercitá-lo de determinada for- efetivada na prática e gera menos riscos de
ma ou dentro de certos limites. Tais externalidades (“efeitos colaterais”) negati-
atos de disposição referir-se-iam, de vas4, “com a conseqüência da transforma-
qualquer maneira, não ao poder em si ção de elementos basais da arquitetura es-
e por si, mas sim ao seu exercício em tabelecida do Direito Administrativo e a
relação a determinadas pessoas com necessidade, portanto, de uma verdadeira
as quais teria se comprometido. Como mudança na sua construção dogmática” (AL-
o poder permanece o mesmo através FONSO, 2003, v. 13, p. 15), que deve passar a
de todos os casos em que é exercitado, incluir os acordos com os administrados en-
esta possibilidade não afeta a sua exis- tre as fontes do Direito Administrativo5.
tência”. Como expõe Francesco Manganaro (2000,
Alejandro Huergo Lora (1998, p. 94-98)2 p. 139-141),
enumera as seguintes razões para a conve- “a escolha entre um ato autoritativo
niência de celebração de acordos pela Ad- ou consensual é feita, no procedimen-
ministração Pública: 1) O aumento do nú- to, de acordo com a possibilidade de
mero de atividades reguladas pelo Estado, se chegar à composição dos interes-
e, conseqüentemente, dos interesses públi- ses em jogo, já que ‘o caráter autorita-
cos e privados envolvidos, aumenta dema- tivo da função se revela útil e necessá-
siadamente a complexidade da qual as suas rio apenas quando se trata, na perse-
decisões devem se revestir, sendo bem mais cução da finalidade pública conexa à
seguro que as tome ponderadamente e em função administrativa que está sendo
consenso com os particulares a serem por exercida, de dobrar estes interesses
elas atingidos. Observa Oscar Aguilar que, pela sua natureza ou pela ma-
Valdez (2002, p. 446) que essa necessidade neira com que são expressos, colocam
é maior ainda em se tratando de regulação um obstáculo à realização do resulta-
de serviços públicos, considerando “o cará- do do qual a função administrativa é
ter triangular da relação jurídico-regulató- instrumental’. (...) A clássica imagem
ria e a conseqüente incidência na zona de de uma Administração que opera por
interesse de vastos setores sociais”; 2) Para formas unilaterais e autoritativas está
as maiores pretensões do Estado em inter- superada, até mesmo porque, por for-
vir na vida social e econômica, os seus atos ça da Constituição, a busca do con-
unilateriais, editados sem que possam des- senso dos cidadãos é um critério de
pertar o “desejo de colaboração” do parti- legitimidade substancial, de justifica-
cular, podem não ser muito eficientes; 3) A ção e guia das decisões administrati-
crise fiscal do Estado faz com que, se, por um vas. Por isso, a Administração consen-
lado, o Estado não tem mais condições de sual é um corolário necessário da tese
participar ativamente da vida econômica do que vê a legitimação da Administra-
país, por outro, não podendo ficar-lhe alheio, ção não mais na lei, mas na satisfação
passa a intervir por meio de fomentos negoci- das necessidades sociais dos cida-
ados com os agentes econômicos privados. dãos. ‘Para que o processo cognitivo e
É nesse sentido que a instrumentaliza- a decisão cheguem o mais próximo
ção do Direito Administrativo Econômico possível do optimum, não devem ser o
às finalidades constitucionais e legais se resultado de uma ação unilateral da
associa com a sua preferencial consensua- Administração, mas resultar de um

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processo dialético, no qual confluam vidade unilateral, com as modulações
os diversos pontos de vista dos sujei- que impõe a referida natureza contra-
tos interessados na decisão’”. tual do ato administrativo consensu-
Sustentando a possibilidade de Agência al”.
reguladora de serviço público, em acordo Em razão dessa aplicabilidade do regi-
com a concessionária, substituir a aplica- me jurídico da atividade administrativa
ção de sanção pecuniária determinada pela unilateral, o autor faz relevante distinção
lei pelo estabelecimento de novas obrigações no sentido de que o âmbito por excelência
de investimento no serviço, medida que se- da consensualização do exercício dos po-
ria mais consentânea com as finalidades deres administrativos é o das competências
legais de universalização do serviço públi- discricionárias, mantendo-se sempre os lin-
co, Floriano de Azevedo Marques Neto des do legítimo exercício da discricionarie-
(2000, p. 355-357) afirma: dade. Quanto às atividades vinculadas,
“a unilateralidade e a exorbitância “a opção em favor da forma convenci-
tradicionais no exercício da autorida- onal alternativa de atuação não con-
de pública (poder extroverso) têm que fere à Administração possibilidades
dar lugar à interlocução, à mediação de ação ou decisão suplementares. A
e à ponderação entre interesses diver- utilização da forma convencional dá
gentes, sem descurar, por óbvio, da lugar a um acordo de e para a execu-
proteção da coletividade contra abu- ção da normativa aplicável, sem pre-
sos dos agentes econômicos. De outro juízo da possibilidade – em função das
lado, a atividade regulatória estatal, características da norma e do caso
neste novo contexto, tem que se pau- concreto – da adoção de soluções
tar pelos interesses que lhe cumpre ‘adaptativas’, com base nas potenci-
tutelar. (...) A finalidade da atividade alidades que possuem certos prin-
regulatória estatal não é a aplicação cípios como o da proporcionalidade.
de sanções e sim a obtenção das me- Em qualquer caso, a determinação dos
tas, pautas e finalidades que o Legis- limites da margem de manobra da
lador elegeu como relevantes alcan- Administração para a ‘flexibilização’
çar. Para atingimento destas finalida- da execução não é factível com cará-
des primaciais pode lançar mão, den- ter geral e em abstrato, mas apenas a
tre outros instrumentos, do poder de partir das normas administrativas
sancionar” 6. pertinentes ao caso” 7. (ALFONSO,
Luciano Parejo Alfonso (2003, p. 40), em 2003, p. 35-36).
brilhante estudo fundamental na matéria, Talvez indo um pouco longe demais,
observa que aparentando crer irrelevante a distinção
“a peculiaridade do ato adminis- entre ato vinculado e discricionário para
trativo consensual está em ser um exer- efeito de admissibilidade dos acordos regu-
cício da atividade administrativa com latórios, e retirando os atos administrativos
relevância jurídica imediata da qual consensuais do âmbito dos poderes unila-
participam terceiros. O objeto do ato é terais da Administração Pública (na verda-
a própria atividade administrativa, tal de refutando genericamente a caracteriza-
como configurada constitucionalmen- ção da Administração como poder de impé-
te, ou seja, consiste justamente na exe- rio), Giorgio Berti (1988, p. 49-65), em sofis-
cução da lei e, portanto, na determi- ticado estudo, afirma que
nação do que seja o Direito no caso. “a Administração Pública não se dis-
(...) A conseqüência disto é a essencial tingue mais por uma subordinação
aplicabilidade aqui do regime da ati- positiva à lei (‘só fazer o que a lei per-

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mite’), mas pela sua capacidade de O agente econômico age por objetivos do
compor a diretiva do legislador polí- subsistema social econômico (mais ou me-
tico com os interesses espirituais e eco- nos lucrativo ou dispendioso), não por di-
nômicos que, justamente para a sua tames do subsistema do Direito (legal – ile-
efetividade, demandam um constan- gal). Para ele o cumprimento ou o descum-
te confronto entre a dimensão social e primento de uma norma jurídica é mais um
a individual”, dos elementos das relações de custo – bene-
o que se dá por meio de uma dupla falsifica- fício com as quais lida na condução dos seus
ção: do poder administrativo unilateral, que negócios. Assim, podem existir atos contrá-
já não tem muitas vezes capacidade real de rios ao Direito que, não apenas sejam eco-
se impor aos particulares, e da liberdade nomicamente admitidos, como às vezes até
contratual dos particulares, há muito per- se imponham. Nesses casos, há uma con-
meabilizada pelos valores constitucionais. tradição entre o que é vedado no subsiste-
ma jurídico e o que é imposto no subsistema
2. Normas que “dialogam” com os econômico.
subsistemas regulados Se, por exemplo, o dirigente de uma em-
presa insiste em pagar os tributos desta no
(intersistematicidade)
prazo legal, quando os juros por inadim-
As relações intersistêmicas são, sob as plemento são muito inferiores aos que obte-
mais diversas denominações, há muito es- ria aplicando o dinheiro do tributo no mer-
tudadas pelo Direito, e a Teoria Autopoiéti- cado financeiro, muito provavelmente sofre-
ca pode, ainda que não acolhida em sua in- rá conseqüências deletérias por parte do
teireza8, fornecer muitas luzes aos desafios subsistema econômico.
regulatórios contemporaneamente enfrenta- Nas palavras de Gunther Teubner (1989,
dos pelo Direito Administrativo, para o que p. 188),
possui, inclusive, o necessário esteio cons- “uma tal visão das coisas é recorrente
titucional, mormente por meio das finalida- na análise econômica do direito onde,
des traçadas pela Constituição para serem como sabemos, as normas jurídicas
perseguidas pelos Poderes Públicos e no são consideradas como puros fatores
Princípio da Eficiência na realização des- de custo e onde a respectiva observân-
ses objetivos (art. 37, caput, CF). cia depende estritamente da circuns-
Na busca da realização dos fins últimos tância de os benefícios retirados da
da lei, o Direito (e, sobretudo, o seu aplica- conduta proibida não excederem os
dor), para ser eficaz, deve buscar compreen- respectivos custos (caso em que a con-
der os códigos do sistema social regulado, duta proibida não apenas é escolhi-
buscando, mediante a permeabilização das da, mas é também tida como a opção
fronteiras dos sistemas jurídico e econômi- correta)”.
co, o acoplamento de suas respectivas lógi- Em outra obra, o mesmo autor10 adverte
cas, a fim de que as finalidades legais não que
sejam realizadas apenas no “Diário Ofici- “não podemos esquecer que as opera-
al”, mas também na realidade prática do ções econômicas podem ficar indife-
setor regulado9. rentes às normas jurídicas. Se a deter-
O Direito dos serviços públicos, incidin- minação jurídica não pode ser execu-
do sobre atividades econômicas lato sensu, não tada senão ao preço da abolição de
poderia se pautar por estratégias que nada um código econômico (o que é pouco
tenham a ver com a lógica econômica (não provável para a economia como um
necessariamente com os interesses econômi- todo, mas muito provável para seto-
cos) dos delegatários de serviços públicos. res particulares), o acoplamento estru-

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tural (entre os dois sistemas) não é jurídico, sobre a inter-relação entre sis-
possível. Neste caso, a economia pra- tema jurídico e sistema econômico,
ticará a desobediência civil, prevale- entre sistema jurídico e sistema políti-
cendo-se dos valores mais elevados de co, entre sistema jurídico e sistema
sua instituição e escapará pelos mer- social em seu conjunto, (...) procuran-
cados negros. (...) Não ignoramos que do o seu objeto, em última instância,
o Ministério Público e a polícia esta- não tanto nas regras do sistema dado,
rão lá! Mas se a proibição se impõe à mas sim na análise das relações e dos
força da baioneta é porque o código valores sociais dos quais se extraem
do poder tomou o lugar do código da as regras dos sistemas. (...) A ciência
economia e a satisfação das necessi- jurídica não é mais uma ilha, mas uma
dades políticas substituiu a satisfação região entre outras de um vasto conti-
das necessidades econômicas. Esta nente”.
situação tem o mérito de revelar as O acoplamento das leis de serviços pú-
vantagens e desvantagens de uma blicos com os setores regulados se dá por
economia esteada no mercado, mas meio de uma série de mecanismos, da aber-
nós podemos, apesar de tudo, nos per- tura semântica de suas disposições à utili-
guntar se é mesmo com os recursos limita- zação de termos e objetivos técnicos e eco-
dos da baioneta que nos interessa tratar nômicos, passando pela remissão de pode-
do tema da regulação jurídica da socieda- res normativos para entidades auto-regula-
de. (...) doras, trazendo para dentro das normas ju-
Um sistema é estruturalmente aco- rídicas a lógica do sistema econômico11.
plado ao seu ambiente (o sistema re-
gulado) quando os eventos que nele 3. Cautelas necessárias
se desenvolvem representam pertur-
bações que servem para melhorar ou Não desconhecemos que as diretrizes
modificar as suas próprias estruturas. propugnadas de instrumentalidade, con-
Se ele domina a distinção entre a auto- sensualidade, intersistematicidade e reticu-
referência e a heterorreferência, ele pode laridade do Direito Administrativo Econô-
utilizar os acoplamentos estruturais para mico geram alguns riscos para a sociedade,
se emancipar do seu ambiente, na medida principalmente em países que, como o nos-
em que ‘ele pode considerar as suas exi- so, têm um triste histórico de cooptação dos
gências como condições de suas próprias poderes estatais pelo poder econômico.
operações, como irritações ou mesmo como Todavia, não há como desconsiderar que
chances’”. as características das leis de serviços públi-
Se os acoplamentos estruturais lograrem ser cos acima analisadas constituem manifes-
duráveis, intensos e institucionalmente de tação do
qualidade, terão cumprido as condições “Princípio da Flexibilidade na orga-
necessárias para a necessária comunicação nização e atuação da administração.
intersistêmica. Sem ele não será possível ao Estado
Devemos atentar que, já na década de atuar eficazmente em um mundo em
setenta, Norberto Bobbio (1977, p. 56) nota- constante mudança, em que os pro-
va a emergência de uma cessos decisivos (mercados financei-
“Teoria Realista do Direito, que volta ros, crime organizado, segurança,
a sua atenção mais à efetividade que meio ambiente) acontecem em fluxos
à validade formal das normas jurídi- globais fora do alcance das ordens
cas, colocando o acento, mais do que diretas do Estado. É necessário pas-
sobre a auto-suficiência do sistema sar de um Estado decretador a um

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Estado negociador, de um Estado con- É sob essa perspectiva que, por exemplo,
trolador a um Estado interventor. As nada impede, ao revés, pode até aconselhar,
unidades de intervenção do Estado de acordo com o juízo de conveniência e
em questões estratégicas devem pare- oportunidade do Poder Concedente, que, ao
cer mais com comandos de interven- invés de impor coercitivamente a realização
ção, como task forces que se formam para de investimentos com os quais a concessio-
um fim determinado e se convertem em nária havia se comprometido no contrato
outro tipo de organização e atividades, de concessão, adote, em consenso com a
conforme as necessidades que surgem. concessionária, um novo plano de investi-
Num mundo de empresas-rede e de mentos, mais adequado à realidade atual.
Estado-rede, a administração também O que, contudo, a afirmada flexibilidade
deve ir assumindo uma estrutura reti- e a instrumentalidade do Direito Adminis-
cular e uma geometria variável em sua trativo Econômico não podem significar é a
atuação”. (CASTELLS, 1999, p. 166). pura e simples liberalidade em favor do con-
Não podemos, com efeito, fechar as por- cessionário sem os conseqüentes benefícios
tas para mecanismos mais eficientes (e às para o Estado e para o serviço púbico dele-
vezes os únicos à disposição12) de atendi- gado.
mento dos interesses públicos por terem a Tanto a possibilidade de não aplicação
chance de ser usados para propósitos me- das sanções como da substituição das obri-
nos nobres. Na verdade, nossa experiência gações por um novo Plano de Investimento
histórica bem o demonstra, qualquer meto- não podem ser descartados tout court. De-
dologia pode ser aproveitada para facilitar vem, todavia, ser admitidos apenas após
desvios de conduta 13. passarem por um cuidadoso crivo à luz do
O que devemos buscar, portanto, é que a Princípio da Manutenção do Equilíbrio Eco-
prevalência dos fins sobre os meios legais nômico-Financeiro das Concessões de Ser-
esteie uma firme metodologia, que, fincada viços Públicos, já que as obrigações originá-
nos Princípios da Eficiência, Moralidade e rias de investimentos não podem ser sim-
Proporcionalidade, minore as possibilida- plesmente olvidadas pela assunção da obri-
des de ser utilizada contra os fins a que se gação de realizar outros investimentos. Nes-
destina e que, ao mesmo tempo, evite que a se exemplo, portanto, deveria ser aferida a
aplicação meramente lógico-subsuntiva das existência de uma razoável relação de equi-
regras jurídicas pela mera invocação da le- valência entre os investimentos inadimpli-
galidade formal, muitas vezes utilizada dos e as sanções que deveriam ser aplica-
como biombo de malversações, contrarie os das, com o valor e a relevância pública dos
objetivos públicos maiores do ordenamento novos investimentos que o concessionário
jurídico14. se propõe a realizar.
A adoção de meio diverso do formalmen- A necessidade de as normas regulado-
te previsto em lei só pode ser levada a cabo ras dos serviços públicos expedidas pela
quando o juízo de que atende melhor aos Administração Pública atenderem na práti-
objetivos legais se encontrar em uma zona ca aos interesses do serviço, tal como pre-
de certeza positiva, ou seja, se estiver fora de vistos na Constituição e na lei que o insti-
dúvidas que o meio não previsto expressa- tuiu, faz com essa relação de adequação
mente em lei atende melhor aos seus objeti- deva estar sempre sendo verificada e aper-
vos. Se houver juízos razoáveis (mesmo que feiçoada. Uma das importantes conseqüên-
não unânimes) de que o meio previsto na lei cias da mudança de abordagem da Teoria
poderia ser igualmente eficiente do ponto de Geral do Direito, que favoreceu a instrumen-
vista do atendimento aos interesses públicos talidade das normas jurídicas, foi a de não
alvejados, ela deverá ser prestigiada15. vincular a eficácia das normas jurídicas

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apenas à sua ausência de contradição for- tucionais ou ilegais em tese. A hipótese que
mal com as normas superiores, privilegian- estamos aventando é apenas de a sua apli-
do também a sua relação com os fatos, de cação, em determinado caso concreto, ser con-
forma que a sua aplicação não acabe, mate- trária aos objetivos legais e constitucionais.
rialmente, por contrariar os objetivos legais Como adverte Lucio Iannotta (2000, p. 51),
e constitucionais daquele determinado ser- “estamos em uma fase da história eco-
viço público. nômica, social, jurídica e humana na
Expondo essas novas possibilidades qual a conservação dos valores tradi-
hermenêuticas, o Ministro Gilmar Ferreira cionais requer uma profunda mudan-
Mendes (1990, p. 88-89, grifo nosso) afirma ça de perspectiva (melhor dizendo, um
que se acréscimo de novas perspectivas em
“admite a caracterização da inconsti- relação àquelas tradicionais) e a pro-
tucionalidade da lei (e, acresceríamos, cura de formas novas, adequadas à
da ilegalidade de regulamento) tendo nova realidade. É exigida uma forte
em vista significativa alteração das dose de criatividade (Marzuoli) e de
relações fáticas. (...) Assim, uma mu- audácia. Audácia e criatividade ne-
dança dessa realidade pode afetar a cessárias para empreender um per-
legitimidade da proposição normati- curso árduo, mas seguramente entu-
va. De resto, parece certo que o juiz siasmante, com a consciência que o
não afere, simplesmente, a constituci- direito – como ciência e como praxis –
onalidade da lei, mas, como enfatiza é um dos mais relevantes fatores de
EHMKE, ‘a relação da lei com o proble- transformação e progresso humano e
ma que lhe é apresentado em face do parâ- social”.
metro constitucional’”.
Suzana de Toledo Barros (2003, p. 80) 4. Editais de licitação e
também afirma contratos de delegação
“ser possível que uma lei contemple,
no momento de sua edição, uma rela- Por derradeiro, uma questão de grande
ção meio – fim adequada e, ao longo importância que se coloca é se haveria pecu-
do tempo, mostre-se discordante do liaridades na conformação do Princípio
programa da lei Fundamental, seja da Legalidade nas relações jurídicas en-
porque os efeitos previstos não ocor- tre particulares e Administração Pública
reram, seja porque se tenham verifica- que não fossem relações ex lege, mas sim
do ulteriores conseqüências jurídicas oriundas do livre acordo do particular.
indesejáveis, o que é muito comum em Poderia esse acordo entre a Administração
se tratando de leis interventivas na Pública e o particular prever obrigações sem
economia”. base legal? 18
É assim que, pelo princípio do trial and Não se trata das obrigações e poderes
error das políticas públicas16, a Administra- contratuais expressa ou implicitamente de-
ção Pública deve estar constantemente ava- terminados ou facultados por lei. O que nos
liando as conseqüências práticas das nor- interessa é aferir a possibilidade de utiliza-
mas jurídicas17; não sendo de se espantar ção do assentimento do particular, especi-
que, em determinada conjuntura, tenha a sua almente do contrato administrativo, como
aplicação afastada e, depois, em um outro fonte originária de obrigações do particular
momento, volte a ser aplicada em razão de, e de poderes da Administração Pública, in-
nessa realidade, ser um meio eficiente de tegrando os editais de licitação e os contra-
realização dos interesses públicos. Não pre- tos de concessão de per se no marco regula-
cisam ser anuladas se não forem inconsti- tório dos serviços públicos 19.

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No Direito Comparado, as posições quan- O nosso entendimento diante da contro-
to à matéria se dividem pela adoção da Es- vérsia é de que não se pode olvidar que as
cola Francesa ou da Escola Germânica. leis não são as únicas fontes de direitos e de
Na primeira, obrigações. O ordenamento jurídico deixa
“Vedel/Delvolvé escrevem que, embo- espaço livre de autonomia para os sujeitos
ra o caráter exorbitante das prerroga- jurídicos estabelecerem voluntariamente
tivas administrativas seja mais evi- vínculos entre si, com obrigações oriundas,
dente quando estas não provêm do não da lei, mas do acordo de vontades.
contrato, muitas delas têm origem Ora, não parece adequado sustentar que
convencional, o que faz com que se- essa faculdade negocial jusgenética deixe
jam exorbitantes pelo seu conteúdo de existir tout court quando uma das partes
mas não pela sua fonte. Também Ri- for o Estado. Em primeiro lugar, como o acor-
vero afirma que as prerrogativas que do pressupõe a adesão voluntária do priva-
a Administração detém quanto ao seu do, não há invasão da esfera jurídica indi-
co-contratante e que não conhecem vidual, que pressuporia lei; e em segundo
equivalente nos contratos privados lugar, em sendo assim, não há razão para
tanto podem decorrer das cláusulas se retirar do Estado o acordo de vontades
do contrato como das regras gerais como um instrumento que, a par da lei, tam-
aplicáveis a todos os contratos admi- bém se presta à realização dos interesses
nistrativos. (...) públicos, caracterizando-se “o contrato de
Já para a maioria dos autores ale- concessão como uma espécie de fonte de legalida-
mães e suíços, a questão da criação de de administrativa inter partes” (VALDEZ,
poderes de autoridade da Adminis- 2002, p. 457, grifo nosso). “O acordo de von-
tração sobre o particular através do tades como criador de regras jurídico-admi-
contrato administrativo tem de resol- nistrativas faz do sujeito ordinário parte ati-
ver-se à luz dos princípios gerais. E va da definição e realização do interesse
como destes resulta que, nas matérias público, cria em primeiro plano verdadei-
que constituem objeto de reserva de ras relações jurídicas – inclusive de longa
lei, o contrato administrativo se encon- duração – baseadas naquelas regras”21 .
tra sujeito à legalidade material e tais (ALFONSO, 2003, p. 15).
matérias incluem toda a administra- O Princípio da Legalidade, mesmo em
ção ablativa, a criação contratual de sua acepção mais rígida, foi elaborado para
poderes de autoridade sobre o parti- assegurar a esfera jurídica dos particulares
cular depende de uma permissão nor- diante de atos imperativos que gerem gra-
mativa expressa. Os poderes dos ór- vames, não para aqueles que beneficiem o
gãos da Administração não se geram particular ou que se “expressassem em con-
através de pactos ou negócios: provêm venções, nas quais o assentimento da outra
diretamente das normas. De outro parte também é idôneo para superar a eficácia do
modo, os contratos constituiriam eles princípio” (GIANNINI, 1993, p. 89, grifo nos-
também uma fonte de competência so), até porque, lembremos, tanto a lei como
auto-outorgada pela Administração o contrato podem ser fontes de direito22.
em conjugação com outro contraente Paulo Otero (2003, p. 522-523), em sua
de natureza privada. Mas nem a Ad- notável, pelo tamanho e pela qualidade,
ministração se pode autodefinir a com- obra sobre o Princípio da Legalidade, alude
petência através de atos concretos nem à “vinculação bilateral” da Administração
os particulares possuem legitimidade Pública, de maneira que
para deferir competências à Adminis- “pela via contratual podem surgir ver-
tração” 20. (CORREIA, 1987, p. 720-722). dadeiras regras gerais reguladoras ou

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disciplinadoras de situações jurídicas Também Eberhard Schmidt-Assmann
presentes ou futuras envolvendo a (2003, p. 327) observa com percuciência que,
Administração Pública (...). A autovin- “quando atua no exercício de um po-
culação bilateral representa, neste der vinculado, a Administração tem
sentido, um processo revelador de que respeitar, ao concluir o contrato,
uma legalidade complementar ou der- todos os parâmetros legais. A Lei dá
rogatória das normas dispositivas in- ao contrato marco e direção. Ela não é
tegrantes do ordenamento vinculati- apenas o limite. Mas também é deter-
vo da Administração Pública, permi- minante da configuração do contrato.
tindo sempre a criação de efeitos jurí- Por outro lado, o limite legal para os
dicos não predeterminados ou deter- atos unilaterais não é necessariamen-
minados em termos não imperativos te o limite dos contratos. Neste último
em anteriores normas jurídicas”. caso, os limites se põem com mais li-
Prosseguindo na argumentação, o autor berdade. Todavia, em alguns casos
demonstra que os contratos e editais, espe- concretos uma reserva de lei instituci-
cialmente de delegação de serviços públi- onal pode exigir que esses limites se-
cos, são capazes de gerar direitos e obriga- jam fixados previamente por lei. Mas
ções não apenas para a Administração Pú- em regra geral a Administração não
blica e o particular co-contratante, como precisa de nenhuma base legal espe-
também para terceiros e usuários, já que cial para celebrar contratos. Rege o
“é precisamente no âmbito da auto- princípio de que a configuração dos
nomia de estipulação que os contra- contratos é apenas dirigida pela lei”.
tos da Administração Pública, regu- É esse justamente o caso das concessões de
lando direta e imediatamente as rela- serviços públicos, em que a Lei não as confi-
ções entre esta e o respectivo co-con- gura previamente de forma integral, muito
tratante, se mostram também passí- pelo contrário, deixando larga margem de
veis de integrar regras definidoras da escolhas a serem efetuadas pelos órgãos
organização, da gestão e utilização de reguladores, cujos poderes têm sede legal
um serviço público, incluindo a pro- ou, no caso das telecomunicações, até mesmo
dução de efeitos face a terceiros, cri- constitucional (art. 21, XI, CF).
ando-lhes direitos através da imposi- Tratando especificamente dos serviços
ção de deveres ao concessionário ou públicos concedidos, contemplando a
gestor do serviço público, falando-se possibilidade sustentada, Marcello Cae-
aqui em contratos que formam a ‘lei tano (1996, p. 243)23 assim já expunha as
do serviço’ ou, em termos mais am- formas pelas quais os regulamentos dos
plos, de ‘acordos convencionais gera- serviços públicos podem ser editados:
dores de efeitos regulamentares’ ou a) As disposições basilares dos regula-
‘contratos de efeitos regulamentares’, mentos são incluídas no ato constitutivo da
traduzindo, em qualquer dos casos, concessão, podendo a todo o tempo ser alte-
vínculos contratuais dotados de evi- radas pelo concedente24;
dente natureza normativa. (...) Em b) O concedente impõe regulamentos
qualquer destas situações, existe um gerais que todos os concessionários daque-
considerável domínio de autonomia le tipo de serviço devem obedecer, ou regu-
de estipulação do conteúdo dos con- lamentos especiais de uma concessão, in-
tratos da Administração Pública que, clusive, muitas vezes, incluindo nos seus
dentro dos limites da lei, se mostra atos constitutivos apenas uma cláusula ge-
passível de integrar o bloco de legali- nérica de imposição ao concessionário do
dade”. (OTERO, 2003, p. 524-525). dever de observar todos os regulamentos

Brasília a. 42 n. 167 jul./set. 2005 301


futuros. Nesse caso estamos diante de uma doutrina italiana) ao exercício de determi-
hipótese bastante comum e intensa25, em que nada atividade, título jurídico esse que de-
o contrato de concessão não é apenas fonte nor- corre da natureza privada da atividade, ou
mativa de obrigações específicas, mas uma fonte seja, do fato de a atividade ser da titularida-
legitimadora de outros atos normativos, que, por de da iniciativa privada, estando apenas o
sua vez, também estabelecerão, futura e uni- seu exercício sujeito a prévia autorização
lateralmente, outras obrigações materiais administrativa.
específicas. O mesmo não pode ser afirmado dos
c) O concedente delega ao concessioná- contratos de delegação de serviços públicos,
rio a iniciativa da elaboração dos regula- já que os particulares não têm qualquer di-
mentos, reservando-se apenas o direito de reito ao desempenho dessas atividades, que
os aprovar antes de entrarem em vigor; e são de titularidade do Estado, que pode até
d) As disposições regulamentares são de mesmo optar por prestá-las diretamente e
tal modo correlacionadas com as cláusulas jamais delegá-las, observado o Princípio da
contratuais que pode ser estipulada a ne- Proporcionalidade. Trata-se, portanto, de
cessidade de acordo das duas partes para a atividade alheia à esfera da iniciativa pri-
aprovação de novos regulamentos sobre a vada, que pode ser prestada por particula-
matéria26. res se o Estado e o particular, livremente,
O que se deve ter muito cuidado é na chegarem a um acordo para tanto. Não se
definição da real voluntariedade da adesão pode dizer que o particular encontrava-se
apta a legitimar a criação contratual de po- em uma relação de condicionamento prévio
deres para a Administração Pública e deve- em relação ao Poder Público, uma vez que
res para o particular, considerando que sequer poderia haver interesse jurídico (eco-
muitas vezes o particular já se encontra an- nômico talvez) do particular em relação a
teriormente condicionado pelo poder esta- prestação de serviço pertencente à esfera
tal, não possuindo muitas outras alternati- público-estatal. Os contratos (de concessão
vas que não a concordância com o poder ou permissão) podem legitimamente criar
público para que possa exercer direitos e/ obrigações não apoiadas em lei, salvo, na-
ou faculdades que são próprias da iniciativa turalmente, na própria lei que qualificou
privada. É o que se dá, por exemplo, com a aquela atividade como serviço público.
autorização para o desempenho de ativida- A mesma assertiva não pode ser feita em
des, que não pode ser considerada, apesar relação aos usuários de serviços públicos,
do assentimento (e na maioria das vezes até que possuem uma relação prévia com o Po-
mesmo do pedido) do particular, título jurídi- der Público quanto aos serviços públicos,
co para, independentemente de lei, criar-lhe uma vez que estes constituem instrumentos
obrigações: as atividades sujeitas à autoriza- fundamentais para a realização dos seus di-
ção administrativa são por definição ativi- reitos fundamentais de dignidade da pessoa
dades privadas, condicionadas a esse pré- humana previstos constitucionalmente. Des-
vio ato administrativo; a voluntariedade do tarte, o acordo do usuário para a fruição de
particular nessa ocasião, portanto, é bastan- determinado serviço público não pode ser
te tênue, já que não possui outra alternativa considerado como uma voluntária adesão
para desempenhar atividade que lhe seja criadora de obrigações independentemente
própria27. de lei. Também nessa hipótese (a exemplo
Em outras palavras, nesses casos o par- dos autorizatários), o acordo do particular
ticular já possui um título jurídico (ainda é a única maneira de aceder àqueles servi-
que na maioria das vezes não chegue a ser ços que dão efetividade a direitos funda-
um direito adquirido, mas sim um interesse mentais preexistentes, de forma que todas
legítimo, na nomenclatura adotada pela as obrigações nele previstas só são legíti-

302 Revista de Informação Legislativa


mas se esteadas (não necessariamente es- a celebração de um novo contrato, e de que
pecificamente previstas) em lei. eventuais novas imposições deveriam ser
O que interessa para aferirmos se exis- feitas, quando admissíveis, de forma geral e
tem ou não condicionamentos jurídicos que abstrata, para todos os concessionários, não
comprometam o caráter voluntário do acor- singularmente apenas para aquele cujo con-
do é a preexistência de algum direito ou in- trato é prorrogado. Malgrado a inquestio-
teresse legítimo que só possa ser exercido nável plausibilidade da tese, parece-nos
mediante aquele acordo. No caso dos servi- que, como quando da prorrogação, nem a
ços públicos, da mesma forma que ninguém Administração Pública nem o concessioná-
tem direito ou interesse legítimo a obrigar rio possuem direito à continuidade da rela-
quem quer que seja a lhe vender algo, tam- ção contratual, a adoção da postura ora co-
bém não tem o particular qualquer posição mentada poderia levar ao impasse de uma
jurídica preexistente em relação aos servi- situação de “tudo ou nada” (ou o contrato é
ços públicos – atividades de titularidade prorrogado em seus exatos termos iniciais
estatal e de exercício também do Estado, sal- ou deve ser extinto), o que, a nosso ver, não
vo se este voluntariamente entender por bem dá o suficiente relevo ao dinamismo ineren-
delegá-lo. Não há, portanto, como o preten- te ao conteúdo das concessões de serviços
dente a uma delegação de serviço público públicos ao longo do tempo e às potenciali-
invocar um suposto condicionamento que dades da atividade consensual da Admi-
comprometa a voluntariedade da sua ade- nistração Pública, que pode, junto com o
são, simplesmente porque naquele momento particular, alcançar por acordo soluções
(antes do assentimento) não possui qualquer intermediárias.
posição jurídica a ser condicionada pelas O que não deve se admitir é que a Admi-
exigências da Administração Pública. nistração Pública dê tratamento diverso aos
Caso polêmico é o dos contratados pela co-contratantes que estejam passando pela
Administração Pública que desejam ver o mesma situação28 ou se porte com má-fé nas
seu contrato prorrogado: por um lado, não negociações, tentando impor condições me-
têm direito à continuidade da relação con- diante verdadeiras chantagens. Não seria,
tratual; por outro, já estão engajados em uma por exemplo, consentâneo com os Princípi-
relação jurídico-contratual com a Adminis- os da Moralidade e da Boa-fé que a Admi-
tração Pública e podem pelo menos exigir, nistração Pública condicionasse a prorro-
por força do Princípio da Motivação, que a gação ao pagamento de valores atrasados a
recusa da prorrogação se dê por razões ex- um contratado29.
plícitas e razoáveis, mesmo crivo que deve Apesar de os delegatários de serviços
incidir sobre as exigências que a Adminis- públicos possuírem liberdade contratual
tração pretenda fazer (ex., diminuindo os para assumirem obrigações originárias
direitos do contratado e criando poderes de perante a Administração Pública, esta
autoridade não constantes do contrato ori- possui, nos termos das advertências de
ginário) para prorrogar o contrato. Celso Antônio Bandeira de Mello (1983, p.
Posição contrária é a expressada por 125-126), alguns limites de negociação, já
Helena de Araújo Lopes Xavier (2003, p. que
125-131), sustentando a impossibilidade de “os princípios da lealdade, da boa-fé,
a prorrogação das concessões de telefonia do equilíbrio nas relações contratuais
fixa comutada – STFC impor aos co-contra- e da proscrição do enriquecimento sem
tantes nova equação econômico-financeira causa – basilares das instituições ju-
e/ou novos condicionamentos, fundamen- rídicas e de saliente aplicação aos con-
tando sua posição no fato de a prorrogação tratos administrativos – embargam a
se voltar para o contrato originário, não para que o contratante governamental se

Brasília a. 42 n. 167 jul./set. 2005 303


prevaleça de circunstâncias favorá- imposição unilateral e autoritária de decisões para
veis ou da debilidade da posição da valorizar a participação dos administrados quanto
à formação da conduta administrativa. A Admi-
contraparte. (...) O que se quer frisar é nistração passa a assumir o papel de mediação
que o Poder Público não atua de acor- para dirimir e compor conflitos de interesses entre
do com o direito, mas viola-o, quando várias partes ou entre estas e a Administração. Disto
procura submergir direitos alheios ou decorre uma nova maneira de agir focada sobre o
quando compõe expedientes que lhe ato como atividade aberta à colaboração dos indi-
víduos” (GROTTI, 2003, p. 648). Para uma abor-
propicia amesquinhá-los fundado na dagem da consensualização mais ampla, abran-
errônea suposição de que estão des- gendo a formação das próprias fontes do Direito
sarte defendendo o ‘interesse públi- (leis negociadas, etc.), com fortes reflexos na her-
co’. Não há interesse público contra a menêutica jurídica, ver Lipari (1988, p. 395-410).
lei”.
4
Vê-se, assim, que muitas vezes a solução con-
sensual será a que satisfará o Princípio da Propor-
cionalidade, já que poderá constituir o meio mais
adequado e menos oneroso para o particular. Vi-
cenzo Cerulli Irelli (2000, p. 40) assevera, nessa sen-
Notas
da, que “se pode sem dúvida afirmar que quando
1
Quanto às resistências que a consensualidade esta alternativa existir concretamente, no plano téc-
administrativa sofre de uma visão mística e uni- nico, e não existam outras razões que tornem ne-
versalista do interesse público, calcado na idéia de cessária a utilização do poder de autoridade, o ins-
soberania, e, portanto, determinado unilateralmen- trumento negocial ou, de toda maneira, a via do
te, superiormente a todos os demais interesses so- consenso, deve ser sempre preferida”.
ciais de forma neutral, ver Gaudin (1999, p. 55-65). 5
Expressamente nesse sentido, já que, entre
Para uma visão renovada do interesse público, como outros fatores, “há sempre um momento de gene-
imposição da realização dos direitos fundamen- ralidade nestas composições, que se projetam para
tais das pessoas, realização em face da qual a legi- o futuro pelo menos como pressupostos de outras
timidade dos acordos celebrados pela Administra- posteriores composições” (BERTI, 1988, p. 63-65).
ção deve ser aferida, ver Federico (1999, p. 32-48). Para uma abordagem da questão na Teoria Geral
No mesmo sentido, mas com base na Teoria Geral dos Contratos, ver Gomes (1967, p. 70-71).
do Contrato Administrativo, em que a Adminis-
6
Advertiríamos apenas que, caso os investi-
tração, consensualmente com particulares, busca a mentos nos quais a multa fosse sub-rogada geras-
realização do interesse público, Fracchia (1998, p. sem receitas à concessionária (multas não geram
43 et seq.) e Maviglia (2002, p. 32 et seq.). receita), os seus resultados deveriam de alguma
2
Paulo Otero (2003, p. 836-837) fundamenta forma integrar o cálculo do equilíbrio ou desequilí-
constitucionalmente essas possibilidades de con- brio da equação econômico-financeira.
sensualização da atividade administrativa por cons-
7
Também admitindo a consensualização em
tituírem um aprofundamento da democracia par- relação ao exercício de competências administrati-
ticipativa, por revelarem a coexistência entre os se- vas vinculadas, até porque muitas vezes o exercí-
tores público e privado e por elevarem o particular cio da discricionariedade pressupõe apenas uma
de objeto a parceiro da ação administrativa, de decisão e que a necessidade de flexibilização para
maneira que a opção pela celebração de contratos evitar conflitos existe em ambos os casos, Lora
administrativos substitutivos da emanação de atos (1998, p. 344-348). Contra, entendendo que, se não
administrativos flexibiliza a legalidade das formas há margem de avaliação, não há margem de nego-
de exercício da atividade administrativa, habilitan- ciação, Piqueras (1995, p. 172).
do a abdicação do exercício unilateral da compe-
8
Para uma crítica da aplicação dessa Teoria
tência decisória da Administração Pública. em países do Terceiro Mundo, crítica que talvez
3
“O momento consenso-negociação entre po- peque por supervalorizar a função da Teoria do
der público e particulares, mesmo informal, ganha Direito como Sistema Autopoiético, que a nosso
relevo no processo de identificação e definição de ver é apenas um dos instrumentos que podem ser
interesses públicos e privados, tutelados pela Ad- colocados a serviço das mais variadas estratégias
ministração. O estabelecimento dos primeiros dei- constitucionais, ver Streck (2003, p. 127-133).
xa de ser monopólio do Estado, para prolongar-se 9
Nas palavras de Niklas Luhmann ([199-?], p.
num espaço público não estatal, acarretando com 41), “o sistema jurídico é um sistema normativa-
isso uma expansão dos chamados entes intermedi- mente fechado, mas cognitivamente aberto”. Co-
ários. Há um refluxo na imperatividade, e uma mentando a Teoria de Luhmann, Celso Fernandes
ascensão da consensualidade; há uma redução da Campilongo (2002, p. 67) afirma que “fechamento

304 Revista de Informação Legislativa


operacional não é sinônimo de irrelevância do am- incluídos a lei, as normas de organização, os atos
biente ou de isolamento causal. Por isso, parado- administrativos, com a finalidade de eventualmen-
xalmente, o fechamento operativo de um sistema é te, se necessário, se proceder à sua modificação,
condição para sua própria abertura”. integração, substituição, etc.” (IANNOTTA, 2000,
10
Cf. TEUBNER, 1996, p. 157-159. p. 39).
11
Francesco Manganaro (2000, p. 25), trazendo 16
“O princípio da retroação na gestão permite asse-
as lições de J. Chevallier, alerta para o fato de que gurar os efeitos de aprendizagem e correção de erros, que
“a transformação dos preceitos técnico-gerenciais é necessária em toda organização no novo sistema de
em princípios jurídicos é ambivalente, uma vez que, adaptação constante ao redor da organização. Isso impli-
se de um lado adquirem força obrigatória, típica ca uma grande flexibilidade das regras administrativas e
da norma jurídica, por outro, até porque cristaliza- a autonomia dos administradores para modificar suas
ram-se em normas jurídicas, perdem a sua flexibi- próprias regras, em razão de seus resultados e de sua
lidade e adaptabilidade às novas exigências. Con- própria avaliação” (CASTELLS, 1999, p. 168, grifos
frontam-se duas diferentes axiologias, aquela jurí- nossos). Marco Falcão Critsinelis (2003, p. 56) afir-
dica, voltada à regularidade e previsibilidade da ma que “nem sempre a implementação se distin-
ação, e aquela técnico-gerencial, caracterizada pela gue do próprio processo de formulação, e, em mui-
rapidez decisória e modificabilidade da conduta”. tos casos, aquela acaba sendo algo como a formula-
12
“Está evidenciada em toda a sua plasticida- ção em processo. Isso tem conseqüências. Entre ou-
de a existência de poderes econômicos fortes, capa- tras, os próprios objetivos das políticas e os proble-
zes de limitar o funcionamento do circuito da de- mas envolvidos não são conhecidos antecipadamen-
mocracia política, colocando junto a esta uma di- te em sua totalidade. Ao contrário, vão aparecendo
mensão econômica do poder, dificilmente recondu- à medida que o processo avança”.
zível ao princípio democrático”. (COCOZZA, 1999, 17
“Falamos de avaliações e de efeitos jurídicos,
p. 170). mas importantes estudos aprofundaram a ques-
13
Contra a má-fé e a desonestidade humana tão das conseqüências sócio-econômicas das deci-
temos mais remédios políticos e morais do que ju- sões dos poderes públicos, inclusive aquelas dos
rídicos. tribunais. Penso, por um lado, na abordagem fun-
14
Imaginemos, por exemplo, que a lei determi- cionalística de Niklas Luhmannn, (...) e, por outro,
ne a concessão de subsídios às empresas que se na Escola de Law and Economics, que, em substân-
encontrarem em determinada situação. A empresa cia, se centra sobre a proposta de submeter toda
X se enquadra nos requisitos legais, mas, nos ou- decisão pública a critérios de avaliação das suas
tros recentes subsídios que recebera, fora sanciona- conseqüências jurídicas” (PINELLI, 2000, p. 308).
da por distribuir o dinheiro como lucro dos sócios. 18
“Todas as vezes que as regras jurídicas alu-
Supondo que a lei não preveja esse impeditivo para dem a suportes fáticos, em que a vontade seja um
a concessão do subsídio, uma mera legalidade for- dos elementos, admitem elas que esses suportes
mal e a subsunção do caso à hipótese legal impori- fáticos se componham ou não se componham. Di-
am ao Estado mais uma vez conceder o subsídio, zem, também, até onde se pode querer. Portanto,
que muito provavelmente não seria utilizado para supõe-se que alguém queira ou não-queira. O auto-
os fins a que se destina. O que pretendemos mos- regramento, a chamada ‘autonomia da vontade’,
trar com o exemplo é que nem sempre a legalidade não é mais do que isso. A vida social tece-se com
formal, que abstrai as finalidades últimas da lei, interesses, em relações inter-humanas, que neces-
assegura a moralidade pública; que, ao revés, mui- sariamente ultrapassam e ficam aquém da esfera
tas vezes ela pode ser invocada, contra a aplicação jurídica, isto é, da zona colorida em que a) os fatos
principiológica da lei, justamente para gerar as van- se fazem jurídicos, b) relações nascidas independen-
tagens indevidas. temente do direito se tornam jurídicas, e c) relações
15
“Seja a obrigação de alcance dos resultados jurídicas, nascidas, portanto, no direito, se estabele-
(acompanhada do bom uso dos recursos, da rapi- cem. Vive-se em ambiente de contínua iniciativa
dez e da transparência), seja o respeito e valoriza- particular, privada, ou em movimentos grupais, de
ção dos direitos fundamentais, parecem concorrer multidão ou de massa. Os sistemas jurídicos apenas
em exigir dos sujeitos públicos (e também dos pri- põem no seu mundo, dito mundo jurídico, parte
vados, ainda que por razões diversas) uma atitude dessa atividade humana. Ainda assim, não a pren-
de autocontrole, autoverificação, autocorreção e de dem de todo e deixam campo de ação, em que a
reexame voltada a evitar conseqüências anti-eco- relevância jurídica não implique disciplinação rígida
nômicas e prejudiciais para si e para outros, às da vida em comum. Já aqui se pode caracterizar o
vezes de forma irreversível. (...) Implica a adoção que se passa, em verdade, com os atos humanos
de mecanismos de verificação que coloquem em interiores ao campo de atividade, a que se chama
discussão, com perspectiva ex post, todos os pres- auto-regramento da vontade, ‘autonomia privada’,
supostos da atuação da Administração Pública, aí ou ‘autonomia da vontade’: é o espaço deixado às

Brasília a. 42 n. 167 jul./set. 2005 305


vontades, sem se repelirem do jurídico tais vonta- 20
Na doutrina brasileira, sustentando a ver-
des. Enquanto, a respeito de outras matérias, o es- tente alemã e suíça a respeito da matéria, Fer-
paço deixado à vontade fica por fora do direito, sem nando Vernalha Guimarães (2003, p. 251), como
relevância para o direito; aqui, o espaço que se dei- conseqüência da adoção pelo autor da visão
xa à vontade é relevante para o direito. É interior, mais tradicional de legalidade – como necessi-
portanto, às linhas traçadas pelas regras jurídicas dade de a lei fornecer à Administração Pública
cogentes, como espaço em branco cercado pelas todos os elementos necessários para que proceda a
regras que o limitam” (MIRANDA, 1954, p. 54- uma mera operação subsuntiva lógico-formal –, afir-
55). ma que “a única fonte regulamentar de competência
19
A questão também pode ser tratada sob o para o exercício de modificações unilaterais contra-
ponto de vista da Teoria das Relações de Sujeição tuais no Direito Brasileiro é a lei. O plano contratual
Especial, já versada por nós em outras oportunida- – ao contrário do que se passa em outros países –
des (ARAGÃO, 2003, p. 139-143). “As chamadas não tem o condão de atribuir competência dessa
relações de sujeição especial não são um âmbito ordem. O contrato não funciona como fonte, ori-
em que os sujeitos ficam despojados dos seus di- ginária ou suplementar, de competência regula-
reitos fundamentais ou em que a Administração mentar, mas tão-somente como forma de apli-
possa ditar normas sem habilitação legal prévia. cação dos imperativos estatuídos no ordena-
Estas relações não se dão à margem do direito, mas mento legal exigíveis à situação regulada, desde
dentro dele e portanto também nelas têm vigência um prisma de conformação (subsunção). Não
os direitos fundamentais, de forma que a Adminis- há qualquer discricionariedade ou autonomia
tração não goza nestas relações de sujeição especi- contratual na tarefa criativa de concepção de
al de um poder normativo carente de habilitação poderes do poder político sobre o co-contratan-
legal, ainda que esta possa ser outorgada em ter- te; não é válido que a Administração se valha de
mos que não seriam aceitáveis em relações de sujei- prerrogativas sobre o co-contratante fundadas
ção geral” (EL PRINCIPIO NON BIS IN IDEM Y no plano meramente contratual. É mister – por for-
SU APLICACIÓN A LAS RELACIONES DE SU- ça da configuração própria da legalidade adminis-
JECIÓN ESPECIAL DE LA POLICIA GUBERNA- trativa em nosso sistema constitucional – que os
TIVA, 1991). Também Germán Valencia Mattín poderes lançados sobre o co-contratante na execu-
(2000, p. 152) denota que “a existência de uma ção do contrato estejam positivamente orientados
relação de sujeição especial se traduz na possibili- pelo ordenamento jurídico”.
dade de se sofrer algumas limitações na liberdade 21
María Mercedes Maldonado Copello (2001,
ou na existência de uns deveres particulares que p. 329) vê, sobretudo nas concessões latino-ame-
não têm os cidadãos em sua vida ordinária, o que ricanas de serviços públicos a partir da década
terá conseqüências nos conteúdos dos tipos sancio- de oitenta, “o contrato como o mecanismo por
nadores, mas sem que exista razão alguma para excelência de regulação”.
que a normatização sancionadora não possa (e 22
Nesse sentido é relevante inclusive notar que
acresceríamos, não deva) alcançar um nível aceitá- doutrina autorizada conceitua as concessões de
vel de previsibilidade”. Essencial para uma análise serviços públicos como “atos-condição, ou melhor,
das atuais feições que a Teoria das Relações de como acordos-condição, cujo efeito não é o de criar
Sujeição Especial pode, reformuladamente, possuir uma regulamentação, mas de desencadear a apli-
nos Estados Democráticos de Direito é o lapidar cação de um documento estabelecido unilateral-
estudo de Moncada (2001, p. 223-249), em que o mente e que o Conselho de Estado considera como
autor afirma que as relações de sujeição especial um regulamento” (Cf. LAUBADÈRE; MODERNE;
são admissíveis, desde que enfocadas como ”esta- DEVOLVÉ, 1983, p. 106). Ou seja, o contrato de
tutos especiais” e que não prescindam da lei, po- concessão tem a capacidade de colocar o privado
dendo esta, contudo, possuir densidade normativa que a ele adere sob um estatuto, não apenas legal,
bastante baixa (“relativa indeterminabilidade”). O como regulamentar.
Tribunal Federal da 3a Região (Agravo de Instru- 23
Marçal Justen Filho (1997, p. 48-49) atesta “a
mento no 2001.03.00.012550-9 AG 129949, Rel. possibilidade de adesão do particular à manifesta-
Mairan Maia) admitiu esta referida menor densi- ção estatal. O particular é livre para concordar com
dade normativa das leis que regem as relações de atos que, em princípio, caracterizariam desvio de
sujeição especial de particulares ao Estado, tratan- finalidade, desde que não se trate de direitos públi-
do-se, no caso concreto, das empresas de plano de cos subjetivos tutelados pelo ordenamento (por
saúde autorizadas pela Agência Nacional de Saú- exemplo, não poderia o contrato administrativo criar
de Suplementar – ANS (Cf. Revista de Direito Pú- a obrigação de o contratado não recorrer). Como os
blico da Economia, v. 1, p. 283-305, em que o acór- interesses que o particular titulariza são, em princí-
dão foi proficuamente comentado por Rafael Mu- pio, disponíveis, cabe-lhe privativamente deliberar
nhoz de Mello). sobre as suas escolhas”.

306 Revista de Informação Legislativa


24
Ao autor excepciona as “normas regulamen- 29
“Sabe-se que o princípio da boa-fé deve ser
tares que apareçam como motivo determinante da atendido também pela administração pública, e até
aceitação de determinadas obrigações pelo conces- com mais razão por ela, e o seu comportamento
sionário” (CAETANO, 1996, p. 242), caso em que nas relações com os cidadãos pode ser controlado
a sua alteração necessitará do seu assentimento. pela teoria dos atos próprios, que não lhe permite
Data venia não anuímos com essa posição, a não ser voltar sobre os próprios passos depois de estabele-
nos casos em que a recomposição da equação eco- cer relações em cuja seriedade os cidadãos confia-
nômico-financeira não seja possível. Fora essa hi- ram”, Recurso Especial no 141.879-SP, j. 17/03/
pótese, a alteração da norma regulamentar pode 1998, v.u., rel. Min. Ruy Rosado de Aguiar. Encon-
ser feita, desde que recomponha o equilíbrio econô- tra-se assim ementado o referido julgado: “Lotea-
mico-financeiro e que, naturalmente, não desnatu- mento. Município. Pretensão de anulação do con-
re o contrato original. trato. Boa-fé. Atos próprios. Tendo o Município
25
Por exemplo, os contratos de concessão de celebrado contrato de promessa de compra e venda
serviços de telecomunicações, à disposição no sítio de lote localizado em imóvel de sua propriedade,
www.anatel.gov.br, que a todo o momento dispõem descabe o pedido de anulação dos atos, se possível
que o concessionário deverá observar as normas a regularização do loteamento que ele mesmo está
que vierem a ser editadas pela Agência Reguladora promovendo. Art. 40 da Lei no 6.766/79. A teoria
em relação a este ou aquele ponto. dos atos próprios impede que a administração
26
Nesses casos devemos estar atentos para que pública retorne sobre os próprios passos, prejudi-
a previsão não chegue a representar uma demissão cando os terceiros que confiaram na regularidade
do Poder Público de seus poderes constitucionais do seu procedimento”.
de jus variandi, inerentes à natureza dos serviços
públicos e do próprio contrato de concessão, res-
peitado o equilíbrio da equação econômico-finan-
ceira. Referências
27
Há, contudo, opiniões em sentido diverso,
sustentando a possibilidade de as autorizações ALFONSO, Luciano Parejo. Los actos administra-
administrativas criarem relações de sujeição espe- tivos consensuales. Revista de Direito Administrativo
cial: “A consideração da vontade dos particulares e Constitucional A & C, Belo Horizonte, v. 13, 2003.
como habilitadora de potestades administrativas
foi formulada pelos tratadistas da evolução con- ARAGÃO, Alexandre Santos de. As agências regula-
ceitual sofrida por uma das instituições chaves do doras e a evolução do direito administrativo econômico.
Direito Administrativo: a autorização. Assim, Fran- 2. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2003. p. 139-143.
chini dizia que ‘parece claro que o particular, atra- BARROS, Suzana de Toledo. O princípio da propor-
vés do ato de autorização, vem a renunciar, a fim cionalidade e o controle de constitucionalidade das leis
de ver removida a proibição... a uma parte de sua restritivas de direitos fundamentais. 3. ed. Brasília:
liberdade. Este ato de submissão voluntária, em Brasília Jurídica, 2003.
geral, resulta implicitamente contido na própria
solicitação de autorização’. Em termos muito se- BERTI, Giorgio. II principio contrattuale. In:
melhantes, Manzanedo escrevia que ‘a solicitação ______. Scritti in honore di Massimo Severo Gian-
de autorização tem a ela implícito o consentimento nini. Milano: Giuffrè, 1988. p. 63-65. v. 2.
do interessado a esta submissão especial, que é,
BOBBIO, Norberto. Dalla strutura alla funzione:
definitivamente, o preço que paga para consegui-
nuovi studi di teoria del diritto. Milano: Edizio-
la. (...) Não se trata de uma espécie de negociação
ni di Comunità, 1977.
entre entidades de crédito (empresas em geral) e a
Administração, pela qual as primeiras cederiam BORDA, Alejandro. La teoría de los actos próprios. 3.
parte da sua liberdade de empresa. Do que há de se ed. Buenos Aires: Abeledo-Perrot, 2000.
falar propriamente é da configuração do conteúdo
de tais direitos individuais pela atuação de pode- CAETANO, Marcello. Princípios fundamentais de di-
res administrativos suficientemente habilitados em reito administrativo. Coimbra: Abeledo-Perrot, 1996.
normas legais, cuja razão última é a garantia do CAMPILONGO, Celso Fernandes. Política, sistema
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A Administração Pública pode, inclusive, vin- CASTELLS, Manuel. Para o Estado-rede: globali-
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