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INFRAESTRUTURA

A Lei de Relicitação estimula a irresponsabilidade


estatal
Em um regime que aspira à segurança jurídica, não pode haver desequilíbrio entre contratantes

PEDRO DUTRA

05/08/2019 15:37

Crédito: Pixabay

Entre os reiterados anúncios de novas concessões, vê-se o Governo Federal


buscando retomar os contratos de concessão de rodovias que não foram
executados.

Dois fatores influentes, e relacionados, surgem nesse contexto. O embate


institucional entre órgãos de controle de jurisdição ampliada, órgãos da
Administração Direta, aos quais o serviço concedido está ligado, e órgãos
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reguladores setoriais tentando exercer a sua função.

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E, o outro fator, a degradação do instituto da concessão, hoje recipiente de


toda sorte de influência e experimentos, (sobretudo estrangeiros) nele
impactados em confronto com a experiência jurídica brasileira.

Nesse quadro inédito da história da Administração Pública do país, em lugar


de, antes, ser feito um estudo, divulgado à sociedade, sobre as causas do
problema que ora se quer vencer por meio de uma norma extrema, e sobre a
atuação dos diferentes órgãos que intervieram, ou se omitiram, no curso da
execução dos contratos, recorre-se ao hábito primário de nossa cultura
política: edita-se nova lei salvadora.

A Lei de Relicitação, nº 13.448/2017, além da linguagem pouco técnica


(contrato vira parceria), indefinida (órgão ou entidade competente),
contraditória (acordo entre as partes, mas a ser feito nos termos impostos
unilateralmente pelo Poder Executivo), a acrescer a insegurança jurídica, traz
prescrições altamente questionáveis.

Por exemplo. A lei prevê a adesão, irrevogável e irretratável, pelo


concessionário, à relicitação, devendo em sequência o concessionário
aceitar a extinção amigável do contrato que firmou; firmada esta “extinção
amigável”, as indenizações devidas ao concessionário pelo Poder
Concedente não serão pagas por este, mas pelo eventual vencedor do
processo de relicitação[1], que virá a ser contratado.

Qualquer leitor desse texto legal perceberá o estímulo à irresponsabilidade


estatal – seus débitos serão pagos por agentes privados – e, mais grave, a
lei fere uma regra milenar dos contratos, privados e públicos: o equilíbrio que
deve existir, e ser preservado, entre as partes contratantes.

Em um regime que aspira à segurança jurídica, não pode haver desequilíbrio


entre contratantes, muito menos desequilíbrio prescrito em lei.

Uma das formas de se assegurar a continuidade dos serviços concedidos,


um dever do Poder Concedente fixado na Constituição, seria o órgão
regulador do setor promover uma ampla e pública discussão sobre os
valores envolvidos, reclamados pelos concessionários e pelo Poder
Concedente. Os valores incontroversos poderiam ser liquidados de imediato,
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e os valores controversos deixados à decisão do Judiciário ou do juízo
arbitral, assegurada a devolução da rodovia ao Poder Concedente para este
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promover a relicitação.

Regras mal importadas, estranhas ao regime da concessão, e, sobretudo,


draconianas, estimularão a ida ao Judiciário frustrando o propósito do
governo.

Cabe a advertência de San Tiago Dantas: a edição de normas é um


processo que se desdobra no tempo, colhendo e incorporando diferentes
experiências sociais e econômicas, sem a avulsão de valores afirmados.
Esses valores jurídicos, afirmados há mais de dois séculos de experiência
de concessão de serviços públicos no Brasil, estão a indicar, para superar o
impasse existente, uma saída negociada – equilibrada, e não imposta.

[1]Art. 15. § 1º Também poderão constar do termo aditivo de que trata o

caput deste artigo e do futuro contrato de parceria a ser celebrado pelo


órgão ou pela entidade competente: I – a previsão de que as indenizações
apuradas nos termos do inciso VII do § 1º do art. 17 desta Lei serão pagas
pelo novo contratado, nos termos e limites previstos no edital da relicitação;

PEDRO DUTRA – Advogado

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