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Causas de justificação
I. ESTADO DE NECESSIDADE JUSTIFICANTE
Certas condutas, quando praticadas num contexto de necessidade, não serão ilícitas – a ação
típica é realizada num contexto muito próprio de uma situação de necessidade: o agente atua
não de forma gratuita, mas por se encontrar numa situação difícil e fora do normal.
→ Exemplo: alguém sofre um acidente de aviação, está sem telemóvel e ferido, ao avistar uma casa
que parecia abandonada, arromba-a para procurar um telefone – há um facto típico de violação de
domicílio (art.190ºCP)
• A ameaça tem de ser sempre atual: o bem jurídico a salvaguardar tem de se encontrar
objetivamente em perigo, porque só então se pode justificar que um dever de suportar a
ação típica recaia sobre o atingido pela intervenção.
→ O perigo, para este efeito, deverá considerar-se atual mesmo quando não é ainda
iminente, mas o protelamento do facto representaria uma potenciação do perigo:
naqueles casos em que o perigo não se vai concretizar já de seguida, mas a sua
remoção no futuro poderá ser mais perigosa do que se tentando excluir já, por isso,
deve-se atuar já.
→ Perigos duradouros: há uma ameaça que se mantém no tempo, mas ainda não se sabe
quando se vai materializar.
o Exemplo: quando existe um edifício em perigo de desmoronamento, sem que se
possa determinar se e quando tal ocorrerá.
• A situação não pode ter sido criada voluntariamente pelo agente [alínea a)]: aqui deve
considerar-se que o afastamento da justificação só ocorre se a situação foi
intencionalmente provada pelo agente, isto é, se ele premeditamente criou a situação para
poder livrar-se dela à custa da lesão de bens jurídicos alheios, ou seja, não basta a
consciência, tem de haver intenção.
o Exemplo1: Se B, em estado de embriaguez, corta a sua própria orelha e não tem ninguém que
o leve ao posto médico, deverá abster-se de conduzir um veículo até ao hospital – art.292ºCP.
o Exemplo2: se A se lança numa corrida de esqui, mesmo depois de avertido dos perigos em que
incorre, deve o direito impedir que, mesmo tendo-se ferida numa queda, entre numa cabana
alheia sem autorização para solicitar socorro por telefone – art.190ºCP.
→ A própria provocação intencional do perigo não deverá servir para negar a justificação
por estado de necessidade quando se trata de proteger interesses de terceiro: seria
inadmissível que da provocação do agente pudesse resultar uma lesão não justificada
do terceiro posto em perigo.
o Exemplo: se A criou intencionalmente um perigo de incêndio na casa de habitação de
A e posteriormente se arrepende, pode louvar-se do estado de necessidade se entra
sem autorização na casa de C para chamar os bombeiros.
→ Figueiredo Dias diz que não há necessidade de autonomizar esta categoria porque o
estado de necessidade defensivo participa do fundamento do estado de necessidade
justificante: o de conferir prevalência, numa situação complexa de conflito de bens
interesses, ao interesse que, numa consideração global da situação concreta, deva
representar-se como o de maior valor. Sem prejuízo de se admitir, em princípio, a
distinção conceitual entre estado de necessidade interventivo e defensivo, não parece
impossível ou inadequado submeter ambas as figuras à regulamentação contida no
art.34º, fazendo, assim, do estado de necessidade defensivo apenas um aspeto mais
❖ Fundamento de autonomia
Remetendo esta figura pura e simplesmente para o direito de necessidade teríamos que a
justificação só teria lugar se o dever cumprido fosse de valor sensivelmente superior àquele
que se infringe. Deste modo, seria ilícito o facto de o pai salvar apenas um dos seus dois filhos
em risco de afogamento, porque este salvamento tornou impossível salvar também o outro.
A única solução materialmente justa é considerar justificado o facto correspondente ao
cumprimento de um dos deveres em colisão, mesmo à custa de deixar o outro incumprido,
supondo que o valor do dever cumprido seja pelo menos igual ao daquele que se sacrifica.
❖ Regime
• No conflito de deveres, contrariamente do que sucede no conflito de bens, o agente não é
livre de se imiscuir ou não do conflito. Mesmo perante deveres iguais, ele deve pelo menos
cumprir um deles, sob pena de o seu comportamento ser ilícito. Se, com isto, ele torna
impossível o cumprimento do outro dever, em todo o caso o seu comportamento, porque
correspondente a uma imposição jurídica não pode ser ilícita. No caso do pai, se não conseguir
salvar nenhum dos 2, mas tiver tentado salvar um deles, a conduta será justificada.
• Também no conflito de deveres o resultado da ponderação não deve resultar simplesmente
da hierarquia dos bens jurídicos em colisão, mas da ponderação concreta dos interesses em
conflito no quadro da situação global.
o Exemplo: se uma corporação de bombeiros é chamada simultaneamente para apagar
2 incêndios, deve dar preferência ao que se revele de maiores proporções, ou
contenha maiores perigos para as pessoas, ou ameace bens patrimoniais de maior
valor.
❖ Fundamento: reside numa presunção, não do interesse do lesado, mas da direção da sua
vontade: seria uma equiparação a um consentimento real de um facto no qual o lesado teria
presumivelmente consentido se tivesse conhecido a situação (art.39º/1). Neste sentido, a
autodeterminação do lesado não é ofendida quando o agente, numa consideração objetiva e ex
ante, pratica solidariamente o facto numa situação em que uma decisão não pode ser retardada.
O tipo de culpa
I.QUESTÕES BÁSICAS DA DOUTRINA DA CULPA
O princípio da culpa constitui uma máxima fundamental de todo o direito penal, tendo
natureza jurídico-constitucional (arts.1º e 2ºCRP). A prática pelo agente de um facto ilícito-típico
não basta em caso algum para que se possa aplicar a pena – a aplicação da pena supõe sempre
que aquele facto tenha sido praticado com culpa (art.40º/2).
Nesta sua configuração, é compreendida abrangendo 2 dimensões:
• A responsabilidade penal terá de ser uma responsabilidade própria: o facto deve
representar uma obra pessoal do agente, algo dominado por si, seja a título de dolo,
seja de negligência. Por conseguinte, proíbe-se a responsabilidade por facto de
outrem. O art.30ºCRP estabelece o princípio da personalidade da responsabilidade
penal, proibindo a transmissibilidade de penas – esta ideia de que a pessoa só deve
ser punida por facto pessoal é uma ideia que diz respeito à dignidade da pessoa – é
um direito absoluto que não admite transações.
• Quanto à sua natureza subjetiva, proíbe-se uma responsabilidade puramente objetiva,
pela simples causação de dano. Se isto fosse permitido, haveria o risco de as pessoas
serem punidas pelo acaso, pelo que apenas se permite a responsabilidade subjetiva
por dolo ou negligência.
O art.40ºCP prevê que a medida da pena não pode ser superior à medida da culpa, pelo que a
culpa pode ter diferentes medidas – a censura dirigida a A pode ser diferente da censura dirigida
a B. Isto leva a uma diferenciação entre factos dolosos, factos negligentes e respetivas culpas –
são fatores importantes para a graduação da culpa.
2. TEORIA DA CULPA LIMITADA: defende que a punição do agente a título de dolo sempre
atue com culpa não deve ter lugar sempre que, apesar de ter atuado com conhecimento
e vontade de realização do tipo objetivo, a falta de consciência de estar a praticar um
facto ilícito provenha de ter suposto falsamente a existência dos pressupostos materiais
de uma causa de justificação. Dentro do erro sobre as causas de justificação há que
distinguir 2 situações:
• Erro sobre os pressupostos de uma causa de justificação: o agente atua
pensando que estão reunidas as circunstâncias que o autorizam a atuar
ilicitamente quando não estão, pelo que se deve excluir o dolo por ser
materialmente parecido ao erro sobre a factualidade típica.
• Erro sobre a existência ou limites da causa de justificação: o agente sabe e
conhece toda a factualidade, mas pensa que tem um direito de agir tipicamente
quando na verdade não tem. Exemplo: há muitos anos, quando um professor
batia num aluno com régua para o castigar, era socialmente aceite e estimulado,
era o chamado direito de correção. Atualmente, a lei proíbe que o professor exerça
violência física sobre o aluno. Se o professor, numa determinada situação, dá uma
bofetada ao aluno para o corrigir porque achar que está em conformidade com o
direito por achar que é um direito de correção, há um erro sobre a ilicitude ou
proibição. Aqui, o dolo existe e só leva à exclusão de culpa.
➢ Qual a diferença de culpa que permite distinguir um erro que exclui o dolo e outro que
não o exclui? Critério de autonomia da falta censurável da consciência do ilícito e a culpa dolosa
→ O erro excluirá o dolo sempre que determine uma falta de conhecimento necessário
a uma correta orientação da consciência ética do agente para o desvalor. Por isso,
estamos perante uma deficiência da consciência psicológica, imputável a uma falta de
informação ou esclarecimento que, quando censurável, revela uma atitude interna de
descuido perante o dever-ser jurídico-penal, conformando-se com o tipo específico da
culpa negligente.
→ O erro fundamenta o dolo (da culpa) sempre que, embora detendo todo o
conhecimento razoavelmente indispensável àquela orientação, o agente atua em
estado de erro sobre o caráter ilícito do facto. Neste caso, o erro não radica ao nível
da consciência psicológica, mas ao nível da própria consciência ética, revelando falta
de sintonia com a ordem dos valores ou dos bens jurídicos tutelados pelo direito penal.
Assim, quando censurável, revela uma atitude de contrariedade ou indiferença
perante o dever-ser jurídico-penal e conforma-se com o tipo específico de culpa
dolosa.
→ É esta conceção básica que está na base do regime constante dos arts.16º e 17ºCP.
4.2. Conhecimento da lei (proibição legal) e falta de consciência do ilícito: o agente pode
representar a lei ou proibição abstratamente aplicável ao caso e não possuir, contudo, a
consciência do ilícito relevante para a culpa.
• É o que sucede quando se trate de erros que recaem sobre elementos normativos do
tipo: o agente pode atuar com conhecimento da proibição geral e mesmo do conteúdo
exigido dos elementos normativos do tipo e, ainda assim, não alcançar a consciência
do ilícito do comportamento, como tal concretamente levado a cabo.
Exemplo: A, que mal informado pelo seu advogado ou mesmo induzido em erro sobre a leitura
de uma sentença judicial anterior quanto ao conteúdo e significado de um elemento normativo,
leva a cabo um comportamento concretamente ilícito, na convicção de que é lícito.
• O mesmo se diz quando se trate de um erro sobre a existência ou os limites de uma
causa de justificação ou de exclusão de culpa.
Exemplo1: B pode, conhecendo a aludida proibição, bater em C como meio adequado de
recuperar a bicicleta que este lhe furtou uns dias antes, na convicção errada de que age a
coberto do direito de legítima defesa.
Nestes casos configura, não um erro que exclui o dolo nos termos do art.16ºCP, mas
uma forma de falta de consciência do ilícito ou de erro sobre a ilicitude que, nos termos
do art.17ºCP, não exclui o dolo, embora possa excluir a culpa.
Notas:
❖ Não se enquadram aqui os casos em que o agente não incorre em qualquer erro relativo
aos pressupostos de uma causa de justificação, mas supõe falsamente a existência de uma
causa de justificação que a ordem jurídica não reconhece ou erra sobre o âmbito ou os limites
de uma causa de justificação efetivamente existente.
o Exemplo: A furta a pasta de B e foge; no dia seguinte, B encontra A com a sua pasta e agride-o
para a recuperar, supondo que o seu facto é considerado legítima defesa, quando, na verdade,
esta só permite repelir agressões atuais (art.32ºCP).
Nestes casos não se trata de um erro de conhecimento ou intelectual, mas de um erro de
valoração, pelo que deve ser tratado nos quadros do problema da falta de consciência do
ilícito.
❖ A questão que se coloca é a de saber se, nos casos em que atua em erro sobre os
pressupostos da causa de justificação, o agente deve ser punido a título de dolo ou de
negligência. A solução é apontada pelo art.16º/2CP: exclusão do dolo. Apesar desta
solução definitiva, permanecem divergências suscitadas ao nível de diversos pontos
importantes do facto punível:
→ O ponto de partida da discussão reside na controvérsia entre a teoria do dolo e a teoria
da culpa (VER PÁGINA 15). A solução da teoria da culpa limitada é a correta: a situação de
quem erra sobre os pressupostos do tipo justificador é materialmente idêntica à de
quem era sobre os elementos que pertencem a um tipo incriminador, ao nível da
responsabilidade dos agentes – nenhum deles tem, por virtude do erro em que incorre,
a sua consciência ética corretamente orientada, nem possuem o conhecimento
indispensável (consciência psicológica) a uma correta avaliação da ilicitude.
Consequentemente, a consequência deve ser a mesma – exclusão da punição a título de
dolo.
→ Se o agente poderia ter evitado o erro através de uma cuidadosa comprovação da
situação justificadora fica fundada uma eventual condenação pelo facto a título de
negligência, se o respetivo tipo de ilícito previr a punibilidade a este título (art.16º/3CP).
❖ Uma questão muito importante é a de saber qual o ponto de vista que se deverá adotar
para verificar se realmente o agente incorreu em erro ou não: se é o ponto de vista ex-ante
ou ex-post. Há casos em que, do ponto de vista do agente, nada levaria a supor que não
estaria verificada a situação de facto, ou seja, ex-ante tudo aquilo que sucedeu levaria a
pensar que, sem que pudesse ser censurado por isso, a situação de facto justificante estava
verificada. No entanto, a teoria prevalente é a que coloca do ponto de vista relevante para
aferição do erro, no momento ex-post – vamos olhar para trás e verificar se houve ou não
divergência entre o que agente julgou que acontecia e o que de facto aconteceu.
Nestas situações, em que o agente atua de forma típica, que resposta deverá ser dada pelo
direito penal, quando se conclua que o agente não formou, ao nível da sua consciência ética
uma valoração da ilicitude do facto – estamos perante um erro de ilicitude. Este tipo de erro
convive com outra espécie de erro – erro sobre as proibições legais (1).
O critério distintivo é o seguinte: se o conhecimento da proibição for indispensável para que
o agente forme a consciência da ilicitude, temos um erro de conhecimento (1) e é excluído o
dolo. Se, pelo contrário, essa falta de perceção de ilicitude do facto deriva de uma errada
valoração de facto (erro moral), estamos no plano do art.17ºCP. A regra é de que se passe pela
identificação da relevância ética daquela conduta antes e independentemente da proibição
legal:
• Quando o facto em si mesmo é eticamente neutro quando dissociado da proibição, ou
seja, se não se desperta na generalidade das pessoas como um problema de ilicitude,
então, o conhecimento da factualidade típica em si mesmo não é suficiente para que se
afigure o dolo, é preciso que o agente conheça a proibição: art.16º/1/2ª parte – se o
agente atua desconhecendo essa proibição, atuando sem noção da ilicitude, ele atua sem
dolo.
• Se o facto for efetivamente relevante à luz das valorações, morais, culturais dominantes,
antes e independente da proibição, então, o enquadramento normativo é o do art.17º
CP.
❖ A questão que se coloca aos casos conduzidos ao art.17º é a da consequência para o agente.
Importa, desde logo, a comprovação do erro – para que se possa dizer que estamos perante
um caso de erro sobre a ilicitude, é preciso que se prove que, na realidade, o agente atuou
convencido da legalidade da sua atuação. Que critérios devem ser tidos em conta para avaliar
se atuou em erro ou não? Requisitos:
o Não é necessário que o agente tenha uma perceção completamente nítida do caráter
ilícito da sua conduta e dos termos em que ele é ilícito penalmente, basta que ele tenha
uma noção vaga dessa contrariedade à ordem jurídica. Portanto, só quando o agente
não tinha a mínima noção.
o O agente tem de formar um juízo de ilicitude penal? Tem de equacionar de que aquilo
que está a fazer é um crime ou basta que tenha uma noção de contrariedade à ordem
jurídica? A larga maioria da doutrina tem vindo a entender que a noção de contrariedade
é suficiente.
❖ Haverá casos em que esse erro poderá não ser censurado e, se assim for, o agente será
absolvido. A questão é a de saber se o erro é ou não censurado. A chave da questão está na
censurabilidade do erro.
3. Regime legal:
O simples facto de se obedecer a uma ordem não é suficiente para desculpar seja quem for,
pelo que não estão em causa situações em que o funcionário obedece só porque a ordem veio
“de cima”. Se, porventura, o funcionário pratica um facto ilícito típico, convencido da legalidade
da situação, porque acarreta uma ordem superior, estamos no plano da falta de consciência da
ilicitude censurável. Então, a culpa é excluída por força da própria falta de consciência da
ilicitude, salvo se a ilicitude fosse evidente no quadro das circunstâncias por ele representadas.
Neste contexto, o art.37ºCP avança com um critério muito mais amplo e menos exigente de
desculpa – sempre que a questão da ilicitude do facto se revelar discutível ou mesmo pouco
clara, está verificada uma causa de exclusão da culpa.
A inimputabilidade
I. A INIMPUTABILIDADE EM RAZÃO DA IDADE
1. Noção:
Nos termos do art.19º do CP, os menores de 16 anos são inimputáveis. Isto significa que a este
agente não podemos aplicar uma pena, ou seja, não pode ser criminalmente sancionado por ser
inimputável em razão da idade.
2. Fundamento:
• A imputabilidade deve ser excluída relativamente a qualquer agente que não atingiu
ainda, em virtude da idade, a sua maturidade psíquica e espiritual – só quando a pessoa
pratica uma ação num estádio de desenvolvimento é que se torna possível a apreensão,
pelo juiz, das conexões de sentido objetivo que derivam da atitude do agente e que se
exprimem no facto.
• Esta exclusão está relacionada com o princípio da humanidade – deve evitar-se a todo o
custo a submissão de uma criança ou adolescente às sanções mais graves previstas no
ordenamento jurídico para evitar efeitos estigmatizadores que a pena produz ao nível dos
direitos de personalidade do menor, marcando inevitavelmente todo o seu crescimento
e toda a sua vida futura.
• É em relação aos menores, dado serem particularmente influenciáveis e se encontrarem
numa situação de especial vulnerabilidade, que mais se fazem sentir os efeitos
criminógenos da pena de privação da liberdade – não se promoverá a sua reinserção
social, mas poderá antes contribuir para a sua dessocialização, integrando-os
definitivamente no “mundo do crime”.
• Relaciona-se ainda com a necessidade de compreensão da pena pelo agente e,
consequentemente, de poder ser por ela influenciado no sentido da sua socialização.
3. Regime:
→ Regime tutelar: só estão sujeitas a responsabilidade penal as pessoas que, no momento da
prática do facto, tenham já perfeito os 16 anos. Isto não significa, porém, que até aos 16 anos
não haja qualquer intervenção quando alguém cometa um facto ilícito típico. Esta circunstância
determina um outro tipo de intervenção essencialmente determinada pelo interesse do menor
– a Lei Tutelar educativa, aprovada pela L 166/99, que define o regime aplicável aos menores
2. ELEMENTOS
O quadro da inimputabilidade concretiza-se no art.20ºCP – interpretação:
• “por força de uma anomalia psíquica” – é necessária uma conexão biopsicológica (1º
elemento): nos termos do nº1, é requisito de inimputabilidade que o agente sofra de uma
anomalia psíquica. O que é ter uma anomalia psíquica neste contexto? Tudo aquilo que
couber nas classificações psiquiatras (classificação europeia ou americana de doenças
mentais).
• “incapaz de avaliar a ilicitude do facto ou de se determinar de acordo com essa avaliação” –
é necessária uma conexão normativo-compreensiva (2º elemento): olhamos para os efeitos
da inimputabilidade – é preciso concluir que agiu como agiu porque tinha uma anomalia
psíquica que o tornou incapaz de avaliar a ilicitude do facto ou de se determinar de acordo
com a avaliação feita. Nem todas as anomalias psíquicas levam a uma declaração de
inimputabilidade, porque só levam a esta declaração se a anomalia psíquica privar o agente
de avaliar a ilicitude do facto (exemplo: em regra, o pedófilo não é inimputável porque essa
anomalia – a pedofilia – não o impede de avaliar a ilicitude do facto ou de se determinar de acordo
com essa avaliação).
• “no momento da prática do facto” – é necessária uma conexão fáctica (3º elemento): a
inimputabilidade já não é um estado, mas uma característica do concreto facto de um agente.
O inimputável já não é um “louco”, mas uma pessoa que, no momento da prática do facto,
se encontra onerada com um substrato biopsicológico (1) determinante de um certo efeito
normativo (2), sendo indispensável que a anomalia psíquica se tenha exprimido num facto
concreto típico e o fundamente (3). Neste quadro, numa mesma conexão temporal, é
possível ter um agente imputável relativamente a um facto e inimputável em relação ao
outro (exemplo: viola alguém por consequência de uma tara sexual grave, sendo inimputável em
relação ao crime da violação. Entretanto, também lhe furta a carteira – aí já é imputável em
relação ao furto).
3. A IMPUTABILIDADE DIMINÚIDA
Na conceção tradicional, há 3 tipos de delinquentes, ou seja, uma pessoa pode ser inimputável,
imputável ou ter uma imputabilidade diminuída. Fala-se de imputabilidade diminuída quando
a anomalia psíquica tenha como efeito normativo não a incapacidade do agente para avaliar a
1
Sistema sancionatório dualista: quando ao agente aplicamos cumulativamente, pelo mesmo facto,
uma pena e uma medida de segurança em razão da sua perigosidade criminal.
Sistema sancionatório monista: aplicamos ou uma pena ou uma medida de segurança.
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culpado, logo aplicávamos uma pena menor. Mas, ao mesmo tempo, esse agente era mais
perigoso porque tinha uma anomalia psíquica que fizesse com que tivesse a sua capacidade
diminuída, logo a pena é insuficiente do ponto de vista preventiva – estes agentes imputáveis,
além de culpados, eram também perigosos e, para essa perigosidade criminal, a pena era
insuficiente.
Assim, ao lado da culpa, surge autonomamente uma ideia de perigosidade criminal: não há
pena sem culpa, e não há medida de segurança sem pressuposto de aplicação (perigosidade
criminal) – não se aplica a estes agentes (de imputabilidade diminuída e delinquentes por
tendência) por serem culpados, mas por serem perigosos.
A inexigibilidade
1. NOÇÃO:
Estão em causa situações de pressão exterior e envolvimento de tal ordem pressionante e
difícil que, aquela pessoa que normalmente não praticaria factos daquela natureza, acaba por
ceder à pressão e pratica um facto ilícito penal. Consequentemente, a eventual exclusão da
culpa prende-se com o facto de não ser exigível um comportamento conforme ao direito, na
medida em que não deve ser censurada. A questão de fundo é a de que, em certas situações, o
2. FUNDAMENTO:
Não é algo que diz respeito ao próprio agente, mas ao que lhe é exterior: algo que é exógeno
e leva ao afastamento da culpa. Na inexigibilidade estamos, em regra, não a falar de
particularidades do próprio agente, mas de circunstâncias que lhe são externas – a falta de
exigibilidade de um comportamento conforme ao direito é justificada pela situação ambiente.
Pode acontecer que essa situação ambiente, embora não iniba a capacidade para atuar
conforme ao direito, diminui sensivelmente essa capacidade – não se fala de uma
inexigibilidade, mas numa menor exigibilidade, que pode levar a uma atenuação da
responsabilidade penal.
▪ Exemplo: art.133º CP (homicídio privilegiado) – o caso em que um filho vê o pai a passar
por uma tormenta muito grande, em virtude de uma doença terminal, e mata-o para acabar
com o seu sofrimento – trata-se de um crime por compaixão. Nestes casos, a pena aplicada
é uma pena baixa (até 5 anos), porque estão em causas situações de desespero e compaixão,
que diminuem a culpa.
3. EVOLUÇÃO DOUTRINAL:
❖ Escola normativista:
Este conceito da inexigibilidade emergiu, sobretudo, com a escola normativista: foi a conceção
normativa de culpa que, ao considerar a culpa como censurabilidade do facto dirigida ao agente
por ter atuado ilicitamente, enquanto podia ter atuado de outra maneira, veio acentuar que
aquela censura só deve efetivar-se quando ao agente, na concreta situação, fosse exigível um
comportamento adequado ao direito.
Esta escola dizia que, se as circunstâncias são de tal modo pressionantes que arrastem
irresistivelmente o agente para a sua prática, roubando-lhe toda a possibilidade de se comportar
diferentemente, não o podemos censurar. Assim, a inexigibilidade constituiria uma causa geral
de exclusão de culpa.
→ Críticas: esta forma de ver as coisas é questionável porque torna o pensamento muito
permeável às circunstâncias do agente e à capacidade de resistência do agente – iria
sempre conduzir à exclusão de culpa e consequente absolvição sempre que a acusação
não conseguisse provar que, no momento do facto e perante a concreta pressão
(porventura dotado de uma fraca capacidade de resistência), este podia ter-lhe resistido
e ter-se comportado de acordo com a norma. Seria uma desculpa para casos
incompreensíveis para a generalidade das pessoas.
2
É nesta exigência que se contém a verdadeira cláusula de inexigibilidade.
A punibilidade
1. Evolução dogmática
Há circunstâncias que podem obstar à punição do agente, ou seja, um conjunto de
pressupostos que decidem da punibilidade do facto – as chamadas condições objetivas de
punibilidade.
Desempenhou um papel fundamental para a discussão da categoria da punibilidade a
doutrina roxiniana da “responsabilidade”, segundo a qual, a categoria da responsabilidade
englobaria, além da culpa, a necessidade, preventiva e geral, de punição. Chama ainda à
atenção para conceitos de dignidade penal e carência de tutela penal.
3
O proémio unitário do art.15º faz uma distinção entre o tipo de ilícito negligente e o tipo de culpa
negligente: “proceder com cuidado a que está obrigado” (tipo de ilícito) “cuidado de que era capaz”
(tipo de culpa).
RAQUEL SERPA SILVEIRA | 2018/2019
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4. Estrutura dogmática do facto negligente
Tem um (A) tipo de ilícito e um (B) tipo de culpa específicos, diferentes do facto doloso:
C. Costumes profissionais: conjunto de normas, regras e técnicas que são seguidas pelos
diversos profissionais, nas mais diversas circunstâncias e que nem sequer estão escritas, mas
são costumes profissionais comuns ao profissional prudente. A partir dessas regras também
vamos saber qual o dever de cuidado.
D. Critério da figura padrão: na falta de fontes jurídicas ou não jurídicas, escritas ou não
escritas, impõe-se o recurso direto ao cuidado imposto pelo concreto comportamento
socialmente adequado no tráfico – figura-padrão cabida ao caso.
❖ Função indiciária
Tem se considerado que a violação das normas de cuidado constitui apenas um indício da
contrariedade ao cuidado objetivamente devido, mas não pode em caso algum fundamentá-la
definitivamente.
Quando há a violação de uma destas fontes do dever de cuidado, não significa
necessariamente que se preencha o tipo de ilícito negligente, ou seja, não significa
necessariamente que o agente viole o dever de cuidado que sobre ele impende. Pode acontecer
que apesar de o agente ter violado a regra de cuidado, mas não haver preenchimento do tipo
de ilícito negligente porque não se verificou o perigo típico do comportamento pressuposto
pela norma:
▪ Exemplo: um cidadão passa o semáforo vermelho, temos a violação de uma norma do código da
estrada. Entretanto, é apanhado por um lençol de água mais à frente, perde o controlo do carro e
atinge uma pessoa que estava no passeio. Aqui houve violação de uma norma de cuidado, mas não
MAS, pode acontecer o contrário, ou seja, casos em que o agente cumpre a regra, mas ainda
assim viola o dever de cuidado. Há casos em que, apesar de se cumprirem as regras, a situação
concreta exigiria cuidados especiais e por isso se entende que o agente viola o dever de cuidado:
▪ Exemplo1: demolição na via pública com explosivos em que estão a seguir-se as regras da
intensidade dessas explosões. No entanto, como existem edifícios antigos na rua, esses limites de
intensidade podem não ser suficiente para acautelar o perigo que deles advém, pelo que os
engenheiros devem atender a esta circunstância e ter um cuidado acrescido. A inobservância deste
cuidado acrescido poderá fundamentar a violação do dever de cuidado
▪ Exemplo2: um dentista é alertado para o facto de que o paciente sofrer de uma doença particular,
mas, enquanto dentista, o protocolo diz que ele não tem de fazer exames complementares de
diagnóstico porque a sua intervenção é apenas ao nível da cavidade bucal. No entanto, dá-lhe uma
anestesia e o doente vem a morrer em virtude desta.
→ Nota: estes são casos excecionais. Por regra, quando o agente viola a regra de cuidado,
entende-se que há violação do dever de culpa; quando o agente cumpre a regra do dever
de cuidado, entende-se que não há violação do dever objetivo de cuidado. Mas em rigor, a
violação das regras, ou seja, das fontes do dever de cuidado constitui apenas um indício da
violação do dever e, pelo contrário, o cumprimento das regras não garante que o agente
não esteja a violar o dever de cuidado.
❖ Princípio da confiança
Convoca-se a propósito do dever de cuidado o princípio da confiança.
Este é tido pela generalidade da doutrina como um princípio de delimitação negativa do dever
objetivo de cuidado. Isto significa que muitas vezes na vida em sociedade a ocorrência de
resultados danosos não deriva apenas de uma conduta individualmente considerada, mas da
conduta de diversas pessoas que entram em contato num determinado momento.
▪ Exemplo: atropelamento que provoca a morte ou ofensa à integridade física no âmbito do exercício
da condução, o resultado pode não depende apenas da conduta de um agente em concreto.
Quando a produção de um resultado por negligência se verifica através da intervenção de uma
pluralidade de agentes tem-se convocado o princípio da confiança para determinar no caso
concreto de quem é a responsabilidade pelo resultado ocorrido.
→ Noção: o princípio da confiança significa que quem se comporta no tráfego de acordo com a
norma de cuidado deve poder confiar que o mesmo sucederá com os outros, salvo se tiver
uma razão concretamente fundada para pensar ou dever pensar de outro modo. Ou seja, se
eu estou a conduzir de acordo com as regras do código da estrada, posso confiar que os
outros fazem o mesmo, salvo se tiver uma razão concretamente fundada para pensar de
outro modo.
→ Evolução dogmática: este princípio foi afirmado na década de 50 pela jurisprudência alemã
a propósito dos acidentes de viação. Nesta época generalizou-se na Europa a utilização do
automóvel e inicialmente dizia-se que o automóvel era um objeto perigoso, por isso, cada
um dos condutores deve conduzir a uma velocidade tal que deva conseguir parar quando
qualquer perigo surgir e, se daí vier algum dano, o condutor do automóvel deve ser sempre
responsabilizado por esse dano porque é ele que está a beneficiar da utilização do
automóvel. Isto ia ao encontro da responsabilidade pelo risco (direito civil), mas esta
responsabilidade pelo risco, objetiva, é inaceitável no direito penal.
→ Capacidades pessoais
Quando falamos do tipo de culpa negligente estamos a perguntar se aquele agente concreto,
segundo os seus conhecimentos e capacidades pessoais, estava ou não em condições de
cumprir o dever de cuidado objetivo que integra o tipo de ilícito negligente.
→ Critério subjetivo: neste sentido, não vamos perguntar quais são as capacidades e
conhecimentos do homem médio (critério objetivo), vamos perguntar quais são os
conhecimentos e quais são as capacidades do homem da mesma espécie e com as capacidades
e qualidades daquele agente concreto – seguimos um critério essencialmente subjetivo.
Trata-se da conclusão de que, de acordo com a experiência, outra pessoa, agindo nas mesmas
condições e sob pressupostos semelhantes aqueles que presidiram à conduta do agente, teria
previsto a possibilidade de realização do ilícito típico e se tê-la-ia evitado.
B. TEORIA SUBJETIVA: o autor é quem realiza o facto com vontade do autor, ou seja, quem
vê o facto como seu.
a. Críticas: é uma teoria que não dá um critério seguro porque faz depender a autoria
criminosa do sentimento do agente – exemplo: A mata B a mando de C. Como não
vê o facto como seu, não é condenado. Esta teoria é rejeitada.
→ Instigação:
A instigação é uma verdadeira forma de autoria? Há dúvidas trazidas pelo ordenamento
jurídico alemão, para o qual a instigação não é uma verdadeira forma de autoria, mas sim de
participação.
Instigação é criar numa pessoa a decisão dessa cometer o crime; instigador é aquele que
dolosamente determinar outra pessoa à prática de um ilícito típico e o instigado é quem
comete o crime.
Distingue-se da autoria mediata, apesar de ter a mesma estrutura (influência em cometer o
crime), na medida em que na autoria mediata nunca há dolo porque não há representação do
facto ou porque está a ser coagido (a ser punido, só o será a título de negligência). Pelo contrário,
na instigação, ambos representam o crime, ambos são autores.
Nota: só há instigação se a pessoa da iniciar a execução do facto como se depreende do art.26º
CP. Exige-se o início da execução do crime para haver instigação porque só aí há perigo para o
bem jurídico e fundamento para se punir à luz do direito penal.
▪ Exemplo: Se eu receber o dinheiro e for de férias para o Brasil sem cometer o crime, não
posso ser punido pelo crime. Não pode o juiz criar lei onde ela não existe. Há juízes que
procuram enquadrar isto na autoria mediata incorrendo numa violação do princípio da
legalidade.
2. CUMPLICIDADE – art.27º CP
A cumplicidade está prevista no art.27º CP. A cumplicidade é sempre dolosa, nunca poderá
ser negligente.
▪ Exemplo: A pede a B o seu telemóvel e B empresta. A usa o telemóvel para gravar um vídeo
ilegal. B é cúmplice? Não! O cúmplice não representou que estava a auxiliar na realização de
um facto criminoso, requisito essencial para haver cumplicidade.
A cumplicidade consiste no auxílio ao autor na execução do crime. Esse auxílio pode ser
moral ou material, ou seja, tanto pode ser tanto um conselho, como dar um número de
telefone, dar a arma do crime.
• Art.28ºCP:
▪ Exemplo: o senhor vai com o seu filho trabalhar e quando regressam a casa diz ao filho de 12
anos “já és um homem, levas tu o carro para casa”. O filho leva o carro e é mandado parar numa
operação STOP. Conduzir sem carta é crime, o pai pode ser punido por crime de condução
sem habilitação legal?
▪ Temos uma situação de comparticipação em que um preenche a qualidade exigida pelo
crime específico, mas o outro (pai) não preenche a qualidade exigida. O art.28º CP diz-
nos que basta um deles ter a qualidade para que todos sejam punidos, ou seja, a
qualidade de um comunica-se ao outro e no caso concreto o pai pode ser punido.
• Art.28º/2: diz respeito aos crimes específicos e próprios.
▪ Exemplo: um funcionário e um não funcionário executam em conjunto um crime de
peculato (furto cometido por funcionários e como tal a pena é agravada). O funcionário
é punido por peculato. E o não funcionário comparticipante? Vai ser punido por furto
ou peculato? Se a qualidade for comunicada, será punido por peculato, caso contrário
por furto. Diz-nos o nº2 do art.28º CP que quem decide é o juiz.
• EM SUMA: os arts.28º e 29º são sobretudo relevantes no quadro dos crimes específicos, na
medida em que nestes crimes se exige uma especial qualidade: ou para se ser autor ou
porque agrava a pena. Como tratar as situações em que apenas um agente tem a
qualidade?
o Se a qualidade disser respeito à culpa, não há comunicabilidade da qualidade –
art.29º CP.
o Se a qualidade disser respeito à ilicitude do facto, o art.28º/1 CP permite a
comunicabilidade, permitindo-se que a pessoa sem a qualidade seja punida pelo
crime da pessoa que a tem.
o O art.28º/2 CP diz respeito aos crimes específicos impróprios, ou seja, àqueles em
que o agente que não tem a qualidade sempre seria punido pelo crime comum, neste
caso por que crime seria punido? Pelo crime específico ou pelo comum? Segundo o
artigo é o juiz que decide.
1.1. Tipo de ilícito SUBJETIVO doloso (e negligente) – o erro sobre a posição do garante
A doutrina é unânime quanto à distinção do dolo e negligência enquanto formas do tipo
ilícito subjetivo: também na omissão pode haver crimes dolosos e crimes negligentes.
No entanto, no que toca ao dolo existem várias divergências. A doutrina dominante
defende que o dolo do tipo válido para a ação também vale para a omissão: é necessário que
o omitente conheça, através da sua consciência intelectual, a situação típica e omita a ação
imposta com vontade de que se preencha o tipo objetivo. Neste quadro há dificuldades a
superar, nomeadamente em relação ao conhecimento e representação da posição de
garante.
→ Regras da equiparação:
❖ Conceito de “crime de resultado”: quando se fala em crimes de resultado geralmente é no
sentido de ser um evento que é distinto, espaço e temporalmente, da ação que o provoca.
Ou seja, para a perfeição do facto/crime, é preciso que ocorra o evento que ele prevê – se
a pessoa praticar a ação adequada para matar alguém, mas a morte não ocorre, o crime
não está consumado, logo é punido apenas por tentativa.
Contudo, quando o art.10º fala de crime de resultado, não é neste sentido que se fala de
resultado: a ideia que adota é a de que são crimes que, de alguma maneira, perturbam a
situação de tranquilidade do bem jurídico – é um conceito mais amplo: resultado não quer
dizer crime material, nem crime de dano no sentido que tem de haver densidade do bem;
quer dizer crimes que, para a sua consumação, exige a perda de tranquilidade do bem.
❖ Possibilidade fáctica de ação: para que exista uma omissão típica é necessária a
possibilidade do omitente de levar a cabo a ação esperada ou devida. Falta tal possibilidade
quando:
o Falta ao omitente a capacidade corpórea (ou física) de ação: se é preciso socorrer
rapidamente uma criança que caiu a um lago não é típica a omissão do seu pai
paralítico que não a salvou.
o A impossibilidade física deve ser equiparada à incapacidade técnica, de falta de
conhecimentos ou de meios de auxílio: se um eletricista, sem telemóvel se depara
com alguém severamente ferido, não comete uma omissão típica se não realizar
uma intervenção cirúrgica indispensável ou não chamar o 112.
❖ Crimes “refratários” à omissão: parte final do artigo – são refratários porque não podem
ser cometidos por omissão – ou por impossibilidade jurídica (a lei só quer punir tais
condutas quando ativas) ou por impossibilidade fáctica (exemplo: crime de bigamia –
ninguém se pode casar por omissão).
❖ É necessário que o desvalor da omissão seja equivalente ao desvalor da ação: ou seja, se,
no caso, o facto de não atuar e deixar ocorrer o resultado é, em si mesmo, tão relevante
do ponto de vista da ilicitude penal, como seria a ação.
Figueiredo Dias diz que só se deve equiparar a omissão à ação se o resultado tiver sido
produzido, por omissão, sob a forma tipicamente exigida pelo delito de ação. Ou seja, no
nosso caso, perguntar se dar um tiro no bebé e matá-lo tem o mesmo desvalor ou parecido
com deixá-lo a morrer à fome? Sim, podendo até ser considerado pior! Trata-se do
equivalente desvalor jurídico-penal.
❖ Nota: caso típico de omissão impura – em muitos casos, quando alguém pratica um crime
por omissão impura (p.e., homicídio negligente), também comete o crime de omissão pura:
nesses casos, por um lado, o agente tem 2 deveres – o dever de auxiliar (dever geral que
emerge da situação de perigo comum) e um dever especial (que pessoalmente o obriga a
evitar o resultado). Temos de dizer que os crimes de omissão impura vão esgotar o tipo do
facto ilícito em concreto – o homicídio absorve o desvalor da omissão pura.
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O critério fundamental de distinção entre crimes de omissão pura e crimes de omissão impura passa
pela circunstância decisiva de os impuros não se encontrarem descritos em tipo legal de crime,
tornando-se, por isso, indispensável o recurso à clausula de equiparação contida no art.10ºCP.
RAQUEL SERPA SILVEIRA | 2018/2019
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→ Dever de garante e as suas fontes
❖ Posição de garante: o dever de evitar o resultado existe para toda a gente que pode
praticar a ação adequada? Não. Em concreto, é preciso que o agente esteja, em relação ao
resultado típico, na posição de garante – só está obrigado quem se encontre numas
circunstâncias tal que pessoalmente o obriguem a evitar esse resultado (art.10º/2).
▪ Exemplo: na aula, ouvimos um bebé a chorar. Temos de ir todos dar de comer ao bebe? Não,
não estamos obrigados a acudir a todos os pedidos feitos no mundo – tem de haver um
dever pessoal. Não se trata de um dever moral ou social, mas de um dever jurídico
(paternidade, p.e.). Além de que só pode ter o dever quem poder atuar.
❖ Fontes do dever de garante – quando é que há esse dever jurídico ou quando é que
estamos na posição de garante?
Tentativa
Exemplo: o senhor A quer matar o senhor B, tem o seu plano, sabe como e quando o vai matar.
No caminho para o trabalho, entra numa loja de armas e compra uma. No dia previsto, vai até
perto da casa do senhor B e espera por ele num sítio escondido. Quando chega o senhor B, faz
pontaria e prime o gatilho. No entanto, falhou a pontaria e o senhor B não morreu.
→ Não se trata de um crime consumado que preencha todo o tipo legal de crime. No entanto,
ainda que não se tenha consumado, não significa que não haja crime. O crime tentado também
é crime, sendo relevante para o direito penal.
I. INTRODUÇÃO
1. Noção: prática de atos de execução de um tipo de crime que alguém tenta cometer, mas que
não seja consumado.
A. Resolução criminosa
A mera decisão de realização de um crime, independentemente de um começo de realização,
não é punível. Não se pode punir alguém por ter pensado que queria matar alguém: o direito
penal visa proteger subsidariamente bens jurídicos, não puros valores morais. A função do
direito penal é a de proteger uma ordenação social e só a violação desta ordenação (isto é, a
conduta externa do agente) pode constituir um ilícito.
B. Atos preparatórios
Nos termos do art.21ºCP, os atos preparatórios não são puníveis, salvo disposição em
contrário. Exemplo: comprar uma arma que vem a servir para matar alguém não faz parte do
ato de matar ou de tentar matar (art.131º e 22º) pelo que não posso ser punida por tal ato.
No entanto, existem exceções:
D. Teoria da Impressão (Figueiredo Dias): mesmo que não haja um perigo real para o bem
jurídico, a conduta, de qualquer modo, é uma violação ou um atentado à vigência da
norma, quer a tentativa seja possível ou impossível. Isto é, a tentativa será punível se e
quando for adequada para pôr em causa a confiança da comunidade na vigência daquela
norma, frustrando as suas expectativas de paz e segurança jurídica.
5. Tentativa negligente
Não há tentativa negligente porque se entende que o desvalor da ação negligente separado
do desvalor do resultado não terá dignidade penal – quem tenta alguma coisa é porque decidiu
realizá-la.
1.2. O tipo objetivo de ilícito – distinção entre atos preparatórios e atos de execução
Os atos preparatórios (art.21ºCP) não são, em regra, puníveis, pelo que importa distingui-los
dos atos de execução, sendo necessário a determinação do momento em que se inicia a
execução.
→ Art.24º CP:
• Há um elemento essencial subjetivo – a “voluntariedade”: só a desistência voluntária
conduz à isenção da pena do facto tentado. Ou seja, a desistência tem de ser vista como obra
pessoal do agente e nessa base lhe possa ser imputável. Para ser uma desistência relevante
é preciso:
o Impedimento da consumação do facto: não basta que o agente abandone a execução
do facto, o agente tem de voluntariamente impedir a consumação, através de uma
atividade própria, isto é, tem de levar um comportamento ativo que impeça que o
resultado se consuma. Exemplo: A dá 2 tiros ao B para o matar. Entretanto, quando se
apercebe que B ainda não morreu, arrepende-se e leva-o rapidamente para o hospital
para o tratar, em vez de tentar com que efetivamente morra ou deixá-lo para morrer
– temos um caso de arrependimento ativo. Ele não abandona a execução do facto, ele
pratica ativamente uma ação adequada para salvaguardar o bem que colocou em
perigo. Tudo isto tem de ser voluntário, ou seja, por iniciativa do agente e não por
qualquer coação exterior. Notas:
▪ Quando falamos de arrependimento ativo, não é necessário que haja um motivo
nobre ou altruísta por detrás desse arrependimento – basta que espontâneo e
próprio;
▪ A desistência importa no momento concreto da prática do facto – importa
quando o agente desiste, levando-o ao hospital, ainda que esteja a pensar
retomá-lo daqui a uns dias.
▪ Art.24º/2: se o agente se propor a impedir a consumação, mas esta for impedida
por facto independente da sua conduta, o agente não é punível se se tiver
esforçado seriamente por evitar a consumação. Exemplo: A, abandona B, por
A gravemente ferido com intenção de o matar, volta atrás a toda a pressa para
o levar ao hospital ou chama, para esse efeito, o 112º. Quando A chega ao local,
B já tinha sido levada por C para o hospital. Nota: são esforços sérios quando o
agente intenta levar a cabo tudo aquilo que pensa que teria de fazer ou poderia
fazer para evitar a consumação, valendo, assim, a convicção do agente.
• Há um elemento objetivo: não pode haver consumação do facto. Mesmo que o agente
se esforce para evitar a lesão do bem jurídico, se o bem for lesado, não pode beneficiar
desta causa de exclusão de pena.
O concurso
1. Noção: estamos perante um concurso de crimes quando no mesmo processo penal se decide
sobre vários crimes cometidos pelo mesmo agente (art.30ºCP). Torna-se, então indispensável,
determinar quando é que se está perante um só crime ou perante uma pluralidade de crimes.
❖ Critério da unidade ou pluralidade dos tipos legais violados – teoria normativista (Eduardo
Correia) –: crime é um ou são vários consoante o agente, com a sua ação, preencher um ou
vários tipos legais de crime. Para contar quantos crimes que aquele agente cometeu, tenho
de contar quantos tipos legais de crime foram preenchidos com a sua ação. Exemplo: alguém
que com um tiro parte o vidro de loja e também mata a pessoa que lá estava. São 2 crimes,
❖ Requisitos – art.30º/2:
o Prática de vários crimes ou várias resoluções criminosas
o Conexão objetiva: exige-se que entre os bens jurídicos lesados exista uma relação
estreita de afinidade ou proximidade – “o mesmo ou fundamentalmente o mesmo bem
jurídico”.
▪ Devem ser considerados bens jurídicos diferentes sempre que eles assumam
natureza eminentemente pessoal e se verifiquem uma pluralidade de vítimas.
Quando assim seja, ou seja, quando estão em causa bens pessoalíssimos, não há
crime continuado, mesmo que seja praticado de forma homogénea ou haja uma
menor culpa do agente ou se trate de bens jurídicos da mesma família (!!!) –
art.30º/3
o O crime deve ser executado de forma essencialmente homogénea (exemplo: diferentes
crimes sexuais).
o Deve ocorrer num cenário exterior que diminua sensivelmente a culpa do agente – ou
seja, numa situação que facilitou a repetição da atividade criminosa, tornando cada vez
menos exigível ao agente que se comporte de maneira diferente. Exemplo: quando se
descobriu uma porta falsa que dá acesso a uma casa e se aproveita várias vezes para furtar
objetos lá depositados.
Isto não deve ser tratado com a pena do cúmulo jurídico porque o que acontece é que há uma
culpa menor: esta circunstância de ele ter descoberto a password tenta-o a repetir várias vezes
o mesmo crime. De cada vez há uma resolução criminosa, mas há culpa diminuída porque é
menos exigível que ele ceda à tentação.
Por isso, ele vai ser punido na moldura penal desse crime (que corresponde à conduta mais
grave que integra a continuação) e os outros crimes que cometeu podem servir para fixar a pena
concreta. Nunca será punido por 3 ou 4 furtos. Trata-se de uma exceção à pena do cúmulo
jurídico.