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Joana Simões Pereira

Tutoria dia 29 de abril

Direito de necessidade

Caso: imaginem que fomos passar férias a uma pequena aldeia no interior e vemos
alguém na rua em muitas dificuldades que precisa urgentemente de ir para o
hospital e com o propósito de a socorrer, partimos o vidro de um carro que por
acaso era o único ali perto para levarmos a pessoa até ao hospital mais perto. O
dono do carro faz queixa.

Cometemos 2 crimes: crime de dano art. 212º CP quando partimos o vidro e o crime do
art. 208º CP quando utilizamos o veiculo. Não é legítima defesa porque não temos uma
agressão, há sim um perigo para o bem jurídico vida – aquela pessoa precisava mesmo
de ajuda.
Assim, vamos ao direito de necessidade previsto no art. 34.

Art. 34º CP e pressupostos:

1. Situação de necessidade – dentro deste encontram-se outros subrequisitos:


a. Interesses juridicamente protegidos em conflito: podem estar em
causa quaisquer bens jurídicos, sejam de natureza penal ou não. Para a
professora MFP estes bens podem pertencer à titularidade individual ou
ser de titularidade coletiva, tal como podem ser relativos a bens jurídicos
próprios ou alheios.
b. Um perigo que ameaça um bem jurídico: o bem jurídico a
salvaguardar tem que estar efetiva e objetivamente em perigo, terá que
ser um perigo atual, aplicando-se a esta característica as mesmas que se
aplicavam na legítima defesa, mas com algumas correções no sentido do
seu alargamento, o que significa que o perigo é atual mesmo quando
ainda não é iminente. Aqui a atualidade não é uma questão de iminência
ou atos de execução, basta a possibilidade de o perigo se concretizar a
qualquer momento
c. Provocação do perigo – para se aplicar a situação de perigo não pode
ser provocada voluntariamente ou criada, salvo tratando-se de proteger o
interesse de terceiro alínea a)

2. Princípio do interesse preponderante – para haver justificação por direito de


necessidade tem de haver, segundo a alínea b) do art. 34º “sensível superioridade
do interesse a salvaguardar relativamente ao interesse sacrificado”. Há várias
formas identificadas para tentar ultrapassar este problema: o recurso à medida
legal da pena; a intensidade da lesão do bem jurídico (se está em causa o
aniquilamento completo do interesse ou só uma sua lesão parcial ou passageira,
por exemplo, os bens jurídicos da integridade física e da liberdade são
geralmente vistos como superiores relativamente a crimes patrimoniais); grau do
perigo e autonomia pessoal do lesado. Para Maria Fernanda Palma, a
interpretação desta expressão suscita a questão de saber se o confronto dos
interesses exige uma especial (quantitativa ou qualitativa) superioridade de um
dos interesses ou se a expressão tem somente um significado processual (ou seja,
seria um caso de apreensão dos sentidos, em que a superioridade só existiria se
fosse sensível porque só nesse caso podia ser conhecida). Para a prof. regente
em causa não está, de todo, uma diferença quantitativa, estará sempre em causa
algo mais que isso, mesmo em questões relativas a direitos patrimoniais.

Se analisarmos de acordo com os critérios anteriormente referidos:


a. Molduras penais – recurso à medida legal da pena. Neste caso a vida dos
indivíduos seria hierarquicamente superior aos danos patrimoniais
inferidos no carro ali parado.
b. Intensidade da lesão do bem jurídico – está em causa um aniquilamento
completo do bem jurídico/interesse ou somente uma lesão parcial ou
passageira? Neste caso a lesão a provocar poderia ser total e levar à
morte, ao passo que a lesão do direito patrimonial do dono do carro
apenas seria parcial
c. Grau de perigo – utilizar-se-ia em que a violação do bem jurídico não
surja como absolutamente segura, mas como mais ou menos provável, o
que não é o caso
3. Adequação do meio – tem que ser utilizado um meio adequado a afastar o
perigo, não poderá ser um meio qualquer. Ex ante deverá ser reconhecível para
uma pessoa objetivamente informada que aquela forma de agir é o meio
necessário e mais seguro para preservar o bem, dentro de todos os meios
possíveis – ou seja, mais seguro e menos gravoso – ao contrário da visão da LD,
aqui suscita-se a ajuda de critérios de proporcionalidade.

Em jeito de conclusão, como todos os requisitos se encontram verificados, o agente não


vai ser punido uma vez que a sua conduta está justificada por direito de necessidade.

2. Imaginem agora que um dos médicos no hospital ameaça um dos enfermeiros a


doar sangue a esta pessoa que se sentiu mal porque o tipo sanguíneo em causa era
raro

Crime de coação – 154º CP, quando vamos ver a ilicitude não há legítima defesa porque
não há uma agressão, nem sequer podíamos falar em omissão porque não há um dever
de garante de ele dar sangue

Direito de necessidade – o médico não criou o perigo, o interesse é suficientemente


preponderante (sim), então vamos para a alínea c) – caso de fronteira o prof. FD diz
que se não há outra maneira então pondera e diz que é razoável (solidariedade social
como fundamento do direito de necessidade, alarga mais).

Para MFP a alínea c) vem corrigir os resultados da alínea b) – não é somente necessário
que o interesse em causa seja sensivelmente inferior, terá que haver uma natureza tal
que torne razoável solicitar-se este sacrifício. Para a professora, tirar sangue à força a
uma pessoa para salvar outra pessoa – é um caso onde temos que perceber que a
disponibilidade do corpo inclui os bens essenciais do núcleo da dignidade da pessoa
humana que não podem ser sacrificados sem o seu consentimento, não sendo exigível
fazer submeter o lesado a esse tipo de sacrifícios contra a sua vontade. Do ponto de
vista ético o consentimento é exigível, mas do ponto de vista do direito não é aceitável.
Para a professora, o sentido que harmoniza esta alínea com a alínea b) é o do
estabelecimento de uma ponderação autónoma e complementar desta. Esta ponderação é
feita somente a favor do sujeito do estado de necessidade, na medida em que a sua
posição poderia tornar-se a de um sujeito utilizado (que ofenderia, por isso, o princípio
da dignidade da pessoa humana) em nome de uma máxima meramente utilitarista de
conseguir o mais à custa do menos. Assim, para MFP, a doação compulsiva de sangue
para salvar uma vida exclui o estado de necessidade por força da alínea c) do mesmo
artigo.

Conflito de vidas contra vidas – 34º alínea b) conjugada com a alínea c) ou causa
de exclusão supralegal (estado/direito de necessidade defensivo)?

Caso do homem gordo - homem gordo que fica colocado numa posição em que fica
preso numa caverna e estão mais 5 pessoas e a alternativa é explodem com o homem e
conseguem sair todos OU nada fazem e morrem todos, aqui discute-se se podemos
aplicar o estado de necessidade defensivo – situações em que alguém está exposto a um
determinado perigo e até pode ser criado pela própria pessoa que é vítima

Ex2.: o comboio são 100 pessoas e do outro lado está o Hitler

O princípio da imponderabilidade de vidas que diz que independente da quantidade e


qualidade de vidas isso é irrelevante, o argumento que tem sido apresentado pelo prof.
FD é o de saber se o destino ia seguir o seu curso (as pessoas iam morrer) o agente
altera o destino e a pessoa morre para salvar outras – não atua em direito/estado de
necessidade defensivo, não posso simplesmente fazer o papel de Deus OU se o destino
já estava marcado a pessoa já ia morrer e a pessoa simplesmente antecipa, aqui está
condenada a priori – o destino vai seguir o seu curso e aqui faz sentido em falar de
estado de necessidade defensivo

Causa de justificação contra causa de justificação ex.: homem gordo pode se continuar a
defender – pode exercer legítima defesa

Discussão:
Princípio do interesse preponderante – para haver justificação por direito de necessidade
tem de haver, segundo a lei “sensível superioridade do interesse a salvaguardar
relativamente ao interesse sacrificado”. Nos casos simples vida vs. integridade física
isto resolve-se facilmente.
Num caso em que há um conflito de vida contra vida, torna-se mais difícil arranjar um
consenso.
Quer dizer que há sensível superioridade? Na ponderação de interesses, o bem vida é
imponderável. Todas as vidas valem o mesmo como a vida de alguém mais novo, ou a
de um senhor mais velho. É qualitativamente e quantitativamente.
O problema que tem sido ponderado – um fundamentalismo pode levar a soluções
difíceis de compreender – em que ninguém salva ninguém. Para alguns casos, a doutrina
considera que pode haver justificação (FD entende isto) – nos casos em que a pessoa se
está em causa sacrificar já está sacrificada de qualquer maneira.

FD – acha que pode ser uma interpretação conjugada da alínea b) e c).


MFP – não pode, está lá a alínea c) e tem que haver a razoabilidade. Para a prof
podemos usar uma causa de justificação supralegal – estado de necessidade defensivo.

Conflito de deveres justificante – art. 36º


Caso: imaginem que o A é um médico de serviço e chegam ao hospital duas pessoas
gravemente feridas e uma delas é seu filho e deliberadamente como detestava o
filho decide atender o B e o filho acaba por morrer, sendo que se o filho tivesse sido
atendido o B ia morrer. Portanto, só conseguia salvar sempre um deles.

Crime de homicídio por omissão – dever de garante como pai, tem dolo intencional em
relação ao filho (foi mesmo o objetivo, aproveitou a oportunidade)
Causa de exclusão da ilicitude em questão: conflito de deveres art. 36º - porquê? Porque
tem 2 deveres de garante o primeiro de salvar o filho e o segundo dever de garante de
salvar o paciente
Mesmo deveres que recaem pelo mesmo agente é impossível cumprir todos, ele tem que
escolher
Art. 36º/1 CP:
1. Mais do que 1 dever e ser impossível cumprir todos
2. Escolhe o mais vinculativo ou tão vinculativo
Como é que ele escolhe quem salva?
Regra geral utilizamos o critério do direito de necessidade: alínea b) do art. 34º -
valor dos bens jurídicos: salvar a vida VS salvar o património da outra pessoa claro
que escolho salvar a vida + intensidade da lesão + grau de perigo de concretização

Neste caso: se é vida contra vida, as posições estão iguais, pode escolher qualquer um.
Não importa o motivo.

Mas haveria algum que prevalecia? Posição de garante mais vinculativa em relação
ao filho, mas a prof. MFP não concorda e diz que é igual – tem a mesma posição de
garante tanto em relação ao filho como em relação ao paciente por ser médico

Causa de exclusão da ilicitude e a conduta estava justificada.

Consentimento – art. 38º CP


O consentimento é causa de exclusão da ilicitude – o direito abdica da tutela do bem
jurídico porque dá prevalência ao titular do bem jurídico. mas é preciso que estejam
respeitados os requisitos:
 Ser maior de 16 anos (ou seja, pode ter 16 anos); 38/3º
 Tem que ter discernimento; “livre e esclarecida” 38/2º
 Pode ser revogado até à execução do facto.
 Interesse livremente disponíveis: os que não são – a vida (para efeitos de ação) e
além disso a dignidade (escravidão) e bens jurídicos comunitários (eu não sou
dono do ambiente, não posso consentir).
o A integridade física é disponível – art. 149º/1.
o Mas o facto não pode ofender os bons costumes.

O que é que bons costumes quer dizer?


Como é que se interpreta, através do art. 149º/2 (amplitude previsível da ofensa) – lesão
irreversível (o que seria o caso, por exemplo o caso de uma pessoa ficar sem os olhos)
Aplicando este critério o consentimento ofenderia os bons costumes.

NOTA: estamos a falar de causas de exclusão da ilicitude NÃO CONFUNDIR com


as causas de exclusão da culpa como o art. 35º (estado de necessidade desculpante)
e o conflito de deveres desculpante que é uma causa supralegal. Vamos tentar falar
sobre isso na próxima tutoria

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