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Tutoria 15/10

Tema: acórdão do lenocínio nº144/2004, recomenda-se a leitura do acórdão para


contextualização. Acórdão mais seguido pelo TC.

Em Portugal, a prostituição não é crime, e quem consome a prostituição não é crime. Difícil de
sustentar a punição porque o que está em causa é a liberdade sexual da pessoa.

Lenocínio- o que está em causa é a prostituição de terceiro para proveito próprio.

2020- Inconstitucional a criminalização do lenocínio.

Nota prévia – no acórdão o artigo em questão era o 170º CP, atualmente a redação é que se
encontra no 169º CP

Existem três pontos essenciais a analisar neste acórdão:

1. Qual o bem jurídico protegido? – liberdade sexual e a questão de a dignidade da pessoa


humana, sendo assim a este respeito:
 O acórdão faz apelo à dignidade da pessoa humana para validar jurídico-
constitucionalmente e não como mera proteção de sentimentalismos ou de uma
ordem moral convencional a incriminação do lenocínio. A questão aqui é a
seguinte: será que isto faz sentido que não ofende um bem jurídico específico?
 O segundo passo é responder a esta questão, faz sentido? Sim, porque apesar de
abranger situações em que não existe perigo concreto de lesão da liberdade
sexual a conduta é inerente a um perigo abstrato de lesão desse bem jurídico
existindo um consentimento meramente formal (não é inteiramente livre) das
pessoas prostituídas por não viverem em estruturas económico-sociais que lhes
permitam tomar decisões em liberdade por pobreza, desemprego, percursos de
vida etc.
 Note-se que com a revisão de 1998 dispensou-se como elemento estrutural do
tipo, o aproveitamento pelo agente de uma situação de abandono social ou de
carência económica da vítima. Não é mais exigível a prova de carência
económica. A dignidade da pessoa humana por si só serve para fundamentar o
tipo penal.
 Figueiredo Dias – diz que a natureza do princípio da dignidade da pessoa
humana tem como função erguer um veto inultrapassável a qualquer atividade
do Estado que não respeite aquele dignidade essencial, ou seja, não é
fundamento, mas limite da intervenção estadual e por isso não se pode
encontrar bem jurídico-constitucional digno de proteção penal neste valor da
dignidade da pessoa humana
 Alguns autores inclusive veem a incriminação como um atentado à dignidade
ou autonomia das pessoas porque, no fundo, são adultas e têm consciência do
que fazem. Seria estranho o direito penal pretendendo tutelar o bem jurídica da
dignidade sexual da pessoa, violá-lo justamente em nome dessa mesma
dignidade. É paradoxal e contraditório para estes autores sacrificar a integridade
pessoal invocando como legitimação o propósito de a tutelar
 Acórdão de 2020 – neste acórdão considerou-se que o princípio da dignidade da
pessoa humana não poderia geralmente fundamentar direitos subjetivos de
modo direto e autónomo, logo também não poderia fundamentar restrições a
esses direitos como o art. 27º CPR o que levaria a uma violação do princípio da
necessidade da pena previsto no art. 18/2º CRP
 A prof. Maria Fernanda Palma considera o artigo constitucional pelo argumento
da criminologia » a prof. faz notar que os estudos mostram que as mulheres que
se prostituem o fazem por necessidade e tem por base sempre alguém que as
explora, não têm liberdade de ação e isto é percetível pelo quadro social onde se
inserem, normalmente são mulher desfavorecidas, toxicodependentes que se
dedicam à profissão por ausência de alternativas
 Se com a eliminação do tipo se deixa de poder proteger a liberdade sexual, não
significa propriamente uma alteração da ideia do legislador, simplesmente não é
preciso fazer prova de que se trata de uma situação de carência social. Mas o
raciocínio é o mesmo, o fundamento também
 Conexão de perigo presumida pelo legislador que tem por base e utiliza os
estudos empíricos ex.: tráfico humano, violência de género etc.
2. Princípio da ofensividade
 Questão importante a abordar neste acórdão é o princípio da ofensividade no
direito penal e intercalar com os crimes abstratos (crimes em que não existe um
dano a um bem jurídico e que a prova não é necessária » no nosso caso e para
aplicação do art. 169º CP é necessária uma conexão de perigo ou evidência da
perigosidade intrínseca da conduta que sustenta a incriminação

Nota: crimes abstratos são diferentes de crimes concretos, os crimes concretos é necessário
fazer prova do crime no processo penal e há um dano concreto ex.: 291º CP sobre condução
perigosa de veiculo rodoviário é também um crime de resultado

 Há quem entenda que o nexo entre a factualidade e o bem jurídico tutelado é


débil então chegamos poderíamos eventual considerar que o tipo legal de crime
comportaria uma restrição desproporcional do direito à liberdade
 Princípio da ofensividade fundamental para o direito penal, mas porquê? É um
princípio que legitima a intervenção penal
 Pergunta-se: será suficiente afirmar que a ofensividade aqui se baseava numa
perspetiva de que as situações de prostituição quando existentes eram
promovidas e aproveitadas economicamente por terceiros que comportariam
um risco elevado de exploração de uma situação de carência e desproteção
social, ou não será isto demasiado abstrato?
 Porque não se tem de fazer a prova concreta? Entende-se que o risco da sua
materialização é suficientemente forte para conter a norma dentro dos limites
da proporcionalidade e em particular da necessidade de intervenção penal
 Crimes abstratos – como não há um dano a um bem jurídico concreto tem
sempre de existir uma base suficientemente sólida na presunção. Se não é
necessário fazer prova e se presume, fica o arguido com o ónus da contraprova
» isto significa que o arguido pode sempre vir dizer que não houve perigo para
o bem jurídico, faz a contraprova. Reparem que se não fosse assim, numa
situação de vida real isto significaria que não ouviríamos as pessoas e ao
ignorar a prova violaríamos o princípio da necessidade da pena do 18/2º CPR!

3. Princípio da subsidiariedade do direito penal + estudos empíricos


 75% a 90% das mulheres prostituídas foram vítimas de agressões físicas ou
abuso sexual na infância sendo que 90% queria deixar a prostituição, mas tinha
medo de ser rejeitada e não ter emprego
 Existem outras formas alternativas com menor restrição de direitos
fundamentais ex.: pura descriminalização do lenocínio
 Outras opções de política criminal para proteger quem se prostitui
 Uma coisa é dizer que a política criminal é mais eficiente – quem toma a
decisão não é o TC, mas se concluirmos que existe outra opção que protege
melhor o bem jurídico, entra o princípio da subsidiariedade
 Mas não está aqui o princípio da subsidiariedade a ser violado
 Nota: não há um dever de incriminar estas condutas, há uma opção de política
criminal neste sentido

Notas fundamentais para compreender a matéria:

Art. 18/2 CRP – princípio da necessidade da pena » só é legítimo o direito penal intervir, ou
seja, incriminar se for necessário para a proteção de bens jurídicos ex.: acórdão da deserção do
pescador não há bem jurídico em causa
Bem jurídico como legitimador do direito penal

O direito penal deve estar desprovido de qualquer caráter moral, no sentido de que não basta
para a prof. MFP o mero desvalor moral para que o comportamento seja incriminado

Aulas práticas:
Crimes de perigo abstrato: tem de haver prova, mas só se tem que provar o que está no
tipo incriminador, neste caso o comportamento. Não se tem que provar o
aproveitamento. Neste tipo de crimes o perigo é o motivo do crime. Não existe um dano
ao bem juridico
Moralidade ligada à incriminação do lenocínio, mas esta não resulta exclusivamente
dessa moralidade.
Argumentos do TC: 170º/1 poderia violar 41ºe 47º da CRP e o 18º/2 CRP (princípio da
necessidade da pena). a norma do CP é inconstitucional e por isso a arguida deveria ser
absolvida.
1º e 27º da CRP- princípio da culpa
Acórdão joga com a liberdade sexual da pessoa em questão, pode ser vista: Exercício
verdadeira da liberdade sexual por quem se prostitui. E a liberdade sexual da pessoa que
se prostitui para fundamentar a sua incriminação.
Para que haja um crime abstrato apenas se tem de fazer prova do comportamento e não
a prova do perigo.

O que fazer quando em tribunal se prova que não existiu um perigo? Crimes de perigo
abstrato.
Distingue-se entre crimes de dano e crimes de perigo.
1. Crimes de dano: a realização do tipo incriminador tem como consequência uma
lesão efetiva do bem jurídica.
Exemplos: o homicídio (art. 131º), o dano (art.212º), a violação sexual (art.164º) e a
injúria (art. 181º).
2. Crimes de perigo: a realização do tipo não pressupõe a lesão, mas antes se basta
com a mera colocação em perigo do bem jurídico. Aqui distingue-se entre
crimes de perigo concreto e crimes de perigo abstrato.
2.1. Crimes de perigo concreto: o perigo faz parte do tipo, ou seja, o tipo só é
preenchido quando o bem jurídico tenha efetivamente sido posto em perigo.
É o caso do artigo 138º (exposição ou abandono), em que é elemento do tipo
o “colocar em perigo a vida de outra pessoa”.
Outros exemplos: artigos 291º (condução perigosa do veículo rodoviário) e 272º
(incêndios, explosões ...).
2.2. Crimes de perigo abstrato: o perigo não é elemento do tipo, mas
simplesmente motivo de proibição. Neste tipo de crimes são tipificados certo
tipo de comportamentos em nome da sua perigosidade típica para um bem
jurídico, mas sem que ela necessite de ser comprovada no caso concreto: há
como que uma presunção inelidível de perigo, e, por isso, a conduta do
agente é punida independentemente de ter criado ou não um perigo efetivo
para o bem jurídico.
Temos como exemplo a condução do veículo em estado de embriaguez (art. 292º), em
que o condutor embriagado é punido pelo facto de o estado em que se encontra
constituir um perigo potencial para a segurança rodoviária.
Outros exemplos são o abuso sexual de crianças (art.172º), a contrafação da moeda (art.
262º) ou a posse de arma proibida (art.275º).
Tem sido questionada a constitucionalidade dos crimes de perigo abstrato pelo facto de
poderem constituir uma tutela demasiado avançada de um bem jurídico, pondo em sério
risco o princípio da legalidade e o princípio da culpa. A doutrina maioritária e o TC
pronunciam-se, todavia, pela sua não inconstitucionalidade quando visarem a proteção
de bens jurídicos de grande importância, quando for possível identificar claramente o
bem jurídico tutelado e a conduta típica for descrita de uma forma tanto quanto possível
precisa e minuciosa.
Quando haja acusação pela prática de um crime de perigo abstrato é indiferente a prova
que se faça no sentido de mostrar que, no caso concreto, o bem jurídico não foi posto
em perigo.
Contudo, no âmbito da discussão da constitucionalidade deste tipo de crimes surgiram
posições que preconizam a não punição de condutas que configurem a prática de um
crime de perigo abstrato quando se comprove que na realidade não existiu, de forma
absoluta, perigo para o bem jurídico, ou que o agente tomou as medidas necessárias para
evitar que o bem jurídico fosse colocado em perigo.
A este propósito começou a falar-se na doutrina de crimes de perigo abstrato-concreto.
Neles o perigo abstrato não é só critério interpretativo e de aplicação, mas deve também
ser momento referencial da culpa e, por isso, admitem a possibilidade de a perigosidade
ser objeto de um juízo negativo.
Esta categoria cabe ainda na dos crimes de perigo abstrato, porque a verificação do
perigo não é essencial ao preenchimento do tipo.
Do que verdadeiramente se trata é de crimes de aptidão, ou, na terminologia proposta
por BOCKELMANN, de “conduta concretamente perigosa”, no sentido de que só
devem relevar tipicamente as condutas apropriadas ou aptas a desencadear o perigo
proibido no caso de espécie. Assim, pois, nos crimes de aptidão o perigo converte-se em
parte integrante do tipo e não num meto motivo da incriminação, como sucede nos
autênticos crimes de perigo abstrato. Por outro lado, a realização típica destes crimes
não exige a efetiva produção de um resultado de perigo concreto.
Sobre o acórdão...
Se existe dignidade punitiva prévia? Existe um meio jurídico?
A prostituição não é punida em Portugal, e o consumo da prostituição também não é
punido.
Acórdão 2020- Dignidade da pessoa humana não é bem jurídico neste tipo de casos. A
dignidade humana não é um bem jurídico para efeitos de fundamentar determinada
incriminação. É um princípio constitucional muito importante.
Liberdade sexual: não quer dizer que sempre que alguém se prostitui esteja a pôr a sua
liberdade sexual em causa
Afetação da liberdade sexual conjugada com a dignidade da pessoa humana
A incriminação do lenocínio vem tutelar a liberdade sexual
Lenocínio- crime de perigo abstrato
Quando se consegue fazer prova disso as penas acabam por ser mais pesadas. Não
estamos a dispensar a prova porque é difícil, a ideia de tornar o lenocínio em crime
abstrato foi garantir a proteção da dignidade da pessoa humana e sua liberdade sexual.
Suécia: a prostituição não é punida, mas quem consome já é punido. O estado fica do
lado da prostituição e contra quem consome. É uma forma de diminuir a prostituição.

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