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Disciplina: Direito Penal Esquematizado

Tema: Excludentes de ilicitude

Prof. Diego Pureza

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Disciplina: Direito Penal Esquematizado
Tema: Excludentes de ilicitude

SUMÁRIO

ILICITUDE / ANTIJURIDICIDADE. .................................................................................................... 3


ESTADO DE NECESSIDADE ......................................................................................................... 3
Requisitos do estado de necessidade: .................................................................................. 3
# O furto famélico é crime?................................................................................................... 6
# É possível estado de necessidade contra estado de necessidade?.................................... 6
LEGÍTIMA DEFESA...................................................................................................................... 6
Requisitos da legítima defesa: .............................................................................................. 6
# É possível legítima defesa recíproca?................................................................................. 7
ESTRITO CUMPRIMENTO DE UM DEVER LEGAL........................................................................ 8
# O particular pode invocar a justificante do estrito cumprimento de um dever legal? ...... 8
# Policial que mata criminoso durante troca de tiros estaria acobertado pelo estrito
cumprimento de um dever legal? ......................................................................................... 8
EXERCÍCIO REGULAR DE UM DIREITO ....................................................................................... 8
# Problema: a problemática dos ‘ofendículos’...................................................................... 9
# Agiu o proprietário no exercício regular de um direito ou em legítima defesa? ............... 9
CONSENTIMENTO DO OFENDIDO ............................................................................................. 9

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ILICITUDE / ANTIJURIDICIDADE.

A ilicitude, também denominada de antijuridicidade, é o segundo elemento do


conceito analítico de crime. Trata-se de conduta típica não justificada, significando a
relação de contrariedade entre o fato típico e o ordenamento jurídico como um todo.
A seguir, caberá o estudo das causas gerais que excluem a ilicitude, previstas no art.
23 do CP:

“Exclusão de ilicitude
Art. 23 - Não há crime quando o agente pratica o fato:
I - em estado de necessidade;
II - em legítima defesa;
III - em estrito cumprimento de dever legal ou no exercício regular de direito.
Excesso punível
Parágrafo único - O agente, em qualquer das hipóteses deste artigo, responderá
pelo excesso doloso ou culposo”.

ESTADO DE NECESSIDADE

“Art. 24 - Considera-se em estado de necessidade quem pratica o fato para salvar


de perigo atual, que não provocou por sua vontade, nem podia de outro modo
evitar, direito próprio ou alheio, cujo sacrifício, nas circunstâncias, não era razoável
exigir-se.
§ 1º - Não pode alegar estado de necessidade quem tinha o dever legal de enfrentar
o perigo.
§ 2º - Embora seja razoável exigir-se o sacrifício do direito ameaçado, a pena poderá
ser reduzida de um a dois terços”.

A noção de estado de necessidade remete a ideia de sopesamento de bens diante de


uma situação adversa de risco de lesão: se há dois bens em perigo, permite-se que seja
sacrificado um deles, pois a tutela penal, nas circunstâncias do caso concreto, não
consegue proteger ambos.

Requisitos do estado de necessidade:

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(a) Perigo atual: trata-se do risco presente, real, gerado por fato humano,
comportamento de animal (não provocado pelo dono) ou fato da natureza, sem
destinatário certo.
# Abrange o perigo iminente?
1ª C: Não, por ausência de previsão legal.
2ª C: Sim, pois não seria razoável exigir que a pessoa aguardasse que o perigo
acontecesse para agir em estado de necessidade.

(b) Perigo não causado voluntariamente pelo agente: aquele que criou a situação de
perigo não pode se beneficiar do estado de necessidade.
Conforme maioria da doutrina, a expressão “voluntariamente” é indicativa de dolo,
não abrangendo a culpa. Assim, diante de perigo gerado por incêndio, o seu causador
doloso não poderá invocar o estado de necessidade, mas o imprudente pode.

(c) Salvação de direito próprio ou alheiro: diante de real situação de perigo, busca-
se salvar direito próprio (Estado de Necessidade Próprio) ou direito alheio (Estado de
Necessidade de Terceiro).
Na salvaguarda de interesse alheio, prevalece que é dispensável a autorização ou
posterior ratificação do titular do direito ameaçado, ainda que se trate de direito
disponível.

(d) Inexistência do dever legal de enfrentar o perigo: conforme prescreve o §1º do


art. 24 do CP:
“não pode alegar estado de necessidade quem tinha o dever legal de enfrentar o
perigo”.

Quer o dispositivo se referir a pessoas que, em razão da função ou ofício, têm o dever
legal de enfrentar a situação de perigo (desde que possível de ser enfrentado), não lhes
sendo lícito sacrificar bens alheios para a defesa do seu próprio direito.
Prevalece na doutrina, orientada pela Exposição de Motivos do Código Penal, que os
personagens que possuem o dever de enfrentar o perigo são todos aqueles
mencionados no art. 13, §2º, “a”, “b” e “c”, do CP.

(e) Perigo inevitável: só há estado de necessidade se comprovado que não havia


outro modo de evitar o perigo a não ser sacrificando um bem jurídico alheio. Ex: touro
bravo que escapou do cercado.

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(f) Inexigibilidade de sacrifício do interesse ameaçado: impõe-se a análise da


ponderação de bens, leia-se: a proporcionalidade entre o bem protegido e o bem
sacrificado.

Duas teorias discutem o tema:


 Teoria diferenciadora: reconhece duas espécies de estado de necessidade
EN Justificante: bem preservado > bem sacrificado;
EN Exculpante: bem preservado = ou < bem sacrificado;
 Teoria Unitária: reconhece somente o EN justificante de forma mitigada:
EN Justificante: bem preservado > ou = bem sacrificado.

Conforme se percebe através da redação do §2º do art. 24, o Código Penal adotou a
teoria unitária:

”§2º - Embora seja razoável exigir-se o sacrifício do direito ameaçado, a pena


poderá ser reduzida de um a dois terços”.

Curiosidade: o Código Penal Militar adota a T. Unitária Absoluta, de modo que só há


estado de necessidade se o bem protegido for consideravelmente superior ao bem
sacrificado:

“Art. 43, CPM: Considera-se em estado de necessidade quem pratica o fato para
preservar direito seu ou alheio, de perigo certo e atual, que não provocou, nem
podia de outro modo evitar, desde que o mal causado, por sua natureza e
importância, é consideravelmente inferior ao mal evitado, e o agente não era
legalmente obrigado a arrostar o perigo”.

(g) Conhecimento da situação de fato justificante (elemento subjetivo): deve o


agente conhecer as circunstâncias de fato justificante, demonstrando ter ciência de que
está agindo diante de um perigo atual (consciência e vontade de salvar direito próprio

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ou alheio). Em outras palavras, deve o agente ter a consciência de que está agindo em
estado de necessidade.

# O furto famélico é crime?


R: Entendido como o furto praticado para saciar a fome, o furto famélico tem sido
reconhecido pela jurisprudência como exemplo típico de conduta praticada em estado
de necessidade, desde que presentes os seguintes requisitos: (a) que o fato seja
praticado para mitigar a fome; (b) que seja o único recurso do agente; (c) que haja a
subtração de coisa capaz de diretamente contornar a emergência; (d) a insuficiência dos
recursos adquiridos pelo agente com o trabalho ou impossibilidade de trabalhar.

# É possível estado de necessidade contra estado de necessidade?


R: É perfeitamente possível duas pessoas enfrentarem o mesmo perigo. É o
denominado ‘estado de necessidade recíproco’. Ex: dois náufragos disputando o único
salva-vidas.

LEGÍTIMA DEFESA

“Art. 25 - Entende-se em legítima defesa quem, usando moderadamente dos meios


necessários, repele injusta agressão, atual ou iminente, a direito seu ou de outrem.
Parágrafo único. Observados os requisitos previstos no caput deste artigo,
considera-se também em legítima defesa o agente de segurança pública que repele
agressão ou risco de agressão a vítima mantida refém durante a prática de crimes.”.

Requisitos da legítima defesa:

(a) Injusta agressão: conduta humana (ação ou omissão) que ataca ou coloca em
perigo bens jurídicos de alguém de forma contrária ao direito.
Obs: a injusta agressão independe da consciência do agressor, assim, agressões
injustas por parte de inimputáveis autorizam a legítima defesa. Entretanto, em
determinados casos, é exigível a ponderação e o bom senso, sendo preferível evitar o
embate.

(b) Atual ou iminente: atual é a agressão presente, a que está ocorrendo, enquanto
que iminente é a que está prestes a ocorrer.
Obs: não se admite legítima defesa contra agressão passada (vingança) ou futura
(mera suposição).

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(c) Uso moderado dos meios necessários: deve o agredido usar de forma moderada
o meio necessário que servirá na sua defesa. Proporcionalidade entre ataque e defesa.
Entende-se como necessário o meio menos lesivo à disposição do agredido no
momento da agressão, porém capaz de repelir o ataque com eficiência.

(d) Proteção de direito próprio ou de terceiro: admite-se a legítima defesa no


resguardo de qualquer bem jurídico (vida, integridade física, honra, patrimônio, etc.)
próprio (Legítima Defesa Própria) ou alheio (Legítima Defesa de Terceiro).
Importante: O Pacote Anticrime acrescentou o parágrafo único no art. 25 do CP que
nada mais é do que um exemplo de legítima defesa de terceiro praticado por agente de
segurança pública:
Parágrafo único. Observados os requisitos previstos no caput deste artigo,
considera-se também em legítima defesa o agente de segurança pública que repele
agressão ou risco de agressão a vítima mantida refém durante a prática de crimes.

(e) Elemento subjetivo: deve o agente atuar com a consciência de estar em legítima
defesa.
Ex: Fulano que matar seu desafeto e, para tanto, o persegue e o mata com tiros pelas
costas. Após mata-lo, percebe que seu desafeto iria matar terceira pessoa. Fulano não
poderá invocar a legítima defesa de terceiro pois, no momento do disparo, tinha apenas
o dolo de matar, não possuindo nem ao menos a consciência de estar defendendo a vida
de outrem.

# É possível legítima defesa recíproca?


R: Pressupondo agressão injusta, não é possível, simultaneamente, agirem, uma
contra a outra, na legítima defesa de seu interesse. Entretanto, se mostra possível as
seguintes hipóteses:
- Legítima defesa sucessiva;
- Legítima defesa real x legítima defesa putativa;
- Legítima defesa putativa x legítima defesa putativa.

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ESTRITO CUMPRIMENTO DE UM DEVER LEGAL

Não possui conceito legal, ficando a cargo da doutrina defini-lo.


Segundo a doutrina, age em estrito cumprimento de um dever legal o agente público
que pratica um fato obedecendo a um dever emanado da lei.
É o caso do policial que emprega violência moderada (mas necessária) para
concretizar a prisão em flagrante de perigoso assaltante (dever de prisão em flagrante
previsto no art. 301 do Código de Processo Penal).
O dever legal que fundamenta a descriminante é aquele decorrente de lei em sentido
amplo, ou seja, de qualquer diploma normativo emitido pela autoridade competente
para deliberar a respeito.

# O particular pode invocar a justificante do estrito cumprimento de um dever legal?


1ª C) Não, pois trata-se de justificante exclusiva do Estado (abrangendo o particular
somente quando no exercício da função pública);
2ª C) Sim, desde que o conteúdo da norma permissiva seja complementada por outra
norma jurídica. Ex: Advogado diante do segredo profissional (Código de Ética e Disciplina
da OAB) e o crime de falso testemunho (art. 342 do CP).

# Policial que mata criminoso durante troca de tiros estaria acobertado pelo estrito
cumprimento de um dever legal?
R: ________________________________________________

EXERCÍCIO REGULAR DE UM DIREITO

Não possui conceito legal, ficando a cargo da doutrina defini-lo. Conforme a doutrina,
age em exercício regular de um direito quem pratica o fato exercendo uma atividade
autorizada pelo Estado.
Concretiza a máxima: “onde existe o direito não há crime”.
Esta causa de justificação compreende condutas do cidadão comum autorizadas pela
existência de direito definido em lei em condicionadas à regularidade do exercício desse
direito.
Ex1: prisão em flagrante permitida a qualquer um do povo (art. 301 do CPP);
Ex2: a prática de determinados esportes pode gerar lesão corporal e até a morte,
porém, não se pode ignorar que o Estado incentiva a prática esportiva (Lei nº 9.615/98
– Lei Pelé -, abrangendo, inclusive, as modalidades violentas). O atleta, no seu mister,
pode invocar a descriminante do exercício regular de direito.

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# Problema: a problemática dos ‘ofendículos’.


Definição: aparato preordenado para a defesa do patrimônio (ex: cerca elétrica,
cacos de vidro no muro, etc.).
Caso: um assaltante, ao tentar invadir uma residência, se fere na lança que protege
o imóvel. O proprietário da casa, obviamente, não responde por lesão corporal. Discute-
se, no entanto, o fundamento da sua absolvição.

# Agiu o proprietário no exercício regular de um direito ou em legítima defesa?


R: conforme a maioria da doutrina, enquanto o aparato não é acionado, caracteriza-
se exercício regular de um direito (art. 1.297 do Código Civil); ao funcionar repelindo
injusta agressão, configura a excludente de legítima defesa (‘legítima defesa
preordenada’).

Quadro de resumo:

Estado de Legítima defesa Estrito Exercício Regular


necessidade cumprimento de um de um Direito
dever legal
- Conflito de bens - Reação para repelir - Agente Público que - Prática de fato no
diante de perigo atual. injusta agressão, pratica fato exercício de uma
atual ou iminente, a obedecendo dever conduta autorizada
- Valor do bem direito próprio ou de ofício. pelo Estado.
preservado deve ser > alheio.
ou = ao bem - A reação deve ser - Decorre da Lei.
sacrificado. moderada e através
do meio necessário.

CONSENTIMENTO DO OFENDIDO

O consentimento do ofendido, segundo maioria da doutrina, pode representar


causa supralegal de exclusão da ilicitude (desde que o dissentimento não represente
elementar do crime).
Ainda assim, são necessários alguns requisitos para que o consentimento do
ofendido tenha força de causa justificante:
(A) O dissentimento (não consentimento) não pode integrar o tipo penal
(elementar do tipo;
(B) O ofendido tem que ser capaz;
(C) O consentimento deve ser válido;
(D) O bem deve ser disponível;
(E) O bem deve ser próprio;
(F) O consentimento deve ser prévio ou simultâneo à lesão ao bem jurídico;

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(G) O consentimento deve ser expresso;


(H) Ciência da situação de fato que autoriza a justificante (elemento
subjetivo).

Diego Luiz Victório Pureza


Advogado.
Professor de Criminologia, Direito Penal, Direito Processual Penal e Legislação Penal
Especial em diversos cursos preparatórios para concursos públicos.
Pós-graduado em Ciências Criminai.
Pós-graduado em Docência do Ensino Superior
Pós-graduado em Combate e Controle da Corrupção: Desvios de Recursos Públicos.
Palestrante e autor de diversos artigos jurídicos.

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