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19/11/23, 18:10 Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa

Acórdãos TRL Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa


Processo: 141/18.8PXLSB.L1-3
Relator: MARIA PERQUILHAS
Descritores: REENVIO
FACTOS PESSOAIS
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 26-06-2019
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: REENVIO
Sumário: A decisão em crise não contém quaisquer factos sobre a pessoa do
agente para além dos que se prendem com ação ilícita culposa,
natureza do crime e dos que decorrem do seu certificado de registo
criminal.
Nas situações em que o arguido não comparece à audiência de
julgamento ou em que se remete ao silêncio e não arrola prova, o
julgador deve diligenciar no sentido de obter os elementos
indispensáveis à caracterização da sua personalidade e do seu
carácter, bem como às suas condições pessoais e à sua conduta
posterior à prática do crime. (ver Ac. citado: Relação de Lisboa de
18-02-2014).
Não o tendo feito e não constando da decisão recorrida tais factos,
existe manifesta insuficiência da matéria de facto provada para se
poder determinar em concreto a pena a aplicar, e bem assim o valor
da taxa a fixar relativamente à pena de multa.
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Decisão proferida na 3ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa

JP… veio recorrer da decisão primeira instância que o condenou


pela prática, na forma tentada, de um crime de incêndio, previsto e
punido pelos art.ºs 272º, n.º 1, alínea a), 14º, 26º e 22º do Código
Penal, na pena de 180 dias de multa, à taxa diária de € 7,
perfazendo a quantia de € 1260 (mil duzentos e sessenta euros) .
Para o efeito apresenta as seguintes conclusões:
I ) Entende o recorrente que o Tribunal “a Quo” fez uma errada
aplicação do direito, por isso não pode concordar com o acordão em
apreço, nem com a fundamentação nela invocada designadamente,
pelos seguintes motivos:
II) A sentença recorrida violou entre outros preceitos os art.°s 40 ,
70, 71 °n° 1d ) e art° 47 n° 1 e 2 todos do Código Penal.
III) O recorrente foi condenado pela prática na forma tentada de
um crime de incêndio, explosões e outras condutas especialmente
perigosas previsto e punido pelos artigos 272.° n.° 1 alínea a) 14.° n.°
1, 22.° n.° 1 e 2 e 26.° todos do Código Penal .
IV) Foi condenado numa pena de 180 (Cento e Oitenta) dias de
multa à taxa diária de 7€ (Sete Euros) perfazendo a quantia de
1.260.00€ (Mil Duzentos e Sessenta Euros).
V) Porém o ora recorrente não se conforma com a medida da pena
aplicada, nomeadamente no seguinte:
VI) Foi realizada a audiência de discussão e julgamento na
ausência do arguido com observância do formalismo legal, tendo
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resultado provados os factos constantes da acusação.


VII) Os quais resultaram provados em função dos depoimentos das
testemunhas e da prova documental junto aos autos.
VIII) Ficou ainda provado que o arguido é primário, não tendo
averbado no seu registo criminal qualquer condenação anterior.
IX) Em face dos factos provados entendeu o Tribunal a quo
condenar o arguido numa pena de 180 dias de multa á taxa diária de
€ 7,00.
X) Condenação que o arguido não pode deixar de considerar
excessiva e desproporcional à gravidade dos factos que praticou e
insusceptível de assegurar as finalidades que estão na base da
punição.
XI) São as finalidades relativas de prevenção, geral e especial, que
justificam a intervenção do sistema penal e conferem fundamento e
sentido às suas reacções específicas.
XII) A prevenção geral, enquanto prevenção positiva ou de
integração, i. e. “como estabilização contrafática das expectativas
comunitárias na validade e vigência da norma infringida”, assume o
primeiro lugar como finalidade da pena.
XIII) Por outro lado, o princípio da culpa, acolhido no nosso
ordenamento jurídico-penal e cujo fundamento axiológico radica no
princípio da inviolabilidade da dignidade pessoal, implica que a culpa
seja condição necessária da aplicação da pena e, simultaneamente,
que a medida da pena não possa ultrapassar a medida da culpa.
XIV) Estes princípios encontram expressão nos n° 1 e 2 do art. 40°
do C. Penal, nos termos dos quais as penas têm como finalidade a
protecção de bens jurídicos e a reintegração do agente na sociedade, e
não podem em caso algum ultrapassar a medida da culpa.
XV) Nos casos em que lei preveja, em alternativa, a aplicação de
pena privativa e não privativa da liberdade, antes da determinação da
medida concreta da pena haverá que proceder à escolha da pena
seguindo o critério definido no art° 71° do C. Penal, ou seja dar
preferência à pena não privativa da liberdade sempre que ela realize
de forma adequada e suficiente as finalidades da punição (indicadas
no art° 40°, como já acima referimos)
XVI) E, bem assim, no n° 1 do art. 71° do C. Penal, de acordo com
o qual a determinação da medida da pena, dentro dos limites
definidos na lei, é feita em função da culpa do agente e das exigências
de prevenção, operação na qual, e de acordo com o n° 2 do mesmo
preceito, o tribunal terá de atender àquelas circunstâncias que, não
fazendo parte do tipo de crime, deponham a favor ou contra o agente
nomeadamente :as condições pessoais do agente a sua situação
económica.
XVII) Aqui o tribunal “a quo” violou o preceituado no art° 70° e 71°
n° 2 d) e ar° 47 n° 2 ambos do C.P., ou seja não tendo conhecimento
da situação económica e pessoal do arguido não se limitou aplicar
uma taxa diária mínima de 5.00€
XVIII) Tendo em conta assim que não foi possível apurar as
concretas condições sócio-económicas do recorrente e no seguimento

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da opinião Professor Figueiredo dias, in As Consequências Jurídicas


do crime (...), página 131§153, o mesmo refere que se deve fixar no
limite mínimo o quantitativo diário devido, ou se deve fixar no limite
minimo o quantitativo diário devido, ou seja em 5.00€ (cinco Euros),
o que neste caso não aconteceu a M.ª Juiz à quo fixou uma taxa
diária de 7.00€(Sete Euros).
XIX) Também não houve a existência de um relatório social para o
julgamento, porque o arguido já não se encontrava na morada
constante do TIR.
XX) Face ao exposto, resulta que a Mª Juiz “a quo” não usou de
ponderação, adequação, e proporcionalidade necessárias para a
recolha de determinação da medida da pena violando os art°s 70 e 71
n° 2 d ), e o art° 47 n° 1 e n° 2 todos do C.P.
XXI) No entanto, e já posteriormente à audiência de discussão e
julgamento, o tribunal logrou contactar telefonicamente com o
arguido, tendo aliás o mesmo fornecido a sua atual morada, morada
essa em que foi remetido o douto acórdão .
XXII) Mais se informa, que essa morada na Rua … n° …- E- Areosa
Porto pertence à Instituição R…, local esse onde se encontra o
arguido.
XXIII) Tendo em conta toda esta factualidade exposta, e
desconhecendo-se assim as suas condições sócio-económicas do
arguido, entende-se assim que a pena de multa deverá ser reduzida
para os seus mínimos legais de acordo com o art° 40, 70, 71° n° 1 d )
e art° 47 n° 1 e 2 todos do C.P, bem como esta pena de multa deverá
ser convertida em trabalho favor da comunidade de acordo com o
art°48 n° 1.C.P. atendendo que o arguido se encontra numa
Instituição não auferindo qualquer rendimento.
*
Recebido o recurso (fls. 172) o MP na primeira instância respondeu
propugnando pela improcedência do mesmo, concluindo do
seguinte modo:
1) As provas produzidas em sede de julgamento foram
correctamente apreciadas pelo Tribunal e conduzem à matéria de
facto fixada no acórdão recorrido e à condenação do arguido pela
prática de um crime de incêndio, na forma tentada, p.p. pelas
disposições conjugadas dos art.ºs 272.º, n.º 1, alínea a), 14.º, 26.º e
22.º todos do C.P.;
2) Há tentativa quando o agente praticar actos de execução de um
crime que decidiu cometer, sem que este chegue a consumar –se (art.º
22.º do C.P.);
3) Não foi possível conhecer das condições sócio-profissionais da
vida do arguido pois, não obstante as convocatórias enviadas pela
D.G.R.S.P., o mesmo não compareceu nem às entrevistas nem às
sessões de audiência de julgamento;
4) Em sede de primeiro interrogatório judicial (art.° 141.°, n.° 4,
alínea b) do C.P.P.) não quis prestar declarações sobre as suas
condições pessoais;
5) O arguido mudou da residência por si indicada no TIR sem

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comunicar ao tribunal, como era seu dever, mostrando indiferença e


desinteresse pelo processo e pela sua situação;
6) A prestação de TIR regula um específico processo
comunicacional entre arguido e tribunal, cabendo àquele indicar
uma residência para essas notificações e o dever de comunicar a
subsequente mudança de residência, ficando o mesmo em auto,
descrevendo-se aí as operações praticadas, fazendo este fé em juízo;
7) O relatório social é um documento elaborado por serviços de
reinserção social que tem por objectivo auxiliar o tribunal ou o juiz,
no conhecimento da personalidade do arguido, incluída a sua
inserção familiar e sócio-profissional;
8) Estando em causa meros dados de facto e não qualquer juízo
técnico ou científico, estão sujeitos à livre apreciação do julgador;
9) Não considerando o Tribunal ser necessário à correcta
determinação da sanção, pode avançar para a determinação da
medida da pena sem que se mostre junto o relatório, cuja requisição
obedece ao critério de necessidade;
10) Nos termos do art.° 40.° do C.P. a aplicação de penas visa a
protecção de bens jurídicos (prevenção geral) e a reintegração do
agente na sociedade (prevenção especial), não podendo em caso
algum ultrapassar a medida da culpa;
11) A determinação da sua medida faz-se em função da culpa do
agente, tendo ainda em conta as exigências de prevenção de futuros
crimes e atendendo a todas as circunstâncias que, não fazendo parte
do tipo de crime, deponham a favor do agente ou contra ele (art.° 71.°
do C.P.);
12) O crime de incêndio, na forma consumada, é punido com uma
moldura penal de prisão entre 3 a 10 anos;
13) Considerando os limites previstos no art.° 73.° do C.P., em
relação à pena de prisão o limite máximo é de 6 anos e 8 meses
(redução de um terço, que se traduz em 40 meses) e o limite mínimo
de 7 meses (art.°s 73.°, n.° 1 alínea b) e 41.°, n.° 1, do C.P.);
14) É justa, adequada e proporcional a pena de nove meses de
prisão, quantum próximo do limite mínimo;
15) A pena de prisão aplicada em medida não superior a um ano é
substituída por pena de multa ou por outra pena não privativa da
liberdade aplicável, excepto se a execução da prisão for exigida pela
necessidade de prevenir o cometimento de futuros crimes, sendo
correspondentemente aplicável o disposto no artigo 47.º (art.º 45.º do
C.P.);
16) Não obstante ser desconhecida a situação profissional, social e
familiar do arguido, não tendo antecedentes criminais, a condenação
em pena de multa assegura as finalidades da punição de prevenção
geral e de prevenção especial;
17) A pena de multa é fixada em dias, entre 10 e 360,
correspondendo a cada dia de multa uma quantia entre € 5 e € 500,
que o tribunal fixará em virtude da situação económica e financeira
do arguido e dos seus encargos pessoais (art.º 47.º do C.P.);
18) Tendo o arguido agido com dolo directo, mostrado desinteresse

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pela tramitação processual, os meios que utilizou, não ter


antecedentes criminais, haver prementes razões de prevenção geral
que rodeiam os crimes de incêndio é justa, adequada e proporcional a
pena de 180 dias de multa;
19) Sendo desconhecida a concreta situação económica e
financeira do arguido, é justa a fixação do quantitativo diário em
€7,00;
20) Foi justa e reprovadora do crime de incêndio p.p. pelas
disposições conjugadas dos art.ºs 272.º, n.º 1, alínea a), 14.º, 26.º e
22.º todos do C.P., a pena de multa de 180 dias à taxa diária de €7,00,
no total de €1.260,00;
21) Nenhuma censura merece a decisão recorrida e,
consequentemente, deve negar-se provimento ao recurso interposto
pelo arguido JP…, mantendo-se o douto acórdão proferido.
*
O Sr. PGA junto desta Relação pronunciou-se a fls. 186 a 188,
aderindo aos fundamentos do Recurso do MP na primeira instância
e pugnando pela improcedência do recurso, reforçando que pena de
multa é uma verdadeira pena pelo que a taxa que lhe for/foi
aplicada não pode deixar de traduzir essa natureza.
*
Foi cumprido o disposto no art.º 417º, nº 2 do CPP, nada tendo sido
dito.
*
Efectuado o exame preliminar e colhidos os vistos legais, foi o
processo à Conferência, cumprindo agora apreciar e decidir.
*
O âmbito do recurso é delimitado pelas conclusões do recorrente.
Só estas o tribunal ad quem deve apreciar art.ºs 403º e 412º nº 1
CPP[1] sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso – art.º
410º nº 2 CPP.
*
Questões a decidir:
A condenação do arguido como autor do crime que lhe foi
imputado e pelo qual foi condenado não foi posta em causa no
presente recurso, sendo incontroversa. O presente o recurso
respeita apenas à determinação da pena, mais concretamente á
questão de saber Se:
- A penalidade aplicada é excessiva e desproporcional face à
gravidade dos factos;
- O Tribunal a quo poderia fixar a taxa diária da pena de multa em
montante superior ao mínimo legal, uma vez que não apurou
qualquer facto relativo às condições pessoais do arguido;
- Se a pena aplicada deve ser convertida em trabalho a favor da
comunidade.
*
A decisão da primeira instância é a seguinte:
“II. FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO
A) FACTOS PROVADOS

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Mostram-se provados os seguintes factos:


1. No dia 5 de Agosto de 2018, pelas 00 horas e 20 minutos, o
arguido dirigiu-se, no automóvel ligeiro de passageiros de matrícula
…-SV-…, a um dos parques de estacionamento da Estação
Ferroviária de Campolide, com o intuito de provocar um incêndio
num dos veículos que aí se encontravam estacionados.
2. Para esse efeito, o arguido munira-se previamente de um
isqueiro, da marca BIC, e de algumas acendalhas.
3. Já no local, o arguido apercebeu-se que ali se encontrava
parqueado o veículo de matrícula …-…-XH, marca Fiat, modelo
Ducato Dethleffs, propriedade da C… LDA, com o NIPC ….
4. Seguidamente, o arguido deslocou-se até junto da viatura,
colocou uma acendalha junto ao pneu traseiro esquerdo e usou a
chama do isqueiro de que estava munido para a incendiar.
5. Acto contínuo, o arguido regressou à viatura de matrícula …-
SV-…, onde se encontravam outras acendalhas, enquanto ocultava o
isqueiro de que estava munido num dos bolsos das calças.
6. Nesse momento, passou no local uma patrulha da PSP de
Lisboa, que, de imediato, apagou o fogo iniciado pelo arguido e o
interceptou.
7. O veículo de matrícula …-…-XH tinha um valor aproximado de
€ 10.000,00.
8. Apesar da conduta do arguido, o veículo de matrícula …-…-XH
não sofreu danos na sua zona traseira esquerda, não tendo havido
necessidade de qualquer reparação.
9. O arguido agiu de forma deliberada, livre e consciente, com o
propósito, que apenas não logrou concretizar devido à pronta
intervenção da PSP de Lisboa, de provocar, na viatura de matrícula
…-…-XH, que sabia ter valor superior a € 5.100,00, um incêndio que
a poderia destruir totalmente.
10. O arguido procedeu dessa forma, apesar de ter consciência que
o incêndio por si provocado poderia colocar em risco a vida de
terceiros, nomeadamente, os que eventualmente estivessem no
interior do referido veículo, e propagar-se a outros veículos de valor.
11. Bem sabia o arguido que a sua conduta era proibida e punida
por lei penal.
12. Do certificado de registo criminal do arguido nada consta.
*
B) FACTOS NÃO PROVADOS
Não se provaram outros factos com relevância para a decisão da
causa, concretamente: 1- No momento dos factos o arguido
desconhecia a identidade do proprietário do veículo de matrícula
…-…-XH ou se alguém se encontrava a pernoitar no seu interior.
*
C) MOTIVAÇÃO DE FACTO
O Tribunal fundou a sua convicção na apreciação crítica do conjunto
da prova produzida, devidamente analisada à luz do prudente arbítrio
e das regras de experiência, nos termos do art. 127º do C.P. Penal.
Refira-se que liberdade de apreciação não se confunde com

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apreciação arbitrária da prova, nem com a mera impressão gerada no


espírito do julgador pelos diversos meios de prova, exigindo-se antes,
uma apreciação crítica e racional das provas, fundada nas regras da
experiência, da lógica e da ciência.
Dispõem os artigos 374º, n.º 2 e 379º, n.º 1, al. a) do Código de
Processo Penal que a sentença deve conter, para além da enumeração
dos factos provados e não provados, a indicação das provas que
serviram para formar a convicção do Tribunal, e uma exposição,
tando quanto possível completa, ainda que concisa, dos motivos de
facto que fundamentam a decisão, com indicação e exame crítico das
provas que serviram para formar a convicção.
Logo, para apurar a factualidade assente, não basta enumerar os
meios de prova, antes se impondo que se expresse o modo como se
alcançou essa convicção, descrevendo o processo racional seguido e
objetivando a análise e ponderação criticamente comparativa das
diversas provas produzidas, para que se conheça a motivação que
fundamentou a opção por certo meio de prova em detrimento de
outro, ou sobre qual o peso que determinados tiveram no processo
decisório, ou proceder à explanação do percurso lógico do Tribunal
até chegar à decisão fática, para permitir aos destinatários da decisão
e aos cidadãos em geral, um controle externo e democrático sobre o
exercício da justiça (cfr. Acórdão da Relação de Lisboa de 8 de
novembro de 2006, proferido no âmbito do processo n.º
5/14.4GMLSB deste Juízo Central Criminal de Lisboa).
Concretizando, foram desde logo essenciais os depoimentos das
testemunhas inquiridas, que de forma isenta, credível e coerente,
elucidaram o Tribunal sobre a sua perspectiva dos factos:
- RA… e RJ…, ambos agentes da PSP, confirmando o auto de
notícias e a demais documentação recolhida, esclareceram que no
âmbito de uma ronda habitual ao parque de estacionamento,
observaram o arguido junto à autocaravana utilizando a acendalha.
Relataram ainda a abordagem ao arguido e a reacção do mesmo ao
ser surpreendido, não dando qualquer explicação para o seu
comportamento, apesar de ainda terem sido encontradas mais duas
acendalhas dentro do seu veículo. Ambos confirmaram que não se
encontrava ninguém dentro da autocaravana no momento dos factos.
Os seus depoimentos foram circunstanciados e precisos, não tendo
sido descoberta qualquer razão para actuação do arguido.
- CJ…, sócio gerente da empresa proprietária da autocaravana,
revelou que a mesma era utilizada como escritório servindo de apoio
para a empresa que explora viaturas prestando serviço Uber, qual o
seu valor, confirmando por um lado a inexistência de danos provados
pela conduta do arguido, quer o desconhecimento das razões da
actuação do arguido, que nem sequer conhecia, (pois embora os
esforços no sentido de apurar se o arguido, sendo motorista, havia
trabalhado para a empresa proprietária da autocaravana, nada foi
apurado).
Foi ainda relevante a prova documental junta aos autos, a saber:
- Relatório de fls. 2-3 elaborado pelos inspectores da Policia

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Judiciária;
- Fotogramas de fls. 4, 5 e 13 a 15, relativos ao local da ocorrência e à
autocaravana;
- Auto de notícia de fls. 6-7 elaborado pelos agentes da PSP que
prestaram depoimento
na audiência de julgamento;
- Auto de apreensão de fls. 8, relativa às acendalhas e ao isqueiro;
- Autos de exame e avaliação de fls. 9 e 10 dos objectos apreendidos;
- Pesquisas de fls. 19 relativa ao registo de propriedade da
autocaravana;
- Certificado de registo criminal do arguido constante de fls.116.
Finalmente, restaria proceder a uma análise das declarações do
arguido, prestadas em sede de primeiro interrogatório judicial, ao
abrigo do disposto no art. 141º, n.º 4, alínea b) do C.P.Penal; no
entanto como o mesmo não pretendeu prestar declarações (mesmo
sobre as condições pessoais), tal operação não é possível. Igualmente
não foi possível conhecer das condições socioprofissionais da vida do
arguido, uma vez que não obstante as convocatórias enviadas pela
DGRS, o mesmo não compareceu às entrevistas e como também não
compareceu às sessões de audiência de julgamento, não foi possível
conhecer de tais circunstâncias.
Quanto aos factos não provados, os mesmos assim resultaram da
insuficiência de prova produzida, pois que a prova produzida não
permitiu ao tribunal concluir se o arguido conhecia ou desconhecia
se alguém se encontrava no interior da autocaravana e se igualmente
tinha ou não conhecimento da propriedade desta, contrariando a
versão dos factos constantes do libelo acusatório. Refira-se ainda que
apesar do forcing judicial no sentido de apurar o móbil da actuação
do arguido, nada foi apurado que iluminasse o porquê dos factos sub
iudice.
*
***
*
Está apenas em causa saber se a matéria de facto apurada nos
autos permite a aplicação da taxa diária aplicada à pena de multa
que foi determinada, pena e taxa que se mostram excessivas e
desproporcionais, ou se ao invés o tribunal a quo teria que aplicar o
mínimo legalmente previsto para a referida taxa.
O arguido foi julgado na sua ausência como se verifica da acta de
fls. 117 e 133.
Não se encontra na motivação da decisão de primeira instância
qualquer referência a Relatório Social, que não foi realizado pois o
arguido não compareceu às convocatórias da DGRSP para o efeito,
sobre as condições de vida do arguido.
O tribunal determinou a pena em causa e fixou a respetiva
baseando-se apenas nas circunstâncias da prática do facto e na
ausência de antecedentes criminais do arguido como se verifica da
decisão recorrida que se transcreve nessa parte: “Demonstrado que
está o preenchimento do tipo legal de crime de incêndio, previsto e

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punido nos art. 272º, n.º 1, alínea a) e 22º do Código Penal, resta
determinar a sanção a aplicar. Mas como foi supra decidido, face à
não produção do resultado típico, verifica-se uma situação especial de
determinação da pena concreta, conforme resulta do art. 23º, 72º e
73º todos do Código Penal.
Na forma consumada tal ilícito é punido com uma moldura penal de
prisão entre 3 a 10 anos.
Assim, e em conformidade com tal caso especial de determinação da
pena, há que considerar os limites previstos no art. 73º, de modo que
em relação à pena de prisão o limite máximo é de 6 anos e 8 meses
(redução de um terço, que se traduz em 40 meses), sendo o limite
mínimo de 7 meses, cfr. art. 73º, n.º 1 alínea b) e 41º, n.º 1, ambos do
C.Penal.
Dentro desta moldura, há agora que proceder às operações de
determinação da pena, nos termos gerais, cfr. art. 71º do C.Penal.
O Tribunal reger-se-á, desde logo, pelo artigo 40º do Código Penal,
nos termos do qual se preceitua que a aplicação das penas visa a
protecção de bens jurídicos e a reintegração do agente na sociedade
(n.º 1), não podendo, em caso algum, a pena ultrapassar a medida da
culpa (n.º 2).
A pena concreta é limitada no seu máximo inultrapassável pela
medida da culpa, delimitada por uma moldura de prevenção geral,
cujo limite superior é oferecido pelo ponto óptimo de tutela dos bens
jurídicos e cujo limite inferior é constituído pelas exigências mínimas
de defesa do ordenamento jurídico. Dentro desta moldura de
prevenção, a medida da pena é encontrada em função de exigências
de prevenção especial, positiva, visando a reforma interior do
delinquente, ou negativa, enquanto intimidação individual. Desta
foram se concretiza o imperativo legal contido no art. 71º do Código
Penal.
No acaso em apreço, não consta do certificado de registo criminal do
arguido a prática de outros crimes, além de que não houve quaisquer
danos derivados da sua actuação delituosa, que revestiu forma
bastante simples e rudimentar. Assim afigura-se justa, adequada e
proporcional a pena de nove meses de prisão, quantum muito
próximo do limite mínimo.
No entanto, cumpre ainda ponderar da pertinência da realização de
uma outra operação na determinação da pena, atendendo ao disposto
no artigo 45.º do C.Penal:
“Substituição da prisão por multa
1 - A pena de prisão aplicada em medida não superior a um ano é
substituída por pena de multa ou por outra pena não privativa da
liberdade aplicável, excepto se a execução da prisão for exigida pela
necessidade de prevenir o cometimento de futuros crimes. É
correspondentemente aplicável o disposto no artigo 47.º
2 - Se a multa não for paga, o condenado cumpre a pena de prisão
aplicada na sentença. É correspondentemente aplicável o disposto no
n.º 3 do artigo 49.º.”
Ora, apesar de se desconhecer a situação profissional, social e

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familiar do arguido e da ausência do mesmo nas sessões de audiência


de julgamento, uma vez que o mesmo não regista antecedentes
criminais e assemelha-se que a sua actuação tenha sido um caso
isolado no seu percurso, afigurando-se que a condenação em pena de
multa assegurará todas as finalidades da punição, tanto de prevenção
geral, - afirmação contrafáctica da validade e vigência da norma
violada -, como de prevenção especial – evitar o cometimento de
novos crimes por parte do arguido -, opta-se pela substituição da pena
de 9 meses de prisão por pena de multa.
Assim escolhida a pena, cumpre agora determinar a sua medida
concreta.
Ora, a pena de multa, de acordo com o art. 47º do C.Penal do Código
Penal, é fixada em dias, entre 10 e 360 dias, de acordo com os
critérios supra expostos, correspondendo a cada dia de multa uma
quantia entre € 5 e € 500, que o tribunal fixará em virtude da situação
económica e financeira do arguido e dos seus encargos pessoais.
Atendendo às circunstâncias que rodearam a prática do ilícito
praticado, nomeadamente, à culpa do arguido que se mostra na
modalidade de dolo directo, à postura do arguido que se desinteressou
pela tramitação processual, à ilicitude do facto explanada nos meios
utilizados, ao facto de no certificado do registo criminal nada constar
e fundamentalmente às prementes razões de prevenção geral que
rodeiam os crimes de incêndio, que sempre geram alarme social,
atento os danos hipotéticos que podem causar, julga-se justa
adequada e proporcional a pena de cento e oitenta dias de multa.
Relativamente ao quantitativo diário, para o que releva o
desconhecimento da concreta situação económica e financeira do
arguido, fixa-se em 7 euros o quantitativo diário.
Assim, pelo crime de consumo de incêndio, previsto e punido nos art.
272º, n.º 1, alínea a) e 22º do Código Penal, considera-se adequada e
justa a condenação do arguido na pena de 180 dias de multa, à taxa
diária de € 7, perfazendo a quantia de € 1260 (mil duzentos e sessenta
euros).”
*
*
O Tribunal a quo procedeu, assim, à determinação da pena
concreta, com base nas circunstâncias do caso e na ausência de
antecedentes criminais, não considerando necessário conhecer o
percurso de vida do arguido posterior à prática do ilícito. Ou seja,
na base da sua decisão de aplicar pena privativa da liberdade, que
depois substituiu por multa, esteve, no fundo, a análise da conduta
do arguido anterior aos factos, e as circunstâncias da sua prática.
É um facto que o comportamento do arguido não comparecendo
em audiência de julgamento, nem nada dizendo para justificar essa
ausência, nem comparecendo na DGRSP para efeitos de elaboração
de relatório social não lhe é favorável.
Contudo, afigura-se-nos que o Tribunal recorrido não deveria ter
decidido unicamente com base na ausência de antecedentes
criminais nas circunstâncias do facto e apenas com base nestes

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determinar a pena, sem ter apurado as circunstâncias pessoais, de


vida, do arguido no momento de escolher a natureza da pena a
aplicar e bem assim da determinação do valor da taxa que decidiu
aplicar á pena de multa.
É inegável que arguido não colaborou para que o Tribunal pudesse
conhecer tais circunstâncias quando teve oportunidade de as dar a
conhecer em juízo, sendo notório que o seu comportamento ao
longo do processo na 1ª instância, não facilitou o trabalho da justiça
pois que apesar de notificado para julgamento na morada do TIR
não compareceu em julgamento nem justificou essa falta de
comparecimento. Mas, a verdade é que se entende que no caso
concreto, e ainda assim, essas condições poderiam e deveriam ter
sido apuradas por outras vias, que estavam ao alcance do Tribunal
a quo.
Com efeito, consta dos autos que o arguido foi notificado do
despacho que recebeu a acusação e designou dia para audiência na
morada constante do TIR (fls. 23/93/97/111) nos termos permitidos
por lei, e apesar de ter faltado à audiência de Julgamento e de
constar nos autos informação de que o mesmo havia mudado de
residência (fls. 136), a verdade é que o tribunal logrou obter a sua
atual residência e nela notifica-lo do acórdão condenatório.
Deste modo, sendo embora obrigação decorrente da prestação do
TIR o arguido não se ausentar da morada que indicou e que ficou a
constar desse TIR, sem dar disso conhecimento ao processo,
recaindo sobre ele as consequências negativas da violação dessa
mesma obrigação, a verdade é que o Tribunal a quo logrou saber o
atual paradeiro/morada do arguido.
“Neste contexto afigura-se-nos que sem prejuízo da celeridade que se
deve imprimir à marcha do processo, em nome do princípio da
descoberta da verdade material e da equidade que devem sempre
presidir às decisões dos Tribunais, encontrando-se o arguido em
território nacional, como de facto se veio apurar que se encontrava, o
Tribunal a quo poderia e deveria ter efetuado diligências antes da
realização da audiência de julgamento, para averiguar das suas
condições de vida pessoais do ponto de vista económico e familiar,
desde logo solicitação ao OPC competente, a realização de inquérito
sumário sobre as condições de vida pessoal do arguido ou realizando
outras diligências que considerasse pertinentes para esse efeito” (Ana
Paula Grandvaux Barbosa, Ac. Rel. Lisboa de 06.12.2017, Proc.
1010/13.3GCALM.L1).
“E mesmo após a realização do julgamento, era necessário, ter sido
feita uma pesquisa mais alargada e mais aprofundada no sentido de
ser localizado o paradeiro do arguido, reabrindo-se porventura o
julgamento apenas para permitir a recolha desses elementos e a
realização de prova quanto à situação de vida pessoal do arguido –
isto é, a fim de nomeadamente, poderem ser conhecidas as suas
actuais condições de vida, necessidade essa que se confirmou e se
tornou imperativa, com a realização do julgamento na ausência do
arguido, nos termos legalmente permitidos por lei, havendo TIR

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prestado nos autos (artº 196º/3/b) e c) e d) e artº 332º e artº 333º/1/2/3


do C.P.P).
Do nosso ponto de vista, podemos pois concluir, que mesmo tendo
sido realizado regularmente o julgamento na ausência do arguido,
não foram pelo Tribunal a quo efectuadas nem esgotadas todas as
diligências possíveis para apurar qual a verdadeira situação pessoal
do arguido na altura do julgamento, nomeadamente solicitando para
o efeito a colaboração da Segurança Social, da Fazenda Nacional,
dos Serviços de Reinserção Social e outros organismos de natureza
similar.
O apuramento de dados relativos à situação de vida pessoal do
arguido era importante para uma correcta e justa escolha da natureza
da pena e determinação da sua medida, nos termos exigidos pelo artº
71º do C.P – e claramente era imprescindível para saber se seria
possível ou não a formulação de um juízo de prognose favorável ao
arguido, base do instituto da suspensão da execução da pena (artº 50º
do C.P).
Só tendo à disposição tais elementos, poderia o Tribunal formular um
juízo sobre a concreta determinação da medida da pena e bem assim a
determinação do concreto valor da taxa a aplicar á pena de multa
aplicada em substituição da pena de prisão. “É que, para além de
reafirmar o valor da norma violada, importa evitar, até onde isso seja
socialmente suportável, que a condenação a impor, pelas
consequências laborais, familiares e sociais que indirectamente
produz, não seja dessocializadora” (Ac. Rel. Lisboa citado; Ac.
Relação de Lisboa de 18-02-2014, Proc. n.º 200/13.3PALRS.L1-5,
Relator Jorge Gonçalves).
Como se verifica da análise cuidada das conclusões de recurso não
está em causa no presente recurso a impugnação de quaisquer
factos que integram a conduta criminal praticada pelo arguido, não
contestada, mas apenas se se verifica ou não a omissão
juridicamente relevante, no acórdão condenatório, de factos
relativos às circunstâncias pessoais do mesmo. Omissão existe, mas
tem ela a relevância que o arguido pretende?
Em nosso entender sim. “Não tendo o Tribunal de 1ª instância
procedido à indagação necessária à determinação da situação
pessoal, económica e social do arguido, e carecendo a sentença
recorrida de elementos que habilitassem a, conscienciosamente, levar
a bom termo o procedimento de determinação individualizada da
pena, dentro dos parâmetros legais, para o que releva o conhecimento
de quem é, afinal, o arguido: quais as suas condições pessoais (o que
faz - situação profissional - e situação familiar, etc), a sentença
enferma, nesta parte, do vício de insuficiência para a decisão da
matéria de facto provada” (Relação de Lisboa de 18-02-2014, Proc.
n.º 200/13.3PALRS.L1-5, Relator Jorge Gonçalves, disponível in
www.dgsi.pt).
Deste modo, a omissão em causa configura o vício da insuficiência
de facto para a decisão de direito previsto no art.º 410.º, n.º 2, al. a)
do C.P.P no que respeita à determinação da pena concreta a aplicar

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e bem assim da taxa a aplicar à pena de multa aplicada em


substituição da pena de prisão determinada na primeira operação,
pela prática do crime que lhe era imputado e por cuja prática foi
condenado – crime de incêndio na forma tentada, p.p. pelos art.ºs
272º, n.º 1, alínea a), 14º, 26º e 22º do Código Penal
Os vícios a que se refere o n.º 2 do art.º 410º do C. P. Penal têm de
dimanar da própria decisão recorrida, por si só ou conjugada com
as regras da experiência comum, sem recurso a quaisquer
elementos externos à decisão, designadamente declarações ou
depoimentos exarados no processo durante o inquérito ou a
instrução, ou até mesmo o julgamento, sendo que, por regras da
experiência comum deverá entender-se as máximas da experiência
que todo o homem de formação média conhece.
Verifica-se insuficiência para a decisão da matéria de facto, al. a) do
n.º 2 do art.º 410º do C.P.P, quando a matéria de facto provada é
insuficiente para fundamentar a solução de direito encontrada.
“3.2. Ocorre o vício previsto na alínea a), do n.º 2 do artigo 410.º do
C.P.P. quando a factualidade dada como provada na sentença é
insuficiente para fundamentar a solução de direito e quando o
tribunal deixou de investigar toda a matéria de facto com interesse
para a decisão final (Simas Santos e Leal Henriques, Recursos em
Processo Penal, 6.ª Edição, p. 69) ou, por outras palavras, quando a
matéria de facto se apresente como insuficiente para a decisão que
deveria ter sido proferida por se verificar lacuna no apuramento da
matéria de facto necessária para uma decisão de direito (Germano
Marques da Silva, Curso de Processo Penal, III, Verbo, 2.ª Edição, p.
340).
Como vem considerando o Supremo Tribunal de Justiça, o conceito
de insuficiência da matéria de facto provada significa que os factos
apurados e constantes da decisão recorrida são insuficientes para a
decisão de direito, do ponto de vista das várias soluções que se
perfilem – absolvição, condenação, existência de causa de exclusão
da ilicitude, da culpa ou da pena, circunstâncias relevantes para a
determinação desta última, etc. - e isto porque o tribunal deixou de
apurar ou de se pronunciar sobre factos relevantes alegados pela
acusação ou pela defesa ou resultantes da discussão da causa, ou
ainda porque não investigou factos que deviam ter sido apurados na
audiência, vista a sua importância para a decisão, por exemplo, para
a escolha ou determinação da pena (entre outros, cfr. Acórdão de
4/10/2006, Proc. n.º 06P2678 - 3.ª Secção, em www.dgsi.pt; Acórdão
de 05-09-2007, Proc. n.º 2078/07 - 3.ª Secção e Acórdão de 14-11-
2007, Proc. n.º 3249/07 - 3.ª Secção, sumariados em Sumários de
Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça -Secções Criminais).
Prova essencial à boa decisão da causa, no caso de condenação e
aplicação de pena, conforme resulta expressamente da própria lei
(artigos 369.º e segs. do C.P.P.), é a relativa aos antecedentes
criminais do arguido, à sua personalidade e às suas condições
pessoais. A lei prevê até a possibilidade de produção suplementar de
prova, tendo em vista a determinação da espécie e da medida da

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sanção a aplicar, para o que, sendo necessário, poderá ser reaberta a


audiência (artigo 371.º do C.P.P).
Hoje não se aceita que o procedimento de determinação da pena seja
atribuído à discricionariedade não vinculada do juiz ou à sua “arte de
julgar”. No âmbito das molduras legais predeterminadas pelo
legislador, cabe ao juiz encontrar a medida da pena de acordo com
critérios legais, ou seja, de forma juridicamente vinculada
(Figueiredo Dias, Direito Penal Português – As consequências
jurídicas do crime, Editorial Notícias, 1993, 194 e seguintes).
Nos termos do artigo 71.º, n.º1, do Código Penal, é por apelo aos
critérios da culpa e da prevenção – geral e especial – que deve ser
encontrada a medida concreta da pena, dentro da respectiva moldura
abstracta, sendo que o n.º3 do mesmo artigo prescreve que «na
sentença são expressamente referidos os fundamentos da medida da
pena».” (Ac. citado, Relator Jorge Gonçalves)
O art.º 410.º, n.º 2, al. a) do C.P.P estabelece e pressupõe uma
relação entre a matéria de facto provada e a decisão jurídica que
nela assenta e não entre a prova produzida e os factos provados.
No caso, como se referiu supra, nada se apurou sobre a situação
social, pessoal e económica do arguido, que não esteve presente
durante o julgamento nem se realizou a elaboração de qualquer
relatório ou informação sobre a sua situação pessoal.
A decisão em crise não contém quaisquer factos sobre a pessoa do
agente para além dos que se prendem com ação ilícita culposa,
natureza do crime e dos que decorrem do seu certificado de registo
criminal.
Ora, como resulta do que se foi exarando, é nosso entendimento
que, nas situações em que o arguido não comparece à audiência de
julgamento ou em que se remete ao silêncio e não arrola prova, o
julgador deve “diligenciar no sentido de obter os elementos
indispensáveis à caracterização da sua personalidade e do seu
carácter, bem como às suas condições pessoais e à sua conduta
posterior à prática do crime” (Ac. citado).
Não o tendo feito e não constando, como não constam da decisão
recorrida tais factos, existe manifesta insuficiência da matéria de
facto provada para se poder determinar em concreto a pena a
aplicar, e bem assim o valor da taxa a aplicar à pena de multa a
aplicar em sua substituição, já que não dispunha o tribunal a quo
de elementos suficientes para o efeito.
Deste modo, apurado o vício previsto no art.º 410.º, n.º 2, al. a) do
C.P.P. impõe-se o reenvio parcial do processo para novo
julgamento.
“Constatada a existência deste vício, é entendimento majoritário na
jurisprudência dos nossos Tribunais Superiores que importa
determinar o reenvio do processo para novo julgamento, cingido à
investigação dos factos relativos à situação pessoal e económica do
arguido, nos termos dos artigos 426.º, n.º 1 e 426.º-A, do C.P.P.
Afigura-se-nos, porém, ser de perfilhar a posição sustentada no
Acórdão do S.T.J., de 12 de Dezembro de 2008, no Proc. n.º 08P2816,

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que teve como relator o Conselheiro Simas Santos, em que se decidiu


de acordo com a posição que o mesmo Conselheiro havia assumido
no voto de vencido lavrado no Ac. do STJ de 29/04/2003, Proc. n.º
03P756, em que se afirma:
«A meu ver impunha-se a anulação do acórdão e a reabertura da
audiência para a determinação da sanção (art. 371.º do CPP), a
realizar pelo mesmo Tribunal. O reenvio tem por objectivo evitar a
repetição do julgamento perante o mesmo Tribunal que já tomou
posição anterior sobre a valia da prova produzida. Ora, no caso, trata-
se de prova suplementar, ainda não produzida e em relação à qual o
tribunal recorrido ainda não assumiu posição.»
Esta foi também a posição assumida nos Acórdãos da Relação de
Guimarães supra mencionados.
E é a que atende ao sistema de césure ténue de que é tributário o
nosso sistema processual penal, em que a questão da determinação da
sanção aplicável é destacada da questão da determinação da
culpabilidade do agente.
Face ao que, assim se decidirá, não estando prejudicada a
manutenção da forma processual, tendo em vista a doutrina
sustentada (e que se subscreve), além do mais, no acórdão da Relação
do Porto, de 2/02/2005, Proc. 0444643, no acórdão da Relação de
Coimbra, de 17/11/2010, Proc. n.º 36/09.6EACBR.C2, e bem assim na
Decisão Sumária proferida nesta Relação de Lisboa, em 15/01/2013,
no Proc. n.º 194/11.0ZRLSB.L2-3”
Face ao exposto, fica prejudicado o conhecimento das questões
suscitadas no presente recurso.
*
Decisão:
Pelo exposto, acorda-se nesta Relação de Lisboa:
a) Anular parcialmente o Acórdão recorrido, ordenando-se a
remessa do processo ao Tribunal a quo, a fim de aí ser reaberta a
audiência para apurar os factos em falta relativos às condições
pessoais e situação económica do arguido e, posteriormente, em
face deles, determinar a medida concreta da pena nos termos
sobreditos.
b) Sem custas.

Lisboa, 26 de junho de 2019


Processado e revisto pela relatora (art.º 94º, nº 2 do CPP).
[1] Acs. do STJ de 16.11.95, de 31.01.96 e de 24.03.99, respectivamente, nos BMJ 451° - 279 e
453° - 338, e na Col Acs. do STJ, Ano VII, Tomo 1, pág. 247 o Ac do STJ de 3/2/99 (in BMJ nº
484, pág. 271); o Ac do STJ de 25/6/98 (in BMJ nº 478, pág. 242); o Ac do STJ de 13/5/98 (in
BMJ nº 477, pág. 263);
SIMAS SANTOS/LEAL HENRIQUES, in Recursos em Processo Penal, p. 48; SILVA,
GERMANO MARQUES DA 2ª edição, 2000 Curso de Processo Penal”, vol. III, p. 335;
RODRIGUES, JOSÉ NARCISO DA CUNHA, (1988), p. 387 “Recursos”, Jornadas de Direito
Processual Penal/O Novo Código de Processo Penal”, p. 387 DOS REIS, ALBERTO, Código
de Processo Civil Anotado, vol. V, pp. 362-363.

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