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02/10/23, 00:05 Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães

Acórdãos TRG Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães


Processo: 2053/06-1
Relator: CRUZ BUCHO
Descritores: CRIME
LENOCÍNIO
CONSTITUCIONALIDADE
PRISÃO EFECTIVA
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 29-01-2007
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: NEGADO PROVIMENTO
Sumário: I – O recorrente suscita a inconstitucionalidade da norma contida
no nº 1 do artigo 170° do Código Penal, por violação dos artigos
41° (liberdade de consciência) e 47° nº 1 (liberdade de
profissão), conjugados com o nº 2 do artigo 18°, todos da
Constituição da República Portuguesa, questão essa que não é
nova.
II – Com efeito, a questão da conformidade com a Constituição
Portuguesa da norma contida no artigo 170°, nº 1 do Código
Penal que pune o crime de lenocínio foi primeiramente
apreciada no Ac. do Tribunal Constitucional nº 144/04, da 2ª
secção em que o tribunal se pronunciou no sentido da não
inconstitucionalidade (DR ll, nº 92, de 19 de Abril de 2004).
III – No citado aresto foram tratadas alegadas violações, pela
norma em causa, não só do princípio da proporcionalidade
consagrado no artigo 18°, nº 2, mas também dos artigos 41º
(liberdade de consciência) e 47°, nº 1 (liberdade de profissão),
da Constituição da República.
IV - Distinguiram-se então as questões de constitucionalidade de
quaisquer apreciações, no plano político-criminal, sobre a
mesma norma, e concluiu-se, depois de identificar o bem
jurídico protegido por esta, que o legislador não está
constitucionalmente proibido de adoptar um tipo criminal como o
que tal norma prevê.
V – Posteriormente, o mesmo juízo de constitucionalidade tem
vindo a ser reafirmado, pelo Tribunal Constitucional: Acórdão nº
196/04, de 23 de Março de 2004, acórdão nº 303/04, de 5 de
Maio de 2004, e acórdão nº 170/06, de 6 de Março de 2006,
considerando-se que o citado artigo 170°, nº 1 não viola o
disposto no artigo 18°, nº 2 da Constituição da República
Portuguesa.
VI – Perante esta corrente jurisprudencial, firme e recente, do
Tribunal Constitucional, que sufragamos, e não se vislumbrando
argumentos, fundamentos ou circunstâncias que não tenham já
sido anteriormente ponderadas, é evidente que improcede a
arguida inconstitucionalidade.
VII – O crime de lenocínio p. e p. pelo artigo 170°, nº 1 do
Código Penal, pelo qual o arguido foi condenado, é cominado
em abstracto “com a pena de prisão de seis meses a 5 anos”.
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VIII – Ora, considerando a culpa do arguido, muito elevada, quer


pela organização do sistema prestativo e remuneratório da
prostituição, quer pela repetição dos proveitos daquela
actividade, as prementes exigências de prevenção geral que se
fazem sentir neste domínio e todas as demais circunstâncias
que, não fazendo parte do tipo de crime depõem contra ele ou a
seu favor (artigo 71°, nº 2 do Código Penal) nomeadamente, o
grau de ilicitude do facto, também elevado dada a estrutura
empresarial com que foi levada a cabo a actividade delituosa do
arguido, a dimensão e organização que o negócio apresentava,
o número de prostitutas envolvidas, a intensidade do dolo, dolo
directo intenso, o mau comportamento anterior do arguido,
conclui-se que a pena de prisão de dois anos se revela
necessária, adequada e proporcional.
IX - Por outro lado, o arguido não admitiu de qualquer forma a
prática dos factos, não demonstrou qualquer arrependimento e
já fora anteriormente condenado pela prática de um crime de
lenocínio numa pena de prisão suspensa, tendo praticado os
factos em análise nos presentes autos em pleno decurso do
prazo de suspensão, o que é revelador de um profundo e total
desprezo pela aplicação de uma pena de prisão suspensa na
sua execução.
X – É, por conseguinte, manifesto que a simples censura do
facto e a ameaça da prisão não se mostram suficientes para
realizar de forma adequada as finalidades da punição (cfr. artigo
50º do Código Penal), pelo que seria totalmente impensável a
suspensão da execução da pena, à qual sempre se oporiam
inultrapassáveis considerações de prevenção geral, sob a forma
de exigências mínimas e irrenunciáveis de defesa do
ordenamento jurídico.
Decisão Texto Integral:
Acordam, em audiência, no Tribunal da Relação de
Guimarães:
I- Relatório
*
No 4º Juízo Criminal do Tribunal Judicial
de Braga, no âmbito do Processo Comum
Singular nº 59/05.4PEBRG, os arguidos:
1) NUNO A..., casado, desempregado, nascido no dia
13 de Outubro de 1977, natural da freguesia de S.
Vicente, concelho de Braga, filho de Lúcio Ribeiro da
Costa e de Maria das Dores Gaio Caridade, residente
no Bairro das A..., Bloco 6, 2.º, direito, em Braga,
titular do bilhete de identidade n.º 116347...;
2) VERÍSSIMO M..., divorciado, empresário, nascido

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no dia 08 de Abril de 1969, natural da freguesia de S.


João do Souto, concelho de Braga, filho de José G... e
de Maria da C..., residente na Travessa Dr. F...
Machado Owen, n.º 17, 1.º, direito, em Braga, titular
do bilhete de identidade n.º 84452...;
3) ANTÓNIO J..., casado, empregado de balcão,

nascido no dia 03 de Outubro de 1976, natural da


freguesia de Sequeira, concelho de Braga, filho de
José M... e de Maria R..., residente no Lugar do A...,
freguesia de Morreira, concelho de Braga, titular do
bilhete de identidade n.º 113624...;
4) MANUEL A..., divorciado, desempregado, nascido

no dia 23 de Setembro de 1976, natural da freguesia


de S. João do Souto, concelho de Braga, filho de
Francisco F... e de Teresa S..., residente no Lugar da
M..., freguesia de Lomar, concelho de Braga, titular
do bilhete de identidade n.º 118406...;
Foram acusados da prática, em concurso efectivo e
em co-autoria material, de 3 (três) crimes de
lenocínio, previstos e puníveis pelo artigo 170.º, n.º 1,
do Código Penal.
*
A final, veio a ser proferida sentença, em 9 de Junho
de 2006, que decidiu, para além do mais,
(transcrição):
a) Condenar o arguido NUNO A..., pela prática, em
co-autoria material com os restantes arguidos, de um
crime de lenocínio previsto e punido pelo artigo
170.º, n.º 1, do C.P., na pena de 02 (DOIS) anos de
prisão efectiva;
b) Condenar o arguido VERÍSSIMO M..., pela
prática, em co-autoria material com os restantes
arguidos, de um crime de lenocínio previsto e punido
pelo artigo 170.º, n.º 1, do C.P., na pena de 01 (UM)
ano de prisão, suspensa na sua execução pelo
período de 03 (TRÊS) anos, subordinada ao dever
de proceder ao pagamento da quantia de 1.000,00€
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(MIL EUROS) à Associação Portuguesa de Apoio


à Vítima, no prazo máximo de 06 (SEIS) meses a
contar da data do trânsito em julgado da presente
decisão, devendo disso fazer prova no presente
processo mediante a junção do competente recibo;
c) Condenar o arguido ANTÓNIO J..., pela prática,
em co-autoria material com os restantes arguidos, de
um crime de lenocínio previsto e punido pelo artigo
170.º, n.º 1, do C.P., na pena de 01 (UM) ano de
prisão, suspensa na sua execução pelo período de
03 (TRÊS) anos, subordinada ao dever de
proceder ao pagamento da quantia de 1.000,00€
(MIL EUROS) à Associação Portuguesa de Apoio
à Vítima, no prazo máximo de 06 (SEIS) meses a
contar da data do trânsito em julgado da presente
decisão, devendo disso fazer prova no presente
processo mediante a junção do competente recibo;
d) Condenar o arguido MANUEL A..., pela prática,
em co-autoria material com os restantes arguidos, de
um crime de lenocínio previsto e punido pelo artigo
170.º, n.º 1, do C.P., na pena de 01 (UM) ano de
prisão, suspensa na sua execução pelo período de
03 (TRÊS) anos, subordinada ao dever de
proceder ao pagamento da quantia de 1.000,00€
(MIL EUROS) à Associação Portuguesa de Apoio
à Vítima, no prazo máximo de 06 (SEIS) meses a
contar da data do trânsito em julgado da presente
decisão, devendo disso fazer prova no presente
processo mediante a junção do competente recibo;
*
*
Inconformado com esta sentença, o arguido NUNO
A... dela interpôs recurso, rematando a sua motivação
com as seguintes conclusões que se transcrevem:
I - Deve considerar-se, senão parcialmente
descriminalizada, inconstitucional a norma vertida no
n.º 1 do artigo 170º do Código Penal, por violar o
preceituado nos artigos 41º e 47º n.º1, conjugados o
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n.º 2 do artigo 18º da Constituição da República


Portuguesa.
II - Presente tal facto, a decisão condenatória que ao
mesmo atenda deve ser revogada, por aplicação de
norma inconstitucional.
III – O arguido Nuno deverá ser, pelo exposto,
absolvido.
IV – Sufragado entendimento díspar, dever-se-à
atender à insuficiência da matéria de facto provada
para a decisão de condenação do arguido a 2 anos de
prisão efectiva, assim como, a erro na apreciação da
matéria de facto.
V - Dos meios de prova valorados não resulta
indubitável incriminação do recorrente.
VI - As declarações dos arguidos, os depoimentos das
testemunhas, a prova documental não certificam que
o recorrente Nuno tivesse qualquer participação ou
comungasse do incentivo ao exercício da
prostituição, ou qualquer espécie de lucro da
actividade alegadamente desenvolvida no
"reservado".
VII - Não resultou provado que fosse o proprietário
do estabelecimento. Figurava de um contrato de
arrendamento comercial como fiador, unicamente.
Daqui não pode ilidir-se a co-autoria material de
qualquer crime.
VIII - Não se determinou que fosse o responsável
e/ou gerente do estabelecimento "L... da Noite", que
anotasse cartões, repartisse percentagens, tivesse
participação no fomento do exercício da prostituição.
IX - O arguido era um mero empregado de mesa no
bar, conforme atestado por diversas testemunhas.
X - Alterne e prostituição/actos sexuais de relevo não
são conceitos coincidentes.
XI - A ausência de prova relativamente aos factos
referidos consolida insuficiência de prova e erro na
sua apreciação.
XII - A presunção de inocência e o princípio de in
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dubio pro reo não foram considerados.


XIII - Mediante a existência de dúvidas reconheciveis
relativamente aos factos supracitados, deveria o
Tribunal a quo, ter apelado a estes princípios
norteadores, o que não sucedeu.
XIV - Na dúvida optou-se por culpabilizar o
recorrente, condenando-o.
XV - O recorrente considera que os factos
globalmente valorados e considerados para a sua
condenação a 2 anos de prisão efectiva não
resultaram provados na audiência de julgamento.
XVI - A pena de prisão em que o arguido foi
condenado, pela prática de crime de lenocinio, p. e p.
pelo art. 170, n.º1 do CP, mostra-se desajustada face a
todo o exposto.
XVII - Preconiza-se que ao arguido seja aplicada uma
pena de prisão por tempo inferior perante a
inviabilidade de diferente solução legal.
XVIII - Interpretação diversa resulta numa clara
violação dos artigos 40.°, 70.° e 71°, n.º1 e n.º2 do
Código Penal e do art. 170, n.º1 »
*
O recurso foi admitido, para o Tribunal da Relação de
Guimarães, por despacho constante de fls. 378.
*
O Ministério Público junto do tribunal recorrido
respondeu pugnando doutamente pela manutenção do
julgado e consequente improcedência do recurso.
*
Nesta Relação, o Exmo Procurador-Geral-Adjunto
emitiu igualmente douto parecer pronunciando-se no
sentido de o recurso não merecer provimento.
*
Foi cumprido o artigo 417º, n.º2 do Código de
Processo Penal (CPP), não tendo sido apresentada
resposta.
Colhidos os vistos legais, procedeu-se à realização da

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audiência de discussão e julgamento com o


formalismo aplicável.
*
*
II- Fundamentação

1. É a seguinte a factualidade apurada no tribunal a


quo:
A) Factos provados (transcrição):
a) Os arguidos exploram de facto um bar com o nome
de “L... da Noite”, sito no Edifício E.., na Rua
Manuel C..., Loja .... A Cave, em B....;
b) Esse bar é frequentado por prostitutas e por homens
que as procuram para manter relações de sexo
mediante pagamento;
c) Nessas situações, os possíveis clientes dirigem-se
às prostitutas que ali trabalham e são por estas
convidados a acompanhá-las a um anexo do bar sito
na loja 12 do mesmo edifício, que entretanto foi
transformada de modo a acolher diversos quartos de
cama onde as prostitutas mantêm relações sexuais
com os clientes mediante pagamento que é efectuado
pelos clientes aos arguidos e do qual estes entregam
uma parte à prostituta guardando outra;
d) Nomeadamente, no dia 01 de Outubro de 2005,
cerca das 01.00 horas, MARLENE preparava-se para
manter relações de sexo num dos quartos da loja 12
referida com J.... BOAVIDA mediante o pagamento
de quantia não concretamente apurada, da qual se
destinava uma parte aos arguidos;
e) Também nessa altura, no mesmo local e num quarto
ao lado, MARLI mantinha relações de sexo de
cópula com JOÃO C..., o qual pagou quantia não
concretamente apurada ao arguido ANTÓNIO J...
para comprar a utilização do corpo de MARLI,
tendo-o acompanhado até à porta da loja 12, que
abriu, para que a prostituta e o cliente pudessem
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entrar para manter aquelas relações;


f) Ainda na mesma altura e noutro dos quartos da loja
12, JOANA mantinha relações de cópula sexual com
HORÁCIO G..., o qual pagara ao arguido
ANTÓNIO J... a quantia de 30,00€ para esse efeito;
g) Os arguidos agiram livre, voluntária e
conscientemente;
h) Sabiam que as suas condutas não lhes eram
permitidas;
i) Agiram em comunhão de esforços e de intentos, na
execução de um plano traçado entre todos que
consistia na utilização do bar para a frequência de
prostitutas que angariassem clientes para manter
relações de sexo com elas mediante pagamento e na
recepção de uma parte desse pagamento;
j) Sabiam que não podiam organizar desde modo o
exercício da prostituição daquelas pessoas e receber
dinheiro para tal;
k) O arguido NUNO A... é casado;
l) Encontra-se desempregado;
m) Completou o 6.º ano de escolaridade;
n) No âmbito do processo comum singular n.º
733/02.7PBBRG do 1.º Juízo Criminal do Tribunal
Judicial da Comarca de Braga, por sentença datada de
17 de Março de 2003, relativamente a factos
praticados no dia 27 de Março de 2002, transitada em
julgado no dia 28 de Abril de 2003, o arguido foi
condenado na pena de 06 (seis) meses de prisão,
suspensa pelo período de 18 (dezoito) meses, pela
prática de um crime de ofensa à integridade física
simples, previsto e punido pelo artigo 143.º, n.º 1, do
C.P., e pela prática de um crime de dano, previsto e
punido pelo artigo 212.º, n.º 1, do C.P.;
o) A pena supra referida foi declarada extinta nos
termos do artigo 57.º, n.º 1, do C.P., por despacho
datado de 10 de Janeiro de 2005;
p) No âmbito do processo comum singular n.º
149/03.8TABRG do 2.º Juízo Criminal do Tribunal
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Judicial da Comarca de Braga, por sentença datada de


16 de Março de 2005, relativamente a factos
praticados em 2002, transitada em julgado no dia 08
de Abril de 2005, o arguido foi condenado na pena de
01 (um) ano de prisão, suspensa pelo período de 02
(dois) anos, pela prática de um crime de lenocínio,
previsto e punido pelo artigo 170.º, n.º 1, do C.P.
q) O arguido VERÍSSIMO M... é divorciado;
r) Explora um café desde o dia 28 de Abril de 2006;
s) Completou o 11.º ano de escolaridade;
t) Tem dois filhos menores;
u) Nada consta do seu certificado de registo criminal;
v) O arguido ANTÓNIO J... é casado;
w) Tem um filho menor;
x) Completou o 6.º ano de escolaridade;
y) Trabalha com os pais como empregado de balcão;
z) Nada consta do seu certificado de registo criminal;
aa) O arguido MANUEL A... é divorciado;
bb) Encontra-se desempregado;
cc) Completou o 7.º ano de escolaridade;
dd) Tem dois filhos menores;
ee) No âmbito do processo comum singular n.º 626/99
do 4.º Juízo Criminal do Tribunal Judicial da
Comarca de Braga, por sentença datada de 01 de
Fevereiro de 2000, transitada em julgado no dia 18 de
Fevereiro de 2000, relativamente a factos praticados
no dia 04 de Dezembro de 1998, na pena de 60 dias
de multa, à taxa diária de oitocentos Escudos, pela
prática de um crime de ofensa à integridade física
simples, previsto e punido pelo artigo 143.º, n.º 1, do
C.P.;
ff) No âmbito do processo comum singular n.º 651/00
do 2.º Juízo Criminal do Tribunal Judicial da
Comarca de Braga, por sentença datada de 05 de
Fevereiro de 2001, transitada em julgado no dia 20 de
Fevereiro de 2001, relativamente a factos praticados
no dia 11 de Abril de 1999, o arguido foi condenado
na pena de 475 dias de multa, à taxa diária de
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quinhentos escudos, pela prática de um crime de


ofensa à integridade física simples, previsto e punido
pelo artigo 143.º, n.º 1, do C.P.;
*
B) Factos não provados (transcrição)
«Resultaram não provados todos os demais factos
constantes da acusação (assim se rectificando o
manifesto lapso de escrita constante da sentença
recorrida decorrente da omissão da referência ao
advérbio “demais”, nomeadamente:
a) Nosfactos supra descritas nas alíneas d) e e) da
matéria de facto provada, a quantia entregue foi de
30€.»

*
C) Convicção (transcrição)
« A convicção do Tribunal quanto aos factos
provados e não provados baseou-se na análise
cuidada dos documentos e autos juntos ao processo,
no conjunto das declarações dos arguidos e da demais
prova testemunhal produzida em sede de audiência de
julgamento, aliada às regras da experiência comum.
Os arguidos negaram a prática dos crimes descritos
na acusação, referindo não terem qualquer ligação
com o que se praticava no anexo e/ou qualquer
fomento, facilitação ou favorecimento da prática da
prostituição de forma profissional ou com intenção
lucrativa.
O arguido NUNO A... referiu que era apenas
empregado de mesa no bar em causa, sendo que o
arguido VERÍSSIMO era empregado de balcão, o
arguido ANTÓNIO era um mero cliente e o arguido
MANUEL era o porteiro. Sobre o anexo referiu não
saber o que se fazia lá e nunca teve chave do mesmo.
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O arguido VERÍSSIMO M... referiu que trabalhava


apenas como empregado de balcão, limitando-se a
servir bebidas e receber o dinheiro das bebidas. Sobre
os preservativos que estavam ao balcão esclarecer
que era de uma menina ou outra que lhe pediram para
guardar, nunca tendo fornecido.
O arguido ANTÓNIO J... referiu que era apenas
cliente do bar, limitando-se a frequentá-lo para beber
um copo e falar comas miúdas. Sobre o arguido
NUNO referiu ser empregado de mesa, o arguido
VERÍSSIMO era empregado de balcão e o arguido
MANUEL era o porteiro. Mais declarou que nunca
foi ao anexo e que uma miúda é que lhe passou a
chave para a mão, tendo sido a justificação que
apresentou para o facto de a mesma ter sido
apreendida na sua posse, conforme resulta dos autos.
O arguido MANUEL referiu ser porteiro, limitando-
se a dar e receber cartões, confirmando as
declarações dos restantes arguidos. Sobre o anexo
referiu que o mesmo não tinha qualquer ligação com
o bar, nunca tendo recebido nada relativamente ao
mesmo e à eventual prática de prostituição no seu
interior.
Todos os arguidos depuseram de forma pouco
espontânea, preocupados em branquear a sua
actuação para a posição de meros assalariados, sem
contudo esclarecerem a razão pela qual apenas se
acedia ao anexo a partir do interior do bar e através
da sua porta de emergência – a qual era controlada
pelos arguidos -, os numerosos objectos encontrados
no interior do bar e destinados à prática de actos de
prostituição, nomeadamente, preservativos, bisnagas
de gel e lençóis descartáveis e, finalmente, a razão de
ser da anotação nos cartões de consumo das idas ao
anexo/reservado (conforme se pode ver dos
numerosos cartões de consumo apreendidos no
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presente processo às frequentadoras/trabalhadoras do


bar e anexo/reservado).
As testemunhas ANGELINO DE D..., JOSÉ M...,
JOSÉ P... e ANA B..., agentes da Polícia de
Segurança Pública – adiante designada pela sigla
P.S.P. -, participaram na busca ao estabelecimento
comercial “L... da Noite” e a uma outra loja do centro
comercial, vulgarmente referenciada como “anexo”
ou “reservado”, tendo descrito as pessoas que
encontraram no seu interior e os objectos que
apreenderam e que se encontram descritos nos autos
de apreensão juntos aos autos.
A testemunha ANGELINO DE D... indicou
igualmente um dado relevante para a descoberta da
verdade material, ao referir que, no acto da busca que
dirigiu, foi o arguido VERÍSSIMO M... que se
apresentou como o responsável do estabelecimento,
sendo o mesmo que se encontrava na zona do balcão
e tendo na sua disponibilidade elementos tais como
cartões de consumo com indicações das idas ao
anexo/reservado.
A testemunha MANUEL A..., igualmente agente da
P.S.P., referiu que procedeu vigilâncias do
estabelecimento e anexo referidos na acusação, tendo
descrito todo o modus operandi dos arguidos na
facilitação da prostituição, com intuito lucrativo.
Referiu que viu o arguido ANTÓNIO J... e o arguido
MANUEL A... – este apenas uma vez – a abrirem a
porta do anexo e a receberem quantias monetárias
não apuradas dos clientes à porta do anexo, anotando
de seguida no cartão da mulher que acompanhava o
cliente, após o que o casal entrava no
anexo/reservado.
Referiu igualmente que participou na busca realizada
ao estabelecimento, tendo visto três casais a entrar e,
depois, já no interior do anexo/reservado. Dois casais
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foram acompanhados pelo arguido ANTÓNIO e


outro pelo arguido MANUEL . Em todos os casos
viu os arguidos a receber o dinheiro, a apontar no
cartão da menina e a abrir a porta do anexo para os
casais. Pela forma como os casais foram encontrados,
é inequívoco que estavam ou se preparavam para a
prática de acto sexual de cópula.
Também presenciou nas suas vigilâncias o arguido
NUNO A... a abrir com frequência a porta de
emergência do bar para que os casais saíssem e
voltassem a entrar no mesmo após a ida ao anexo.
Também o viu a entrar no reservado, tendo a chave
do anexo/reservado consigo, levando para o seu
interior um balde, assim demonstrando que o mesmo
estava igualmente na sua disponibilidade.
Por sua vez, as testemunhas MARLENE, MARLI e
JOANA, em sede de declarações para memória
futura e em sede de audiência de julgamento, não
envolveram os arguidos em qualquer acto de
facilitação, fomento ou favorecimento de actos de
prostituição, negando a sua intervenção quanto às três
situações concretas em que se baseia a presente
acusação. No entanto, as suas declarações surgiram
de forma pouco espontânea e coerente, numa clara
tentativa de procurar evitar que os arguidos fossem
alvo de qualquer responsabilidade jurídico-penal.
Inventaram a existência de um indivíduo cujo nome
não lograram identificar com clareza a quem
pagavam a ida ao anexo e que se encontrava à sua
porta, sem contudo esclarecer qual a razão pela qual
todas as idas ao anexo eram cuidadosamente anotadas
nos seus cartões de consumo que eram controlados no
interior do L... da Noite. Por outro lado, pretenderam
convencer este Tribunal que a utilização do
anexo/reservado era “gratuita” para elas, não pagando
qualquer quantia pela sua utilização. Diga-se ainda
que as suas declarações foram validamente
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contrariadas pelo depoimento do agente da P.S.P.


supra descrito que procedeu às vigilância e depôs de
forma coerente e credível.
A testemunha J.... BOAVIDA negou ter procedido ao
pagamento de qualquer quantia aos arguidos para a
prática de actos sexuais no dia descrito na acusação,
referindo que foi a rapariga brasileira que o levou
para lá e que estava no quarto com a mesma, não
tendo ainda combinado o preço. A sua versão
revelou-se pouco consentânea com a realidade dos
factos, tanto mais que a entrada no anexo/reservado
estava dependente do pagamento de um preço, o qual,
conforme observado pelo agente da P.S.P. supra
identificado, foi pago pelo arguido no momento
prévio à entrada no anexo.
A testemunha HORÁCIO F..., igualmente observado
pelo agente da P.S.P. supra identificado, procurou
igualmente proteger os arguidos, referindo num
primeiro momento que nada tinha pago e,
posteriormente, admitiu ter pago a quantia de 30,00€.
Finalmente, a testemunha BELMIRA R... referiu
trabalhar no bar L... da Noite para vender copos e
nada mais, nunca se tendo prostituído. Esclareceu que
foi o arguido NUNO A... que a convidou para
trabalhar lá, em regime vulgarmente chamado de
alterne, tendo combinado com ele que recebia à
percentagem. Mais referiu que todos os consumos em
que induzia os clientes era anotados no cartão de
cliente, recebendo 50% do valor dos copos. Envolveu
todos os arguidos na gestão do bar e da sua parte
monetária ao referir que qualquer um dos quatro
arguidos chegou a estar ao balcão e ter feito contas
consigo no fim da noite procedendo ao pagamento do
que lhe era devido.
Os depoimentos testemunhais supra referidos, aliados
aos documentos e objectos apreendidos, bem como a
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concreta disposição do bar e do anexo (do bar para o


anexo passava-se apenas a partir da porta de
emergência do bar), sendo que este é constituído por
camas e bidés, e tendo em conta igualmente a forma
como os arguidos depuseram, visando nitidamente
eximir-se à sua responsabilidade penal, criando uma
versão deturpada dos factos, desde logo permitiram a
este Tribunal considerar como provados os factos
constantes da acusação como provados, com
excepção dos concretos montantes referidos supra, os
quais não foram concretamente esclarecidos em sede
de audiência de julgamento.
Refira-se, finalmente, um pormenor relativamente ao
arguido NUNO. Pretendeu o mesmo convencer este
Tribunal que era um mero empregado de mesa no bar,
limitando-se a servir bebidas e que quem geria o bar
era um tal Xico de Lomar, nada mais sabendo dele.
Ora, em primeiro lugar, desde logo resultou
totalmente infrutífera a tentativa de criar um
indivíduo que seria o dono como forma de transmitir
a sua responsabilidade jurídico-penal. Com efeito,
nenhum Xico de Lomar geria o café, mas sim os
arguidos, conforme resultou dos depoimentos dos
agentes da P.S.P. supra identificados. Por outro lado,
o arguido NUNO quedou desde logo comprometido
quando confrontado com este Tribunal com o facto de
o mesmo figurar como fiador no contrato de
arrendamento comercial do estabelecimento em causa
junto aos autos.
As condições sócio-económicas dos arguidos
resultaram das suas próprias declarações, as quais
surgiram, quanto a esta parte, de forma coerente e
espontânea, não tendo sido contraditadas por
qualquer outro meio de prova.
Quanto aos antecedentes criminais dos arguidos, o
Tribunal baseou a sua convicção na análise cuidada
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dos certificados juntos aos autos.

*
*
2. Conforme é sabido, sem prejuízo das questões de
conhecimento oficioso, as conclusões do recurso
delimitam o âmbito do seu conhecimento e destinam-
se a habilitar o tribunal superior a conhecer as razões
pessoais de discordância do recorrente em relação à
decisão recorrida (artigos 402º, 403º, 412º, n.º 1,
todos do Código de Processo Penal e, v.g., Ac. do
STJ de 19-6-1996, BMJ n.º 458, pág. 98).
Neste recurso, são as seguintes as questões a apreciar:
· Descriminalização do crime de lenocínio.
· Inconstitucionalidade do artigo 170º do Código
Penal;
· Insuficiência da matéria de facto dada como
provada;
· Erro notório;
· Erro de julgamento por errada valoração da prova
produzida;
· Violação dos princípios da presunção de inocência e
do “in dubio pro reo”;
· Excessiva severidade da pena;
*
3. Sustenta o recorrente que ocorreu uma
descriminalização do crime de lenocínio previsto no
n.º1 do artigo 170º.
Para o efeito socorre-se de transcrições das Actas da
Comissão Revisora do Código Penal .
Mas, a argumentação do recorrente é manifestamente
improcedente.
Como bem assinalou o Ministério Público junto do
tribunal recorrido, na sua douta resposta, na situação
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sub judice não ocorre qualquer questão relacionada


com sucessão de leis no tempo.
Os factos imputados ao arguido datam do ano de
2005.
À data da prática dos factos a lei vigente era o artigo
170º, n.1 do Código Penal na redacção que lhe foi
conferida pelo Dec.-Lei n.º 48/95, de 15 de Março.
Na verdade, a questão da descriminalização apenas
surgiu com a redacção dada ao art. 170º do C.P.
quando confrontada com o anterior preceito legal, ou
seja, o art. 215°, do C.P.
Aliás, é o próprio Prof. Figueiredo Dias quem, sem
margem para qualquer dúvida, refere que:
" Não se tendo embora seguido a via da
descriminalização total avançou-se pelo menos no
sentido de só considerar criminosa a conduta do
agente ... se este a levar a cabo profissionalmente ou
com intenção lucrativa ...” (in "Actas 1993, pág. 258)
Efectivamente, é do conhecimento geral que o art.
170°, do C.P. vigente não operou uma
descriminalização total das condutas anteriormente
previstas no 215°, do C. Penal de 1982, mas tão só
operou uma descriminalização parcial,
consubstanciada no facto de se ter deixado de punir o
lenocínio entre adultos quando o agente mão leva a
cabo o comportamento de forma profissional ou com
intenção lucrativa (cfr. v.g. os Acs. do STJ de 29 de
Fevereiro de 1996, proc.º n.º 48513/3, apud Maia
Gonçalves, Código Penal Anotado, 17ª ed., pág. 600
e de 6 de Março de 1996, in Col. de Jur.-Acs do STJ,
ano IV, tomo 1, pág. 224, e o Ac da Rel. do Porto de
20-3-1996, proc.º n.º 9640149, rel. Teixeira Mendes,
in www.dgsi.pt).
Ou seja, o que o Código Penal, na revisão de 1995
descriminalizou foi, apenas e tão só, a conduta que
anteriormente se encontrava tipificada no n.º 2, do
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art. 215°, do C.P. (de 1982).


Por isso que o recorrente não tenha razão.
A este respeito sempre se dirá que não é inteiramente
líquido qual o bem jurídico protegido pelo artigo
170º, n.º1, nomeadamente se se trata da liberdade de
determinação sexual.
A própria Professora Anabela Miranda Rodrigues,
amplamente citada na sentença recorrida tem a este
propósito uma posição algo dúbia: começando por
dizer, que «com esta incriminação o bem protegido
não é, como devia, a liberdade de expressão sexual da
pessoal mas persiste aqui uma certa ideia de 'defesa
do sentimento geral de pudor e de moralidade', que
não é encarada hoje como função do direito penal
(…)”(Comentário Conimbricense do Código Penal»,
I, 519), acaba por afirmar que “o crime só pode ser
entendido como um crime de resultado, pretendendo
proteger-se - como se pretende, apesar de tudo - o
bem jurídico liberdade e autodeterminação sexual da
pessoa (op. cit., pág. 531).
No sentido de que o bem jurídico aqui tutelado é o da
liberdade individual, no aspecto sexual, se
pronunciou o Ac. STJ de 26-2-1986, BMJ 354°, 350.
Também o Tribunal da Relação do Porto, no seu Ac.
de 29-5-2002, www.dgsi.pt. entendeu que “na
previsão normativa do nº 1 do artigo 170° do Código
Penal, epigrafado de lenocínio, o que está em causa,
mais do que tudo, é a exploração de uma pessoa por
outra, uma espécie de usura ou extorsão em que a
ameaça ou tráfico de protecção se pode confundir
com a exploração afectiva”. Defendendo também que
no preceito em questão estão em causa e são
protegidos bens jurídicos de natureza pessoal cfr. Ac.
da Rel. do Porto de 13-07-2005, proc.º n.º 0540595,
rel. António Gama, in www.dgsi.pt., com amplas
referências doutrinais e jurisprudenciais.
Em sentido divergente, o STJ no seu Ac. de 7-11-90,
BMJ 401°, 205, entendeu que “através do crime de
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lenocínio não é a prostituta que a lei quer proteger


mas o interesse geral da sociedade na preservação da
moralidade sexual e do ganho honesto”.
No mesmo sentido já havia decidido a Relação de
Coimbra, no seu Ac. de 12/6/85, CJ ano X, 3°, 118; o
mesmo Tribunal agora no Ac. de 18/6/91 CJ ano
XVI, 3°, 189, entendeu que «o interesse jurídico
protegido pelos art°s 215° e 216° do Código Penal
[de 1982, versão original] não é de natureza
eminentemente pessoal, mas social, no sentido da
protecção dos valores ético-sociais da sexualidade, na
comunidade»
Também no Ac. STJ de 19-3-1991, Proc. 41.428, 3ª
sec., se entendeu que no crime de lenocínio se visa «a
punição dos actos que põem em causa, de forma
relevante, os valores da comunidade e de concepções
ético-sociais dominantes, devendo abranger
sobretudo os actos que visam facilitar, explorar ou
comercializar a entrega de mulheres.”
É este o entendimento que se vem afirmando como
maioritário: exceptuadas as situações previstas no n°
2 do artigo 170° do Codigo Penal e no artigo 176° do
mesmo diploma (em que o bem jurídico tutelado é,
indiscutivelmente, a liberdade de autodeterminação
sexual das pessoas), o crime de lenocínio protege,
essencialmente, valores de natureza ético-social,
essenciais à vivência em sociedade.
E foi esta a posição perfilhada na sentença recorrida
que para o efeito se apoiou no Ac. da Rel. do Porto de
14-12-2005, proc.º n.º 0514345, rel Élia São Pedro in
www.dgsi.pt..
Porém, o facto de não ser, eventualmente, a liberdade
de determinação sexual o bem jurídico directamente
tutelado na norma em apreço não significa - não pode
significar - que a actividade descrita no n° 1 do art°
170° do Cod. Penal se encontra descriminalizada.
Que é crime resulta da vontade inequívoca do
legislador que assim o considerou, tipificando tal
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conduta.
Poder-se-á, porventura, defender (como o faz a Prof.
Anabela Miranda Rodrigues, op. cit. págs. 518-520)
que de iure condendo, a solução mais adequada
passaria pela descriminalização da conduta, o que
nem sequer se tem por seguro (cfr. a proposta
alternativa de Sénio Alves, Crimes Sexuais, pág. 68,
nota 3).
Mas, de iure condito, é inquestionável que o
comportamento em questão constitui crime, porque
“descrito e declarado passível de pena por lei anterior
ao momento da sua prática” - artigo 1º, n.º 1 do
Código Penal.
Em conclusão: no plano do direito a constituir é
legítimo questionar a necessidade de dar dignidade
penal ao lenocínio entendido como a actividade
descrita no n.º 1 do artigo 170º do Código Penal
(como também é discutível a necessidade de manter a
punição de outros ilícitos como, v.g. o estupro,
denominado de actos sexuais com adolescentes).
Porém, no plano do direito constituído, é indiscutível
que o lenocínio é crime previsto e punido no artigo
170º do Código Penal.
*

4. O recorrente suscita a inconstitucionalidade da


norma contida no n.º 1 do artigo 170° do Código
Penal, por violação dos artigos 41º (liberdade de
consciência) e 47º n.º1 (liberdade de profissão),
conjugados com o n.º 2 do artigo 18º, todos da
Constituição da República Portuguesa.
A questão não é nova.
Com efeito, a questão da conformidade com a
Constituição Portuguesa da norma contida no artigo
170º, n.º1 do Código Penal que pune o crime de
lenocínio foi primeiramente apreciada no Ac. do
Tribunal Constitucional n.º 144/04, da 2ª secção em
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que o tribunal se pronunciou no sentido da não


inconstitucionalidade (DR II, n.º 92, de 19 de Abril
de 2004). No citado aresto foram tratadas alegadas
violações, pela norma em causa, não só do princípio
da proporcionalidade consagrado no artigo 18°, n.º 2,
mas também dos artigos 41 ° (liberdade de
consciência) e 47°, n.º 1 (liberdade de profissão), da
Constituição da República. Distinguiram-se então as
questões de constitucionalidade de quaisquer
apreciações, no plano político-criminal, sobre a
mesma norma, e concluiu-se, depois de identificar o
bem jurídico protegido por esta, que o legislador não
está constitucionalmente proibido de adoptar um tipo
criminal como o que tal norma prevê.
Posteriormente, em processo em que era invocada a
violação, pela mesma norma, dos artigos 18°, n.º2,
26°, n.º 1, 27°, n.º 1, 47° e 58°, n.º 1, da Constituição
da República Portuguesa, o Tribunal Constitucional
por Acórdão n.º 196/04, de 23 de Março de 2004
concluiu novamente no sentido da sua não
inconstitucionalidade (proc.º n.º 130/04, 2ªsecção,
disponível in www.tribunalconstitucional.pt).
Mais recentemente, no seu acórdão n.º 303/04, de 5
de Maio de 2004, o mesmo Tribunal Constitucional
considerou que o citado artigo 170º, n.º1 não viola a
Constituição da república Portuguesa e,
designadamente, não ofende os princípios enunciados
no artigo 1º (proc.º n.º922/03, 1ªsecção, rel. Maria
Helena Brito, in www.tribunalconstitucional.pt).
O mesmo juízo de constitucionalidade voltou a ser
reafirmado no Ac. n.º 170/06, de 6 de Março de 2006
(proc.º n.º 176/05, 2ªsecção, rel. Vítor Gomes, in
www.tribunalconstitucional.pt), considerando-se que
o citado artigo 170º, n.º1 não viola o disposto no
artigo 18º, n.º2 da Constituição da República
Portuguesa.
Perante esta corrente jurisprudencial, firme e recente,
do Tribunal Constitucional, que sufragamos, e não se
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vislumbrando argumentos, fundamentos ou


circunstâncias que não tenham já sido anteriormente
ponderadas, é evidente que improcede a arguida
inconstitucionalidade (no sentido da
constitucionalidade do preceito em causa, cfr. , ainda,
Acs da Rel do Porto, de 15-2-2006, proc.º n.º
0545889, rel. Natividde Jacob e da Rel de Coimbra
de 15-3-2006, proc.º n.º 2421/05, rel. Gabriel
Catarino, ambos in www.dgsi.pt).
Deixam-se reproduzidos os seguintes excertos mais
representativos do notável acórdão n.º 144/2004,
relatado pela Prof.ª Fernanda Palma os quais, por
certo, dissiparão todas as dúvidas e interrogações
com que o recorrente se confrontou:
«(…) subjacente à norma do artigo 170°, n.º 1, está
inevitavelmente uma perspectiva fundamentada na
História, na Cultura e nas análises sobre a Sociedade
segundo a qual as situações de prostituição
relativamente às quais existe um aproveitamento
económico por terceiros são situações cujo
significado é o da exploração da pessoa prostituída
(…). Tal perspectiva não resulta de preconceitos
morais mas do reconhecimento de que uma Ordem
Jurídica orientada por valores de Justiça e assente na
dignidade da pessoa humana não deve ser mobilizada
para garantir, enquanto expressão de liberdade de
acção, situações e actividades cujo "princípio" seja o
de que uma pessoa, numa qualquer dimensão (seja a
intelectual, seja a física, seja a sexual), possa ser
utilizada como puro instrumento ou meio ao serviço
de outrem. A isto nos impele, desde logo, o artigo 1 °
da Constituição, ao fundamentar o Estado Português
na igual dignidade da pessoa humana. E é nesta linha
de orientação que Portugal ratificou a Convenção
sobre a Eliminação de Todas as Formas de
Discriminação contra as Mulheres (Lei n.º 23/80, em
D.R., I Série, de 26 de Julho de 1980), bem como, em
1991 a Convenção para a Supressão do Tráfico de
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Pessoas e de Exploração da Prostituição de Outrem


(D.R., I Série, de 10 de Outubro de 1991).
É claro que a esta perspectiva preside uma certa ideia
cultural e histórica da pessoa e uma certa ideia do
valor da sexualidade, bem como o reconhecimento do
valor científico das análises empíricas que retratam o
"mundo da prostituição" (…). Mas tal horizonte de
compreensão dos bens relevantes é sempre associado
a ideias de autonomia e liberdade, valores da pessoa
que estão directamente em causa nas condutas que
favorecem, organizam ou meramente se aproveitam
da prostituição.
Não se concebe, assim, uma mera protecção de
sentimentalismos ou de uma ordem moral
convencional particular ou mesmo dominante, que
não esteja relacionada, intrinsecamente, com os
valores da liberdade e da integridade moral das
pessoas que se prostituem, valores esses protegidos
pelo Direito enquanto aspectos de uma convivência
social orientada por deveres de protecção para com
pessoas em estado de carência social. A intervenção
do Direito Penal neste domínio tem, portanto, um
significado diferente de uma mera tutela jurídica de
uma perspectiva moral, sem correspondência
necessária com valores essenciais do Direito e com as
suas finalidades específicas num Estado de Direito. O
significado que é assumido pelo legislador penal é,
antes, o da protecção da liberdade e de uma
"autonomia para a dignidade" das pessoas que se
prostituem. Não está, consequentemente, em causa
qualquer aspecto de liberdade de consciência que seja
tutelado pelo artigo 41°, n.º 1, da Constituição, pois a
liberdade de consciência não integra uma dimensão
de liberdade de se aproveitar das carências alheias ou
de lucrar com a utilização da sexualidade alheia. Por
outro lado, nesta perspectiva, é irrelevante que a
prostituição não seja proibida. Na realidade, ainda
que se entenda que a prostituição possa ser, num
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certo sentido, uma expressão da livre disponibilidade


da sexualidade individual, o certo é que o
aproveitamento económico por terceiros não deixa de
poder exprimir já uma interferência, que comporta
riscos intoleráveis, dados os contextos sociais da
prostituição, na autonomia e liberdade do agente que
se prostitui (colocando-o em perigo), na medida em
que corresponda à utilização de uma dimensão
especificamente íntima do outro não para os fins dele
próprio, mas para fins de terceiros. Aliás, existem
outros casos, na Ordem Jurídica portuguesa, em que o
autor de uma conduta não é incriminado e são
incriminados os terceiros comparticipantes, como
acontece, por exemplo, com o auxílio ao suicídio
(artigo 135° do Código Penal) ou com a incriminação
da divulgação de pornografia infantil [artigo 172°, n°
3, alínea e), do Código Penal], sempre com
fundamento na perspectiva de que a autonomia de
uma pessoa ou o seu consentimento em determinados
actos não justifica, sem mais, o comportamento do
que auxilie, instigue ou facilite esse comportamento.
É que relativamente ao relacionamento com os outros
há deveres de respeito que ultrapassam o mero não
interferir com a sua autonomia, há deveres de
respeito e de solidariedade que derivam do princípio
da dignidade da pessoa humana.
Por outro lado, que uma certa "actividade
profissional" que tenha por objecto a específica
negação deste tipo de valores seja proibida (neste
caso, incriminada) não ofende, de modo algum, a
Constituição. A liberdade de exercício de profissão ou
de actividade económica tem obviamente, como
limites e enquadramento, valores e direitos
directamente associados à protecção da autonomia e
da dignidade de outro ser humano (artigos 47º, n.º 1 e
61°, n.º 1, da Constituição). Por isso estão
particularmente condicionadas, como objecto de
trabalho ou de empresa, actividades que possam
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afectar a vida, a saúde e a integridade moral dos


cidadãos [artigo 59°, n° 1, alíneas b) e c) ou n° 2,
alínea c), da Constituição]. Não está assim, de todo
em causa a violação do artigo 47°, n° 1, da
Constituição. Nem também tem relevância impeditiva
desta conclusão a aceitação de perspectivas como a
que aflora no pronunciamento do Tribunal de Justiça
das Comunidades (Sentença de 20 de Novembro de
2001, Processo nO 268/99), segundo a qual a
prostituição pode ser encarada como actividade
económica na qualidade de trabalho autónomo (cf.,
em sentido crítico, aliás, MASSIMO LUCIANI, "Il
lavoro autonomo de la prostituta", em Quaderni
Costituzionali, anno XXII, n° 2, Giugno 2002, p. 398
e ss.). Com efeito, aí apenas se considerou que a
permissão de actividade das pessoas que se
prostituem nos Estados membros da Comunidade
impede uma discriminação quanto à autorização de
permanência num Estado da União Europeia, daí não
decorrendo qualquer consequência para a licitude das
actividades de favorecimento à prostituição.
As considerações antecedentes não implicam,
obviamente, que haja um dever constitucional de
incriminar as condutas previstas no artigo 170°, n° 1,
do Código Penal. Corresponde, porém, a citada
incriminação a uma opção de política criminal (…),
justificada, sobretudo, pela normal associação entre
as condutas que são designadas como lenocínio e a
exploração da necessidade económica e social, das
pessoas que se dedicam à prostituição, fazendo desta
um modo de subsistência. O facto de a disposição
legal não exigir, expressamente, como elemento do
tipo uma concreta relação de exploração não significa
que a prevenção desta não seja a motivação
fundamental da incriminação a partir do qual o
aproveitamento económico da prostituição de quem
fomente, favoreça ou facilite a mesma exprima,
tipicamente, um modo social de exploração de uma
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situação de carência e desprotecção social.


Tal opção tem o sentido de evitar já o risco de tais
situações de exploração, risco considerado elevado e
não aceitável, e é justificada pela prevenção dessas
situações, concluindo-se pelos estudos empíricos que
tal risco é elevado e existe, efectivamente, no nosso
país, na medida em que as situações de prostituição
estão associadas a carências sociais elevadas (…) não
é tal opção inadequada ou desproporcional ao fim de
proteger bens jurídicos pessoais relacionados com a
autonomia e a liberdade. Ancora-se esta solução legal
num ponto de vista que tem ainda amparo num
princípio de ofensividade, à luz de um entendimento
compatível com o Estado de Direito democrático, nos
termos do qual se verificaria uma opção de política
criminal baseada numa certa percepção do dano ou
do perigo de certo dano associada à violação de
deveres para com outrem - deveres de não
aproveitamento e exploração económica de pessoas
em estado de carência social (…). O entendimento
subjacente à lei penal radica, em suma, na protecção
por meios penais contra a necessidade de utilizar a
sexualidade como modo de subsistência, protecção
directamente fundada no princípio da dignidade da
pessoa humana. Questão diversa que não está
suscitada nos presentes autos é a que se relaciona
com a possibilidade processual de contraprova do
perigo que serve de fundamento à incriminação em
casos como o presente ou ainda, naturalmente, com a
prova associada à aplicação dos critérios de censura
de culpa do agente e da atenuação ou eventual
exclusão de culpabilidade, em face das circunstâncias
concretas do caso.»
*
5 Não se verificam, igualmente, os alegados vícios de
insuficiência para a decisão da matéria de facto
provada e de erro notório na apreciação da prova.
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Impõe-se, antes de mais, referir que quer o conceito


de “insuficiência para a decisão da matéria de facto
provada” quer o de “erro notório na apreciação da
prova”constantes, respectivamente da alínea a) e c)
do n.º 2 do artigo 410º do Código de Processo Penal
foram já suficientemente trabalhados pela doutrina e
pela jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça e
que qualquer um dos apontados vícios tem de resultar
do texto da decisão, encarada em si ou com recurso
às regras gerais da experiência, sem que se possa
lançar mão de outros elementos extrínsecos à decisão,
conforme decorre do disposto no n.º2 do citado artigo
410º.
À luz de tais ensinamentos é hoje pacífico que só
existe tal insuficiência quando se faz a formulação
incorrecta de um juízo em que a conclusão extravasa
as premissas ou quando há omissão de pronúncia pelo
tribunal, sobre os factos alegados ou resultantes da
discussão da causa que sejam relevantes para a
decisão, ou seja, a que decorre da circunstância de o
tribunal não ter dado como provados ou como não
provados todos os factos que, sendo relevantes para a
decisão, tenham sido alegados pela acusação e pela
defesa ou resultado da discussão.
Como se observou no recente Ac. do S.T.J. de 20-4-
2006 (proc.º n.º 363/03, rel. R. Costa):
“A insuficiência da matéria de facto provada significa
que os factos apurados são insuficientes para a
decisão de direito, do ponto de vista das várias
soluções que se perfilem - absolvição, condenação,
existência de causa de exclusão de ilicitude, da culpa
ou da pena, circunstâncias relevantes para a
determinação desta última, etc. – e isto porque o
tribunal deixou de apurar ou de se pronunciar sobre
factos relevantes alegados pela acusação ou pela
defesa ou resultantes da discussão da causa, ou ainda
porque não investigou factos que deviam ser
apurados na audiência vista a sua importância para a
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decisão, por exemplo, para a escolha ou determinação


da pena.”
Por seu turno o erro notório é a desconformidade com
a prova produzida em audiência, ou com as regras da
experiência por se ter decido contra o que se provou
ou não provou ou por se ter dado por provado o que
não podia ter acontecido (cfr. Germano Marques da
Silva, Curso de Processo Penal, Vol. III,
Lisboa/S.Paulo, 1994, pág. 327, Simas Santos e Leal
Henriques, Recursos em Processo Penal, 5ª ed.,
Lisboa, 2002, pág. 65 a 69, estes últimos com amplas
referências jurisprudenciais).
A título meramente exemplificativo citam-se os
seguintes arestos:
- O erro notório previsto no art.º 410º, n.º 2, al. c), do
CPP, é um vício de raciocínio na apreciação das
provas, evidenciado pela simples leitura da decisão;
erro tão evi-dente que salta aos olhos do leitor médio.
As provas revelam claramente um sentido e a decisão
extraiu ilacção contrária, logicamente impossível,
incluindo na matéria fáctica provada ou excluindo
dela algum facto essencial. (Ac. do ST] de 3-06-
1998, proc.º n.º 272/98).
_ O erro notório na apreciação da prova – art.º 410º,
n.º 2, al. c), do CPP - não tem nada a ver com a
eventual desconformidade entre a decisão de facto do
julgador e aquela que teria sido proferida pelo próprio
recorrente. (Ac. do STJ de 1-07-1998, proc.º n.º
548/98).
- o erro notório traduz-se, basicamente, em se dar
como provado algo que notoria-mente está errado,
que não pode ter acontecido, ou quando determinado
facto é incom-patível ou contraditório com outro
dado facto positivo ou negativo. (Ac. do ST] de 9-07-
1998, Proc.° n.° 1509/97).
- o erro notório na apreciação da prova consiste em o
tribunal ter dado como provado ou não provado
determinado facto, quando a conclusão deveria ser
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manifestamente ter sido a contrária , já por força de


uma incongruência lógica, já por ofender princípios
ou leis formulados cientificamente, nomeadamente
das ciências da natureza e das ciências físicas, ou
contrariar princípios gerais da experiência comum
das pessoas, já por ter sido violado ou postergado um
princípio ou regra fundamental em matéria de prova
(Ac. do S.T.J. de 20-4-2006, Proc.º n.º 363/03, rel.
Rodrigues Costa):
*
À luz de tais ensinamentos jurisprudenciais e
doutrinais é bom de ver que não se verifica nenhum
dos apontados vícios.
Assim e no que toca à alegada insuficiência,
nenhuma lacuna existe ao nível da matéria de facto
provada para fundamentar a decisão de direito a que
o tribunal recorrido chegou.
Por outro lado, não pode dizer-se que o tribunal tenha
deixado de investigar toda a matéria com interesse
para a decisão final.
O tribunal investigou tudo o que podia e conseguiu
investigar dentro do objecto do processo, tal como ele
foi delimitado pela acusação e pela defesa, sendo que
se não vislumbra que a prova produzida em audiência
justificasse qualquer outra investigação suplementar.
Não ocorre, por conseguinte, o apontado vício de
insuficiência para a decisão da matéria de facto
provada.
Por outro lado, e sem prejuízo do que adiante se
referirá (cfr. n.º 6) não vislumbramos qualquer erro
notório.
O que a este respeito o recorrente invoca é, antes, o
erro de julgamento por incorrecta valoração ou
apreciação da prova produzida ou insuficiência desta
para fundamentar a decisão recorrida, sendo certo que
se não descortina nenhum dos vícios a que alude o n.º
2 do CPP.
Conforme resulta do n.º2 daquele artigo 410º, está
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bem expresso nos arestos acabados de citar, e já foi


acima aflorado, os vícios da matéria de facto
enumerados no artigo 410º do Código de Processo
Penal têm, de resultar “do texto da decisão recorrida,
por si só ou conjugada com as regras da experiência
comum”, por conseguinte, sem recurso a quaisquer
elementos que lhe sejam externos não sendo
admissível, designadamente, o recurso a declarações
ou depoimentos exarados no processo, nem podem
basear-se em documentos juntos ao processo (cfr.,
neste sentido, Simas Santos e Leal Henriques,
Recursos em Processo Penal, 5ª ed., Lisboa, 2002,
pág. 71 os quais salientam “que não se pode ir fora da
decisão buscar outros elementos para fundamentar o
vício invocado, nomeadamente ir à cata de eventuais
contradições entre a decisão e outras peças
processuais, como por exemplo recorrer a dados do
inquérito, da instrução ou do próprio julgamento”; no
mesmo sentido Germano Marques da Silva, Curso de
Processo Penal, vol. III, pág. 324 e a jurisprudência
do STJ citada naquela primeira obra).
Ora, apreciando o acórdão recorrido recorrida sob
este prisma, é forçoso concluir que o mesmo não
contém nenhum dos apontados vícios possuindo
conteúdo harmonioso e racional, fora de qualquer
erro notório, sendo a matéria de facto dada como
provada completa para o direito aplicável, não se
vislumbrando qualquer contradição (e muito menos
insanável) da fundamentação nem entre a
fundamentação e a decisão.
*
6. A questão do erro de julgamento, por errada
valoração da prova produzida.
Diferente dos vícios acima mencionados, embora o
recorrente pareça misturar uns e outro, é o erro na
valoração da prova que o recorrente igualmente
assaca ao acórdão recorrido.

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*
§1. Dado que no caso houve documentação da prova
produzida em audiência, com a respectiva transcrição
integral, pode o tribunal de recurso reapreciá-la na
perspectiva ampla prevista no art. 431º do C. P. Penal.
Com efeito, estatui o citado preceito que “Sem
prejuízo do disposto no art. 410°, a decisão do
tribunal de 1ª instância pode ser modificada (…): b)
Se, havendo documentação da prova produzida em
audiência, esta tiver sido impugnada, nos termos do
art. 412, n.º3 (…)”.
No entanto, ao contrário do que por vezes se pensa, o
recurso não tem por finalidade nem pode ser
confundido com um "novo julgamento" da matéria de
facto, assumindo-se antes como um “remédio”
jurídico.
Como já em diversos lugares salientou o Prof.
Germano Marques da Silva, presidente da Comissão
para a Reforma do Código de Processo Penal que
justamente introduziu o recurso também em matéria
de facto nos crimes julgados perante tribunal
colectivo:
- “E o recurso não é tudo, é um remédio para os erros,
não é novo julgamento” (conferência parlamentar
sobre a revisão do Código de Processo Penal, in
Assembleia da República, Código de Processo Penal,
vol.II, tomo II, Lisboa 1999, pág. 65);
- “o recurso em matéria de facto não se destina a um
novo julgamento, constituindo apenas um remédio
para os vícios do julgamento em primeira instância”
(Forum Justitiae, Maio/99);
- “Recorde-se que o recurso ordinário no nosso
Código é estruturado como um remédio jurídico, visa
corrigir a eventual ilegalidade cometida pelo tribunal
a quo. O tribunal ad quem não procede a um novo
julgamento, verifica apenas da legalidade da decisão
recorrida, tendo em conta todos os elementos de que
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se serviu o tribunal que proferiu a decisão recorrida.


Por isso também a renovação da prova só seja
admitida em situações excepcionais e sobretudo que
tenha de indicar expressamente os vícios da decisão
recorrida.” (Registo da prova em Processo Penal.
Tribunal Colectivo e Recurso, in Estudos em
homenagem a Cunha Rodrigues, vol I, Coimbra
2001)- no mesmo sentido cfr. José Manuel Damião
da Cunha, A Estrutura dos Recursos na proposta de
Revisão do CPP-Algumas Considerações, in Revista
Portuguesa de Ciência Criminal, ano 8º, fasc. 2,
Abril/Junho 1998, págs. 259-260 onde salienta a
exigência formulada ao recorrente para apresentar os
pontos de facto que mereçam a censura de
“incorrectamente decididos”; Id., O Caso Julgado
Parcial, Porto, 2002, especialmente a págs. 516, 527,
529 e 567,
Por conseguinte, o recurso em matéria de facto,
destina-se apenas à reapreciação da decisão proferida
em primeira instância em pontos concretos e
determinados. Tem como finalidade a reapreciação de
“questões de que pudesse conhecer a decisão
recorrida” (cfr. designadamente o art. 410º, n.º l do
CPP).
Daí que o legislador tenha estabelecido um específico
dever de motivação e formulação de conclusões do
recurso nesta matéria - cfr. artigo 412º, n.º 1, 3 e 4 do
CPP.
Dever esse que não se basta com a remissão mais ou
menos genérica para os depoimentos prestados em
audiência, devendo especificar, ponto por ponto, não
só os pontos que se reputam de indevidamente
decididos, como ainda quais as provas que deveriam
levar a decisão diversa, por referência aos suportes
técnicos, no caso de ter havido gravação e
transcrição.
*

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§2. Como é sabido, o Código de Processo Penal


normativizou cuidadosamente a matéria atinente à
prova, quer em termos genéricos quer de forma
específica relativamente às diversas fases processuais
em que se opera a recolha e valoração da prova", de
onde ressalta "a preocupação de acatamento dos
imperativos constitucionais relativos à dignidade
pessoal e integridade do cidadão e intimidade da vida
privada e familiar que ‘é legítimo esperar de um
processo penal no quadro de um Estado de Direito
Democrático e Social’ em que a justiça seja alcançada
exclusivamente por meios processualmente válidos e
efectivamente controláveis” - Marques Ferreira,
Meios de Prova, in Jornadas de Direito Processual
Penal, O Novo Código de Processo Penal, Coimbra,
1988, págs. 221-222.
No entanto, salvas as referidas limitações em que a
apreciação da prova é normativizada, vigora como
princípio geral, no âmbito da apreciação das provas, o
princípio fundamental da livre apreciação das provas,
acolhido, de forma expressa, no art. 127º do CPP,
princípio esse que, como refere o mesmo Marques
Ferreira, "entre nós tem sido unanimemente aceite a
partir da primeira metade do Séc. XIX com as
reformas judiciárias saídas da Revolução Liberal"
(op, cit, pág.227)
Nesta matéria, apesar da minuciosa regulamentação
das provas, continua assim a vigorar o princípio
fundamental de que na "questão de facto", a decisão
do tribunal assenta na livre convicção do julgador,
ainda que devidamente fundamentada, devendo
aparecer como conclusão lógica e aceitável à luz dos
critérios do art. 127° do Cód. Proc. Penal.
Não deixa porém de se assinalar, como resulta mais
uma vez do preâmbulo do CPP, que "o código aposta
confiadamente na qualidade da justiça realizada a
nível de 1 a instância" (n.º7).
Como já Cavaleiro Ferreira sublinhara, "(…) A livre
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convicção é um meio de descoberta da verdade, não


uma afirmação infundamentada da verdade. É uma
conclusão livre, porque subordinada à razão e à
lógica e não limitada por prescrições formais
exteriores.” “(...) o julgador, em vez de se encontrar
ligado por normas prefixadas e abstractas sobre a
apreciação de prova, tem apenas de se subordinar à
lógica, à psicologia, e às máximas da experiência" -
Curso de Processo Penal, reimp. Lisboa, 1981, vol. II,
p. 298.
Do princípio da livre apreciação da prova, resulta que
a decisão não consiste numa operação matemática, ou
meramente formal, devendo o julgador apreciar as
provas, analisando-as dialecticamente e procurando
harmonizá-las entre si e de acordo com os princípios
da experiência comum, sem que o julgador esteja
limitado por critérios formais de avaliação.
A reconstituição processual da realidade histórica de
certo facto humano não é ou dificilmente poderá ser a
expressão precisa e acabada de um qualquer meio de
prova e particularmente da prova testemunhal, dadas
as naturais dificuldades em se reproduzir fiel e
pormenorizadamente o que foi percepcionado ou
vivenciado, geralmente de forma passageira e
ocasional, muito antes da audiência de discussão e
julgamento, local privilegiado para a produção e
discussão das provas. Muito menos podem os vários
depoimentos ser entendidos isoladamente, retirando-
os do respectivo contexto, apenas com base em frases
transcritas num mero suporte documental e em certas
imprecisões de algum dos testemunhos - por vezes
justificáveis desde logo pelas circunstâncias
dialécticas em que são produzidos, durante o
interrogatório cruzado, formal, surgindo sempre um
novo elemento em cada questão suscitada por cada
um dos sujeitos processuais.
Não se trata - na avaliação da prova - de uma mera
operação voluntarista, mas de conformação
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intelectual do conhecimento do facto (dado objectivo)


com a certeza da verdade alcançada (dados não
objectiváveis).
Envolve a apreciação da credibilidade que merecem
os meios de prova, onde intervêm elementos não
racionalmente explicáveis, v.g. a credibilidade que se
concede a um certo meio de prova em detrimento de
outro - tem essencial relevo a imediação.
Mas ainda deduções e induções que o julgador realiza
a partir dos factos probatórios, aspecto que já não
depende substancialmente da imediação, mas deve
basear-se na correcção do raciocínio, nas regras da
lógica, da experiência e nos conhecimentos
científicos.
Mas a livre convicção ou apreciação não pode
confundir-se com apreciação arbitrária da prova
produzida nem com a mera impressão gerada no
espírito do julgador, como já sublinhara cavaleiro de
Ferreira.
Como ensina o Prof. Figueiredo Dias " Se a a
apreciação da prova é, na verdade, discricionária, tem
evidentemente esta discricionaridade (como … a tem
toda a discricionaridade jurídica) os seus limites que
não podem ser licitamente ultrapassados: a liberdade
de apreciação da prova, é, no fundo uma liberdade de
acordo com um dever - o dever de perseguir a
chamada «verdade material» - de tal sorte que a
apreciação há-de ser, em concreto, recondutível a
critérios de objectivos e, portanto, em geral,
susceptível de motivação e de controlo".
Por isso a livre ou intima convicção não poderá ser "
uma convicção puramente subjectiva, emocional e
portanto imotivável” “Se a verdade que se procura é
uma verdade prático-jurídica, e se, por outro lado,
uma das funções primaciais de toda a sentença
(maxime da penal) é a de convencer os interessados
do bom fundamento da decisão, a convicção do juiz
há-de ser , é certo, uma convicção pessoal (…) mas
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em todos o caso, também ela uma convicção


objectivável e motivável, portanto capaz de se impor
aos outros” a qual “(…) existirá quando e só quando
o tribunal tenha logrado convencer--se da verdade
dos factos para além de toda a dúvida razoável "
(Direito Processual Penal, vol. 1º,Coimbra, 1974,
págs. 202-203).
Por isso o CPP instituiu sistemas de motivação e
controle em sede de apreciação da prova salientando
o carácter racional desta.
De entre esses sistemas destaca-se a consagração de
um sistema que obriga a uma correcta fundamentação
fáctica das decisões que conheçam a final do objecto
do processo, de modo a permitir-se um efectivo
controle da sua motivação.
Esse sistema, regulado no n.º2 do artigo 374º do CPP
consiste na exigência de “uma exposição tanto quanto
possível completa, ainda que concisa, dos motivos, de
facto e de direito, que fundamentam a decisão, com
indicação e exame crítico das provas que serviram
para formar a convicção do tribunal”
Como bem salienta o Consº Marques Ferreira “Estes
motivos de facto que fundamentam a decisão não são
nem os factos provados (thema decidendum) nem os
meios de prova (thema probandum) mas os elementos
que em razão das regras da experiência ou de
critérios lógicos constituem o substracto racional que
conduziu a que a convicção do tribunal se formasse
em determinado sentido ou valorasse de forma
determinada os diversos meios de prova apresentados
em audiência (op. cit, págs. 229-230)
*
§3. Este sistema de fundamentação fáctica não
constituiu verdadeiramente uma qualquer limitação
ao funcionamento da princípio da livre apreciação da
prova antes pelo contrário, “teve em vista garantir
maior credibilidade ao princípio em causa e à Justiça
em última análise”(Marques Ferreira, op. cit.,
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pág.229).
A fundamentação ou motivação permite o controle
por parte do tribunal superior, pela via do recurso, do
exame do processo lógico ou racional que subjaz à
decisão.
Mas, o recurso em matéria de facto não constitui,
como acima referimos, um segundo julgamento, mas
um remédio, uma solução para obviar à manutenção
de decisões arbitrárias e ilegais
O juízo de censura que a este respeito há-de formular-
se não pode fundamentar-se na simples discordância
com a convicção do legislador.
É que assim não fosse, como bem salienta o Prof.
Damião da Cunha, o tribunal de recurso transformar-
se ia “num ‘substitutivo do sistema de provas legais
(por tal forma que o tribunal de recurso fizesse ele
próprio, uma valoração da prova, acabando, ao invés
de censurar a decisão, por proceder a um juízo, mas
com inversão das regras de julgamento) ou, então,
numa espécie de juízos por parâmetros” (O Caso
julgado Parcial, cit. págs. 566-567).
Por isso, conclui aquele ilustre processualista penal:
“Aquilo que o tribunal de recurso pode
essencialmente censurar, é a violação de todo o
conjunto de princípios que estão subtraídos à livre
apreciação da prova (que limitam o ‘arbítrio’ na sua
apreciação), exactamente: as regras da experiência
comum, o princípio in dubio pro reo, o princípio da
presunção de inocência e, em especial, aquele que
está directamente ligado à afirmação de uma
culpabilidade pelo facto, isenta de qualquer
referência a características pessoais do arguido.
Deverá ainda ter-se em conta este aspecto: o de que a
convicção só é verdadeiramente livre, quando se
realiza numa audiência regida pelos princípios da
publicidade, da imediação e da contraditoriedade na
produção da prova, bem como da concentração na
apreciação complexa de todos os argumentos
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apresentados pelos sujeitos processuais” (pág. 567).


É este também, como não podia deixar de ser, o
entendimento desta Relação de Guimarães, como
emerge dos seguintes arestos:
Acórdão de 20-3-2006 (proc.º n.º 245/06-1, rel.
Fernando Monterroso);
Acórdão de 4-4-2005 (proc.º n.º 1477/04-1, rel.
Nazaré Saraiva);
Acórdão de 28-6-2004 (proc.º n.º 575/04-1, rel.
Heitor Gonçalves);
Acórdão de 31-5-2004 (proc.º n.º 2415/03, rel. Heitor
Gonçalves);
Acórdão de 29-11-2004 (proc.º n.º 1883/04-1, rel.
Francisco Marcolino);
Acórdão de 27-10-2003 (proc.º n.º 1445/03, rel.
Miguez Garcia).
*
§4. É, por conseguinte, neste pano de fundo que esta
questão, do alegado erro de julgamento por errada
valoração da prova produzida, deve ser encarada.
A este respeito deve sublinhar-se que o recorrente
começa por afirmar que “foram erradamente julgados
provados os factos constantes das alíneas constantes
da acusação, na matéria a ele referente. Factos esses
que, não condizentes com a verdade ou com a prova
efectivamente produzida e apreciada, em sede de
audiência, não devem ser considerado provados”.
Mas o recorrente não concretiza de modo satisfatório
as provas que impõem decisão diversa, endossando
ao tribunal esse ónus, juntando oito páginas de
transcrições dos registos fonográficos.
Valora diferentemente algum do material probatório
disponível, respiga de alguns depoimentos aquilo que
lhe interessa e, numa técnica conhecida mas
reconhecidamente ineficaz, limita-se a “fazer vista
grossa e a varrer para debaixo do tapete aquilo que
não lhe interessa” (Ac. da Rel. do Porto de 13-7-
2005, proc.º n.º 0540595, rel. António Gama, in
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www.dgsi.pt).
Sempre se dirá que ao contrário do que por vezes se
pensa e se ouve a todo o tempo, a prova indiciária,
devidamente valorada, permite fundamentar uma
condenação (cfr., v.g., Cavaleiro de Ferreira, Curso
de Processo Penal, vol. II, reimp. Lisboa, 1981, págs.
288-295, Id., Curso de Processo Penal, 2º vol.,
Lisboa, 1986, págs. 207- 208, Germano Marques da
Silva, Curso de Processo Penal, Lisboa/ S. Paulo,
1993, vol. II, pág. 83 e Ac. do S.T.J. de 8-1-1995,
B.M.J. n.º 451, pág. 86 e Ac. da Rel. de Coimbra de
6-3-1996, Col. de Jur. ano XXI, tomo 2, pág. 44).
Ponto é que os indícios sejam graves, precisos e
concordantes, como se exprime o artigo 192º, n.º2 do
Código de Processo Penal Italiano.
Segundo Paolo Tonini, são graves os indícios que são
resistentes às objecções e que, portanto, têm uma
elevada capacidade de persuasão; são precisos
quando não são susceptíveis de diversas
interpretações, desde que a circunstância indiciante
esteja amplamente provada; são concordantes quando
convergem todos para a mesma direcção (La prova
penale, 4ª ed., Pádua, 2000, apud Eduardo Araújo da
Silva, Crime Organizado-procedimento probatório,
editora Atlas, São Paulo, 2003, pág. 157).
Ora, no caso em apreço os indícios recolhidos são
graves, precisos e concordantes, de molde a permitir
inferir pela participação do arguido recorrente como
co-autor do crime de lenocínio m causa nos autos.
Antes do mais, o arguido/recorrente encontrava-se no
estabelecimento em causa, quer quando das
vigilâncias, quer da operação policial que esteve na
origem da sua detenção. O próprio arguido não nega
este facto alegando que se tratava de um mero
assalariado, empregado de mesa.
No momento da intervenção policial, encontravam-se
nos anexos ao estabelecimento diversas cidadãs
brasileiras a relacionar-se sexualmente com clientes
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nos diversos quartos do anexo, mediante uma


contraprestação pecuniária, isto é, em plena
actividade de prostituição.
No balcão do estabelecimento foram encontrados
diversos preservativos.
No interior do bar foram igualmente encontrados
numerosos outros objectos destinados à prática de
actos de prostituição, nomeadamente, preservativos,
bisnagas de gel e lençóis descartáveis.
Não podia pois o recorrente ignorar a que se
destinava o anexo e o que ali se fazia nos diversos
quartos em que fora transformado.
Acresce que o arguido recorrente foi visto a abrir com
frequência a porta de emergência do bar para que os
casais saíssem e voltassem a entrar no mesmo após a
ida ao anexo.
Foi igualmente visto a entrar no reservado, tendo a
chave do anexo/reservado consigo, levando para o
seu interior um balde, assim demonstrando que o
mesmo estava igualmente na sua disponibilidade.
Por outro lado, nos cartões de consumo eram
anotadas as idas ao anexo/reservado (conforme se
pode ver dos numerosos cartões de consumo
apreendidos no presente processo às
frequentadoras/trabalhadoras do bar e
anexo/reservado).
E ao referido anexo apenas se acedia a partir do
interior do bar e através da sua porta de emergência.
É assim inequívoco que naquele estabelecimento se
exercia de forma organizada a prática da prostituição
e que quem explorava tal estabelecimento reservava
para si uma parte do preço.
Por outro lado, o arguido/recorrente figura como
fiador no contrato de arrendamento comercial do
estabelecimento em causa, sendo certo que de acordo
com as regras da experiência comum, não é normal
que um simples assalariado seja fiador do
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arrendamento do estabelecimento onde trabalha. O


que aquelas regras ensinam, é que neste tipo de
actividades, em que o fiador também “trabalha” no
estabelecimento, ele está normalmente associado à
gestão do mesmo estabelecimento, comungando dos
respectivos lucros ilícitos. O que explica, a
circunstância assinalada na fundamentação da
sentença de o arguido recorrente se ter quedado
comprometido quando confrontado com este Tribunal
com o facto de o mesmo figurar como fiador no
contrato de arrendamento comercial do
estabelecimento em causa junto aos autos.
Acresce que a testemunha BELMIRA R... que referiu
trabalhar no bar L... da Noite para vender copos e
nada mais, nunca se tendo prostituído, esclareceu que
foi o arguido Nuno que a convidou para trabalhar lá,
em regime vulgarmente chamado de alterne, tendo
combinado com ele que recebia à percentagem.
Ao contrário do que insinua o recorrente não se
confunde, como se não confundiu na sentença
recorrida, a actividade de prostituição com a de
alterne, embora ambas surjam normalmente
associadas.
Neste ponto o depoimento desta testemunha é,
porém, particularmente importante na medida em que
revela que a testemunha foi contratada pelo
recorrente que com ela combinou a percentagem que
lhe era devida (50% do valor dos consumos que
induzia, os quais eram anotados no cartão de cliente).
Novamente, à luz das regras da experiência comum,
não é normal que um simples assalariado contrate
pessoal, convidando-o a trabalhar no seu local de
trabalho e com ele acordando a remuneração devida.
O que mais uma vez aquelas regras ensinam, é que
quem contrata e acorda a remuneração está associado
à gestão do estabelecimento, comungando dos
respectivos lucros ilícitos.
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Aliás, e este ponto revela-se igualmente importante,


segundo bem se refere na sentença recorrida, aquela
testemunha BELMIRA R... “Envolveu todos os
arguidos na gestão do bar e da sua parte monetária ao
referir que qualquer um dos quatro arguidos chegou a
estar ao balcão e ter feito contas consigo no fim da
noite procedendo ao pagamento do que lhe era
devido”.
Finalmente importa, ainda, assinalar a circunstância
de o arguido/recorrente ter sido anteriormente julgado
e condenado, por sentença transitada em julgado, pela
prática de outro crime de lenocínio.
Todos estes indícios são graves, precisos e
concordantes. E, devidamente conjugados e
ponderados permitem concluir, sem margem para
dúvidas, já que se não vislumbra qualquer outra
possibilidade alternativa razoável, que o
arguido/recorrente juntamente com os demais
arguidos explorava o bar com o nome de “L... da
Noite”, frequentado por prostitutas e por homens que
as procuram para manter relações de sexo mediante
pagamento, efectuado pelos clientes aos arguidos e
do qual estes entregam uma parte à prostituta
guardando outra.
Por outras palavras, segundo o curso ordinário e
natural das coisas não pode razoavelmente supor-se
que o arguido se limitasse a servir bebidas, como
mero assalariado.
Conclui-se deste modo que o tribunal ao considerar
provados os factos em que fundamentou a
condenação, supra descritos em 2. A), fê-lo de forma
devidamente fundamentada, expondo de forma clara
e segura os elementos de facto que fundamentam a
sua decisão, o processo lógico que lhe subjaz,
optando por uma das soluções plausíveis segundo as
regras da experiência, suportada pelas provas
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invocadas na fundamentação da sentença conforme se


colhe da leitura da declarações produzidas em
audiência de julgamento, não se detectando nenhum
erro patente de julgamento, nem tendo sido utilizados
meios de prova proibidos.
Por isso que tal decisão seja inatacável, porque
proferida de acordo com a sua livre convicção (artigo
127º do Código de Processo Penal).
*
§5. E terminam-se estas considerações que já vão
longas, com a seguinte síntese conclusiva constante
do Ac. T.C. 198/2004 de 24-03-2004 (DR, II Série, de
2-6-2004), que não podemos deixar de subscrever:
"A censura quanto à forma de formação da convicção
do tribunal não pode, consequentemente, assentar de
forma simplista, no ataque da fase final da formação
de tal convicção, isto é, na valoração da prova; tal
censura terá de assentar na violação de qualquer dos
passos para a formação de tal convicção,
designadamente porque não existem os dados
objectivos que se apontam na motivação ou porque se
violaram os princípios para a aquisição desses dados
objectivos ou porque não houve liberdade de
formação da convicção. Doutra forma seria uma
inversão da posição das personagens do processo,
como seja a de substituir a convicção de quem tem de
julgar pela convicção dos que esperam a decisão"
(itálico nosso).
*
7. Violação dos princípios da presunção de
inocência e do “in dubio pro reo”.
Segundo o artigo 32º, n.º 2 da Constituição da
República, todo o arguido se presume inocente até ao
trânsito em julgado da sentença condenatória.
Face a esta presunção compete à acusação a narração
ainda que sintética, e a prova dos factos que
fundamentam a aplicação ao arguido de uma pena em
processo criminal.
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Por outro lado, segundo o princípio in dubio pro reo


«a persistência de dúvida razoável após a produção
da prova tem de actuar em sentido favorável ao
arguido e, por conseguinte, conduzir à consequência
imposta no caso de se ter logrado a prova completa
da circunstância favorável ao arguido» (Figueiredo
Dias, Direito Processual Penal, pág 215).
Conexionando-se com a matéria de facto, este
princípio actua em todas as vertentes fácticas
relevantes, quer elas se refiram aos elementos típicos
do facto criminalmente ilícito - tipo incriminador, nas
duas facetas em que se desdobra: tipo objectivo e tipo
subjectivo -, quer elas digam respeito aos elementos
negativos do tipo, ou causas de justificação, ou ainda,
segundo uma terminologia mais actualizada, tipos
justificadores, quer ainda a circunstâncias relevantes
para a determinação da pena.
Embora os princípios da presunção de inocência e do
“in dubio pro reo” estejam profundamente
relacionados (e também por isso sejam
frequentemente confundidos) cada um deles mantém
uma relativa autonomia (cfr. neste sentido Jorge
Gaspar, Titularidade da investigação Criminal e
Posição Jurídica do Arguido, RMP n.º 88, pág. 112,
nota 288; para um apanhado da doutrina portuguesa
sobre as relações entre o princípio in dubio pro reo e
o princípio da presunção de inocência veja-se,
desenvolvidamente, Helena Bolina, “Razão de ser,
significado e consequências do princípio da
presunção de inocência (art. 32º, n.2 da CRP), in
Boletim da Faculdade de Direito da universidade de
Coimbra, vol. LXX, Coimbra, 1994, págs. 440-446).
Como se depreende quer da motivação quer,
implicitamente das conclusões, o recorrente pretende
ter sido violada a presunção de inocência e o
princípio in dubio pro reo, como resultado de todas as
deficiências que apontou à decisão, seja porque
porque teria havido erro notório na apreciação da
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prova, seja porque a prova era insuficiente para a


condenação tendo sido incorrectamente valorados
contra ele os elementos probatórios carreados. Porém,
todos estes elementos foram já analisado nos
números precedentes, tendo-se concluído pela
improcedência da argumentação do recorrente.
Acresce que o princípio “in dubio pro reo” só actua
em caso de dúvida (insanável, razoável e motivável),
definida esta como “um estado psicológico de
incerteza dependente do inexacto conhecimento da
realidade objectiva ou subjectiva”(Perris, “Dubbio,
Nuovo Digesto Italiano, apud, Giuseppe Sabatini “In
Dubio Pro Reo”, Novissimo Digesto Italiano, vol.
VIII, págs. 611-615) .
Por isso a sua violação exige a comprovação de que o
juiz tenha ficado na dúvida sobre factos relevantes e,
nesse estado de dúvida, tenha decidido contra o
arguido (cfr. v.g., o Ac. do STJ de 29-4-2003, proc.º
n.º 3566/03-5ª, rel. Simas Santos,in
www.pgdlisboa.pt/).
Ora, em momento algum resulta da sentença ou da
transcrição da gravação, que o tribunal tivesse tido
qualquer dúvida sobre factos relevantes e tenha
decidido contra o arguido/recorrente.
Deste modo, conclui-se que a decisão recorrida não
patenteia a violação do princípio da presunção de
inocência nem do princípio “in dubio pro reo”.
*
8. A questão da medida da pena.
§1. Por último o recorrente insurge-se contra a pena
que lhe foi aplicada que qualifica de excessiva.
A este respeito, importa deixar previamente
consignadas algumas notas prévias.
A primeira para sublinhar que se concorda com a
generalidade das observações genéricas feitas pelo
recorrente nos artigos 60 a 67º da sua douta
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motivação, no que concerne à determinação da


medida da pena e aos critérios que devem presidir a
esta delicada tarefa.
A segunda nota para afastar a propalada colaboração
do recorrente com a justiça.
Ao contrário do que se afirma na douta motivação do
recuros, não é verdade que o arguido tenha
colaborado com a justiça.
A não ser que se entenda que o simples facto de o
arguido ter prestado declarações em audiência,
negando a prática do crime de que vinha acusado,
equivale a colaboração…
Por último e ao contrário do referido na mesma
motivação o recorrente não foi considerado
reincidente (artigos 75º e 76º do Código Penal).

§2. O crime de lenocínio p. e p. pelo artigo 170º, n.º1


do Código Penal, pelo qual o arguido foi condenado,
é cominado em abstracto “com a pena de prisão de
seis meses a 5 anos”.
Considerando, a culpa do arguido, muito elevada,
quer pela organização do sistema prestativo e
remuneratório da prostituição, quer pela repetição dos
proveitos daquela actividade, as prementes exigências
de prevenção geral que se fazem sentir neste domínio
e todas as demais circunstâncias que, não fazendo
parte do tipo de crime depõem contra ele ou a seu
favor (artigo 71º, n.º 2 do Código Penal)
nomeadamente, o grau de ilicitude do facto, também
elevado dada a estrutura empresarial com que foi
levada a cabo a actividade delituosa do arguido, a
dimensão e organização que o negócio apresentava, o
número de prostitutas envolvidas, a intensidade do
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dolo, dolo directo intenso, o mau comportamento


anterior do arguido, conclui-se que a pena de dois
anos de prisão que lhe foi aplicada se revela
necessária, adequada e proporcional.

§3. Como bem se assinalou na douta sentença


recorrida, o arguido não admitiu por qualquer
forma a prática dos factos, não demonstrou
qualquer arrependimento e já fora anteriormente
condenado pela prática de um crime de
lenocínio numa pena de prisão suspensa, tendo
praticado os factos em análise nos presentes
autos em pleno decurso do prazo de
suspensão, o que é revelador de um profundo e
total desprezo pela aplicação de uma pena de
prisão suspensa na sua execução.
É, por conseguinte, manifesto que a simples censura
do facto e a ameaça da prisão não se mostram
suficientes para realizar de forma adequada as
finalidades da punição (cfr. artigo 50º do Código
Penal), pelo que seria totalmente impensável a
suspensão da execução da pena, à qual sempre se
oporiam inultrapassáveis considerações de prevenção
geral, sob a forma de exigências mínimas e
irrenunciáveis de defesa do ordenamento jurídico.
Por isso que, também nesta sede, a sentença recorrido
não seja merecedora de qualquer censura.
*
*

III- Dispositivo
Em face do exposto, acordam os juízes desta Relação
em negar provimento ao recurso, confirmando a

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douta sentença recorrida.


Custas pelo recorrente, com 6 UC de taxa de justiça.
*
Guimarães, 29 de Janeiro de 2007

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