Você está na página 1de 20

1534/17.

3T9TV
D-A.L1-5
Relator: JOSÉ ADRIANO
Descritores: PRISÃO PREVENTIVA
TRÁFICO DE ESTUPEFACIENTES
REGIME DE PERMANÊNCIA NA HABITAÇÃO
VIGILÂNCIA ELECTRÓNICA
MEDIDA DE COAÇÃO

Nº doRL
Documento:
Data do11/06/2019
Acordão:
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N

Meio RECURSO PENAL


Processual:
Decisão: NÃO PROVIDO

Sumário: Se é certo que a medida de obrigação de permanência na


habitação prossegue um fim concorrente com o da prisão
preventiva, coincidindo até em alguns dos seus pressupostos e
tratamento adjectivo, tal circunstância não tem a
virtualidade de apagar as diferenças significativas que
existem entre ambas, em especial ao nível da sua eficácia,
porquanto, “a barreira física decorrente do confinamento de
alguém a um domicílio não assenta exclusivamente na valia
dos meios técnicos postos na detecção de eventuais ausências”
que têm essencialmente por função dar a conhecer as
“violações” da obrigação de permanência na habitação.
Por outro lado, a mencionada obrigação de permanência na
habitação, ainda que com vigilância electrónica, não é, só por
si, impeditiva de o referido arguido manter o mesmo negócio
ilícito, contactando com os seus clientes a partir da sua
residência - seja ela qual for – e ser por eles contactado,
fazendo com que estes – sejam os mesmos de antigamente, ou
outros diferentes - se desloquem à aludida residência.
Tendo em conta tais pressupostos, não cremos que a
aplicação de qualquer outra medida coactiva, não privativa
da liberdade, ou mesmo a obrigação de permanência na
habitação, com recurso a meios técnicos de controlo, sejam
suficientes para afastar o arguido/recorrente da prática de
novos factos da natureza dos indiciados, de tráfico de
estupefacientes, tornando-se, por isso, necessária a prisão
preventiva, sendo a única medida adequada às exigências
cautelares que no caso se fazem sentir e proporcional à
sanção que previsivelmente lhe poderá ser aplicada, em caso
de condenação, não havendo, por ora, quaisquer elementos a
ponderar que permitam ajuizar, com seriedade, acerca de
uma provável suspensão da execução da prisão que lhe for
aplicada.
Decisão Texto
Parcial:

Decisão Acordam, em conferência, na 5.ª Secção (Criminal) da Relação


Texto
Integral: de Lisboa:

I. RELATÓRIO:
1. Após primeiro interrogatório judicial (art. 141.º, do CPP) que
teve lugar no Juízo Local Criminal de Torres Vedras (J1),
Comarca de Lisboa Norte, e na sequência de promoção do
Ministério Público (fls 14, destes autos), a Sr.ª Juíza de
Instrução Criminal proferiu despacho, determinando que o
arguido J. ficasse a aguardar os ulteriores termos processuais
em prisão preventiva, por se indiciar ter cometido um crime de
tráfico de estupefacientes, p. p. pelo art. 21.º, n.º 1, do DL 15/93,
de 22/01.
2. Inconformado com essa decisão, o arguido J. interpôs o
presente recurso, que motivou, formulando conclusões que,
depois de aperfeiçoadas na sequência de convite que lhe foi
dirigido para o efeito, passaram a ter a seguinte redacção:
I. Versa o presente recurso da aplicação ao arguido da medida
de coacção de prisão preventiva em sede de 1.º Interrogatório
Judicial de arguido detido.
II. Diversamente do Tribunal a quo, entende o arguido que dos
autos não resulta qualquer facto que permita a indiciação do
Arguido pela prática do crime de tráfico de estupefacientes,
tipificado no art. 21.º, n.º 1 , mas antes, na pior das hipóteses a
pratica do crime de tráfico de menor gravidade, p.p. pelo art.
25.º do Dec. Lei 15/93.
III. Devendo entender-se ainda que não estão preenchidos os
pressupostos da aplicação da prisão preventiva ( art.º 202.º do
CPP), pela sua desadequação e desproporcionalidade,
revelando-se no caso concreto, por adequada e suficiente a
aplicação de uma medida de coacção que restrinja em menor
grau a liberdade do arguido ( arts 191.º, 193.º do CPP)
IV. Carecendo a mesma de ser substituída por outra não
privativa da liberdade, numa das previstas nos arts.198.º e 200.º
do CPP;
V. Ou se assim não se entender, dever ser de aplicar ao arguido
uma medida de coacção de obrigação de permanência na
habitação com recurso a meios electrónicos, prevista no art.
201.º, do CPP, e regulamentada pela Lei n.º 122/99 de 20/01 e
Portarias 26/2001 de 15/01 e 109/2005, de 27/01, cumulada com
proibição de contactos.
VI. O douto despacho recorrido que aplicou a prisão preventiva
remete para as provas carreadas no inquérito, mas, com o
devido respeito, estas contudo não indicam com grau de certeza
razoável a prática pelo arguido do crime de tráfico de
estupefacientes p.p. nos termos do art. 21.º do D.L 15/93 de
22/01.
VII. Inexiste na investigação suporte factual que possa dar
como "fortemente" indiciado que o arguido J. se dedique à
pratica dos ilícitos que lhe são aplicados, designadamente que
desde há 3 anos atrás cedesse estupefaciente nos
estabelecimentos "O. ", "M. " e "C. ";
VIII. Porquanto, a prova testemunhal que consta dos autos, não
consegue concretizar quando, nem como, nem que quantidade
alegadamente o arguido terá cedido de estupefaciente,
limitando-se, genericamente a dizer que tal sucedeu há cerca de
3 anos.
IX. É verdade que na sequência da busca efectuada à residência
e ao carro do arguido, foi apreendido algum produto
estupefaciente, designadamente 1,8 gr. de cocaína e pedaços de
haxixe, alem de um canivete e uma faca de cozinha com
vestígios de haxixe, bem como 365,00€ em numerário.
X. No entanto, tal, per si, tal não significa que o arguido se
dedique ao trafico de estupefacientes de maior gravidade, senão
teria outro tipo de utensílios, designadamente balanças, sacos ...
enfim material necessário a quem efectivamente se dedica ao
trafico, ainda mais, ao de maior gravidade.
XI. Em sede de interrogatório o arguido esclareceu que é
toxicodependente, e que ao fim de semana consome uma média
de 2 a 3 gramas de cocaína na noite.
XII. Pelo que duvidas não deveriam restar de que aquela
cocaína apreendida se destinava ao consumo do arguido e não
para trafico.
XIII. O mesmo se diga em relação ao haxixe, já que também a
quantidade apreendida não era mais do que para consumo do
arguido.
XIV. Quanto às condições pessoais do arguido, a Meritíssima
Juíza de Instrução, duvidou da sua veracidade, designadamente
não atribuiu credibilidade ao facto de o arguido fazer biscates e
se dedicar à venda de cachorros e que o valor em numerário
apreendido provinha da venda que tinha efectuado, bem como
dos biscates.
XV. No entanto e mais uma vez o arguido não se pode
conformar com a convicção que a Meritíssima Juiz de Instrução
e que a levou a optar pela prisão preventiva, sem que contudo
fosse considerado que o arguido possui meios de subsistência,
atribuindo desta forma a pratica do trafico como se do mesmo
colhesse lucros, imputando-lhe uma vida desafogada o que não
corresponde à verdade, nem foi devidamente averiguado.
XVI. Carecia o processo de que fossem investigados esses factos,
de que fossem recolhidos mais meios de prova que justificassem
os alegados indícios fortes da pratica do ilícito criminal que lhe
é imputado, para decidir por uma medida privativa da
liberdade.
XVII. E nem as escutas telefónicas retiradas do processo n.º
750/16.0T9TVD que correu termos no Juízo Central Criminal
de Loures - Juiz 5, processo este já julgado, seria suficiente para
aplicar tal medida.
XVIII. Aliás, acerca do referido processo, cujo julgamento em
Tribunal colectivo, concluído em Novembro do ano transacto,
poderá acrescentar-se que nenhum dos arguidos desses autos
foi condenado a prisão efectiva ... e foram acusados com base
em indícios muito mais fortes do que os que são imputados ao
ora recorrente.
XIX. O arguido esclarece ainda que conta com o apoio
incondicional do seu pai, que o receberá de "braços abertos"
em sua casa, sita em Cascais, de modo a não voltar para a
localidade onde tem residido, afastando-se assim dos amigos
com quem convive, também estes toxicodependentes.
XX. O arguido é toxicodependente, desse facto não restam
duvidas, mas daí a ser traficante de estupefacientes, tipificados
no art.º 21.º , n.º 1 , por referencia às Tabelas l-A e l-C , vai uma
distância enorme.
XXI. Quanto muito o arguido poderia sustentar o seu próprio
vício com algumas vendas que fazia a amigos para quem
adquiria produto, quando se deslocava para adquirir para si.
XXII. Não há indícios de organização, quanto muito e como já
se disse, existem indícios de trafico de menor gravidade ...
XXIII. Quer o produto estupefaciente, quer o dinheiro
apreendidos não atingem grandes quantidades.
XXIV. O arguido vive modestamente e infelizmente é
toxicodependente.
XXV. Em suma, salvo o devido respeito a existirem fortes
indícios nos autos, os mesmos apenas se podem subsumir ao
ilícito p.p. pelo art. 25.º do D.L.15/93.
XXVI. No despacho de aplicação da medida de coacção, não foi
avaliada sequer a possibilidade de estarmos perante um crime
enquadrável no art. 25º., pois só quanto a este tipo de ilícito
parece resultar existirem indícios.
XXVII. Ainda que, por mera hipótese, se provasse o tráfico da
parte do arguido, a ilicitude dos factos sempre seria
consideravelmente diminuta, tendo em conta os meios
utilizados, a modalidade e circunstância da acção, a qualidade
ou quantidade dos produtos e substâncias ou preparação, a
área geográfica ....
XXVIII. Há que ter ainda em conta que o arguido é
toxicodependente, sendo a personalidade e a capacidade
organizativa neste caso apenas a suficiente para subsistir como
dependente da droga. Nunca numa actividade em exclusivo.
XXIX. Atentas as circunstâncias no caso concreto nunca ao
arguido deveria ter sido aplicada a medida de coacção de prisão
preventiva por não se indiciarem os pressupostos de que
depende a aplicação de uma pena de prisão superior a 5 anos.
XXX. A medida de coacção de prisão preventiva foi justificada
com Perigo de perturbação do decurso do inquérito ou da
instrução do processo e, nomeadamente, perigo para a
aquisição, conservação ou veracidade da prova; e Perigo, em
razão da natureza e das circunstâncias do crime ou da
personalidade do arguido, de que este continue a actividade
criminosa ou perturbe gravemente a ordem e a tranquilidade
públicas.
XXXI. A existir perigo de perturbação do inquérito, o mesmo
pode ser evitado com medidas de coacção menos gravosas.
XXXII. Por outro lado nada revela que se verifique o perigo do
recorrente persistir na continuação da actividade criminosa,
porquanto, pese embora tenha antecedentes criminais, os
mesmos não são por tráfico de maior gravidade ...
XXXIII. O recorrente foi colaborante aquando das buscas em
sua casa e no carro, optando por não prestar declarações
apenas porque não se encontrava psicologicamente equilibrado.
XXXIV. A opção pelas medidas de coacção deve fazer-se, em
última análise, pela ponderação da gravidade das condutas
verificadas/ indiciadas, compaginada com os factos pessoais,
tais como a sua integração social e fonte de rendimentos licita,
ou falta da mesma, e a existência ou inexistência de
antecedentes criminais pela prática do mesmo crime.
XXXV. A proibição de contactos, a proibição de frequência de
certos ambientes, a obrigação de apresentação periódica (ainda
que diária), a sujeição a determinados tratamentos relativos à
toxicodependência e imposição de regras de conduta,
permitiriam que o Arguido J. não pusesse em risco, em
definitivo, o seu futuro, e dos seus três filhos menores que
apoiava não só monetariamente, como estava com eles muitos
fins de semana.
XXXVI. Caso assim não se entendesse, deveria o Tribunal
aplicar a medida menos gravosa, de Obrigação de Permanência
na Habitação sob Vigilância Electrónica, com proibição de
contactos com indivíduos ligados ao trafico.
XXXVII. A OPH com controlo à distância, permanecendo em
casa de seu pai, sita em Cascais, com proibição de contactos
com indivíduos ligados ao trafico, impedirá que o arguido se
desloque para adquirir produto, e afasta o perigo de
continuação de actividade criminosa.
XXXVIII. Ou seja, quanto ao perigo de eventual continuação
de actividade criminosa, a Obrigação de Permanência sujeita a
Vigilância Electrónica, com proibição de contactos afasta essa
eventual perigosidade.
XXXIX. Quanto a eventual alarme social, sempre se dirá que o
arguido não é figura publica, pelo que nunca a sua detenção e
prisão foi ou é causa de alarme ou intranquilidade.
XL.    Alem disso o simples afastamento do arguido de
contactos com indivíduos ligados ao trafico, quer o afastamento
de locais onde pudesse adquirir produto estupefaciente, com a
sujeição à obrigação de Permanência na Habitação sob
Vigilância Electrónica, afasta igualmente qualquer eventual
perturbação do inquérito que se queira ver acautelado.
XLI.   Dito isto e sem esquecer que se presume a INOCÊNCIA
do arguido até final dos autos, sempre será de acrescentar que a
medida de coacção que ora se requer, é uma medida que
flexibiliza a aplicação da medida de coacção e constitui
ALTERNATIVA À PRISÃO PREVENTIVA.
XLII. Impõe-se assim a Revogação da medida de prisão
preventiva, atento o disposto nos artigos 204.º e 212, n.º 1, al. a)
do CPP.
XLIII. O douto despacho recorrido fez incorrecta apreciação
dos factos e violou o artigo l.º, 18.º, 32.º, n.º 2, o artigo 27.º, 28.º
e 205.º da Constituição da República Pública, o artigo 5.º, 6.º da
CEDH, os artigos 191°, 193°, 204° e o artigo 213.º do Código de
Processo Penal, pelo que deve ser revogado, ordenando-se em
substituição da prisão preventiva a aplicação da medida de
coacção Obrigação de Permanência na Habitação, tal-
qualmente prima o art. 201.º, do CPP, autorizando desde já a
fiscalização do cumprimento das suas obrigações respectivas
por via do recurso a meios técnicos de controlo à distância.
Pelo exposto e pelo mais que for doutamente suprido por V.
Exas. deve conceder-se provimento ao presente recurso,
fazendo-se a costumada JUSTIÇA!
3. Admitido o recurso, respondeu o Ministério Público,
concluindo do seguinte modo (transcrição):
I A motivação de recurso apresentada pelo recorrente é uma
reprodução "ipsis verbis" da motivação de recurso, e não um
resumo das razões do pedido, tal como exige o disposto no
artigo 412°, n° 1, do Código de Processo Penal, pelo que deverá
ser dado cumprimento, salvo melhor opinião, ao disposto no
artigo 417°, n° 3, parte final, do Código de Processo Penal;
II Por despacho datado de 20 de Março dc 2019, foi aplicada ao
recorrente, em sede de 1° interrogatório judicial, a medida de
coacção prisão preventiva, por considerar fortemente indiciada
a prática de um crime de tráfico de estupefacientes, previsto e
punido pelo artigo 21°, n° 1, do DL 15/93, de 22 de Janeiro;
III O tráfico de menor gravidade exige que a ilicitude do facto
seja consideravelmente diminuída, tendo em conta,
nomeadamente, os meios utilizados, a modalidade ou as
circunstâncias da acção, a qualidade ou a quantidade das
plantas, substâncias ou preparações, o que não ocorre nos
autos, atenta a existência dc contactos diários e regulares entre
o recorrente e os indivíduos que o procuraram, e o modo
organizado como o recorrente actuou, traduzido nas cautelas
que teve para esconder a sua actividade, procedendo à venda do
produto estupefaciente sempre no interior da sua residência,
sem recurso a qualquer contacto telefónico que permitisse
descodificar a actividade ilícita que vinha realizando;
IV Tanto assim é que o NIC a prudência e cautela do recorrente
na prática dos factos, levou a que desconhecesse o melhor
momento para dar cumprimento aos mandados de busca
domiciliária.
V Nem se diga que o recorrente é apenas um toxicodependente
e não traficante, já que esse facto é frontalmente contrariado
pelo facto de ter sido procurado por indivíduos referenciados
pelos opc locais como sendo consumidores de heroína e de
cocaína.
VI Tendo presente que a noção de fortes indícios inculca a ideia
de que não basta que a suspeita sobre a prática do crime
assente num qualquer extracto factual, sendo necessário que
assente em factos de relevo que façam acreditar que eles são
idóneos e bastantes para imputar ao recorrente essa
responsabilidade, entende o Ministério Público que a ilicitude
do facto não se mostra consideravelmente diminuída para que
se subsuma a conduta adoptada pelo recorrente a um crime dc
tráfico dc estupefacientes de menor gravidade, sendo tal
conclusão absolutamente infundada;
VII A existência dc contactos com as testemunhas inquiridas
nos autos, a actuação organizada c profissional do recorrente,
reflectida nas cautelas tidas para encobrir a sua actividade,
conjugado com a inexistência de rendimentos fixos, atenta a
actividade de venda de canídeos e biscates que declarou
desempenhar, alicerça o perigo dc continuação da actividade
criminosa, previsto no artigo 204°, alínea c), do Código de
Processo Penal, que importa debelar;
IX     A investigação dos factos denunciados demanda a
inquirição das pessoas que procuraram o recorrente para lhe
comprar produto estupefaciente, pelo que importa acautelar o
perigo da perturbação do inquérito e para a aquisição,
conservação  e veracidade da prova previsto no artigo 204°,
alínea b), do Código dc Processo Penal, porque o recorrente,
mesmo na prisão, e ao contrário do por si alegado, poderá
intervir por si ou por intermédio de terceiros junto das
testemunhas, cuja identificação ainda importa apurar, tentando
de alguma forma influenciá-las, conforme referido no Acórdão
da Relação de Évora, datado de 31 de Janeiro de 2012, o que
também importa debelar;
X Nenhuma das medidas de coacção que o recorrente requer
que lhe sejam aplicadas (obrigação de apresentações periódicas,
proibição de contactos, in casu, com outros consumidores ou,
caso assim não se entenda, obrigação de permanência na
habitação) impede, de forma alguma, o recorrente de continuar
a praticar o crime pelo qual está fortemente indiciado (c/r.
Acórdãos da Relação dc Évora, datados de 13 de Julho de 2017
e 12 dc Julho dc 2016, Acórdãos da Relação de Guimarães,
datados de 8 de Setembro de 2008 e 3 de Março de 2014 e
Acórdão da Relação do Porto, datado de 9 de Junho dc 2010);
XI Não assiste razão ao recorrente, quando alega que, os
arguidos do processo que deu origem aos presentes autos não
foram condenados em pena de prisão efectiva, e como nunca
esteve preso, não é de prever que lhe venha a ser aplicada pena
de prisão efectiva em sede de audiência de discussão e
julgamento, porque a jurisprudência tem vindo a decidir que
nos crimes de tráfico dc estupefacientes a suspensão da
execução da pena de prisão deve ser aplicada apenas em casos
excepcionais, ou seja, em situações em que a ilicitude do facto se
mostre diminuída e o sentimento de reprovação social se mostre
esbatido (o que não sucede, de todo, nos presentes autos), sendo
disso exemplo o Acórdão da Relação de Évora, datado de 25 de
Setembro de 2012;
XII   A medida dc coacção prisão preventiva foi aplicada ao
recorrente para debelar os perigos de continuação da
actividade criminosa e de perturbação do inquérito, pois é a
única que se revela necessária, adequada e proporcional para
fazer face às exigências cautelares que a factualidade em apreço
nos presentes autos demanda, nos termos do disposto nos
artigos 191°, 193°, 196°, 202", n° 1, alíneas a) e c), e 204°,
alíneas b) e c), todos do Código de Processo Penal;
XIII    Deve, por isso, ser mantido o despacho recorrido, por
não ter sido violado o disposto nos artigos 119°, n° 1 e 130°, n°
2, alínea b), da Lei 62/2013, de 26 de Agosto, nem o disposto nos
artigos 21°, n° 1 e 25°, n° 1, ambos do DL 15/93, de 22 dc
Janeiro, nem o disposto nos artigos 193°, n°s 1, 198.º, n° 1, 200°,
n° 1, alínea d), 201°, n° 1 e 204°, alíneas b) e c), todos do Código
de Processo Penal.
O douto despacho que aplicou a medida de coacção prisão
preventiva ao recorrente não nos merece qualquer reparo,
estando correcto o enquadramento jurídico aos factos apurados
na investigação, pelo que deverá o mesmo ser mantido
integralmente, negando-se provimento ao recurso.
4. Subidos os autos, a Sr.ª Procuradora-Geral Adjunta nesta
Relação emitiu o seguinte douto parecer:
«Por douto despacho proferido na sequência do interrogatório
de arguido em 21 de Fevereiro de 2019, foi determinado que o
arguido J.aguardasse os ulteriores termos do processo em
prisão preventiva por se dedicar à venda e distribuição de
produtos estupefacientes, a consumidores da substância, a troco
de compensação pecuniária, conhecendo as características das
mesmas e a medida aplicada ser a única medida adequada a
impedir que o arguido continuasse a sua actividade criminosa
—art.°s 193.°, 196.°, 202.°, n.° 1 al. A), 203.° e 204.° al. B) do
CPP.
Inconformado o arguido interpôs recurso sustentando não
estarem preenchidos os pressupostos de aplicação da prisão
preventiva pela sua desadequação e desproporcionalidade e o
princípio da subsidiariedade da prisão preventiva, devendo ser
substituída por outra não privativa da liberdade ou, se assim
não se entender, ser aplicada ao arguido uma medida de
coacção de obrigação de permanência na habitação com
recurso a meios electrónicos prevista no art.° 201.° do CPP
regulamentada pela Lei n.° 122/99 de 20/1 e Portarias 26/2001
de 15/1 e 10972005 de 27/1.
Em seu entender inexiste suporte factual que sustente que
praticou os referidos ilícitos, é toxicodependente, os alegados
proventos obtidos não podem ser considerados maiores do que
os necessários para subsistência própria do arguido, com um
nível modesto no meio em que vive, e a alegada actividade em
causa ser exercida em área geográfica restrita e ainda que se
provasse o tráfico, a ilicitude dos factos sempre seria
consideravelmente diminuta tendo em conta os meios utilizados,
a quantidade e qualidade dos produtos e os meios utilizados,
não tendo o despacho recorrido avaliado a possibilidade de se
estar perante um crime enquadrável no art.° 25 n.° 1 do Dec.
Lei 15/93 de 22/1.
Mais sustenta que inexiste perigo de fuga, o perigo de
perturbação do inquérito pode ser evitado com medidas menos
gravosas, e não se verifica perigo de continuação da actividade
criminosa porque embora tenha antecedentes criminais os
mesmos não são por tráfico de maior gravidade.
O Ministério Público respondeu à motivação do recurso
pugnando pela manutenção da decisão recorrida, por ser a
única medida que se revela necessária, adequada e
proporcional para fazer face às exigências cautelares que a
factualidade demanda. Alicerçou-se nos indícios da prática dos
factos que são imputados ao arguido, integradores não da
prática de um crime de tráfico de estupefacientes de menor
gravidade como pretende o arguido, mas sim de um crime de
tráfico de estupefacientes p. e p no art.° 21.° n.° 1 do Dec. Lei
15/93 de 22/1 atento que a ilicitude do facto não se mostra
consideravelmente diminuída, invocando para o efeito o modo
de actuar organizado do arguido, o facto de o arguido ter
produto estupefaciente devidamente acondicionado e escondido
em zonas dos veículos, o modo de vida que ostenta não se lhe
conhecendo outra actividade remunerada (independente,
dispendioso e possuidor de bens) os relatos das testemunhas que
demonstram que era procurado por vários indivíduos. Mais
rebateu os argumentos do arguido respaldando-se também em
jurisprudência, quanto à inexistência do perigo de perturbação
do inquérito, de continuação da actividade criminosa,
discordando que se aplique a medida de coacção de obrigação
de apresentações periódicas a que alude o art.° 198.° do CPP,
por não impedir a continuação da prática do crime, nem tão
pouco a medida de proibição de contactar com outros
consumidores a que alude o art.° 200 n.° 1 d) do CPP visto não
haver possibilidade legal de recurso a escutas telefónicas para
controle das medidas de coacção, assim como discorda da
medida de obrigação de permanência na habitação a que alude
o art.° 201.° do CPP por não obstar o sossego do lar à prática de
continuação da actividade criminosa, designadamente por
serem fáceis os contactos e deslocações dos compradores.
Concordamos com as considerações expressas pela Exma.
Magistrada do Ministério Público na 1.ª instância.
Razão por que, atenta a matéria indiciada, a fase dos autos e as
exigências cautelares que urge preservar se nos afigura que o
recurso deve improceder.»
5. Na sequência da notificação a que se refere o artigo 417.º, n.º
2, do CPP, o arguido nada disse.
6. Efectuado o exame preliminar e colhidos os vistos a que se
refere o art. 418.º, n.º 1, do mesmo Código, teve lugar a
conferência, cumprindo decidir.
***
II. FUNDAMENTAÇÃO:
1. Perante o teor das conclusões - as quais delimitam e fixam o
objecto do recurso -, as questões a decidir são as seguintes:
- Inexistem indícios suficientes da prática, pelo arguido, do
crime de tráfico de estupefacientes, porquanto, a droga que
detinha destinava-se ao seu próprio consumo;
- Os factos considerados indiciados deverão subsumir-se à
prática de um crime de tráfico de menor gravidade;
- Ainda que estejamos perante um crime do artigo 21.º, n.º 1, do
DL 15/93, de 22/01, a prisão preventiva aplicada ao recorrente é
exagerada e desproporcional à gravidade dos factos indiciados,
mostrando-se suficiente a proibição de contactos ou, no
máximo, a OPHVE, para fazer face aos perigos invocados.
***
2. No final do interrogatório do arguido, o MP promoveu que
ao mesmo fosse aplicada a prisão preventiva, imputando-lhe a
prática de um crime de tráfico de estupefacientes, p. p. pelo
artigo 21.º, n.º 1, do DL 15/93, de 22/01
Exercido o contraditório, foi proferido o despacho recorrido (de
21/02/2019), cuja síntese se mostra transcrita no respectivo auto
e é do seguinte teor:
«Entendo ser proporcional, adequado a aplicação ao arguido
das seguintes medidas de coacção:
1 – O TIR já prestado;
2 – Prisão preventiva, única medida considerada adequada a
impedir que o arguido continue a sua actividade criminosa –
artigos 193.º, 196.º, 202.º, n.º 1 al. a), 203.º, e 204.º, alíneas b) e
c), do Código de Processo penal.
Notifique e comunique.
Passe mandados de condução ao EP.
…»
3. Os factos que, pelo tribunal, foram considerados fortemente
indiciados, são os seguintes (transcrição):
1. Desde data não concretamente apurada, mas pelo menos
desde há três anos atrás (2016), o arguido J. , vem-se dedicando
à venda e distribuição de produtos estupefacientes, na cidade de
Torres Vedras e aldeias nos seus arredores, S., C.  e A., detendo
e fazendo a entrega dessas substâncias a consumidores e/ou
vendedores das mesmas, a troco de uma compensação
pecuniária.
2. Na sua actividade de venda o arguido utiliza como locais
preferenciais de venda bares de diversão nocturna, tais como ".
" e "M. ", a sua residência e o café do C. , na aldeia de C. .
3. Designadamente, o arguido procedeu às seguintes
transacções de estupefacientes:
.    Em data não concretamente apurada, mas no período supra
referido em 1., o arguido vendeu a E. , tiras de haxixe no valor
de 10€ cada e cocaína a 50€ o grama.
. Em datas não concretamente apuradas, mas no período
referido em 1., o arguido vendeu, pelo menos em 3 ocasiões, a A.
, cocaína a 50€ o grama;
. Em datas não concretamente apuradas, mas no período
referido em 1., S. consumiu, diversas vezes, haxixe fornecido
pelo arguido, sendo certo que o fez na residência daquele.
. Em datas não concretamente apuradas, mas no período
referido em 1., o arguido forneceu a F. , em algumas ocasiões
haxixe.
. Em datas não concretamente apuradas, mas no período
referido em 1., o arguido vendeu a M. , por diversas vezes,
cocaína a 50€ o grama cada dose.
. Em datas não concretamente apuradas, mas no período
referido em 1., o arguido vendeu a R. , por diversas vezes,
haxixe, a 10€ a dose, bem como cocaína a 50€ o grama.
. Há cerca de três anos a esta parte, o T. compra regularmente
cocaína, a 50€ o grama, ao arguido, sendo que a última vez que
comprou foi no dia 16 de Fevereiro de 2019, tendo comprado 1
grama e tendo pago 50,00€.
4. No dia 19 de Fevereiro de 2019, cerca das 17h00m, o arguido
detinha, no interior dos seus veículos com as matrículas 02 e
88 , que se encontravam estacionados junto à sua residência,
sita na Rua … S., Torres Vedras, os seguintes objectos e
produto, que uma vez sujeitos a teste rápido por amostragem
resultou positivo para cannabis e cocaína:
Veículo com a matrícula 02
. 1 maço de tabaco contendo no seu interior uma pedra de
"haxixe", com o peso de 1,8 gramas;
. 1 isqueiro, que continha no seu interior duas doses de cocaína,
com o peso de 1,8 gramas;
. 1 pedra de "haxixe", com o peso de 0,4 gramas;
Veículo com a matrícula 88
. 1 pedra de "haxixe", no interior do volante do veículo, com o
peso de 1,1 gramas;
5. Nas referidas circunstâncias de modo, tempo e lugar
referidas em 4., o arguido detinha no bolso traseiro das suas
calças, cerca de 365,00€ (trezentos e sessenta e cinco euros) em
notas do Banco Central Europeu, fraccionadas em duas notas
de cinquenta, treze notas de vinte e uma de cinco euros.
6. O dinheiro que foi apreendido ao arguido era proveniente da
referida actividade de venda, consistindo na sua maioria em
notas de baixo valor, pagas por indivíduos toxicodependentes a
troco de estupefaciente.
7. E no interior da referida residência o arguido detinha os
seguintes objectos e produto (que uma vez sujeitos a teste
rápido por amostragem resultou positivo para cannabis e
cocaína):
Na garagem:
. Um canivete com vestígios de haxixe que se encontrava dentro
da caixa de ferramentas;
Na cozinha e na sala:
. Uma caixa contendo no seu interior, tabaco com pequenos
pedaços de haxixe, vulgo "soupa", em cima do balcão da
cozinha, com o peso de 2,5 gramas;
. Um pedaço de haxixe no interior de uma gaveta da cozinha,
com o peso de 18,7 gramas;
. Uma faca de cozinha com vestígios de Haxixe, que se
encontrava em cima do lava-loiças;
8. O arguido destinava aquelas quantidades de estupefaciente à
venda a consumidores da substância, a troco de uma
compensação pecuniária.
9. O arguido não desenvolve qualquer actividade profissional
lícita, subsistindo com os proventos económicos da actividade
de tráfico de estupefacientes.
10. O arguido actuou voluntária e conscientemente, conhecendo
a natureza e características das substâncias que adquiriu com
vista a revenda, o que logrou sempre conseguir, e que detinha,
as quais pretendia transacionar, bem sabendo que não detinha
autorização para tanto e que tais condutas lhe estavam
proibidas por lei, sendo punidas como crime.
Sustentam as supra referidas imputações:
Prova documental
. Certidão extraída do processo 76/16.0T9LNH, que deu origem
ao processo 750/16.0T9TVD, que por sua vez deu origem aos
presentes autos de fls. 2 a 567;
.Transcrição de escutas de fls. 515 a 566;
. Relatórios de vigilância de fls. 664
. Auto de Revista e Apreensão de fls. 667;
. Auto de Busca e apreensão ao veículo com a matrícula 02 de
fls. 670;
. Auto de Busca e apreensão ao veículo com a matrícula 88  de
fls.678;
. Auto de busca e apreensão domiciliária de fls. 686;
. Relatórios fotográficos de fls. 688 e ss;
. Testes rápidos de fls. 693 a 704;
. Auto de detenção de fls. 737;
. Certificado do registo criminal do arguido de fls. 749 a 764;
Prova Testemunhal

…»
4. Apreciando:
4.1. As medidas de coacção são meios processuais de limitação
da liberdade pessoal e têm por função acautelar a eficácia do
procedimento penal, quer no que respeita ao seu
desenvolvimento, quer quanto à execução das decisões
condenatórias - Germano Marques da Silva, “Curso de
Processo Penal”, vol. II, pág. 254.
Sendo a liberdade um bem fundamental constitucionalmente
consagrado, as suas limitações terão necessariamente caracter
excepcional e, por isso, só serão admissíveis nos estritos termos
definidos na lei.
A prisão preventiva constitui, sem dúvida, uma das mais graves
restrições à liberdade, razão pela qual o legislador
(constitucional e ordinário) teve o especial cuidado de proceder
a uma definição rigorosa e clara dos respectivos pressupostos.
Assim, determina desde logo o art. 27.º, da CRP, que «ninguém
pode ser total ou parcialmente privado da liberdade, a não ser
em consequência de sentença penal condenatória», salvo nos
casos definidos nas várias alíneas do seu n.º 3, em que se admite
a privação da liberdade, «pelo tempo e nas condições que a lei
determinar», discriminando cada uma das situações em que tal
é possível, entre elas constando a «detenção em flagrante delito»
e ainda a «detenção ou prisão preventiva por fortes indícios da
prática de crime doloso a que corresponda pena de prisão cujo
limite máximo seja superior a três anos» [als. a) e b)].
Realçando-se a natureza excepcional da prisão preventiva,
impôs-se a regra de que esta não deve ser «decretada nem
mantida sempre que possa ser aplicada caução ou outra medida
mais favorável prevista na lei» (n.º 2 do art. 28.º, da CRP).
Em concretização de tais princípios, definiu o legislador
ordinário, nos arts. 191.º e seguintes do CPP, as condições de
aplicação das várias medidas de coacção legalmente
admissíveis, bem como os respectivos pressupostos, sujeitando-
as aos princípios da legalidade - só podem ser impostas as
medidas de coacção previstas na lei -, da adequação, da
necessidade e da proporcionalidade (arts. 191.º e 193.º do CPP)
e ainda, quanto à prisão preventiva, o da subsidiariedade, pois
esta só deve ser imposta quando se mostrarem inadequadas e
insuficientes as demais medidas menos gravosas,
nomeadamente a obrigação de permanência na habitação (arts.
193.º, n.ºs 2 e 3 e 202.º, n.º 1, do mesmo Código).
Por outro lado, a aplicação de qualquer medida de coacção,
exceptuado o termo de identidade e residência, depende da
verificação, em concreto, no momento da sua aplicação, de
algum dos perigos enunciados no art. 204.º, do CPP, estando
ainda sujeita aos pressupostos gerais enunciados nos arts. 191 a
195.º, para além dos respectivos requisitos específicos, sendo
que os concernentes à prisão preventiva estão previstos no art.
202.º, do mesmo Código.
Conforme transparece do acima relatado e se constatou
mediante a audição da respectiva gravação, o despacho
recorrido contém os factos considerados indiciados e que são
imputados ao ora recorrente, a indicação das provas das quais
resultam os indícios da sua prática pelo arguido - matéria de
que lhe foi dado integral conhecimento -, bem como a
qualificação jurídica dos mesmos factos e a referência aos factos
e circunstâncias de que decorrem os demais pressupostos da
medida, nomeadamente os previstos nos arts. 193.º e 204.º, do
CPP, observando tal despacho os requisitos de fundamentação
enunciados no art. 194.º, n.º 6, do CPP.
4.2. Apesar de questionar, em recurso, a existência de fortes
indícios da prática dos factos que lhe são imputados, o
recorrente não quis prestar declarações sobre os referidos
factos no decurso do seu interrogatório - no exercício de um
direito que a lei lhe concede e sem que isso o possa desfavorecer
-, sendo certo que as provas discriminadas no despacho de
apresentação do arguido a interrogatório, bem como no
despacho recorrido, são bem elucidativas no sentido de que tais
factos ocorreram e que podem ser imputados ao arguido J.,
com toda a segurança, resultando a detenção do estupefaciente
das apreensões que lhe foram feitas no decurso da busca de que
foi alvo e estando as antecedentes vendas de estupefacientes aos
consumidores demonstradas mediante as declarações que estes
prestaram e que constam do processo, conforme salientado pelo
tribunal na decisão em reapreciação.
Assim, contrariamente ao alegado, os autos contêm fortes
indícios da prática, pelo arguido, dos factos que lhe são
imputados. 
4.3. Um outro ponto de divergência do recorrente assenta no
facto de que é consumidor, devendo considerar-se que a droga
detida se destinava exclusivamente ao seu consumo, ou, assim
não se entendendo, deveriam os factos indiciados ser
subsumidos ao crime de tráfico de menor gravidade.
O arguido não prestou declarações sobre os factos, como já
salientámos, pelo que, nunca afirmou que a droga detida era
para seu consumo, o que é coisa diferente de dizer que é
consumidor de estupefacientes. A afirmação feita em recurso,
naquele sentido, não tem qualquer apoio na prova produzida e
que consta dos autos, antes pelo contrário, é contrariada por
toda a demais prova, da qual resulta, com toda a clareza, que
aquele se dedicava, há vários anos, à venda de estupefacientes a
terceiros.
Por outro lado, a alegação de que os referidos factos integram a
prática de um crime de tráfico de menor gravidade também é
improcedente, porquanto, acompanhamos a decisão recorrida
no entendimento de que aqueles preenchem a prática de um
normal crime de tráfico de estupefacientes, p. p. pelo art. 21.º,
n.º 1, do DL 15/93, de 22/01, inexistindo as razões subjacentes à
aplicação do artigo 25.º, do mesmo diploma.
As razões de tal posição parecem-nos óbvias.
Como é sabido e temos repetidamente afirmado, o crime deste
último normativo “é uma forma privilegiada dos crimes dos
arts. 21.º (tráfico e outras actividades ilícitas) e 22.º
(precursores), do mencionado decreto-lei, cujo pressuposto
específico é que se verifique uma ilicitude consideravelmente
diminuída, “tendo em conta nomeadamente os meios utilizados,
a modalidade ou as circunstâncias da acção, a qualidade ou a
quantidade das plantas, substâncias ou preparações” (cfr. Ac.
do STJ de 30-11-2000, no Proc. 2736/00).
Importante é, pois, aferir se, no caso concreto, a “imagem
global do facto”, a extrair da factualidade indiciada, encontra
na moldura penal do art. 21.º uma resposta justa ou
proporcional, ou se, pelo contrário, concorrem determinadas
circunstâncias - por referência aos citados elementos
normativos já apontados - que sejam susceptíveis de revelar
uma intensidade da ilicitude muito menor do que a pressuposta
pela aludida norma, de molde a justificar uma punição que
fique muito aquém da que resultaria da respectiva moldura
penal, como tem sido afirmado pelo Supremo Tribunal de
Justiça em variada jurisprudência, de que são exemplo os seus
acórdãos de 4/6/2014 proferido no Proc. 3/12.2GALLE.S1, de
12/07/2007 no Proc. 07P2310, de 20/05/2005 no Proc. n.º 5P2939
(todos  consultáveis em www.dgsi.pt) e de 20 de Março de 2002,
CJ, t. I, pág. 239 e ss, para os quais remetemos.
Da citada jurisprudência extrai-se, pois, que a tipificação do
mencionado artigo 25º encontra a medida justa da punição
naqueles casos em que a gravidade do ilícito, embora ainda
significativa, fica aquém da pressuposta no artigo 21º,
encontrando, por esse facto, uma resposta mais adequada
dentro da moldura penal prevista naquele primeiro normativo,
casos que, segundo o legislador, não encontrariam solução justa
e adequada através do mecanismo da atenuação especial da
pena, previsto na parte geral do Código Penal.
No presente caso, se tivermos em conta o período de tempo em
que o arguido se vem dedicando à aludida actividade criminosa
– há cerca de três anos –, procedendo, de forma regular, à
venda de produtos estupefacientes, mormente haxixe e cocaína,
a terceiros, em vários locais, e tendo sido encontradas na sua
residência e nos seus dois automóveis embalagens com tais
produtos, para além da quantia em dinheiro que não se mostra
compatível com os rendimentos de qualquer actividade lícita
que disse desenvolver e dos objectos com resíduos de droga que
fazem supor que eram utilizados no corte e embalamento desses
mesmos produtos, concluímos que não estamos perante uma
conduta ilícita isolada ou esporádica, antes assumindo a
vertente de verdadeiro negócio que é desenvolvido de forma
permanente, constituindo talvez a actividade principal, se não a
única, levada a cabo pelo recorrente naquele período, que só foi
interrompida pela intervenção policial. Ainda que as
quantidades de droga apreendidas possam considerar-se
diminutas, são várias as vendas relatadas, em dias diversos,
levando-nos a concluir, como concluiu o tribunal recorrido, que
a actividade desenvolvida não revela uma ilicitude
consideravelmente diminuída, antes traduz uma actividade
minimamente estável e duradoura, com vista à obtenção
imediata de lucros vantajosos em pouco tempo,
correspondendo-lhe uma ilicitude normal, que deve ser
subsumida ao artigo 21.º, n.º 1, do DL 15/93, de 22/01, tal como
decidido pelo tribunal de primeira instância.
4.4. Dada a natureza dolosa do crime indiciado e a moldura
penal correspondente - 4 a 12 anos de prisão -, mostram-se
desde já preenchidos os requisitos específicos para aplicação da
prisão preventiva, definidos no n.º 1 do art. 202.º, do CPP, bem
como, por maioria de razão, os previstos na parte final do n.º 1
do art. 201.º, quanto à obrigação de permanência na habitação.
Porém, conforme resulta dos mesmos normativos, tais medidas
só são de aplicar quando as demais medidas coactivas se
mostrarem inadequadas ou insuficientes.
Isso mesmo resulta do próprio art. 202.º, n.º 1, bem como do
art. 193.º, n.º 2, do CPP, neste se determinando que “a prisão
preventiva e a obrigação de permanência na habitação só
podem ser aplicadas quando se revelarem inadequadas ou
insuficientes as outras medidas de coacção”.
Por outro lado, “as medidas de coacção e de garantia
patrimonial a aplicar em concreto devem ser necessárias e
adequadas às exigências cautelares que o caso requerer e
proporcionais à gravidade do crime e às sanções que
previsivelmente venham a ser aplicadas” – n.º 1 do mesmo art.
193.º.
Acresce que, nenhuma medida de coacção, para além da
prevista no art. 196.º, pode ser aplicada se em concreto se não
verificar algum dos perigos mencionados nas várias alíneas do
art. 204.º, do mesmo Código, tais como, perigo de fuga, de
perturbação do inquérito, para aquisição ou conservação da
prova, de continuação da actividade criminosa ou de
perturbação da ordem e tranquilidade públicas.
Estamos perante uma criminalidade grave, considerada pelo
legislador como «altamente organizada» e que gera alarme
social, pela violência que habitualmente lhe está associada e
pela elevada moldura penal correspondente, quer ainda pela
sua repetição constante, em especial nos grandes centros
urbanos mas que se tem disseminado, de modo algo expressivo,
em algumas zonas rurais, potenciando a prática de vários
outros crimes por parte dos seus consumidores, em especial
contra o património.
Razão pela qual, não podemos deixar de reconhecer que as
exigências de prevenção estão num patamar bastante elevado.
A experiência e os estudos que existem sobre esta realidade
dizem-nos que os traficantes, quando embrenhados nessa
actividade e dela dependem, raramente ou nunca a abandonam
voluntariamente, porque não querem prescindir dos elevados
rendimentos que o negócio lhes proporciona a curto prazo e
lhes permite o acesso a bens e modo de vida que, de outra
maneira, dificilmente ou jamais obteriam, preferindo correr os
riscos que, sobejamente, conhecem.
O arguido J. não se limitou a participar numa venda
esporádica, nem estamos perante uma detenção ocasional de
droga. Aquele dedicou-se à venda de haxixe e cocaína durante
largo período e já regista condenações anteriores fundadas em
condutas de idêntica natureza.
Tudo isso nos leva a concluir que existe, efectivamente, o
assinalado perigo de continuação da actividade criminosa, sem
prejuízo do perigo, igualmente invocado, de perturbação do
inquérito, na modalidade de aquisição e conservação das
provas, sendo os depoimentos das testemunhas fundamentais
para a prova dos factos imputados ao arguido.
Por outro lado, o tribunal recorrido concluiu que a prisão
preventiva é necessária e a única medida adequada a prevenir
os perigos que, em concreto, se verificam.
É também nosso entendimento que, perante o quadro atrás
traçado, a necessidade de sujeitar o recorrente a uma medida
privativa da liberdade se apresenta como óbvia, sendo a prisão
preventiva necessária - nenhuma outra se mostra suficiente e
adequada a afastar aquele perigo - e proporcional à gravidade
do crime indiciado, tendo em conta a respectiva moldura penal
abstracta.
Na verdade, mesmo a obrigação de permanência na habitação,
ainda que com vigilância electrónica, não se revela, no presente
caso e do nosso ponto de vista, adequada e suficiente.
Se é certo que a medida de obrigação de permanência na
habitação prossegue um fim concorrente com o da prisão
preventiva, coincidindo até em alguns dos seus pressupostos e
tratamento adjectivo, como temos vindo a afirmar em
anteriores decisões, tal circunstância não tem a virtualidade de
apagar as diferenças significativas que existem entre ambas, em
especial ao nível da sua eficácia, porquanto, “a barreira física
decorrente do confinamento de alguém a um domicílio não
assenta exclusivamente na valia dos meios técnicos postos na
detecção de eventuais ausências”. Estes têm essencialmente por
função dar a conhecer as “violações” da obrigação de
permanência na habitação (cfr. acórdão proferido no Processo
n.º 991/12.9PCSNT.A.L1, desta mesma 5.ª Secção Criminal, do
qual foi relator o Exmº Des. Luís Gominho). Por outro lado, a
mencionada obrigação de permanência na habitação, ainda que
com vigilância electrónica, não é, só por si, impeditiva de o
referido arguido manter o mesmo negócio ilícito, contactando
com os seus clientes a partir da sua residência - seja ela qual for
– e ser por eles contactado, fazendo com que estes – sejam os
mesmos de antigamente, ou outros diferentes - se desloquem à
aludida residência.
Tendo em conta tais pressupostos, não cremos que a aplicação
de qualquer outra medida coactiva, não privativa da liberdade,
ou mesmo a obrigação de permanência na habitação, com
recurso a meios técnicos de controlo, sejam suficientes para
afastar o arguido/recorrente da prática de novos factos da
natureza dos indiciados, de tráfico de estupefacientes,
tornando-se, por isso, necessária a prisão preventiva, sendo a
única medida adequada às exigências cautelares que no caso se
fazem sentir e proporcional à sanção que previsivelmente lhe
poderá ser aplicada, em caso de condenação, não havendo, por
ora, quaisquer elementos a ponderar que permitam ajuizar,
com seriedade, acerca de uma provável suspensão da execução
da prisão que lhe for aplicada.
Pelo que, nenhuma censura nos merece o despacho recorrido,
sendo improcedente o presente recurso.

***

III. DECISÃO:
Em conformidade com o exposto, julga-se improcedente o
recurso do arguido J. , confirmando-se a decisão recorrida.
Custas pelo recorrente, com taxa de justiça em três UC.
Notifique.
Lisboa,       /       /
(Processado em computador e revisto pelo relator).

Você também pode gostar