EXCELENTÍSSIMO SENHOR(A) JUIZ(A) DE DIREITO DA 4° VARA DE
ENTORPECENTES DO DISTRITO FEDERAL
Processo N°. 0700795-97.2022.8.07.0009
JOÃO JUNIO SANTOS DA SILVA já devidamente qualificado nos
autos do processo em epígrafe, vem respeitosamente, perante Vossa Excelência, por intermédio dos seus advogados do Núcleo de Prática Jurídica–NPJ/UDF, nos temos do Art. 403, §3 do Código de Processo Penal apresentar:
ALEGAÇÕES FINAIS POR MEMORIAIS
pelos fatos e fundamentos jurídicos que passa a expor:
I - BREVE SÍNTESE DOS FATOS
Trata-se de denúncia oferecida pelo Órgão Ministerial, em 06/04/2022,
ID: 120926337, objetivando a condenação de JOÃO JUNIO SANTOS DA SILVA, devidamente qualificado nos autos do processo em epígrafe, por incursão nas penas do art. 33, caput, da Lei nº11.343/06, l. De acordo com a denúncia, no dia 20 de janeiro de 2021, na sede central de Flagrante da Vigésima Sexta Delegacia de Polícia, em monitoramento a ADE Oeste, QR 1031, Conjunto 6, Casa 11, Samambaia/DF, os agentes receberam uma denúncia anonima sob um suposto tráfico de substâncias entorpecentes. Segundo o testemunho dos agentes de polícia, alegaram que empreenderam diligências no endereço supracitado e minutos após se posicionarem no local flagraram o primeiro usuário chegando, chamando pela pessoa de "JUNINHO", contudo, afirmam que não obtiveram êxito em efetuar a abordagem do mesmo. Cerca de 5 minutos depois uma usuária chegou no local também chamando por “JUNINHO”, sendo que ele se aproximou da grade e que supostamente entregou para ela um objeto enrolado em um papel. Ato contínuo a isso, os policiais conseguiram efetuar à abordagem desta usuária, e junto a ela foi localizada uma porção de maconha enrolada em um papel higiênico. A equipe se deslocou até a delegacia para deixar a usuária ROSANGELA LORIANO DAS NEVES, que estava em posse do entorpecente a qual confessou ter adquirido por R$ 5,00 (cinco reais) no local investigado, e em seguida, retornar ao local a fim de efetuar a prisão do denunciado pela suspeita da prática do crime de TRÁFICO DE DROGAS. Durante a abordagem policial, no interior da casa de JOÃO JUNIO SANTOS DA SILVA foi localizada a quantia de R$ 211,00 (duzentos e onze reais), sendo que junto a ela não foi encontrado qualquer substância entorpecente. Importa registrar que o denunciado JOÃO JUNIO SANTOS DA SILVA trabalha de barbeiro na sua casa e que apenas 2 (duas) pessoas foram no seu portão no dia 20.01.2022, e que foram buscar uma Gillette. O acusado afirma que não fuma, não bebe, possui residência fixa e que embora tenha processo condenatório já transitado em julgado há mais de 9 (anos), é réu primário. Alega também que revistaram sua casa e não localizarem nada de ilícito, apenas dinheiro, especificadamente a quantia de R$ 211,00 (duzentos e onze reais) evidentemente fruto do se trabalho, visto que no dia havia atendido 7 clientes em sua residência. Não obstante, o encaminharam a delegacia para realizar demais diligências, momento oportuno no qual JOÃO relatou que apenas o seu sobrinho, conhecido como ALEXANDRE que é usuário de drogas e mora com o declarante e que no momento antes da abordagem policial estava em casa com ele e após a polícia adentrar a casa, ALEXANDRE pulou o portão e fugiu Ocorre que ROSANGELA LORIANO DAS NEVES, em depoimento na delegacia, afirmou comprado de um homem de aproximadamente 20 anos, branco, magro, alto, que os agentes ao apresentarem uma fotografia do sistema penitenciário de JOÃO JUNIO SANTOS DA SILVA, declarou como sendo a pessoa de quem adquiriu o entorpecente, contudo, a mesma alegou em juízo, na Audiência de Instrução e Julgamento, que não se lembra de reconhecer o chamado “JUNINHO”. Logo, não foi observando o disposto no Artigo 226 do CPP, visto a contrariedade das versões. O MP ofereceu os memoriais e reiterou os argumentos aduzidos na denúncia, razão pela qual vem o denunciado ofertar as devidas alegações finais, visto que se verifica que não há nenhuma prova capaz de imputar ao denunciado a prática do crime constante na denúncia
II - DO MÉRITO
II. 1 – DA ABSOLVIÇÃO POR FALTA DE PROVAS
Conforme informações dos autos percebe-se a ausência de qualquer
prova que demonstre que o denunciado se envolveu na mercancia de qualquer entorpecente. As provas trazidas aos autos claramente ratificam que o denunciado trabalha como barbeiro em sua residência, na QR 1031 CONJ 6 CASA 11 da Samambaia/DF, visto que fora encontrado apenas dinheiro advindo de sua atividade profissional lícita, que fora confirmada pelos próprios agentes de polícia ao adentrarem a residência e ficarem diante de instrumentos de barbearia. Diante da insuficiência das provas, não há como imputar ao denunciado a autoria pela prática de tráfico de drogas, de forma que, nos termos do art. 386, V e VII do CPP, o juiz deverá absolve-lo, uma vez que se ressalta que nenhum objeto e ou elemento normalmente utilizados na mercancia de entorpecentes foi encontrado na posse ou mesmo que possa ser atribuído ao réu. Outrossim, há de recordar que a testemunha, ora usuária, que atende por ROSANGELA LORIANO DAS NEVES, se contradiz por meio de seu depoimento dado na fase Inquisitorial e o depoimento colhido em Juízo. Assim sendo, a jurisprudência recente afirma:
APELAÇÃO CRIMINAL. TRÁFICO DE DROGAS.
ABSOLVIÇÃO. INSUFICIÊNCIA DE PROVAS. POSSIBILIDADE. DECLARAÇÕES CONTRADITÓRIAS. NÃO APREENSÃO DE DROGAS OU PETRECHOS DE TRAFICÂNCIA COM O RÉU. NEGATIVA DE AUTORIA. RECURSO PROVIDO. 1. Em que pese a existência de denúncias anônimas contra o acusado, reincidente específico, e da apreensão de um usuário que na delegacia imputou a ele a traficância, não ficaram suficientemente claras as circunstâncias em que se deu a abordagem; não foram feitas filmagens do delito; o usuário detido não foi ouvido em juízo e tampouco foram localizados entorpecentes ou petrecho comumente utilizados no tráfico, seja na posse direta ou na residência do ora apelante, apenas dinheiro, cuja origem ele informou ser proveniente de atividade lícita. 2. Não configurado de modo inequívoco que o apelante efetivamente praticou a conduta descrita na denúncia, é sempre bom lembrar que melhor atende aos interesses da justiça absolver um suposto culpado do que condenar um inocente, impondo-se, no presente caso, a aplicação do brocardo "in dubio pro reo", com fundamento no artigo 386, inciso VII, do Código de Processo Penal. 3. Recurso provido. (Acórdão 1680609, 07262237620208070001, Relator: SILVANIO BARBOSA DOS SANTOS, 2ª Turma Criminal, data de julgamento: 23/3/2023, publicado no DJE: 4/4/2023. Pág.: Sem Página Cadastrada.) (Grifei)
Caso não seja este o entendimento do MM. Juízo, torna-se
incontestável então a necessidade de aplicação do princípio do in dúbio pro réu, uma vez que certa é a dúvida acerca da culpa a ele atribuída com relação à acusação de Tráfico de Drogas, pois o réu não foi encontrado em atividade de traficância e muito menos com qualquer outro elemento que levasse a crer ser o denunciado traficante. Veja Exa., que, com o acusado fora encontrado apenas R$211,00 em espécie, na qual os próprios policiais afirmaram que havia instrumentos de barbearia em sua casa, profissão esta que o denunciado já havia informado que se dedicava. Calha evocar que o conhecido princípio "in dubio pro reo" implica em que na dúvida interpreta-se em favor do acusado. Isso porque a garantia da liberdade deve prevalecer sobre a pretensão punitiva do Estado. É percetível a adoção implícita deste princípio no Código de Processo Penal, na regra prescrita no artigo 386, II e VII. Não conseguindo o Estado angariar provas suficientes da materialidade e autoria do crime, o juiz deverá absolver o acusado. Ou seja, in dubio pro reo. Posto isto, diante da insuficiência probatória, posto que a acusação não conseguiu demonstrar que os fatos efetivamente ocorreram para que pudessem imputar a prática delituosa ao denunciado não conseguindo, consequentemente. demonstrar que fora a conduta do denunciado que causou lesão ao bem juridicamente protegido, que ressai dos autos, a pretensão punitiva merece ser improcedente Nesse sentido, a Jurisprudência é pacifica acerca do seguinte entendimento: APELAÇÃO CRIMINAL. CRIME DE TRÁFICO DE DROGAS. SENTENÇA ABSOLUTÓRIA. RECURSO DO MINISTÉRIO PÚBLICO. PEDIDO DE CONDENAÇÃO. NÃO ACOLHIMENTO. RECONHECIMENTO FOTOGRÁFICO NA DELEGACIA. AUSÊNCIA DE OUTROS ELEMENTOS DE PROVAS SUFICIENTES PARA A CONDENAÇÃO. PRINCÍPÍO IN DUBIO PRO REO. RECURSO CONHECIDO NÃO PROVIDO. 1. Deve ser mantida a sentença absolutória quanto ao crime de tráfico de drogas, pois, em que pese a apreensão da droga na posse do usuário e na residência apontada por ele como sendo a do traficante, os policiais não visualizaram efetivamente o acusado vendendo o entorpecente ao usuário. Ressalte-se que os policiais foram uníssonos em afirmar que, ao retornarem ao local, não localizaram ninguém na casa, bem como asseguraram que a apreensão de porções de drogas, de dinheiro e demais apetrechos se deu no interior da casa, na ausência do recorrido ou de qualquer morador. Além disso, o apelado negou ter praticado o crime, alegando que a residência pertencia a seu cunhado. 2. O reconhecimento realizado pelo usuário, na fase inquisitorial, embora tenha observado as diretrizes do artigo 226 do Código de Processo Penal, não foi corroborado por outros elementos probatórios, tampouco ratificado em juízo. E, nos termos da atual jurisprudência, o reconhecimento fotográfico na fase inquisitorial não pode, por si só, alicerçar a condenação do réu. 3. Uma condenação criminal não pode se basear em meras conjecturas, mas, ao contrário, deve ser sustentada em elementos probatórios hígidos, produzidos sob o crivo do contraditório e da ampla defesa, que evidenciem a materialidade e a autoria do crime. Havendo dúvidas razoáveis sobre a participação do réu no cometimento do crime que lhe está sendo imputado, a absolvição é medida que se impõe, pela aplicação do princípio do in dubio pro reo. 4. Ausente prova inequívoca da autoria, deve ser mantida a absolvição do acusado. 5. Recurso conhecido e não provido para manter a absolvição do recorrido da imputação de prática do crime previsto no artigo 33, caput, da Lei nº 11.343/2006 (tráfico de drogas), nos termos do artigo 386, inciso VII, do Código de Processo Penal. (Acórdão 1680558, 07274279220198070001, Relator: ROBERVAL CASEMIRO BELINATI, 2ª Turma Criminal, data de julgamento: 23/3/2023, publicado no PJe: 4/4/2023.
II.2 DA CONTROVÉRSIA DE TESTEMUNHO E DO RECONHECIMENTO
POR FOTO
Ademais, com base nos fatos alinhavados na breve síntese, consta de
controvérsia da testemunha que não soube afirmar em juízo que foi capaz de reconhecer o denunciado por foto na época dos fatos. É de se notar que uma pessoa que entra em contradição com o próprio testemunho prestado em um pequeno intervalo de tempo não deveria ter validade comprobatória, mediante a uma mera fotografia, para ser elemento suficiente e essencial a acusação de João. Dito isso, por precariedade da prova, deve o réu ser alcançado pela Nulidade da prova, usada para o acusar, visto a inobservância do procedimento formal que consta no art. 226 do Código de Processo Penal. Art. 226 Código de Processo Penal:
Art. 226. Quando houver necessidade de fazer-se o
reconhecimento de pessoa, proceder-se-á pela a seguinte forma: I. a pessoa que tiver de fazer o reconhecimento será convidada a descrever a pessoa que deva ser reconhecida: II. a pessoa, cujo reconhecimento se pretender, será colocada, se possível, ao lado de outras que com ela tiverem qualquer semelhança, convidando-se quem tiver de fazer o reconhecimento a aponta-la; III. se houver razão para recear que a pessoa chamada para o reconhecimento, por efeito de intimidação ou outra influência, não diga a verdade em face da pessoa que deve ser reconhecida, a autoridade providenciará para que está não veja aquela; IV. do ato de reconhecimento lavrar-se-á auto pormenorizado, subscrito pela autoridade, pela pessoa chamada para proceder ao reconhecimento e por duas testemunhas presenciais.
O STJ entende que o reconhecimento de pessoa por fotografia,
realizado na fase do inquérito policial para identificar o réu só é valido quando observado os requisitos previstos no artigo 226 do Código de Processo Penal e quando combinado com outras provas colhidas na fase judicial, que, caso contrário, tal procedimento enseja na nulidade da prova, não podendo ser fator para condenação, conforme consta no HC 589.886/SC:
“1. O reconhecimento de pessoa, presencialmente ou por
fotografia, realizado na fase do inquérito policial, apenas é apto, para identificar o réu e fixar a autoria delitiva, quando observadas as formalidades previstas no art. 226 do Código de Processo Penal e quando corroborado por outras provas colhidas na fase judicial, sob o crivo do contraditório e da ampla defesa. [...] 3. O reconhecimento de pessoas deve, portanto, observar o procedimento previsto no art. 226 do Código de Processo Penal, cujas formalidades constituem garantia mínima para quem se vê na condição de suspeito da prática de um crime, não se tratando, como se tem compreendido, de "mera recomendação" do legislador. Em verdade, a inobservância de tal procedimento enseja a nulidade da prova e, portanto, não pode servir de lastro para sua condenação, ainda que confirmado, em juízo, o ato realizado na fase inquisitorial, a menos que outras provas, por si mesmas, conduzam o magistrado a convencer-se acerca da autoria delitiva. Nada obsta, ressalve-se, que o juiz realize, em juízo, o ato de reconhecimento formal, desde que observado o devido procedimento probatório.” (HC 598.886/SC, Rel. Ministro ROGERIO SCHIETTI CRUZ, SEXTA TURMA, julgado em 27/10/2020, DJe 18/12/2020) (grifos nossos)
Portanto, a inobservância dos requisitos prescritos no art. 226 do
Código de Processo Penal enseja na nulidade de prova, visto que não há outras provas incriminadoras. Ademais, o TJDFT entende que para conferir absoluta certeza do reconhecimento pessoal do autor que utilizou boné e mascara durante a empreitada criminosa, deve a vítima descrever características peculiares do criminoso, não apenas altura e cor de pele, conforme Acórdão 1603944:
“1. A presença de outras pessoas semelhantes no
reconhecimento pessoal não é medida imprescindível para validade desse procedimento formal, pois a própria norma processual determina essa cautela apenas quando possível, nos termos do nos termos do artigo 226, II, do Código de Processo Penal. Preliminar afastada de nulidade do reconhecimento pessoal, por inobservância do procedimento formal. 2. Para se conferir absoluta certeza ao reconhecimento pessoal de agente que utilizou boné e máscara, durante a empreitada criminosa, deve a vítima descrever, ao menos, a fisionomia ou outras características físicas peculiares do criminoso (formato dos olhos e nariz, tatuagens, cicatrizes ou deformidades) na ata do auto de reconhecimento, não sendo crível a identificação do agressor, com base apenas nas semelhanças do suspeito em relação a sua altura e cor de pele. 3. Ainda que haja confirmação em juízo pela vítima, deve o reconhecimento pessoal realizado na fase investigativa ser corroborado por outras provas judicializadas que atribuam certeza em relação à coautoria delitiva do réu, não podendo se firmar essa convicção judicial apenas em elementos informativos colhidos na investigação, sob pena de se incorrer em afronta ao disposto no artigo 155, do Código de Processo Penal.” (ACÓRDÃO 1603944, REL. ROBSON BARBOSA DE AZEVEDO, SEGUNDA TEURMA CRIMINAL, julgado em 10/08/2022, PJe 21/08/2022) (grifos nossos)
Sendo assim, tendo em vista a falta de provas, com ausência de elementos
que demonstrem a materialidade do crime de Tráfico de Drogas e a falta de indícios suficientes de autoria, além da contradição de testemunho e o reconhecimento por foto, deve o réu ser absolvido pela inobservância dos requisitos do artigo 226 c/c art. 414 CPP.
III - DOS PEDIDOS
Ante o exposto, a defesa requer:
a. Preliminarmente, a absolvição do denunciado, visto que não há provas de
materialidade ou indícios suficientes de autoria nos moldes do art. 414 do CPP, bem como a clara inobservância do procedimento formal que consta no art. 226 também do CPP; b. Requer ainda que a interpretação e a dúvida a cerca dos fatos narrados e levantados na epigrafe processual, sejam favoráveis ao réu conforme princípio do in dubio pro reo.