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LIVRO IL Direito das obrigagdes TITULO 1 Das obrigagdes em geral CAPITULO 1 Disposigdes gerais SECCAO I Contetido da obrigagao Artigo 397.° Nogiio Obrigacao € 0 vinculo juridico por virtude do qual uma pessoa fica adstrita para com outra a realizagdo de uma prestacao. Sumério da anotagao: ‘Antecedentes. Trabalhos preparatérios (anotacao 1) Bibliografia (anotacao 2) Jurisprudéncia (anotagao 3) Nogio de obrigacao em sentido técnico-juridico (anotacao 4) A obrigacao como situagao juridica passiva. Delimitagao de situagSes juridicas passivas afins. A relacao obrigacional complexa (anotagao 5) Conceito de prestagéo (anotacao 6) Antecedentes: Artigo 2.° do CC67. Trabalhos preparat6rios: SERRA, A. Vaz, «Objecto da obrigagao — A prestacao — suas espécies, contetido e requisitos», BMJ, n.° 74, 1958, pp. 15-283 (15-17) - doravante, 1958-a; «Obrigacdes ~ Ideias preliminares gerais», BMJ, n°77, 1958, pp. 5-126 - de seguida, 1958-b; Anteprojeto: SERRA, A. VAZ, «Direito das obrigacées (com excepgao dos contratos em especial) / Anteprojecto», sep. do BMJ, 1960, p. 5. Revises Ministeriais: 1.* Revisdo Ministerial - BMJ, n° 119, 1962, pp. 27-28; 2." Revisao Ministerial - Ministério da Justiga, Lisboa, 1965, vol. I, cit. por RODRIGUES Bastos, Das Obrigacdes em Geral Segundo o Cédigo Civil de 1966, vol. I, 1971, p. 7; Projeto: Projecto de Cédigo Civil, Ministério da Justica, Lisboa, 1966. Bibliografia: ASCENSAO, Jost DE OLivEIRA, Direito Civil. Teoria Geral, vol. III, Coimbra Editora, Coimbra, 2002, pp. 9-105; CARVALHO, ORLANDO DE, Teoria Geral do Direito Civil, Coimbra Editora, Coimbra, 3." ed., 2012, pp. 87-162; CORDEIRO, A. MENEZES, Tratado de Direito Civil, I, 42 ed., Almedina, Coimbra, 2014, pp. 863-921; e VI, 2." ed., Almedina, Coimbra, 2012, pp. 23-34, 328-331 e 519-532; Costa, MAxto JULIO DE Ateipa, Direito das Obrigacoes, 12. ed., Almedina, Coimbra, 2018 (reimp. = 2009), Pp. 65-80, 105-109 e 151-153; FERNANDES, Luis A. CARVALHO, Teoria Geral do Direito Civil, vol I, 5 ed., UCE, Lisboa, 2009, pp. 67-68, 107-122. 717-719, e vol. Il, 5." ed., UCE, Lisboa, 2010, pp. 567-657 (642-657); FRaDA, MANUEL CARNEIRO DA, Contrato 1, XXXVIIH do Suplemento ao BFDUC, Coimbra, Parte Geral do Cédigo Civil Portugués. Teoria (reimp. = 1992), pp. 158-167, 172-177 ais); LEITAO, LUIS MENEZES, Direito das € deveres de proteccio, sep. do vol 1994, pp. 36-52; HORSTER, HEINRICH, A geral do direito civil, Almedina, Coimbra, 2003 © 221-254 (241-243 — para os direitos obrigacion Obrigagdes, vol 1, 15.ed., Almedina, Coimbra, 2018, pp. 11-13, 65-86 e 117-120; Lima, ANTONIO Pires DE / VARELA, JoAO DE MATOS ANTUNES, Cédigo Civil Anotado, vol. I, 42 ed., Coimbra Editora, Coimbra, 1987, pp. 347-348; Ouiveira, NuNo Manvel Comentario ao Codigo C10" 1." ed., Coimbra Editora - Wolters Kluwer, inctpios de el 1s Contratos, PINTO, Princfpios de Direito dos Contra oe ca ae 7 e ss. (em especial, pp. 20-2 Covi 01 pp. 15 fem evpecl PP 208 emp, 98) 5 Teoria Geral do Direito Civil, 4." ed. (por Antonio Pinto ‘ditora, Coimbra, 2005, pp. 177-191; Prvto, PavLo Mora, Interesse contratual negative ¢ positive, vol. I, Almedina, Coimbra, 2008, yp. 469 © ss. SILVA, JOAO CALVAO DA, Cumprimento e Sango Pecunidria Compuls6ria, J: ed, Almedina, Coimbra, 2007 (reimp. = 2002), pp. 61-66 € 76-81; Sttva, MaNuEL Duane Gomes DA, Conceito e estrutura da obrigagdo, Lisboa, 1943; TELLES, INOCENCIO GAWAO, Dircito das Obrigacdes, 7." ed., Coimbra Editora, Coimbra, 1997, pp. 9-12 © 35-42; VARELA, JOAO DE MATOS ANTUNES, Das obrigagdes em geral, vol. I, 10.* ed, Almedina, Coimbra, 2003, pp. 51-81, 82-100, 109-129, 132-157 e 719 € ss. Jurisprudéncia: Ac, RC 09.04.2013 (156/09.7TBCNT.C1). eit O artigo enuncia a nogdo de obrigagdo em sentido técnico-juridico (também designada acegio estrita) ~ vd. ALMEIDA Costa, 2009: 68; Menezes Cornero, 2012: 29 — que ilustra a polissemia do conceito (29-30); Menezes LerrAo, 2018: 11. Evidencia-se a influéncia do conceito de relagao juridica, enquanto vinculo juridicamente relevante que une dois ou mais sujeitos, investidos em situacdes juridicas de sinal contrario. Sobre 0 conceito de relacao jurfdica, vd. ORLANDO DE CARVALHO, 2012: 87 € ss. A obrigagao, neste sentido, sugere a existéncia de uma relacao crediticia. Os sujeitos desta relagao juridica sao, respetivamente, o credor (o titular da situacao ica ativa de natureza relativa, isto é, 0 direito de crédito) e o devedor (0 sujeito adstrito ao cumprimento da situacao juridica de natureza passiva, que se designa obrigacao). Como tem sido evidenciado, a relagao juridica obrigacional pode caracterizar-se pela intervencao de mais de que dois sujeitos em qualquer dos lados do vinculo ~ vd. GaLvao TeLLes, 1997: 12. Com uma exposicao assente no critério dos elementos da relagao juridica (0s sujeitos, 0 objeto, o facto juridico e a garantia), vd. GALVAO TELLES, 1997: 35-55. Com outra proposta de sistematizagao (pressupostos, fontes e contetido), vd. CARVALHO FERNANDES, 2009: 114 e ss. Sobre a teoria geral da relacdo juridica, vd., ainda, Mora Pinto, 2005: 177-191. Para a critica ao conceito de relagao juridica, vd., por todos, MENEZES CORDEIRO, 2014: 866-867 — que adota a bipartigao da situagao juridica absoluta e relativa. A referencia ao vinculo juridico estabelecido entre dois ou mais sujeitos permite considerar, ainda que implicitamente, a relatividade das obrigagSes (que é enun- ciada no artigo 406.°, n.” 2, para cuja anotagao se remete). Com a proposta de um conceito e estrutura da obrigagéo como «uma relagao especifica entre duas partes, pela qual uma delas (o devedor) deve conceder uma vantagem A outra», vd. MENEZES CORDEIRO, 2012: 330, A obrigacao consiste, pois, num vinculo estabelecido entre dois ou mais sujeitos por efeitos do qual se constitui um direito & prestacdo e 0 correspondente dever 3 Prestacao ~ od. Menezes CORDEIRO, 2012: 519 ~ que precisa que, a par da prestagao Principal, podem estar envolvidas prestagdes secundarias, deveres laterais, et aus situagoes juridicas. Sobre os deveres de prestagio principal ¢ eee cane od. MENEZES CORDELRO, 2012: 320-323 e 489-518; HA, }, PINTO DE OLiveira, 2011: 58-61, O preceito cuida da nogao de obrigagio juridico-civil, Para o conceito e regime juridico da denominada obrigagao natural (que se caracteriza, entre outros tragos identitérios, pela respetiva incoercibilidade), ctr. artigos 402.°-404,° io oe : ade), cfr. artigos 402."-404. ste é um preceito crucial no que respeita as situagdes juridicas, que permite relevar, como se antecipou, a titularidade de um direito subjetivo (de natureza relativa) pp. 281 e ss. (317 € 8s.), f Monteiro e Paulo Mota Pinto), Coimbra F 2 (0 — OE ___—«x<_ © Artigo 397, por parte do credor ~ no pl cumprimento de uma obrig, juridicas passivas ‘Aacegao técnica de obrigagio ano das situagSes juridicas ativas - e a adstricao a0 2640 por parte do devedor ~ no campo das situagoes Nanerico, COM a sujeeae en to S€ confunde com o denominado dever juridico 8 eM Com o 6nus juridico. Como traco identitario comum, eferir-se a circunsta pode re circunstancia de as tre ur fc a de as tré: guras corresponderet jagdes juridicas passivas, és figuras corresponderem a situagbes Em primeiro lugar, a obrigacao, conti Ms 0, configura er de pre: ingue-se do dever juridi igurada como um dever de prestacao, distingue-se ding ee: Este corresponde, do lado ativo, a titularidade de uma situacao juridica de natureza absoluta. Constituem deveres jurid ceca pg) odeverde opciabo: baa ee deveres juridicos, nesta acecao, feel sia Ss de personalidade de outrem (vida, integridade isi 1 Derdade, identidade pessoal, autodeterminagao, nome, reserva da intimidade sobre a vida privada), assim como o dever de respeitar a propriedade alheia. De modo distinto, a obrigacao € uma situagae juridicap care da titularidade de uma situagao jurid ec deaai a een anes aparece a0 juridica ativa estruturalmente relativa (direito Em segundo lugar, a obrigacao deve ser apartada da sujeigdo. A sujeicao € a situacao juridica passiva correspondente, do lado ativo, a titularidade de um direito potes- tativo. A sujeicao pode ser definida como a necessidade inelutavel de suportar na sua esfera juridica efeitos de direito desencadeados pela manifestagao unilateral da vontade de outrem (0 titular do direito potestativo). Assim, vg., 0 exercicio do direito potestativo de anulacao de um contrato viciado ou de resolugdo de um ca validamente celebrado desencadeia, do lado passivo, a adstrigao a um estado de sujeigao. Em terceiro lugar, a obrigacao e o Snus apartam-se por razdes estruturais e fina- listicas: por um lado, 0 6nus pode ser definido como a «necessidade de adoptar determinado comportamento para alcangar ou conservar uma vantagem propria» (GaLvAO TELLES, 1997: 9); j4 a obrigag4o, como adiantado, consiste na necessidade de realizacao de uma determinada prestacao no interesse de outrem; por outro lado, no Gnus esté em causa a realizacao de um interesse proprio, ao passo que na obrigacao evidencia-se 0 interesse alheio, do credor; por outro lado ainda, 0 énus caracteriza-se por um imperativo hipotético ou condicional (a obtencao de uma dada vantagem est dependente da adogao de um comportamento); por iiltimo, a inobservancia do Gnus nao arrasta a ilicitude do ato, ao contrario do que se verifica em caso de incumprimento da obrigacio; de modo distinto, determina a perda ou a nao obtencao de uma dada vantagem. Constitui um exemplo de 6nus, a necessidade de observancia da forma legal (cfr. artigo 220.°), sob pena de invalidade do negécio juridico. Para uma concegao restrita da nogao de énus (que confina ao campo processual e do Direito probatério), privilegiando o termo encargo, vd. MENEZES CoRDEIRO, 2012: 525-532. Com uma anélise desenvolvida sobre as diferentes situacdes juridicas, vd. CARVALHO FERNANDES, 2010: 567-657. Sobre 0 contetido da relacao jurfdica, vd., ainda, ORLANDO DE CARVALHO, 2012: 99 €4s, No sentido da qualificacéo do contetido do vinculo obrigacional ~ traduzido nos poderes e deveres correspetivos ~ como o denominado objeto imediato — vd. Gatvo Tel " Gio TS 7 3 gaol net ssi tidade de um conjunto de situagdes juridicas ativas e na Eaesiina situagdes juridicas passivas, de figurino distinto. Alude-se, nesta, SY oNum dade, rela dbrigacional complexa, figura que transcende o binémio direito de credo © dever de prestar, Para um exeurso sobre a articulagao entre o onceito de Obrigacio ¢ outras situacoes juridicas passivas (0 dever, a sujeisHo, 0 6nusy 0 encargo ou nus 23 material, o dever genérico, os deveres funcionais), vd. Menezes an 2012: 30-31 — que precisa que «a obrigacao é uma situacao mee psi ae cit: 32) € rejeita que a obrigacao seja uma «figurago simétrica do direito : siete (0b, cit: 33). Vd., ainda, MENEZES CoRDEIRO, 2012: 519-532 - com a andlise de outras situagdes juridicas, ativas e passivas. Sobre o ponto, vd., também, ALMEIDA Costa, (2009), pp. 65-68; MENEzES LrIrAo, 2018: 12-13 e 117-122. Sobre esta matéria, remetemos para a anot. ao artigo 762.%, n° 2. _ 4 Como antecipado, a obrigagao consiste num dever de realizacio de uma prestacao a que a outra parte tem direito (direito de crédito) — vd. P. Mota PINTO: 2008, 471 Anota central do conceito técnico de obrigagao reside na adstrigao do devedor a realizado da prestagao, tendo em vista a satisfagdo do interesse do credor. A prestagao consiste, assim, no comportamento positivo (agao) ou negativo (abstencao) a adotar pelo devedor. Neste sentido, a prestagao é uma das modali- dades possiveis de objeto negocial. Noutra acecio, a prestacao traduz 0 objeto do direito subjetivo, de natureza relativa (0 denominado direito de crédito). Sobre o objeto negocial, cfr. artigos 202.° a 216.° do CC. Qualificando a prestacao como 0 objeto imediato da obrigacao — vd. Vaz SERRA, 1958a: 15; ALMEIDA Costa, 2009: 151; ANTUNES VARELA, 2003: 78-79; CALVAO DA SILVA, 2002: 76; PINTO DE OLIVEIRA, 2011: 73. Em sentido distinto, defende que a prestacéo devida é o denominado objeto mediato da relacao obrigacional - vd. GALVAO TELLES, 1997: 36. Sobre 0 conceito de prestacao, vd. GOMES DA SILVA, 1943: 23 e ss. Coma defesa da ideia de que o direito do credor é um «direito @ prestagao» (e j4 ndo um «direito sobre a prestacado», vd. Vaz SERRA: 1958-b: 84. O conceito de prestagao é relevante em dois planos: por um lado, é um indice de qualificagao juridica negocial, permitindo reconduzir 0 negécio celebrado a um dos critérios de classificagao comummente convocados pela doutrina, tendo presente o respetivo objeto; por outro lado, é convocado a propésito do cumprimento negocial, que tem de ser avalizado precisamente a luz da realizago parcial ou total das prestagdes correspondentes. Para o conceito de cumprimento do negdcio, cfr. artigo 287° O preceito sob anotacao deve ser relacionado com 0 artigo 601.°, que enuncia 0 principio da responsabilidade patrimonial (e nao pessoal). Os caracteres da prestacao, enquanto objeto da obrigacao, so densificados no artigo subsequente, para cuja anotagao se remete. Com uma resenha sobre os antecedentes do artigo 397.° e em tom critico quanto a insercao do preceito, od. MENEZES CORDEIRO, 2012: 23-28. Sobre as propostas de enquadramento do conceito e da estrutura da obrigacao, vd. MENEZES CORDEIRO, 2012: 265 e ss. Para a relacao entre obrigacao e cumprimento, vd. MENEZES CORDEIRO, 2017: 36-37 = que se refere 4 obrigacao como «a prefiguracgiio do cumprimento» (italico nosso). Com uma exposicao sobre as teses sustentadas em matéria de conceito e estrutura do direito de crédito, vd. MENEZES LEITAO, 2018: 65-86. Sobre os critérios de classificagdo e modalidades de obrigagdes, vd. MENEZES CoRDEIRO, 2012: 551 € ss. No DCFR, a obrigagao 6 definida no III. = 1:102: (1). ANA FILIPA MORAIS ANTUNES (membro do CEID-CRCFL) Artigo 398." Artigo 398," Conterido da prestagio 1. As partes podem fixar livremente, dentro dos limites da lei, o contetido positivo ou negativo da prestacio. 2. A prestacao nao um interesse do ci 1a de ter valor pecun mas deve corresponder a p dor, digno de protegio legal. Sumétio da anotagio: Antecedentes, Trabalhos preparatérios (anotagao 1) Bibliografia (anotagao 2) Jurisprudéncia (anotacao 3) Ideias preliminares (anota culdade de conformagao do contetido da prestagao (anotagao 5) ‘bes de prestagao (anotagao 6) A patrimonialidade da prestacio (anotagao 7) Ointeresse do credor, digno de protegao legal (anotagao 8) ° problema da denominada causa juridica. Causa da obrigacao e causa negocial (anota- gio Antecedentes: Preceito sem correspondéncia integral no CC67. Cfr., em todo 0 caso, os artigos 671.°, 2.° (Impossibilidade legal), e 710.° (Modalidades da prestacdo). Trabalhos preparatorios: SERRA, A. Vaz, «Objecto da obrigacao — A prestacao ~ suas espécies, contetido e requisitos», BMJ, n° 74, 1958, pp. 15-283 (15 e ss., 44-80, 237-259 e 261-263) ~ doravante, 1958-a; «Obrigacdes — Ideias preliminares gerais», BMJ, n° 77, 1958, pp. 5-126 (10-11 e 80-84) - de seguida, 1958-b; «Direito das obrigagdes (com excepcao dos contratos em especial) / Anteprojecto», sep. do BMJ, 1960, p. 6. Revisdes Ministeriais: 1.° Revisdo Ministerial - BMJ, n.° 119, 1962, p. 28; 2.* Revisao Ministerial — Ministério da Justia, Lisboa, 1965, vol. I, cit. por RODRIGUES BASTOs, Das Obrigagdes em Geral Segundo 0 Cédigo Civil de 1966, vol. 1, 1967, p. 11. Proje Projecto de Cédigo Civil, Ministério da Justica, Lisboa, 1966. 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' si O preceito insere-se na delimitacao positiva do conceito de prestacao, tendo por base o respetivo contetido. Nao se optou por um elenco, nem exaustivo nem exemplificativo, de prestacdes. Pelo contrério, a técnica legislativa vai no sentido de relegar A autonomia das partes, sempre com respeito pelos limites da lei (cfr. n2 1), a conformagao do objeto negocial com a natureza de prestagao. ‘A prestacao consiste num comportamento do devedor, com a natureza de agao ou de abstengao, tendo em vista a satisfagao do interesse do credor ~ vd. anot. ao artigo 397°, para onde se remete. On." comeca por enunciar a liberdade de conformagao do contetido da prestagao pelas partes. Esta diretriz surge como um corolario do principio geral da liberdade contratual, previsto no artigo 405.” Por este motivo, a técnica legislativa é simétrica nos dois preceitos. A liberdade negocial reconhecida tem como limite o respeito pela lei e pelo Direito. Relevam, nesta matéria, os limites gerais 4 autonomia privada enunciados, designadamente, nos artigos 280.°, 281.° e 294.° Assim, e em concreto, a prestacdo terd de ser possivel (na dupla acegio ~ fisica e legal), determinavel e licita (na tripla exigéncia traduzida no respeito pela lei, pelos bons costumes e pela ordem publica). Oartigo 398.° 6 complementado pelos artigos subsequentes: 399.°, 400.° e 401.° - que esclarecem, respetivamente, a delimitagao subjetiva da prestacao (isto é, precisam qual o sujeito que tem a faculdade de proceder & determinacao da prestacao - cfr. 400.°) e aspetos relativos 8 delimitagao objetiva da prestacao (enunciando o principio da admissibilidade da estipulacao de coisa futura ~ cfr. artigo 401.° - e o regime da impossibilidade originaria da prestacao ~ cfr. artigo 401.° Para as exigéncias de possibilidade fisica e legal do objeto negocial, cfr. artigo 280.° No sentido de que © artigo 280.° «é, substancialmente, um preceito obrigacional, uma vez que, todo ele, tem a ver com prestagdes», vd. MENEZES CORD#IRO, 2012: 533. Com um excurso sobre os limites legais ao contetido da prestacao, ud. MENEZES Corpeiko, 2012: 534-539; e Menezes LEITAO, 2018: 112-117. E reconhecida as partes a faculdade de conformar os termos da prestagao negocial, com respeito > elas diretrizes gerais limitativas da autonomia privada, Neste sentido, (fone lugar, que a prestacao tenha objeto a entrega de uma coisa aot 20 se are) ou uma conduta (prestagdo de fcere Ou de non facere). Recorde-s ies paca the oe em matéria de deveres de prestagio, a saber, L rio e (iti) deveres laterais — para esta classificaa0, Céigo Civil Anotado, Oliveira, NUNO MANUEL Editora — Wolters Kluwer, Coimbra, TJ 29.01.2015 (531 /11.7TVLSB.LLS1), 11.02.2015 (309/11.8TVLSB. /2005-6), 01.04.2009 (10154/2007-6) e 08.09.2015 26 Artigo 398.° desenvolvidamente, od. Menezes Cordeiro, 2012: 319-323, 328-331 € 477 e ss. Cf, ainda, a anot. ao artigo 762." -gundo lugar, e em termos complementares, a prestacdo pode ter um contetido positive (isto 6, traduzir-se numa acdo ~ng., a entrega de uma coisa; a realiza¢ao de uma obra; a conclusdo de um negécio juridico ~ prestagao de facere) ou um contetido negativo (portanto, expressar-se numa omissao juridicamente relevante ou numa abstengao de condu igacdo de nao concorréncia; a obrigas de nao alienar; a obrigacao de nao construir; a obrigagao de sigilo ~ prestacao de non facere). A prestacao de facto negativo admite, ainda, uma subdistingao, uma vez que pode consistir na pura omissao (v.¢., clausula de nao concorréncia; obrigagao de guardar reserva sobre cartas missivas ou outros escritos confidenciais sem consentimento ~ cfr. artigos 75.° a 77.°; obrigagao de nao captar, expor e explorar publicar imagem alheia ~ cfr. artigo 79.°) - prestago de non facere em sentido estrito ~ ou corresponder a uma obrigagao de tolerancia e de nao interferéncia na esfera juridica alheia (prestacdo de pati) ~ vg., 0 estado de sujeigaio por parte de um proprietério de um prédio confinante com outro sem acesso a via ptiblica que se vé na necessidade, em termos inelutaveis, de ver produzida na sua esfera juridica efeitos de direito fundados na constituicao de uma servidao legal de passagem em beneficio de prédio encravado (cfr. artigo 1550.°). Para o regime especial da prestacao de facto negativo, cfr. artigo 829.” Sobre a prestagao de coisa determinada, cfr. artigo 827° Em terceiro lugar, a prestagao, em termos estruturais, pode consistir num facto material (2.g., a entrega de uma coisa; a construcdo de um bem) ou num ato juridico simples (vg., a mudanca de domicilio; a publicagéo de um livro ou escrito) ou voluntério (v.g., a celebracao de um negécio juridico unilateral ou de um contrato). Em quarto lugar, de acordo com o critério da fungibilidade ou infungibilidade, a prestacio pode ser fingrvel — caso em que é suscetivel de ser realizada pelo devedor ou por terceiro (cfr. artigo 767.°), sem prejutzo para o credor - ou, de modo distinto, infungfoel — cendrio em que 86 é realizavel pelo devedor (e ja nao por terceiro), em razao das caracteristicas particulares deste, da sua especial competéncia ou da relagao de confianca existente. A infungibilidade pode ancorar-se, também, em motivos relacionados com o seu objeto, que determinem que seja insubstitufvel por outra do mesmo género ou categoria. De igual forma, pode a infungibilidade resultar de estipulagao das partes. Como se tem ensinado, tendencialmente, as prestagdes de coisa sao fungiveis, sendo as prestacdes de facto, infungiveis - vd. GaLvAo TELLES, 1997: 39 — que alerta para a hipétese de infungibilidade relativa: 6 0 que sucede no caso de a prestagao poder ser realizada, sem prejuizo para 0 credor, nao apenas pelo credor mas por uma outra pessoa, dentro de um circulo delimitado, Justifica recordar-se que, configurando-se um cenario de incumprimento de uma prestacao infungivel, 0 credor pode agir nos quadros da responsabilidade civil; de modo distinto, o inadimplemento de uma prestagao fungivel legitima o recurso ao meio de tutela previsto no artigo 828° Em quinto lugar, segundo um critério relativo ao tempo e modo de execugao da prestacao, esta pode ser categorizada em instantanea e duradoura. No primeiro caso (prestacao instantanea), a obrigacao € nica e nao se renova nem perdura no tempo (ug., a entrega da coisa, 0 pagamento do prego e a transferéncia da coisa, num contrato de compra e venda a pronto). Precise-se, no entanto, que é possivel convencionar-se que a prestacao instantanea seja realizada num s6 momento (é 0 que se chama prestagdo instantanea integral) ou em termos fracionados (assim, v.g., © prego, numa compra e venda, pode ser pago em prestagdes ~ cfr. artigo 934."). No segundo caso (prestacao duradoura), a prestagao prolonga-se no tempo (é 0 que 27 sucede, vg, nos contratos de locacao; de muituo; de fornecimento). AS prestacse, duradouras admitem uma subdistingao: (i) a prestacdo continuada funda-se nym facto juridico duradouro e caracteriza-se por um comportamento sucessivo, que se protela no tempo (v.g., a obrigacao do senhorio, durante a v igéncia do contrat Ge arrendamento, de praticar e suportar os atos de reparacdo necessariog g urgentes relativamente ao imével locado; a obrigagao do fornecedor de serviggg de telecomunicacoes de prestar 0 servico); (ii) a prestacdo periddica que, apesar de ter origem num mesmo vinculo juridico, titula uma pluralidade de obrigagSeg distintas ¢ uma sucessdo de atos interligados por um nexo temporal e funciona] (og., a obrigacao de pagar a renda pelo locatario). Nesta hipstese, a prestacio «¢ sucessivamente repetida em certos periodos de tempo» — vd. MENEZES LEITAO, 2018, 133. As prestacdes duradouras so objeto de um regime particular em matéria de efeitos da resolugao (cfr. artigo 434.%, n.° 2 — que é igualmente convocado em sede de aposicdo de clausulas acess6rias tipicas - cfr. artigo 277.", n.° 1) e, bem assim, de prescrigo [cfr. artigos 307.° e 310.°, al. g)]. Em sexto lugar, a prestacao pode ter por objeto uma obrigacao de meios ou uma obrigagao de resultado. Esta classificacao tem sido relevada no contexto da deno- minada responsabilidad médica. Concretizando o sentido da distingao, vd. MENEZES CorDeIRo, 2012: 477-488; MENEZES LeIrAO, 2018: 137-138. Sobre a delimitacao positiva da prestacao, vd. ALMEIDA Costa, 2009: 689-702; Menezes CorDeIRo, 2012: 477-532; MENEZES LeITAO: 2018: 128-161. Com um excurso sobre as classificacées de prestacdes principais e secundarias, vd. MENEZES CoRDEIRO, 2012: 489-496 e 496-497. On.°2 contém duas normas. A primeira norma esclarece a admissibilidade de prestagdes néo patrimoniais, isto é, insuscetiveis de uma avaliacdo pecunidria. E 0 caso de prestagdes que visem a satisfagdo de interesses ideais ou espirituais, assim como das que se orientam a realizacao de interesses conexos com bens da personalidade — assim, vg., a abstencio de uma conduta que interfere com 0 direito ao descanso e, mais latamente, o direito a satide; a publicagao de um desmentido, na sequéncia de um facto ofensivo do direito 4 honra, ao bom nome ou ao crédito do visado. Ointeresse do credor pode, assim, ter um contetdo econémico ou nao - vd. GALVAO TELLES, 1997: 13. O texto legal vigente afastou-se da orientacao aparentemente vertida no Cédigo Civil de Seabra, que reclamava, como requisito de legalidade do objeto contratual, que «{a]s cousas ou atos» se pudessem «reduzir a um valor exigivel» (cfr. artigo 6712, n.° 2). Para a discussio do problema no ambito dos Trabalhos Preparatérios, vd. VAZ SERRA: 1958a, 237 e ss., e 1958b, 11-12 — com a defesa do entendimento favoravel 4 nao exigibilidade de um interesse patrimonial do credor Justifica-se esclarecer que a natureza nao patrimonial de prestagées, assim como a existéncia de situagdes juridicas pessoalissimas nao prejudica a suscetibilidade de, em caso de inadimplemento e de desrespeito por esses direitos eminentemente pessoais, se estimar um valor correspondente ao dano infligido. Esta circunstancia nao prejudica, em todo o caso, a respetiva natureza nao patrimonial. Por outro lado, a ofensa de direitos de natureza eminentemente pessoal pode, nos termos gerais, desencadear consequéncias indemnizatérias dirigidas a ressarcir danos patrimoniais e nao patrimoniais (cfr. artigos 70.°, n.° 2, e 483.° e ss.). Para a exegese da expressao «ndo necesita de ter valor pecunidirion, vd. MENEZES Corpetno, 2012: 345-346 — que precisa que esto em causa as prestacdes relativamente as quais 0 Direito nao admita a troca por dinheiro (2012: 346). Para mais desenvolvimentos, vd. MENEZES CORDEIRO, 2012: 333-346; MENEZES LEITAO, 2018: 89-92, 99 e 111-112; ALMEIDA Costa, 2009: 101, 109-113 - onde esclarece que, &™ Artigo 398.° eal indole ep foie ferd «natureza econémica, mas pode também assumir ee a entifica, cultural» (2009: 109) e 2009: 709-712 - para ‘Asepunda norma titel y epettimonialidade, a luz do Direito vigente (2008: 710) oe cee justifcada nae ane segundo o qual a prestagao estipulada pelas partes ; a cresse do credor, que terd de ser digno de protecio legal, isto & merecedor de tutela pelo Direito. C ‘ondiciona-se, deste modo, a juridicidade do vinculo obrigacional. Para a leitura da expressao «interesse do credor, digno de protecgdo legal» como sindnimo de «susceptibilidade de proteccio juridica», vd. MENEZES CORDEIRO, 2012: 349. Com uma leitura do conceito de interesse com apelo a ideia de vantagem, isto 6, «uma realidade protegida pelo Direito que vem ampliar a esfera juridica do credor», od. Menezes CORDEIRO, 2012: 329. A nogio de interesse foi desenvolvida por P. Mota PINTO, 2008: 481 e ss. Com um excurso sobre 0 conceito de interesse, od. MENEZES CoRDEIRO, 2012: 307-318 - que propde uma sistematizacao de artigos do Cédigo Civil em que se releva o conceito de «interesse» (2012: 312-317). Olegislador introduz, deste modo, um critério de fiscalizacao juridica do exercicio da autonomia privada: a prestaco deve corresponder a um interesse relevante para o Direito, numa perspetiva estritamente objetiva, para ser merecedor da tutela juridica. O interesse do credor, perspetivado como o fim iiltimo da obrigacao, e que se realiza por via do cumprimento da obrigacao (portanto, pela realizagao da prestacao devida — 0 debitum legale) tem de: por um lado, sustentar-se num vinculo regulado pelo Direito (e j4 nao apenas por outras Ordens normativas) e, por outro, ser sério e suficientemente atendivel para merecer a protecao pelo Direito. Para a ideia de «fungao fiscalizadora do “conceito de interesse”», vd. ORLANDO DE CARVALHO, 2012: 98. No contexto dos trabalhos preparatérios, Vaz Serna (1958a: 243) defendeu que «{o] que importa que o interesse do credor seja tal que merega a proteccio do direito e que, na verdade, se tenha querido assumir uma obrigagao juridica». Ficam, designadamente, excluidos do conceito de interesse digno de protecido legal os meros caprichos, as frugalidades ou pretensdes desassistidas de uma utilidade efetiva ou nao acompanhada da obtengao de uma vantagem concreta e juridicamente relevante, isto é, ndo desprezivel para o Direito - vd. ANTUNES VARELA, 2003: 108-109. Sobre o ponto, vd., ainda, ALMEIDA Costa, 2009: 109-113 e 712-713 - com apelo a uma ideia de razoabilidade numa perspetiva juridica (0b. cit. 713). Em tom critico quanto a esta dimensao, vd. MENEZES CORDEIRO, 2012: 350 - que precisa a inexigibilidade de uma utilidade social da prestagao. Na mesma linha de entendimento, vd. MENEZES Le1rAo, 2018: 91-92. De igual modo, extravasam a formulagao normativa os acordos e demais modos de regulamentagao de interesses exclusivamente tutelados por outras Ordens do agir humano e, como tal, desassistidos de juridicidade. Neste sentido, od. ANTUNES VarELA, 2003: 108-109; MENEZES CORDEIRO, 2012: 350. De modo distinto, reconduz a anilise ao «problema da patrimonialidade da prestagao», MENEZES LEIrAo, 2018: 111. E controversa, em face de situagdes individuais, a delimitagao entre um vinculo obrigacional acompanhado de juridicidade e as denominadas relagdes de obse- quiosidade e de cavalheirismo — vd. MENEZES CoRDEIRO, 2012: 350-354. Sobre a dicotomia acordo de mera obsequiosidade e acordo de cavalheiros (gentlemen's agreement), vd. MENEZES CORDEIRO, 2012: 352-354. Parece que, em determinadas situagdes, ainda que nao se possa afirmar a natureza negocial ou contratual do vinculo, nem por isso 0 mesmo serd irrelevante para a ordem juridica. Para uma andlise desenvolvida sobre os denominados acordos de honra, prestagdes de cortesia e contratos, precisando os conceitos de vinculatividade juridica e de intengao de vinculagio juridica, od. JOLIO Gomes / ANTONIO FRADA, 2002: 861-952 ~ que salientam a necessidade de distinguir a natureza negocial ou contratual de uma condutg da sua juridicidade (ob. cit,, 931). O esclarecimento das fronteiras beneficia qa ponderacao de indicios, como seja a consciéncia ou vontade de vinculacao juridicg € de producao dos efeitos de Direito correspondentes: no limite, tudo se cifra ng valoracao dos comportamentos praticados ou assumidos, a luz da situacao concreta Parece, assim, dever rejeitar-se um tratamento aprioristico e uma qualificaggg abstrata de cada ato individual. Relevando 0 indicio da patrimonialidade ~ oq. Menezes Corto, 2012: 353. : A formulagio normativa 6, em alguma medida, simétrica 4 que se verifica nos artigos 443°, n.° 1 (que convoca, em matéria de contrato a favor de terceiro, 0 conceito de «interesse digno de proteccio legal»), e 496.°, n.° 1 (preceito que rege quanto & ressarcibilidade de danos nao patrimoniais, limitando-os aqueles que «pela sua gravidade, merecam a tutela do direito»). Fora do Cédigo Civil, justifica-se recordar 0 artigo 43.°, n.° 1, do DL n.” 72/2008, de 16/04 (que aprova oRICS), que exige do segurado «um interesse digno de protecdo legal relativamente ao risco coberto, sob pena de nulidade do contrato». Na jurisprudéncia, vd. Acs. STJ 29.01.2015 — que, a propésito da andlise de um contrato de jogo e aposta, rejeita que a especulacao seja um «interesse relevante do ponto de vista econ6mico e merecedor de tutela jurtdica (cfr. n.° 2 do artigo 398.° do Cédigo Civil)», e 01.02.2015 (309/11.8TVLSB.L1.S1) — em matéria de swap; e RL 29.09.2005 — que decidiu que: «3. Nao devem considerar-se relevantes as convengies que correspondam a manifestacdes de oportunismo, capricho ou mera comodidade. Quando tal ocorre, pode acontecer que o exercicio do direito ofenda o sentimento da justiga dominante na comunidade social. A ofensa pode até ndo ser intencional, bastando que, objectivamente, atinja a consciéncia publica, sendo suficiente que 0 exerctcio do direito, 0 seu uso, se mostre antifuncional»; 01.04.2009 - que precisa que a exigéncia legal de um interesse «digno de proteccao legal» 6 sinénimo de «um interesse sério, justificativo da tutela juridica»; e de 08.09.2015 — que convoca 0 artigo 398.°, n.° 2, para fundamentar a juridicidade do contrato de garantia auténoma. No Codice Civile italiano, cfr. artigo 1322 (Autonomia contrattuale) que admite a conclusio de contratos atipicos desde que estes sejam «diretti a realizzare interessi meritevoli di tutela secondo l’ordinamento giuridico». A diretriz proclamada no n.° 2, segunda parte, é consentanea com a ideia segundo a qual a obrigacao constitui um instrumento para satisfazer o interesse do credor — vd. ANTUNES VARELA, 2003: 158; P. Mota PINTO: 2009, 491 — que precisa que é 0 interesse do credor que ilustra 0 «lado funcional», isto € 0 «fint ou fungad tipicos da obrigagao» (loc. cit.). Para a relacdo entre a funcao da obrigagao e o interesse do credor, vd. ANTUNES VARELA: 2003: 157-160 — que € categérico: «[o] interesse do credor ~ assente na necessidade ou situagao de caréncia de que ele 6 portador na aptidao da prestagao para satisfazer tal necessidade - 6 que define a fungio da obrigacdo» (ob. cit.: 158). Este preceito, ao enunciar, no n.° 2,2." parte, 0 critério da dignidade de protegio legal, tendo por referéncia o interesse do credor, convoca o esclarecimento da relevancia conceptual da denominada causa jurfica. Esté em questao um conceito equivoco, polissémico e que nao retine consensos doutrinais - vd. Morais ANTUNES, 2016, 11 ess. Assim, a causa pode referir-se a obrigagdo ou ao negécio juridico. A causa da obrigacao responde a questao «por que se deve», isto 6, qual a fonte da obrigacao; jaa causa do negécio dirige-se a esclarecer «por que se contratou», o mesmo é dizer, qual a funcao correspondente ao negécio — vd. MORAIS ANTUNES, 2016: 18-19, Neste segundo sentido, a causa perspetiva-se como o fundamento da juridicidade, portanto, [eal Artigo 399° a razao da vinculagao juridica. A acegao objetiva de causa afere-se precisamente ‘ao concluir o negécio: estes, para serem tutelados pelo Direito, tém de ser «dignos de protecgio legal». ‘A causa do negécio juridico, de acordo com a perspetiva que a admite como um elemento estruturante do negécio juridico (isto 6, como um elemento que condiciona a respetiva perfeigio) e com auitonomia conceitual (portanto, distinto dos conceitos de vontade, de contetido e de motives), tem de revestir determinados requisites, fa saber: (a) ser existente; (b) ser digna de protegio juridica;(c) ser licita. O segundo dos requisitos enunciados ~a exigéncia de juridicidade ~ traduz-se, justamente, na necessidade de a funcao negocial que as partes pretenderam atuar com 0 negocio juridico ser relevante para Direito, numa perspetiva estritamente objetiva. Numa palavra, deve corresponder a um conjunto de interesses juridicamente atendivels Bm termos de normalidade social (e néo meramente ftiteis, frivolos, caprichosos). Sobre 0 conceito de causa do negécio juridico, pode consultar-se Morals ANTUNES, 2016, e 2018, 305 e ss. € 373 ess. Com a defesa da autonomia conceptual da causa hnegocial, vd. MORAIS ANTUNES, 2016: pp. 79 ¢ ss; GALVAO TELLES, 2002: 73-74 € 287-310; OLIVEIRA ASCENSAO, 2003: 304-310; CARVALHO FERNANDES, 2010: 167 & 380-386. Reconhecendo a causa como um «elemento necessario do contetido do rnegécio juridico», vd. FERREIRA DE ALMEIDA, 2017: 219. Em sentido contrario, muito embora reconhesa a importéncia da causa do contrato em matéria de «limites & autonomia privada», vd. MENEZES CoRDEIRO, 2018: 627. Na jurisprudéncia do STJ, eft. Acs. 14.10.1997 (97097) — definindo causa como & «efunga0 econémico-social tipica» -, 19.02.1998 (98679) ~ elegendo a causa como dim dos elementos estruturantes do negécio ~ e, mais recentemente, apelando & causa negocial, em matéria de contrato de swap, 03.05.2016 (27/14.5TVPREPLSI ). pelo acervo de interesses que se pretendeu satisfazer ANA FILIPA MORAIS ANTUNES (membro do CEID-CRCFL) Artigo 399.° Prestagio de coisa futura E admitida a prestagao de coisa futura sempre que lei nao a proiba. Sumédrio da anotagio: Trabalhos preparatorios (anotagao 1) Bibliografia (anotacao 2) Jurisprudéncia (anotaga0 3) Comentrio (anotagao 4) 1. Admissibilidade da prestasao Il. Conceito de coisa futura Il Proibigdes de prestagao de ct IV, Bstrutura da obrigacao de pr V. Incumprimento da obrigagao de p' Trabathas preparatrios: SuRwA, A. Vaz, «Objecto da obrigagio. A prestagio ~ suas 1 tos», BMJ, n° 74, 1958, pp. 165 e 270; 1.* revisao espécies, contetido e requisi ministerial, artigo 357°, BMJ, 1962, p. 50 (ed. a sintese da evolugio em BAsTos, Jacinto Ropricues, Das Obrigagaes em Geral, 1, Lisboa, 1971, pp. 177 s.). Bibliografia: EICHEL, FLORIAN, Kiinflige Forder, Mohr Siebeck, 2014; LettAo, Luts 2 Menezes, Direito das Obrigacoes, vol. I, 15." ed., Almedina, Coimbra, 2018, pp. 271- “273; Lanta, F, Pires DE / VARELA, J. ANTUNES, Codigo Civil Anotado, 4° ed, coma de coisa futura coisa futura estagao de coisa futura restagdo de coisa futura 31 Comentirio ao Codigo Civtl Coimbra Editora, Coimbra, 1987, p. 349; Tettes, 1 7. ed., reimp., Coimbra Editora, Coimbra, 2019 Das Obrigagdes em Geral, vol. I, 10.* ed., Almedina, colab, de HENRIQUE MESQUITA, Gatao, Direito das Obrigacdes, ny. 41 @ 5; VARELA, J- ANTUNES, ~ pp. 87 e 8s. Coin ace) 16.06.2016 (865/13.6TBDL.L1.S1), 08.10.2015 (6998/ 13.1 TBBRG, Jurisprudé .§ $1), 18.02.2014 (22927/10.1 T2SNT.L1 7 Je a rei ee a "A lei pretendeu deixar claro que, fora 508 EXP © proibidos, aa astacao de coisa futura pode constituir objeto de uma obrigagao. Importa, exigencias de determinabilidade da prestacao impostas pelo a = 8 (chr. Vaz Sreea, 1958: 165) e, bem assim, dos restantes requisitos legais da prestacao (sobre estes, vd. MENEZES LEITAO, 2018: 11 e ss.). tala Il. O conceito de coisa futura usado por esta norma € definido no artigo 2u y devendo qualificar-se como futuras: as coisas que ainda nao existem, as que ainda nao foram autonomizadas de outras coisas e as que ja existem, mas nao integram © patriménio de um determinado sujeito (GALVAO TELLES, 2010: nt. 2, pp. 4 es.) IIL. A prestagao de coisa futura é proibida nas doacdes (artigo 942, n° 1) e vai também inclufda na proibicdo genérica de celebracdo de pactos sucessérios, nas modalidades de succedendo e de hereditate tertii (artigo 2028.°, n.° 2) (cfr. Pires De Lima / ANTUNES VARELA, 1987: 349). IV. Parece decorrer do Cédigo que o credor dispde da faculdade de exigir a prestagio a partir do momento em que celebra 0 contrato, ainda que apenas a possa exercer a partir do momento em que o devedor adquira a coisa. O facto de a coisa ainda nao ser presente nao afeta a constituigao do crédito, apenas permite que o devedor impega 0 exercicio do direito a prestacao. Trata-se, na feliz expressao de PauL LANGHEINEKEN, de «pretensdes presentes a uma prestagdo futura» (apud FLORIAN EICHEL, 2014: 44); 0 crédito € presente, 0 seu objeto — a coisa ~ é futura. Isto significa, por outro lado, que a hipGtese prevista neste artigo se distingue daquela dos créditos futures, situacdo em que ainda nao se constituiu na esfera juridica do credor, de forma origindria ou derivada, a faculdade de exigir a prestacao (FLORIAN EICHEL, 2014: 33). V. Caso a coisa futura nao se torne presente, haveré que aferir se tal se ficou a dever a circunstancias imputaveis ou nao imputaveis ao devedor, de modo a determinar 0 regime aplicdvel (cfr. ANTUNES VARELA, 2010: 91). As partes sao, contudo, livres de atribuir caracter aleatério ao contrato, sendo devida a contraprestacao ainda que a coisa futura nao se transmita para o credor (artigo 880.°, n.° 2). FERNANDO OLIVEIRA E SA Artigo 400.° Determinacao da prestagao rs of determinasio da Prestacdo pode ser confiada a uma ou outra das partes ‘eiro; em qualquer dos casos deve ser feita segundo jui i e qual lo juize le, Ss Outros critérios nao tiverem sido estipulados. ieee oe ey 2. Sea determinagio nao sé-lo-4 pelo tribunal, sem alternativas, Puder ser feita ou nao tiver sido feita no tempo devido, Prejuizo do disposto acerca das obrigacdes genéricas ¢ TT ——i Oo)od)QCL xen tttttsts—S Artigo 400." Sumério da anotaczo: Antecedentes, Trabathos preparatérios (anotagio 1) Bibliografia (anotagio 2) . Jurisprudéncia (anctagio 3) Enquadramento geral (anotagao 4) Articulagdo dos artigos 400." ¢ 280. (anotagao 5) Aspetos controversos (anotagio 6) Determinagao da prestagao por uma das parte terceiro (anotagdo 7) 1 das partes ou por terceiro (anotagao Critérios a observar na determinagao (anvtagio 8) Determinagao judicial (anotagao 9) Aplicagdo subsidiaria do preceito (anotacao 10) Antecedentes: Artigo 716.° do Codigo Civil de Seabra; Trabalhos preparatérios: SERRA, A. 1 Vaz, Anteprojecto, BMJ, n.° 98, 1960, pp. 23-25, SERRA, Vaz, «Objecto da Obrigacao. A prestacdo — Suas espécies, contetido e requisitos», BM], n.° 74, 1958, pp. 206-282. Bibliografia: ANDRADE, MANUEL DE, Teoria Geral das Obrigagdes (com a colab. de RU 2 ALARCAO), 3.* ed., Almedina, Coimbra, 1966; BIANCA, Massimo, Diritto Civile, Il contratto, Ill, Giuffre, 1987 (reimp. da 1. ed. 1984); Diritto Civile, L’Obbligazione, 1V, Giuffre, 1990; CorDetko, Menezes, «Ampugnacao Pauliana. Fianga de contetido indeterminado», CI/ST], ano XVI, 1992, III, pp. 56-64, Direito das Obrigagdes, 1, AAFDL, Lisboa, 1980, Da boa fé no Direito Civil, 2.* ed. 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Por outras palavras, indica os modos de deter- minagao do objeto da obrigacao que, no momento em que esta se constitui, nao se 33 Comentario ao Cédigo Civil encontre integralmente determinado, mas que seja determinavel em fase posterioy, através dos critérios estabelecidos pelas partes ou pela let. IL Nao obstante se admita a ulterior determinagao do objeto da obrigagay a mesma é requisito de eficacia do negécio, pois, para que a obrigacio se cumpra, G imprescindivel que 0 seu objeto seja individualizado. O preceito em anilise refere-se, portanto, a uma fase transitéria de indeterminacao da prestacio, que mmedeia entre o momento da constituigdo da obrigagao e o momento do respetivg Cumprimento (CARVALHO FERNANDES, 2009: 222 e s., MENEZES CORDEIRO, 1980: 341, @ PESSOA JORGE, 1975/1976: 63-64). LA indeterminagao da prestagao, a que se refere 0 preceito, ndo deve ser confundida com a indeterminabilidade da mesma. Ha que conjugar a leitura do artigo 400° (referente a relagao juridica obrigacional) com a do artigo 280." (referente ao negécio juridico, em geral), nos termos do qual é nulo 0 negécio juridico cujo objeto seja indetermindve!. Assim, apenas se poder recorrer ao regime do artigo 400.° quando a prestacio indeterminada seja valida (maxime, porque é determinavel) nos termos do artigo 280.° Sendo a prestacao indeterminavel, a obrigacao estard ferida de nulidade e 0 regime do artigo 400.° nao chega a ser aplicado. A prestagio indetermindvel - por nem as partes nem a lei terem estabelecido o critério de individualizagao do respetivo objeto — constitui uma prestagao impossivel de determinar e, portanto, (i) nao funda qualquer vinculo obrigacional suscetivel de ser executado (BIANCA, 1990: 51, 84-85, e LARENZ, 1982: 7-8), (ii) conduz a nulidade do negécio de que promana, nos termos do artigo 280." e (iii) nao é passivel de aplicagao do zegime do artigo 400.° (na jurisprudéncia, vd.: Ac. STJ 23.01.2001 de uniformizagao de jurisprudéncia; Acs. STJ 19.12.2006 e 03.02.1999. Na doutrina, cfr, ALMEIDA Costa, 2009: 709, ANTUNES VARELA, 2000: 805, CARVALHO FERNANDES, 2009: 216, 222. GALVAO TELLES, 2010: 43, MANUEL DE ANDRADE, 1966: 163, MENEZES CorDEIKO, 1992: 61, MENEZES LEITAO, 2018: 115-116, Mota PINTO, 2005: 554, ROMANO Martinez, 1997: 93, e Vaz Serra, 1958: 206) Il. Muito embora a prestacao indeterminada implique, pela sua natureza, uma certa margem de incerteza, para que a mesma seja determinavel exige-se que seja suficientemente delimitada de molde a que, em geral, a parte passiva saiba 0 que prestar e a parte ativa saiba o que pretender (RoP?O, 2001: 346-347). Se, por um lado, no ambito da autonomia privada, se permite a indeterminacao da prestagao, por outro lado — conforme BIANCA (1990: 51, 84-85) e LaRENz (1982: 7-8) realgam ~ exige-se a determinabilidade da mesma, por forma a assegurar a exequibilidade do vinculo obrigacional e a seriedade que 0 acompanha, A determinabilidade da prestagao deve ser aferida em concreto (JANUARIO DA COsTA Gomes, 2000: 673, € Vaz SERRA, 1974/1975: 252), através de uma ponderagao que avalie o equilibrio entre os mencionados interesses. IIL A doutrinae a jurisprudéncia tém considerado que a prestacao serd (a) indeter~ minada, vg., quando as partes celebram um negécio sem estabelecer integralmente (© seu objeto, como seja a forma da prestago ou o montante da contraprestac40r e (b) determindvel se do negocio constar um minimo de elementos objetivos que permita realizar, em concreto, a determinacao da prestagao. Nas palavras de Mota PINTO, sera nula, por indeterminabilidade, a compra e venda de um objeto designado «com suma generalidade»: «uma coisa», «um terreno», sem 2 indicacao de qualquer outro elemento objetivo. O Ac. ST) 14.03.2017, por su: erou nao ser proibida «a cldusula contratual geral que preveja a cobranca anda da entidade bancaria de comissdes, despesas e encargos, mesmo qué rem determinadas», uma vez que, por um lado, «as mesmas $40 sragdes que desenvolve & 1a vel, consi por b. se nao encont determinaveis, 0 banco possui um precario relativo as ope ut ee Artigo 400° de outra banda, existem situagdes especificas em que a justificagio documental da despesa efetuada por conta do cliente, tem de ser justificadamente documentada, sendo que esta situagio se encontra perfeitamente regulada no artigo 400.", no 1 e 2, do CCivil». ser individua- 6 L Do preceito em analise decorre que 0 objeto da obrigacio deve lizado por via dos critérios estabelecidos pelas partes out por lei. Com base nesta ampla formulacao legal, ¢ questionavel (i) se a prestagio indeterminada pode ninada por recurso ao mero arbitrio de uma das partes ou de terceiro ncia de critérios estabelecicios pelas partes, pode (arbitriumr ser deter (arbitrium merum) e (ii) se, na aus a prestagac ser determinada pelo tribunal segundo juizos de equidade boni viri). TL Atendendo 4 mencionada articulagao do regime do artigo 280.” com o do artigo 400.2, 6 entendimento generalizado na doutrina e na jurisprudéncia que a prestacao indeterminada nao é suscetivel de ser determinada por recurso a tais critérios (ANTUNES VARELA, 2000: 806, MENEZES CorDEIRO, 192: 62, MENEZES LEITAO, 2018: 115 e s,, € PINTO Ou1vEIRA, 2011: 339). Compreende-se que assim seja Em primeiro lugar, no que toca ao critério do mero arbitrio, a ser entendido como absoluta discricionariedade, revela-se seguro que 0 mesmo implicaria a indeterminabilidade da prestagdo e a consequente invalidade do negécio. Para que se funde um vinculo obrigacional valido e exequivel, € necessdrio que se verifique uma minima base objetiva (BIANCA, 1990: 51, e LARENZ, 1982: 7-8). Nas palavras do Ac. ST} 23.01.2001 de uniformizagao de jurisprudéncia: «{...] tem de ser fixados critérios objetivos que permitam [...] ab initio, conhecer os limites da sua obrigagio [...] Seria, assim, seguramente nulo o contrato pelo qual uma pessoa se obrigasse a pagar a outra 0 que esta quiser. Os critérios podem ser mais ou menos vagos: ndo podem 6, ad nutum, deixar tudo ao arbitrio duma parte ou de terceiro» (no mesmo sentido, cfr. o Ac. RC 09.05.2000, segundo 0 qual, «na fianga de obrigagio futura nao pode ser deixado ao arbitrio de uma parte ou de terceiro a determinacdo da prestacao, exigindo-se antes a fixagao de um critério objetivo que tal permita fazer», e 0 Ac. STJ 17.02.2009). Em segundo lugar, também se compreende que, comummente, na auséncia de critérios estabelecidos pelas partes, se exclua a suscetibilidade de determinacao judicial, pois a existéncia de um minimo de elementos que confiram uma base objetiva 6 requisito da determinabilidade e do proprio recurso a equicade. Com efeito, 0 «Tribunal, quando chamado a intervir, vai atuar dentro desses critérios e, af, usar da equidade. Quando nao encontrar quaisquer critérios objetivos de determinagao, deverd, ex officio, declarar a nulidade da obrigagio, por forga do artigo 280.°, n.° I» (Ac. ST} 23.01.2001, de uniformizacao de jurisprudéncia). Isto significa que o n° 2 do preceito em andlise néo vem de modo algum afastar 0 requisito de determinabilidade que se impée por via do artigo 280." Por muito que se estipule a possibilidade de determinagao judicial com recurso a equidade, esta ndo se confunde com o arbttrio, pois tem de assentar, necessariamente, numa base objetiva (vd. anot. 7 ao artigo 280.° Adde: FERREIRA PINTO, 2013: 621, MENEZES Letrao, 2018: 115, e Vaz SERRA, 1958: 207-208.). Assim, a lei ndo permite que 0 tribunal determine a prestacao a partir do vacuo; permite a determinagao judicial com recurso a equidade, que, necessariamente, se ira basear num minimo de elementos cbjetivos cuja prévia verificacao se impde. Logo, estao excluidas do Ambito de aplicagao deste preceito todas as obrigagdes que sejam nulas, em virtude da auséncia de uma base objetiva minima que permita a respetiva individualizagao. IIL, Alguma doutrina, com base numa nogao atenuada de arbitrium merum, considera que tal critério é articuldvel com as exigéncias que resultam dos artigos 400. 35,

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