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CURSO DE ESPECIALIZAÇÃO SAÚDE MENTA

IEC PUC MINAS

Disciplina:

A arqueologia de um saber -

aula 22-09-21
Professora: Tulíola Almeida de Souza Lima

Unidade II - cont.

Médicos e doentes - História da loucura


• Maura Lopes Cançado (Brasil,
1929 - 1993)

• Livros: “O sofredor do ver”;


“Hospício é Deus”

• Leitura coletiva comentada de


fragmento diarístico
História da Loucura
Internamento e raízes morais da loucura: não se busca avaliar comprometimento da
razão. Não mais se relaciona ao mal da humanidade, como na época da Renascença.

Espaço aberto de uma escolha e de liberdade.

“No momento em que o século XVIII interna como insana uma mulher que ‘faz uma
devoção à sua moda’, ou um padre porque não se percebe nele nenhum dos indícios
da caridade, o juízo que condena a loucura sob esta forma não esconde um
pressuposto moral: ele simplesmente manifesta a divisão ética entre a razão e a
loucura” (FOUCAULT, 2010, p. 143).

Diferença da consciência moral estabelecida no século XIX.


Classicismo
Pudor diante do inumano - diferente sensibilidade social

Loucura mostrada “do lado de lá das grades” (FOUCAULT, 2010, p. 148), distanciada.
Efeito de uma razão sem parentesco com esse tipo de experiência.

Sistemas de segurança: raivas animalescas, perigos sociais. Relacionamento do


homem com sua própria animalidade ≈ origens da distinção natureza x cultura?
Classicismo

Cultura ocidental: variações do relacionamento entre o homem e o animal

Século XVII em diante: não há mais “ensinamentos" dos desatinos

Razão cristã: desígnios de Deus, objetos de compaixão. Cogito.

“Prender o insano com o devasso ou o herético oculta o fato da loucura, mas revela a
possibilidade eterna do destino, e é esta ameaça em sua forma abstrata e universal que
a prática do internamento tenta dominar” (FOUCAULT, 2010, p. 161).
História da Loucura - parte II:
“Presença dilacerada” nas épocas

Arqueologia das formas de consciência sobre a loucura:

- consciência crítica: não define, mas denuncia. Segura de si mesma

- consciência prática: baseada num compromisso, na existência e normas de


um grupo. Desvios e escolhas

- consciência enunciativa: não (des)qualificá-la; existência substantiva

- consciência analítica: formas, fenômenos, modos de aparecimento. Forma que


lança as bases para um saber objetivo sobre a loucura.
Arqueologia das formas de consciência sobre a loucura:

- Ao mesmo tempo suficientes em si e solidárias umas com as outras.

- Linguagem, natureza, reconhecimentos ou lembranças… convocação de


técnicas de supressão daquilo que provoca o horror.
Formas de consciência sobre a loucura na era clássica:

“A consciência prática que separa, condena e faz desaparecer o louco está


necessariamente misturada com uma certa concepção política, jurídica e
econômica do indivíduo na sociedade. […] Aquilo que se encontra de um lado
da divisão - tanto teórico quanto prático - é a retomada do velho drama da
exclusão, é a forma de apreciação da loucura no movimento de sua supressão:
aquilo que, por si mesmo, consegue formular-se em seu aniquilamento ora
organizado” (FOUCAULT, 2010, p. 174).

Verdade da loucura: um ser que é um não-ser.


Consciências da loucura

Construção ‘discursiva’ da alteridade do louco.

Normalizações e patologias. Classificadores do século XVIII. Doença e


manifestações da natureza: novo espaço onde a loucura deverá se inserir.

Tema positivista: classificação a partir de signos visíveis. Pensamento médico no


século XVIII. Contudo, a loucura “nunca entrou completamente na ordem racional
das espécies” (FOUCAULT, 2010, p. 207).
Consciências da loucura

Verbetes, enciclopédias, dissertações, tratados, nosologias…

Causas físicas da loucura?

Comunicações corpo e alma.

Medicina dos espíritos.

Paixões. Enganos e erros. Demências.


Médicos do século XVIII
Figuras da loucura: percepções éticas e imagens desdobradas na teoria médica;

Corpos penetráveis, órgãos doentes, tensões e afrouxamentos;

Doenças dos nervos, reações simpáticas. Excessos de sensibilidade.

Significação moral: histeria, hipocondria, doenças mentais. Sanções morais e


culpabilidades. Loucura: “efeito psicológico de uma falta moral” (FOUCAULT, 2010,
p. 294).

Mal moral, castigo natural, hierarquia das manifestações: disputas de domínio pela
psicologia e pela moral.
Unidade II - cont.

“Médicos e doentes” - História da loucura


Séculos XVII e XVIII: pensamentos e práticas da medicina

Imagem disponível em: https://gohighbrow.com/17th-century-medicine/


Médicos e doentes
Mito da panacéia: generalidades abstratas nas noções de cura.

Crendices e práticas de sentido mágico manifesto.

Microcosmos: homens e doenças particulares; macrocosmo da natureza.

Valores simbólicos e medicamentos para loucura: reinterpretações de


métodos, associados a filosofias naturais e formas rituais acentuadas.

Formação de núcleos de resistência?

Fragmentação social e empirismo - práticas extramédicas - no trato com a


loucura.
Médicos e doentes
Noções de cura?

Ainda na era clássica:

Cura: algo que suprime a doença como um todo. Etapas de resposta aos
elementos constituintes. Começo da manifestação do que viremos a
conhecer como domínio clínico.

Linguagem de comunicação entre médico e doente: experiências concretas.


Doenças nervosas - séc. XVIII
Ideias terapêuticas:

Consolidação: componentes de fraqueza e firmes suavidades. Modos de


estimulação dos espíritos. Imagens e pensamentos discursivos que
predominam sobre a observação.

Purificação: vísceras, vapores, líquidos. Enfrentar violências e corrupções


dos espíritos. Transfusões e sangrias.
Imersão: privilégios da água.

https://brewminate.com/medical-treatment-and-the-english-seaside-in-the-18th-century/
https://lib.msu.edu/exhibits/healingwaters/
Doenças nervosas - séc. XVIII
Ex: “banhos surpresa”: “[…]violência era como a promessa de um novo
batismo” (FOUCAULT, 2010, p. 318).

- Regulação do movimento: obedecer as regras de movimento do


mundo.

Ex: balanço do mar. Viagens e deslocamentos, reais e imaginários.

Apelos aos espíritos para saírem de si e entrarem no mundo. Simbolismos


alma e corpo.

Medicamentos físicos e tratamentos morais: diferença evidente?


PARTE II

Vislumbres das reformas psiquiátricas a partir do percurso


arqueológico até aqui:
“sem que nada ainda tenha mudado nas instituições, o sentido da
exclusão e do internamento começa a alterar-se” (FOUCAULT, 2010, p.

336).
• Izabel Friche Passos: Experiências de reforma

• Diálogo com o movimento brasileiro

• “Nenhuma prática, clínica ou outra, foge a


problematizações políticas, nem a opções
éticas” (PASSOS, 2009, p. 228).
O falso dilema “político" x “clínico"
Manicômio, uma das instituições-espelho das sociedades disciplinares modernas e
contemporâneas (PASSOS, 2009).

Aspectos da instituição psiquiátrica em transformação. Novas formas de tratamento


social da loucura.

Paradigmas para intervenção.

Oposição fundada em princípios ideológicos “pouco justificáveis na prática” (PASSOS,


2009, p. 25).
O falso dilema “político" x “clínico"
Análise foucaultiana: vínculo intrínseco da psiquiatria com a ordem social.
Responsabilidade social e política por parte dos operadores de cuidado.

Como os diversos atores sociais participam da definição das ações institucionais do


campo de atuação da psiquiatria e da nossa chamada saúde mental?

Entraves: pobreza, mazelas sociais. Desigualdades sócio-econômicas.

Características de classe social de pessoas internadas em manicômios - contribuições


da Psiquiatria Democrática Italiana.
O falso dilema “político" x “clínico"
Possíveis pontos de crítica e reflexão: cultura psicologizante?

Problematizações subjetivistas?

Reduzida tradição clínica? Ética coletivista e dimensão psicossubjetiva (Inf. Trieste).

Reducionismo terapêutico? Uso prioritário de medicações?

Mal estar, privações # “condição interna” de uma pessoa. Personalismos


terapêuticos?
Dilemas da prática em saúde mental

Atuação em CAPS / Cersam: demandas por hospitalidade noturna ou abrigo?

Atuação em centros de saúde / esquipamentos territoriais: demanda por avaliações


médicas e encaminhamentos à previdência social?

Demandas por internações em clínicas / comunidades terapêuticas?

Os estigmas dos diagnósticos…


• Citando entrevista de Michel F. publicada no jornal Le
Monde em 1980: “Diante da abundância de coisas a saber,
temos muito poucos meios para pensar tudo o que se passa
hoje.O pensamento que interessa é aquele capaz de achar
estranho e singular o que está a nossa volta, de estranhar o
familiar, pois, mais que a política propriamente dita, o que
interessa ao filósofo é pensar as relações que mantemos
com ela, e mais que estabelecer verdades importa
indagarmos as relações que mantemos com a verdade”
(PASSOS, 2009, p. 148).

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