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A IMPLANTAÇÃO DO CAPS I DE ASSIS CHATEAUBRIAND: NOVOS DIREITOS

PARA OS SUJEITOS NO CAMPO DA SAÚDE MENTAL

Ana Rosa Salvalagio1


Francielly Batista Fernandes

É necessário se espantar, se indignar e se contagiar só


assim é possível mudar a realidade. (Nise da Silveira).

RESUMO: A loucura é um fenômeno que tem sido representado de várias formas. A Modernidade é a
era do nascimento do Asilo e da Psiquiatria, e o louco passa a ser doente mental. No período pós-
guerra, surgem os questionamentos quanto ao modelo hospitalocêntrico, que culminou na Reforma
Psiquiátrica. Tal reforma possibilitou uma transformação na assistência à saúde mental. Na
perspectiva de serviços substitutivos ao Hospital Psiquiátrico, no Brasil, foram criados os
Centros de Atenção Psicossocial (CAPS). Este serviço tem por objetivo oferecer as pessoas em
sofrimento psíquico um tratamento que alia o acompanhamento clinico e os cuidados de reinserção
social pela construção ou reconstrução dos laços comunitários e familiares. Assim, o fator preocupante
que impulsionou a implantação do CAPS I no município de Assis Chateaubriand, foi à ausência de
serviços substitutivos e o grande número de internamentos psiquiátricos. O objetivo é fazer uma breve
reflexão sobre a Saúde Mental, bem como relatar a experiência das autoras no processo de
implantação do CAPS I neste município. Este trabalho foi realizado através da abordagem
qualitativa, com relato de experiência e levantamento bibliográfico e documental. Com este
novo serviço municipal, pretende-se estruturar a assistência em saúde mental através de novas
formas de cuidado.
PALAVRAS-CHAVE: Loucura; Reforma Psiquiátrica; Centro de Atenção Psicossocial.

INTRODUÇÃO: A sociedade ocidental contemporânea produz e naturaliza uma percepção


do sofrimento psíquico como objeto de intervenção da ciência, seja médica ou outras práticas
“psi”, em que o sofrimento psíquico recebe o rótulo de “doença mental”. Entretanto, a história
mostra que nem sempre foi assim, segundo Braga e Silveira (2005), loucura, alienação,
doença mental, transtorno mental, sofrimento psíquico não foram pensados de maneira
uniforme nem ao longo da história, nem no mesmo espaço temporal.
Portanto, a loucura segundo La Haye (2007) mergulha suas raízes nas fontes da
cultura, ou seja, ser louco é diferente dependendo do país ou região da qual se é originário.

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Assistente Social da Secretaria Municipal de Saúde de Assis Chateaubriand. Aluna especial do Mestrado de
Serviço Social da UNIOESTE. Email: arolagio@hotmail.com

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Em função das épocas, a explicação da loucura dependerá do tipo de explicações fornecidas à
história do homem no país.
O fenômeno da loucura está presente na história da humanidade em qualquer sociedade,
mas é um fenômeno que tem sido representado de várias formas e com diversas interpretações.
Portanto, é impossível pensar a loucura enquanto fenômeno deslocado de seu contexto.
Conforme Braga e Silveira (2005), a experiência com a loucura nem sempre foi considerada
algo negativo, muito menos uma doença. Pelo contrário, na Grécia antiga ela já foi considerada até
mesmo um privilégio. Filósofos como Sócrates e Platão ressaltaram a existência de uma forma de
loucura tida como divina. Era através do delírio que alguns privilegiados podiam ter acesso a
verdades divinas. Neste período a loucura não está totalmente identificada com a perda da razão,
mesmo os loucos não sendo considerados normais ou iguais.
Somente no período conhecido como Antiguidade Clássica, essa relação entre
experiência mística e consciência crítica vai se dissolver. Paulatinamente, a loucura vai se
afastando do seu papel de portadora da verdade seguindo em uma direção contrária. Ainda
segundo Braga e Silveira (2005), nesta mesma época acontece o rompimento entre o místico e
o racional, e a loucura já não é mais porta-voz da verdade divina e em pouco tempo passará a
ocupar o lugar de representante simbólico do mal.

Outrora, o louco fazia parte da paisagem social. Havia louco louco. O jovem louco. O velho
louco. O totalmente louco. O semilouco. O louco furioso. O louco de amarrar. O louco do rei.
Aquele que se fazia de louco. Que corria como um louco. Que tinha um riso de louco. Que era
louco de amor. Louco de tristeza. Louco de raiva. Louco por música. [...]. Outrora, portanto, o
louco tinha plenamente seu lugar entre nós. Em nós mesmos! (LA HAYE, 2007, p.9).

Até o final da Idade Média a lepra encarnando o mal representava o castigo divino.
Porém, a lepra retira-se, deixando um espaço aberto, alguns séculos depois, essas estruturas de
exclusão social passam a ser ocupadas pela figura do louco. Segundo Foucault (1997) a lepra
foi substituída inicialmente pelas doenças venéreas. Ao final do século XV, elas sucedem à
lepra como por direito de herança. No entanto, não são as doenças venéreas que assegurarão o
papel que cabia à lepra no interior da cultura medieval. De bom ou mau grado, os novos
doentes são recebidos nos hospitais. A verdadeira herança da lepra é um fenômeno bastante
complexo, do qual a medicina demorará em se apropriar, esse fenômeno é a loucura.

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O período da Idade Média, de acordo com Fabris e Ykegaya (2007) se caracteriza por
uma explicação mítico-religiosa de todos os fenômenos. E com o desaparecimento da lepra no
ocidente, a loucura, como incógnita ocupa na concepção da época o lugar do leproso, a partir
de uma perspectiva moral excludente que retoma a ideia do castigo divino. Embora na Idade
Média já existissem mecanismos de exclusão do louco, não é aí que a loucura vai ser
percebida como um fenômeno que requeira um saber específico, pois os primeiros
estabelecimentos criados para a loucura destinavam-se simplesmente para o exílio do
convívio social das pessoas que não se adaptavam a ele.
Embora na Idade Média já existissem mecanismos de exclusão do louco, não é aí que
a loucura vai ser percebida como um fenômeno que requeira um saber específico, pois os
primeiros estabelecimentos criados para a loucura destinavam-se simplesmente para retirar do
convívio social as pessoas que não se adaptavam a ele.
A Idade Clássica (século XVII e XVIII), conforme Fabris e Ykegaya (2007), foi
marcada pelo que se chamou de enclausuramento do louco, de um movimento de separação
entre razão e desrazão, este período tem como marco em 1656, a criação do Hospital geral de
Paris. Os hospitais gerais, herdeiros dos antigos leprosários, tinham como finalidade o
depósito dos indesejados sociais: pobres, malfeitores, indigentes e marginais de toda ordem.
Os loucos, enquanto incompatíveis com a razão e a moral deviam ser penalizados, excluídos,
silenciados na medida em que eram trancafiados dentro dos hospitais.
A percepção clássica não apenas pune a loucura enquanto desrazão, ela também
sinaliza a loucura enquanto doença. Dentro desta visão, da aproximação do louco com os
indesejados, estabelece-se um paralelo entre o louco e o criminoso: ambos são indesejados e
devem ser mantidos reclusos porque constituem um mal à sociedade.
A Modernidade é a era do nascimento do Hospital Médico, do Asilo e da Psiquiatria.
A crítica ao grande internamento no hospital geral leva a separar os loucos dos indesejados
sociais, e o louco passa a ser doente mental, ou alienado, no termo científico da época. De
acordo com Foucault (1997), a psiquiatria cria o louco, enquanto poder sobre ele. Retira-se do
louco todo saber sobre si próprio e a sua doença, e delega-se esse saber ao especialista.
“Quanto aos pacientes, eles nada mais são que portadores de sintomas e receptores de
medicamentos” (LA HAYE, 2007 p. 36).

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Somente no período pós-guerra, conforme Braga e Silveira (2005) o cenário torna-se
favorável ao surgimento dos movimentos reformistas da psiquiatria na contemporaneidade e
os questionamentos quanto ao novo modelo hospitalocêntrico, apontando para a necessidade
de reformulação começa a ser questionado por outros países.
No Brasil, nas últimas décadas, um conjunto de iniciativas políticas, científicas,
sociais, administrativas e jurídicas tem lutado para transformar a cultura e a relação da
sociedade com as pessoas que apresentam transtornos mentais, com uma atenção mais
humanizada e efetiva, dando-lhe alternativas de tratamento extra-hospitalar.
A Reforma Psiquiátrica Brasileira possibilitou uma transformação na assistência à
saúde mental, propondo novos espaços para os sujeitos com sofrimento psíquico intenso, que
antes tinham apenas o manicômio como alternativa de “tratamento”. A trajetória da reforma é
repleta de discussões e propiciou uma nova regulamentação do funcionamento dos serviços.
De acordo com Costa-Rosa, Luzio, e Yasui (2003, p. 19), as transformações da pratica
assistencial em saúde mental, na lógica do Modo Psicossocial, passam a ter influencias no
Brasil a partir da década de 1980, quando o termo psicossocial designa os “novos dispositivos
institucionais (Centros e Núcleos de Atenção psicossocial – CAPS e NAPS) que aspiram a
outra lógica, outra fundamentação teórico - técnica, que não mais as do paradigma
psiquiátrico.
A reforma psiquiátrica veio para desconstruir tanto os conceitos de saúde em geral,
como os de práticas em psiquiatria. De forma particular destaca-se a Lei 10.216 de 2001, a
qual estabelece que os tratamentos devem ser realizados, preferencialmente, em serviços
comunitários de saúde mental e, como finalidade primordial, procurar a reinserção social do
doente mental em seu meio.
Dessa forma, a Política de Saúde Mental instituída no Brasil atualmente tem como
premissa fundamental a desinstitucionalização e a humanização da assistência. As suas
diretrizes nacionais apontam para a necessidade da reorganização dos serviços em todos os
níveis de atenção, tendo o conceito do cuidado como eixo central de reorientação,
respondendo a uma concepção de saúde não centrada somente na assistência, mas, sobretudo,
na promoção da qualidade de vida das pessoas em sofrimento psíquico.

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A partir de 2001, a Reforma Psiquiátrica se consolida como política oficial do governo
federal e nasce com o objetivo de superar o preconceito, a institucionalização e a cronificação
dos doentes mentais (ANDRADE e PEDRÃO, 2005). Nesse contexto, os serviços de saúde
mental surgem em vários municípios do país e vão se consolidando como dispositivos
eficazes na diminuição de internações e na mudança do modelo assistencial.
Nesta perspectiva de serviços substitutivos, os Centros de Atenção Psicossocial
(CAPS) foram os primeiros serviços criados com uma nova proposta de atenção à saúde
mental e incentivaram o Ministério da Saúde a regulamentar a implantação e o financiamento
para ampliar os serviços por todo o País (AMARANTE, 1998).
O primeiro Centro de Atenção Psicossocial (CAPS) do Brasil foi inaugurado em
março de 1986, na cidade de São Paulo: Centro de Atenção Psicossocial Professor Luiz da
Rocha Cerqueira, conhecido como CAPS da Rua Itapeva. A implantação deste e dos demais a
partir deste modelo, fizeram parte de um intenso movimento social inicialmente de
trabalhadores de saúde mental. (BRASIL, 2004).
Os CAPS foram criados oficialmente a partir da Portaria GM 224/92 e eram definidos
como “unidades de saúde local que contam com uma população adscrita tendo suas atividades
desenvolvidas por uma equipe multiprofissional”. Conforme Andrade e Pedrão (2005),
diferentes tipos de modalidades terapêuticas têm sido utilizados em serviços de assistência à
saúde mental, trazendo benefícios como redução da ansiedade e da irritabilidade, aumento da
autoestima e da memória e reintegração social, pois o exercício da ousadia, da criatividade e
da alegria deve estar sempre associado à atividade terapêutica.
Os CAPS tem por objetivo oferecer as pessoas portadoras de sofrimento psíquico um
tratamento que alia o acompanhamento clinico e os cuidados de reinserção social de seus
usuários por meio do acesso ao trabalho, ao lazer, pelo exercício dos direitos civis, bem como
pela construção ou reconstrução dos laços comunitários e familiares.
A atenção psicossocial prestada pelos CAPS pressupõe um acolhimento dos sujeitos
com sofrimento psíquico e transtorno mental, um conjunto de ações que visam à substituição
da lógica manicomial como base de sustentação teórica para o cuidado em saúde mental e do
modo asilar como paradigma das práticas dominantes (OLIVEIRA, 2009).

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No âmbito da saúde mental, dados do Ministério da Saúde (Brasil, 2007) apontam
avanços na implantação dos serviços substitutivos, na diminuição do número de leitos em
hospitais psiquiátricos e na reversão do financiamento do modelo assistencial.
Em 2011, foi instituída a Portaria GM nº 3.088, que cria, amplia e articula pontos de
atenção à saúde para pessoas com sofrimento ou transtorno mental e com necessidades
decorrentes do uso de crack, álcool e outras drogas no âmbito do SUS.
A construção de uma nova forma de atender as pessoas com sofrimento psíquico
intenso, ai incluído os transtornos referentes ao uso de substâncias psicoativas, requer que o
CAPS e a Atenção Primária de Saúde estejam integrados, viabilizando o trabalho em saúde
mental no território.
E de acordo com a Portaria nº 3.088, DE 23/12/2011, os Centros de Atenção
Psicossocial realizam o acolhimento e o cuidado das pessoas em fase aguda do transtorno
mental, seja ele decorrente ou não do uso de crack, álcool e outras drogas, devendo nas
situações que necessitem de internação ou de serviços residenciais de caráter transitório,
articular e coordenar o cuidado.
A falta de estruturação de serviços extra-hospitalares faz com que as pessoas com
transtorno mental sejam inúmeras vezes internadas em Hospitais Psiquiátricos, sendo retirado
seu direito de convivência familiar e comunitária. E a família fica a mercê, sem suporte
quando seu familiar está em casa e desesperada quando este entra em crise e não tem
tratamento. Os serviços substitutivos além de possibilitarem a diminuição das internações,
possibilitam um atendimento mais humanizado, com equipe multiprofissional, sem a
necessidade do isolamento, além de serem aliados da família no auxilio do cuidado,
amenizando a sobrecarga do cuidador.
Dessa forma, o fator preocupante que impulsionou a implantação do CAPS I2 no
município de Assis Chateaubriand, foi a ausência de serviços substitutivos e o grande número
de internamentos psiquiátricos, como pode ser observado na tabela a seguir.

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Segundo a portaria n.º 336/GM de 19 de fevereiro de 2002, os CAPS deverão constituir-se em serviço
ambulatorial de atenção diária. Conforme esta portaria o CAPS I é um serviço de atenção psicossocial com
capacidade operacional para atendimento em municípios com população entre 20.000 e 70.000 habitantes.

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TABELA 01 – Número de internamentos de saúde mental em Assis Chateaubriand-PR

ANO NÚMERO DE INTERNAMENTOS


2011 51
2012 26
2013 29
TOTAL 106
FONTE: Sistema Informatizado da Secretaria Municipal de Saúde

Neste contexto, cabe ressaltar que a cidade de Assis Chateaubriand está localizada na região
médio oeste paranaense, tendo sido criada como município através da Lei nº 5.389, que entrou em
vigor 20 de agosto de 1966. De lá para cá o município desenvolveu-se com uma economia voltada
especialmente para a agricultura e de acordo com o Censo do (Instituto brasileiro de geografia e
estatística) realizado no ano de 2010 a sua população é de 33.028 habitantes.
No que se refere à política de saúde mental, no município em questão, a atenção primária
é a porta de entrada de todo o sistema de saúde. Antes da implantação do CAPS I, a identificação
e atendimentos em saúde de pessoas com transtorno mental e usuários com problemas decorrentes
do uso de substância psicoativas, eram realizados pelas equipes das 08 UBS (unidades básicas de
saúde) e das 04 ESF (estratégia saúde da família) e de 01 EACS (estratégia de agentes
comunitários de saúde), com suporte de uma Assistente Social e uma Psicóloga lotadas na
Secretária Municipal de Saúde, que também realizavam outras atribuições.
Salienta-se que as ações desenvolvidas referentes aos transtornos mentais graves, eram
direcionadas primordialmente para socorrer a pessoa em crise e principalmente em caráter
emergencial. A Saúde Mental Municipal encontrava-se sem uma estrutura definida,
desencadeando uma descontinuidade do trabalho, pois não tinha equipe específica nem
serviço extra-hospitalar.
No tocante a substâncias psicoativas, o SISNAD (Sistema Nacional Sobre Drogas) -
(art. 14 da Lei n.o 11.343, de 6/10/2006) prevê a competência do setor saúde para disciplinar
a política de atenção aos usuários e dependentes de substâncias psicoativas, bem como aos
seus familiares, junto à rede do Sistema Único de Saúde. Porém, ações ordenadas relativas ao
tratamento e prevenção no campo de álcool e outras drogas são desenvolvidas há pouco
tempo pela saúde pública, por isso o atendimento para atender essa demanda de saúde exige
constantes aprimoramentos.

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Desse modo, no município a Secretaria Municipal de Saúde realizava algumas ações:
encaminhamentos para Comunidades Terapêuticas, Hospitais Psiquiátricos, ou Hospitais com
leitos de drogadição e grupos de mútua-ajuda como: ARA (Associação de recuperação de
alcoólatras anônimos), NA (Narcóticos anônimos) e Pastoral da Sobriedade, além de outros
atendimentos pontuais, como consultas especializadas, orientações, visitas domiciliares, e
alguns trabalhos educativos pela equipe da ESF.
Apesar das limitações, os técnicos, dentro das possibilidades procuravam dar
assistência ao paciente e a família, mas sem o atendimento necessário. Essa realidade indicou
a importância de implantar o CAPS I conforme prevê a portaria nº 336/GM de 2002. Além
disso, conforme Nunes, Jucá e Vatentim (2007) é necessário desenvolver o Modelo
Psicossocial, através atividades que incluam a prevenção e a promoção da saúde mental,
politizando as ações de saúde de modo a lidar com os determinantes sociais do adoecimento,
realizar práticas intersetoriais e desenvolver o exercício da cidadania.
A atenção em Saúde Mental e Substâncias Psicoativas do Município não estava
seguindo as diretrizes da Lei 10.216 de 2001 que estabelece como direito da pessoa com
transtorno mental ser tratada, preferencialmente, em serviços comunitários de saúde mental.
Diante dessa realidade, foram realizadas várias intervenções pelos técnicos da Atenção
Primária em Saúde aos gestores municipais sobre a necessidade de implantar o CAPS I em
Assis Chateaubriand, entretanto até 2013, os gestores não aderiram este projeto. Assim,
apesar do critério populacional previsto Portaria n.º 336/GM de 2002, em que municípios com
mais vinte mil habitantes, devem possuir o CAPS, muitos municípios, como a cidade em
questão, não implantam o serviço, e não tem punição.
Diante dessa dificuldade de adesão do Gestor, foram aprovadas propostas de
implantação deste equipamento nas Conferências Municipais, e mobilizado a rede
atendimento municipal sobre a necessidade de criar este novo equipamento. Depois de quase
cinco anos de solicitação e luta da equipe de atenção primária em saúde e da rede municipal
de atendimento e de alguns técnicos da 20ª Regional de Saúde, no mês de janeiro de 2013 o
Gestor Municipal aderiu a proposta.
As autoras deste artigo, com o apoio da responsável pela Saúde Mental da 20ª Regional de
Saúde, num processo de aproximadamente três meses, elaboraram o projeto técnico do CAPS I de

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Assis Chateaubriand. Este projeto posteriormente foi aprovado pelo Conselho Municipal de Saúde e
pela CIB (Comissão Intergestores Bipartite). Através destas aprovações e de documentos técnicos,
o Ministério da Saúde após noventa dias liberou recurso financeiro de incentivo para implantação
deste equipamento, conforme prevê portaria N° 245 de 17/02/2005.
Com este recurso financeiro federal e contrapartida municipal, em abril de 2014,
iniciou-se a atividades do CAPS I em Assis Chateaubriand, numa residência alocada para este
fim, com profissionais de nível médio (01técnico administrativo, 01 vigia, e 01 zeladora) e
superior (01 Assistente Social, 01 Psicóloga e 01 Enfermeira) transferidos da Secretária
Municipal de Saúde para este serviço e com contratação de um Médico Especialista em Saúde
Mental. O serviço está em processo para Habilitação, para poder executar todas as atividades
previstas na portaria N° 336 de 19/02/2002.
Conforme portaria supracitada, o CAPS I deve possuir equipe multiprofissional
composta por: 01 médico com formação em saúde mental; 01 enfermeiro; 03 profissionais de
nível superior entre as seguintes categorias profissionais (psicólogo, assistente social,
terapeuta ocupacional, pedagogo ou outro profissional necessário ao projeto terapêutico); 04
profissionais de nível médio (técnico e/ou auxiliar de enfermagem, técnico administrativo,
técnico educacional e artesão). E oferecer diversas atividades como: atendimento individual
(medicamentoso, psicoterápico, de orientação, entre outros); atendimento em grupos
(psicoterapia, grupo operativo, atividades de suporte social, entre outras); atendimento em
oficinas terapêuticas executadas por profissional de nível superior ou nível médio; visitas
domiciliares; atendimento à família; atividades comunitárias enfocando a integração do
paciente na comunidade e sua inserção familiar e social.
De acordo com o projeto terapêutico de cada usuário, estes podem passar o dia todo
na Unidade, parte do dia ou vir apenas para algum atendimento. As necessidades de cada
usuário e os projetos terapêuticos, compreendendo as modalidades de atendimento e os
tempos de permanência no serviço, são decididas pela equipe, em contato com as famílias
também, e igualmente as mudanças neste projeto segundo as evoluções de cada usuário.
Dessa forma, o projeto do CAPS I, prevê a estruturação da assistência em saúde
mental, como uma proposta de atenção comprometida de fato com o desenvolvimento de

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novas formas de cuidado, para as pessoas com transtorno mental e transtornos decorrentes do
uso de substancias psicoativas e seus familiares.

OBJETIVO: O objetivo deste artigo é fazer uma breve reflexão sobre a Saúde Mental,
principalmente sobre a Reforma Psiquiátrica, bem como relatar a experiência das autoras no
processo de implantação do CAPS I de Assis Chateaubriand. Este serviço tem como objetivo,
conforme seu projeto técnico, oferecer atendimento às pessoas com transtorno mental grave e
persistente bem como transtornos decorrentes do uso de álcool e outras drogas do município,
realizando o acompanhamento multiprofissional e a reinserção social através de atividades
terapêuticas, exercício da cidadania e fortalecimento dos laços familiares e comunitários.

OBJETIVOS ESPECÍFICOS: O CAPS I de Assis Chateaubriand, foi implantado, a partir


de um projeto técnico, que tem os seguintes objetivos especificos:
 Prestar assistência e acolhimento, as pessoas com transtornos mentais graves e
persistentes bem como pessoas com transtornos decorrentes do uso de álcool e outras
drogas através de atendimentos individuais, coletivos e visitas domiciliares;
 Trabalhar em parceria com a atenção primária e serviços de média e alta complexidade
credenciados pelo SUS;
 Promover ações intersetoriais buscando estratégias de melhoria no enfrentamento dos
transtornos mentais e transtornos decorrente do uso de Substâncias Psicoativas;
 Estimular o desenvolvimento de habilidades motoras, culturais e recreativas por meio
das oficinas terapêuticas ao público alvo;
 Reduzir o índice de internação psiquiátrica no Município;
 Promover atividades informativas e educativas referente a saúde mental, visando
reduzir o preconceito e a discriminação no Município;
 Oferecer suporte aos familiares através de reuniões, atendimentos individuais e visitas
domiciliares para subsidiar as dificuldades encontradas com o manejo do transtorno
mental e de transtornos decorrentes do uso de álcool e outras drogas;
 Avaliar semanalmente as atividades desenvolvidas no CAPS através de reuniões
técnicas;
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PROCEDIMENTOS METODOLÓGICOS: Para a elaboração deste artigo serviu-se da
abordagem qualitativa que segundo Chizzotti (1991, p. 78), “faz parte do fundamento de que
há uma relação dinâmica entre o mundo real e o sujeito, uma interdependência viva
entre o sujeito e o objeto”. Com esta abordagem, realizou-se um relato de experiência, no
qual se buscou pontuar o caminho percorrido para implantação do CAPS I de Assis
Chateaubriand. Para tanto utilizou-se levantamento bibliográfico e documental, sendo a busca
realizada em bancos de dados informatizados, em livros e literaturas impressas referentes à
temática, bem como no sistema informatizado e documentos da Secretaria Municipal de
Saúde, e principalmente no projeto técnico do CAPS I.

CONCLUSÕES: Espera-se alcançar com a implantação do CAPS I em Assis Chateaubriand,


a diminuição do número de internamentos psiquiátricos e de transtornos decorrentes do uso de
álcool e outras drogas, bem como trabalhar sob a ótica da melhoria da qualidade de vida dos
mesmos através da avaliação constante dos serviços prestados.
A construção de novos serviços de saúde mental, como o CAPS, visa à constituição de
uma rede de serviços de forma descentralizada, municipalizada e com caráter
multiprofissional tendo como objetivo a manutenção dos direitos de cidadania, a
desinstitucionalização e a promoção da saúde.
A implantação desde novo equipamento, também tem como proposta dar suporte a
família, aonde os familiares precisam ser vistos como um grupo que necessita de apoio das
políticas públicas para lidar com o impacto gerado pelo sofrimento psíquico em seu núcleo
familiar, que inegavelmente acarreta alteração nas atividades cotidianas. Pois, se a atual
política de saúde mental preconiza a inclusão dos familiares das pessoas com transtorno
mental na assistência, precisa oferecer subsídios para que eles consigam exercer suas funções
de cuidadores.
Afinal, precisamos experimentar inovações, tecer novas redes de cuidado em saúde
mental, colocar em questionamento nossos saberes e práticas, a fim de se fazer saúde de uma
forma integral e efetiva, deixando de lado o imobilismo das práticas no campo da saúde
mental. Sabemos que a implantação do CAPS foi uma conquista, mas ainda existe um amplo
caminho a percorrer.

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Diante do exposto, a implantação do CAPS I em nossa cidade visa o aprimoramento e
estruturação da Atenção à Saúde Mental para os nossos usuários. “É esse o verdadeiro
objetivo de nossa luta e de nossa utopia: novos sujeitos de direito e novos direitos para os
sujeitos no campo da saúde mental.” (AMARANTE, 2014).

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