Você está na página 1de 13

UNIP - UNIVERSIDADE PAULISTA DE ENSINO E PESQUISA

Instituto de Ciências Humanas

ÉTICA

A PSICOLOGIA E A LUTA ANTIMANICOMIAL

SÃO PAULO / SP
2022/2 – CAMPUS PARAÍSO / NOTURNO
SUMÁRIO

1 INTRODUÇÃO ....................................................................................................01
1. UMA BREVE CONSIDERAÇÃO SOBRE A LOUCURA.........................................01
1.1 A Loucura como Doença......................................................................................02
2. A LOUCURA À BRASILEIRA................................................................................03
2.1 As Ideias Higienistas............................................................................................04
3. A REFORMA PSIQUIÁTRICA..............................................................................06
3.1 A Luta antimanicomial no Brasil...........................................................................07
4. CONCLUSÃO....................................................................................................... 10
5. REFERÊNCIAS......................................................................................................11
1

INTRODUÇAO
Nem sempre a loucura esteve no campo do patológico, como objeto exclusivo
da ciência médica. O ‘louco’, por consequência a loucura, ocupou diversos lugares no
imaginário e na dinâmica das sociedades durante o percurso da história ocidental.
Para Vieceli (2014, p. 46): “ [...] o conceito da loucura é, antes de tudo, uma construção
social, e tem sua definição permeada por aspectos culturais que se transformam ao
longo das épocas. ”
Assim, a fim de discorrer sobre a luta antimanicomial foi feito, a partir de uma
pesquisa bibliográfica, um pequeno recorrido sobre a história da loucura, bem como o
papel hegemônico da psiquiatria e a relação do louco com os pensamentos de cada
época.
Como uma pesquisa bibliográfica de análise qualitativa, foi feito um primeiro
levantamento de textos e estudos em sites e revistas científicas acadêmicas. Pela
extensão da investigação foram apenas pontuados os fatos considerados como os
mais relevantes para um entendimento global sobre o tema. Assim, iniciamos a
investigação discorrendo sobre a história da loucura, os pensamentos de cada período
que foram conformando o seu significado, a importância da psiquiatria, por
consequência da psicologia na institucionalização do louco, e por fim, nos movimentos
que levaram à reforma psiquiátrica e a luta antimanicomial no Brasil.

1. UMA BREVE CONSIDERAÇÃO SOBRE A LOUCURA


Ainda na Grécia Antiga, a pessoa capaz de manifestar a sabedoria dos deuses,
podendo interceder no destino dos homens, o louco, era respeitado e valorizado
socialmente; assim, tendo o seu lugar na estrutura social não havia a necessidade de
seu controle e/ou exclusão. (ALVES et al, 2009).
No final da Idade Média, dada as explicações religiosas vigentes, o louco passa
a ser visto como o ‘possuído’ que necessitava intervenção e controle da Igreja.
É somente no Racionalismo Moderno, onde a razão e a intuição é privilegiada
em preterimento a experiência e a sensação na obtenção do conhecimento, que a
loucura deixa de pertencer ao campo religioso, divino, mágico e passa a ser
considerada desrazão; portanto, portadora de caráter moral. O louco é considerado o
2

ser transgressor da moral racional, representando o descontrole e o perigo. Logo, ao


invés do fascínio outrora suscitado, o louco torna-se uma ameaça. A loucura passa a
carregar o status de desqualificante, associada aos vícios, à preguiça, a
irresponsabilidade e a irracionalidade. Para uma época Mercantilista que tinha na
população de uma nação a grande geradora de lucros, tudo aquilo que fosse
“desviante”, isto é, todos que não podiam contribuir para a produção, comércio e
consumo, os que eram ameaçadores da prosperidade, deveriam ser excluídos,
encarcerados; o que incluía uma grande parcela da população. O objetivo era a
punição à ociosidade e não uma opção social de cuidado ou tratamento. (VIECELI,
2014).
Com a efervescência das ideias humanistas, iniciada com a Revolução
Francesa, em 1789, os excluídos isolados e segregados em setores próprios dos
Hospitais Gerais passaram progressivamente a serem reabsorvidos a sociedade;
exceto os considerados loucos. Estes últimos, devido as suas periculosidades,
ameaça e insubordinação à moral burguesa e às normas do trabalho industrial,
visando assim, a manutenção da ordem pública, continuaram encarcerados; porém,
agora sob a tutela da medicina. A loucura então passa a ser sinônimo de doença
mental.

1.1 A Loucura como doença


Durante o processo revolucionário francês, ocorre o nascimento da Psiquiatria,
impulsionada pela busca através da observação empírica do conhecimento, dentre
vários fenômenos científicos, também sobre a loucura.
Philippe Pinel, médico francês, no final do século XVII, assume a direção do
Hospital de Bicêtre, no sul da França, definindo ali um novo status social para a
loucura; isto é, a sua apropriação pelo saber médico, tornando-se assim, sinônimo de
doença mental.
Dentre muitas mudanças introduzidas por Pinel em Bicêtre como ordenar a
soltura dos alienados que viviam acorrentados e em péssimas condições de higiene,
também definiu que estes deveriam receber tratamento médico e serem tratados
como enfermos comuns (ALVES et al, 2009; MARCANTONIO, 2010).
Tal iniciativa do médico francês levantam algumas questões, pois, apesar de
suas ações criarem um campo de possibilidades terapêuticas, também inscreveu a
3

loucura em uma categoria patológica e negativa. Como colocado por ALVES et al


(2009):
As ideias de Pinel terminam por reforçar a separação dos loucos dos demais
excluídos, a fim de estuda-los e buscar sua cura. O asilo passa a ser visto
como a melhor terapêutica onde aplica-se a reclusão e disciplina, sendo o
seu objetivo o tratamento moral (p. 87).

O alienado como doente mental a partir desse momento poderia ter assistência
médica e cuidados terapêuticos; que conformaram um certo ‘ganho’ em relação ao
tratamento recebido anteriormente. Porém, o colocou definitivamente excluído do
espaço social, já que este, destituído de razão perde seus direitos de cidadania,
necessitando de controle e interdição.
A loucura desde a Idade Média era objeto de segregação em prol da norma
social e do bem-viver, já que o louco era visto como destituído de moral, vítima de
paixões exageradas. Assim, a reclusão era a maneira de evitar o contato de tais
paixões que estavam no mundo real, para então, tratar a mente alienada e enferma.
(AMARANTE, 2016)
Nesse mesmo período e durante o século XIX, inspirado pelo Iluminismo, o
pensamento ocidental predominante e ditado pela Europa, era de inspiração
Iluminista, tendo como seu objeto de estudo a raça humana. Tais naturalistas,
estabeleceram uma escala de valores entre as chamadas raças, relacionando o
biológico, como os traços morfológicos como cor da pele, largura das narinas e
formato do crâneo, e as qualidade psicológicas, morais, intelectuais e culturais.
Portanto, forjaram uma justificativa científica para “ [...] a dominação, segregação e
aniquilamento material e subjetivo da população não branca”. (GODOY, 2022, p. 22).
Assim, a psiquiatria, apoiada na epistemologia cientificista de análise do
fenômeno - a qual, o objeto de estudo deve ser isolado do sujeito envolvido e que
compreendia a raça como característica hierarquizante - tem como técnica de
tratamento o Hospital Psiquiátrico que em tese isolaria o doente do ambiente que o
influenciava.

2. LOUCURA À BRASILEIRA
No Brasil, desde 1543, existia o isolamento de indivíduos considerados loucos
nas chamadas Santas Casas de Misericórdia, porém, os manicômios exclusivamente
para estes serão efetivamente criados durante o segundo reinado (1841-1889). O
4

primeiro foi o Hospício D. Pedro II em 1852 no Rio de Janeiro, seguido de São Paulo.
Assim, acompanhando a tendência das ciências na Europa, até 1884, Pernambuco,
Bahia, Rio Grande do Sul e Ceará inauguram as suas instalações exclusivamente
para os alienados (LIMA, 2010).
No ano de 1892, em São Paulo, o médico convidado pelo governo para orientar
sobre a assistência aos doentes mentais, o doutor Franco da Rocha, elaborou um
projeto que resultou na construção do Hospício Juquery, em 1893. No mesmo ano é
criada uma lei que somente permitia a internação do sujeito mediante um teste para
avaliar seu estado mental. Tal lei também visava a criação de mais hospícios com o
objetivo de separar alienados comuns e alienados criminosos; pois, até então, todos
os ‘desajustados’ sociais, incluindo os loucos, eram encarcerados; ou na prisão ou
nas alas especiais das Santas Casas. (POSTEL e QUÉTEL, 2000).
No final do séc. XIX e inicio do XX o Brasil entrava no processo de urbanização,
resultante dos efeitos da abolição da escravatura, bem como da decadência das
velhas lavouras. Também, os portos passaram a receber uma considerável
quantidade de imigrantes que além de fugirem da pobreza de seus países, também
eram uma mão de obra para o progresso da nação. Assim, um grande número de
pessoas passou a viver nas metrópoles que não possuíam estruturas e saneamento
básico para a maioria. Portanto, decorrente do processo de urbanização e da
consequente necessidade de manutenção da ordem das cidades em crescimento,
houveram pressões sociais exigindo restrições à circulação dos alienados. (ODA e
DELFALARRONDO, 2004).

2.1 As ideias Higienistas


No Brasil, no início do século XX, a incipiente industrialização, a nova
reorganização das cidades, o aumento do comércio internacional, os movimentos
imigratórios e a concentração populacional no espaço público, resultaram em novas
complexidades da estrutura social. Assim, aos dirigentes do país, a elite e aos
intelectuais da época “[...] interessavam o desenvolvimento de um projeto de controle
higiênico dos portos, a proteção a sanidade da força de trabalho e o acompanhamento
de uma política demográfica-sanitária que contemplasse a questão racial”
(MANSANERA e SILVA, 2000 p. 117).
A higiene entendia que a desorganização e o caos social advinham das
doenças, portanto, cabia a Medicina neutralizar tal ação. Para os intelectuais
5

brasileiros, a teoria da degenerescência de Morel1, que relacionava a alienação


diretamente com a herança genética, a raça, a higiene e ao clima, sustentou a
concepção de alienação o qual “[...] teve um duplo efeito de autorizar com suas
hipóteses a reorientação do alienismo e a formulação de um novo projeto de profilaxia
a partir do asilo no Brasil” (LIMA, 2010, p. 166).
A partir dessas novas ideias, em 1923, na cidade do Rio de Janeiro, foi criada
a Liga Brasileira de Higiene Mental; cuja instituição mantinha um laboratório de
psicologia onde realizava seminários e anualmente organizava as Jornadas
Brasileiras de Psicologia. A ideia inicial das ligas de higiene visava a discussão sobre
como implementar melhorias no tratamento dos alienados. Porém, tal objetivo acabou
substituído pela ideologia eugênica2, pelo conceito de profilaxia e a educação de
indivíduos como instrumento de prevenção. (MANSANERA e SILVA, 2000; LIMA,
2010).
O discurso cientifico da época defendia e fundamentava a implementação da
disciplina como garantia da ordem e do progresso; período este de ampliação do
Estado no âmbito privado. Também, considerado como intervenção científica, o
tratamento moral, incluindo o da psicologia, passou a ser utilizado como instrumento
de controle e correção de indivíduos não socialmente adaptados. Para a sociedade
de então, as causas da alienação são entendidas como fatores predisponentes, como
o clima, a sexualidade, o temperamento, fatores físicos como comportamentos
hereditários e emocionais; este último relacionado aos problemas familiares.
Nesse contexto, a lógica asilar configura em um lugar de segregação e expurgo
social onde são condenados aqueles que, desviantes dos padrões, não correspondem
as expectativas de uma lógica mercantilista.
A institucionalização da loucura, que tem no Manicômio o seu maior
expoente, através de uma cultura asilar, cujo tratamento moral, com seus
ideais de punição, regulamentação e sociabilidade, promove o surgimento de
verdadeiras ‘fábricas de loucos’, produtoras de uma concepção
preconceituosa e totalitária, que discrimina, isola, vigia e tem, na doença, o
seu único e absoluto objeto (ALVES et al, 2009, p. 88).

1 A teoria da degeneração ou da degenerescência baseava-se no pressuposto que haveria progressiva


degeneração mental conforme se sucedessem as gerações: nervosos gerariam neuróticos, que produziriam
psicóticos, que gerariam idiotas ou imbecis, até a extinção da linhagem defeituosa. Tal teoria foi sistematizada
por B. A. Morel (1809 - 1873), no Tratado da Degenerescência de 1857. (ODA, 2001)
2 Francis Galton (1822 - 1911) foi quem criou o termo eugenia, acreditando que era possível a criação de uma

raça superior a partir do acasalamento de pessoas consideradas intelectuais e que a intelectualidade era passada
de geração em geração. (MANSANERA e SILVA, 2000).
6

Portanto, baseado no conceito eugenista europeu, a história manicomial


brasileira, ancorada na Psiquiatria, tem seu início no final do século XIX e início do
século XX. Pautada nessa lógica excludente e violenta, o processo de
manicomialização no país é baseado na defesa da associação do não-branco à
psicopatologia e a criminalidade e a necessidade de tratá-lo para prevenir a
proliferação na sociedade.

3. A REFORMA PSIQUIATRICA
Após a Segunda Guerra, o mundo passou a questionar a visão romântica do
homem erigida pelo Iluminismo, bem como, o tal ideal de sujeito de razão, provocando
uma ruptura nas crenças que sustentavam as relações humanas até aquele período.
Também, pela repercussão das terríveis experiências nazistas, a bomba atômica e
todas as barbáries ocorridas, a visão e o poder dado a ciência é questionado, incluindo
aí, o papel da Psiquiatria.
Para redimensionar a cultura e o passado fragilizado pela Guerra, surgem, a
partir de diversos saberes, tentativas de construção de uma nova ordem social,
política e econômica. Também, fez-se necessário o surgimento de meios de
acolhimento daqueles que foram aprisionados, de veteranos de guerra e aqueles com
sequelas de diversa ordem. Neste instante histórico que surge os primeiros métodos
de Aconselhamento Psicológico, da Fenomenologia e do Existencialismo. (ALVES et
al, 2009).
Na Inglaterra, na década de 50, são criadas as Comunidades Terapêuticas,
implementadas primeiramente pelo psiquiatra Maxwel Jones que enxergava no
modelo do Hospital Psiquiátrico, seu isolamento e exclusão, ineficaz. Assim, o médico
inglês baseado no ideal democrático, dá ênfase no envolvimento não somente da
equipe hospitalar com o paciente, mas, também neste com a comunidade. A França
também teve experiências parecidas; como a Psicoterapia Institucional e a Psiquiatria
de Setor, que visavam a reinserção do portador do transtorno mental à sociedade,
tendo na internação apenas uma etapa do tratamento terapêutico. (ALVES et al, 2009;
AMARANTE, 1998).
Já na década de 60, nos Estados Unidos, desenvolveu um movimento
denominado de Psiquiatria Comunitária que almejava a aproximação da Psiquiatria
da Saúde Pública.
7

Embora, os movimentos de reforma do modelo hospitalar psiquiátrico


trouxessem melhorias para o doente mental, estes apenas reformulavam a prática
sem promover um efetivo rompimento epistemológico (AMARANTE, 1998).
Laing e Cooper, na Inglaterra, iniciaram um movimento que foi chamado de
AntiPsiquiatria, que questionava não só a Psiquiatria, mas, a doença mental em si.
Dentro do contexto da época de contracultura libertária, defendiam que o louco
apenas reagia à violência externa, portanto, para eles a loucura era um fato social
causado pela própria sociedade que enlouquecia os sujeitos.
Ainda na década de 60, na Itália, surge o movimento que de fato traz uma
ruptura epistemológica e metodológica; a Psiquiatria Democrática Italiana. Sem negar
a doença mental, acreditando que a loucura faz parte do humano e que transpassa o
domínio da psiquiatria, propõem novas maneiras de relacionar-se com o fenômeno.
Franco Basaglia, médico psiquiatra italiano, nascido em 1924, foi o grande
influenciador das lutas antimanicomial ao redor do mundo. Sua experiência nos
hospitais psiquiátricos de Goriza e Trieste foi essencial para a superação da lógica
manicomial e da relação estigmatizante da loucura com a sociedade.
Foi ao assumir a direção do Hospital Psquiátrico de Goriza e deparar com o
processo de institucionalização da loucura e sua violência é que Basaglia busca nos
estudos das Comunidades Terapêuticas novas possibilidades sobre a loucura. A partir
disso, ele e sua equipe promovem uma transformação no Hospital Provincial, abrindo
as portas do manicômio, abolindo os castigos e violências, instaurando as
assembleias participativas entre pacientes e equipe, reeducação teórica e humana
para os profissionais, reatamento com os vínculos exteriores dos pacientes e
participação ativa da comunidade, dentre outras que resultaram na reabilitação
integral e psicossocial dos antigos pacientes. Porém, suas propostas encontraram
fortes reações do poder político local. A partir desse momento, Basaglia e sua equipe
pedem demissão coletiva e dão alta a todas as pessoas que ali estavam internadas.
Assim, é em Trieste onde realmente Franco Basaglia irá desenvolver a sua práxi,
dando início a um projeto de desinstitucionalização objetivando a desconstrução do
aparato manicomial (AMARANTE, 1998).

3.1 A Luta Antimanicomial no Brasil


8

No Brasil, nos anos 60, a psiquiatria pública passa por um grande declínio,
enquanto surge o crescimento da psiquiatria privada em convênio com o Estado 3.
Paralelamente a esse cenário, assim como emergia em outros países, os profissionais
brasileiros começavam a observar os movimentos da Psicoterapia Institucional, da
Psiquiatria de Setor, Psiquiatria Preventiva entre outros, iniciando-se assim, um
processo de questionamento ao modelo manicomial predominante.
(AMARANTE,1998).
Foi apenas em 1978, que de fato iniciou a reforma psiquiatra brasileira, como
marco inaugural a fundação do Movimento de Trabalhadores em Saúde Mental, o
MTSM.
No ano de 1979, Basaglia veio pela terceira vez ao Brasil participar de uma
conferencial onde falou brevemente sobre o controle que a psiquiatria exercia sobre a
população, sobre o uso perverso do discurso científico sobre as classes miseráveis
por meio da instituição manicomial a qual fazia a gestão dos indesejáveis econômica,
social e politicamente. Nessa mesma visita, conheceu o Hospital Psiquiátrico de
Barbacena, em Minas Gerais; o que o deixou horrorizado e profundamente deprimido
com o que viu, descrevendo posteriormente como um lugar pior do que um campo de
concentração. A sua crítica radical ao manicômio inspirou profundamente os
movimentos antimanicomiais no Brasil.
Nos anos de 1980, após duas décadas de ditadura Militar, o país é marcado
por um processo de redemocratização. Neste contexto, inicia o Movimento pela
Reforma Sanitária que lutava pela abertura e livre acesso da população à assistência
à saúde; culminando em 1988 na inclusão da Constituição Federal do artigo 196,
considerando a saúde o direito de todos e dever do Estado. Em 1990, a Lei 8.080,
institui o Sistema Único de Saúde; o SUS, garantindo o direito universal de todos no
território brasileiro, de forma gratuita, a atenção integral aos serviços de saúde. Assim,
a partir desse momento, observa-se o movimento de estruturação de uma rede pública
de atenção à saúde mental. (LUCHMANN e RODRIGUES, 2007).
Em 1987, inspirada pela Psiquiatria Democrática Italiana, o MTSM lança a
bandeira “ Por uma Sociedade sem Manicômios”. É nesse contexto que surge a Lei

3 [...] o declínio da psiquiatria pública em detrimento da psiquiatria privada é a institucionalização do


lucro, como novo medidor entre as relações de “cuidado” em saúde mental. Este por sua vez passará
a constituir um dos mais importantes elementos no movimento de degradação e desumanização da
assistência aos doentes mentais (ALVES et al, 2009, p. 92).
9

3657/89, que dispõe acerca da extinção progressiva dos manicômios e da criação de


recursos assistenciais substitutivos, bem como regulamenta a internação compulsória.
(ALVES et al, 2009).
Com o SUS, dá início a criação de uma rede substitutiva ao hospital psiquiátrico
e ao modelo manicomial; sendo constituídos serviços como os Centros de Atenção
Psicossocial4 com abordagem interdisciplinar atendendo as demandas psiquiátrica -
psicológica por zonas geopolíticas-culturais.
Porém, somente no ano de 2001, que tornou possível a execução do plano
visualizado em 1961, com a Lei 10.216, podendo observar o desenvolvimento da nova
reforma antimanicomial que estabeleceu diretrizes, ao prever a substituição
progressiva dos manicômios por uma rede completa de serviços como elemento
fundamental terapêutico.
Neste contexto, o profissional de psicologia que outrora serviu de instrumento
dos ideais eugenistas, com seus testes e métodos moralizantes educacionais,
[...] pode agora “contribuir à promoção de uma revolução psiquiátrica, uma
vez que ela pode evidenciar como, nas condições sociais, políticas e
econômicas a que estamos submetidos atualmente, os indivíduos têm
(re)construído suas identidades, buscando emancipação a partir de
condições de reconhecimento social oferecidas e enfrentando as políticas de
Estado. (LIMA, 2010, p. 175).

De acordo a Fontenelle e Silva (2019), a inserção de psicólogos nas políticas


de saúde mental é um forte dispositivo para problematizações sobre atuação,
identidade profissional e compromisso social dos mesmos. Barbosa (2004) levanta
algumas questões sobre a responsabilidade dos profissionais da saúde, nas redes de
atenção psicossocial, evidenciando que, a substituição dos hospitais psiquiátricos
enquanto asilos não significa o fim dos problemas mentais e de suas consequências
sociais, por isso, cujos profissionais devem interrogar-se sobre a capacidade de lidar
com o aparecimento de uma nova situação que é a persistência dos problemas
psiquiátricos e a presença de novas instituições para tratá-los. Considera-se assim,
que em termos de políticas públicas, não basta construir dispositivos extra
hospitalares ou fechar hospitais, mas, garantir que elas se orientem permanentemente
pelo objetivo de promover os cuidados que efetivamente requerem os pacientes
psiquiátricos.

4Centros de atenção psicossocial como o CAPSi, voltado ao atendimento infantil, o CAPSad, voltado para ações
de prevenção e tratamento ao uso indevido de drogas e as residências terapêuticas voltadas exclusivamente,
para pacientes psiquiátricos de longa permanência em instituições asilares fechadas e sem possibilidade de
restituição dos vínculos familiares.
10

4. CONCLUSÃO
O que foi percebido nesta breve trajetória sobre o lugar da loucura e as formas
de relações entre o sujeito dela e a sociedade, foi as diferentes configurações que se
deram no decorrer da história. O louco foi se ressignificando para a sociedade à
medida que mudavam os interesses e as ideologias dominantes de cada época.
Assim, através do nascimento da Psiquiatria no ambiente revolucionário
francês do final do século XIII, o louco passa a ser não só o inadaptável social de
outrora, mas também, o objeto de ser da nova medicina, portanto, também o doente.
No Brasil, o pensamento eugenista predominante norteou, entre outras áreas
de saber, o nascimento e desenvolvimento da Psiquiatria e por consequência da
Psicologia no país. Tal lógica excludente, violenta e manicomial, ainda hoje tem nos
profissionais de saúde mental alguns fervorosos defensores. Como afirma Dimenstein
(2009, p. 08):
Somente seria possível superar a lógica manicomial se assumíssemos a
subversão da própria concepção de instituição psiquiatra como saber
hegemônico. Isso requer assumir radicalmente um projeto de
desinstitucionalização que ultrapasse as fronteiras sanitárias e se transforme
numa luta política, teórica e prática que visa articular uma rede comunitária
de cuidados, englobando diferentes serviços substitutivos ao manicômio.

Por mais que valiosas conquistas foram alcançadas na luta antimanicomial, os


avanços não são progressivos e uniformes. Ainda que atualmente entende-se que não
exista mais o manicômio e este foi substituído em última instância por comunidades
terapêuticas de acolhida temporária, ainda infelizmente, é praticada e perpetuada a
mesma lógica de tratamento do ‘desviante delinquente’ sobre o sujeito em sofrimento
psíquico que no século XIX; seja nas políticas vigentes ou na formação e atuação do
profissional da saúde, como visto por exemplo na chamada Cracolândia, em São
Paulo.

Para nós estudantes de Psicologia, resta-nos buscar desde nossa formação,


instrumentos relevantes para exercer com ética e dedicação a nossa futura profissão.
11

REFERÊNCIAS

ALVES, C. F.O; et al. Uma breve história da reforma psiquiátrica. Neurobiologia, v.


72, n. 1, p. 85-96, jan./mar. 2009.

AMARANTE, P. Loucos pela Vida: A trajetória da Reforma Psiquiátrica no Brasil.


Editora Fiocruz: Rio de Janeiro, 2016.

BARBOSA, L. H. Psicologia Clínica na saúde mental: uma crítica à reforma


psiquiátrica. Ciências & Cognição, Belo Horizonte, v. 3, p. 63-65, 2004. Disponível
em http://www.cienciasecognição.org. Acessado em 02 de novembro de 2022.

FONTENELLES, F. L.; SILVA, R. B. Reforma Psiquiatrica, luta antimanicomial e novas


formas de institucionalização. Revista Mosaico. v. 10, n. 2, p. 124 -131. Jul./dez. 2019
GODOY, C. L. Contribuições das práxis de Frantz Fanon e Franco Basaglia: a luta
antimanicomial brasileira. Trabalho de conclusão do Curso de Psicologia. PUC : São
Paulo, 2022.
LIMA, A. F. OS movimentos progressivos- regressivos da reforma psiquiátrica
antimanicomial no Brasil: uma análise da saúde mental na perspectiva da Psicologia
Social Crítica. Revista Salud y Sociedad; Santiago de Chile, v. 1, n. 3, 2010.

LUCHMANN, L. H. H; RODRIGUES, J. O. Movimento antimanicomial no Brasil.


Ciência & Saúde Coletiva: Rio de Janeiro, n. 12, v.2, p. 399-407, 2007.

MANSANERA, A. R.; SILVA, L. C. A influência das ideias higienistas no


desenvolvimento da Psicologia no Brasil. Psicologia em Estudo. DPI/CCH/UEM, v.
5, n. 1, p. 115-137. 2000.
MARCANTONIO, J. H. A loucura institucionalizada: sobre o manicômio e outras fontes
de controle. Psicólogo informação, v. 14, n. 14, jan.-dez. 2010.
Oda, A. M. G. R.; DALGALARRONDO, P. História das primeiras instituições para
alienados no Brasil. História, Ciência, Saúde, Rio de Janeiro, v. 12, n. 3, p. 983-
1010, set. /dez. 2005.
POSTEL, J.; QUÉTEL, C. Nueva História de la psiquiatria. México: Fondo de Cultura
Economica, 2000.

VIECELI, A. P. Arquitetura da loucura na antiguidade clássica: a loucura ritual, o teatro


e os templos da cura. II congresso de Pesquisa e Extensão da FSG, Caxias do Sul,
2014. Disponível em: http://ojs.fsg.br/index.php/pesquisaextensão. Acessado em 30
de outubro de 2022.

Você também pode gostar