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1.

Ensaio sobre a loucura x doença: percurso histórico

Dentro da classificação apresentada por Isaias Pessoti, são eles o modelo


mítico-religioso, o organicista e o psicológico

“Nunca a psicologia poderá, dizer a verdade sobre a loucura , já que é esta que
detém a verdade sobre a psicologia” FOUCAULT, Michel. Doença Mental e
Psicologia… p.60.

Ao longo dos séculos o homem se deparou com situações que


colocavam em questão a sua racionalidade, seus comportamentos e
sobretudo, a sua sanidade mental. A loucura sempre esteve presente
intrigando e instigando tanto a razão como a des-razao do homem, sendo por
vezes admitida ou repudiada, vista como patologia social. É o que privilegia
este ensaio: menos um levantamento histórico e mais um apontamento.

Foucault em A História da loucura, irá tomar a figura da nau dos


insensatos não apenas como prática real, comum no século XV, mas como
metáfora de uma relação nova, ambígua e contraditória da Renascença para
com a loucura e os loucos. A nau foi uma figura ilustrativa, presente na arte e
na cultura da época, para satirizar alguns personagens ou certas pessoas.
Para Foucault é uma

Composição literária, emprestada sem dúvida do velho


ciclo dos argonautas (...), cuja equipagem e heróis
imaginários, modelos éticos ou tipos sociais, embarcam
para uma grande viagem simbólica que lhes traz, senão a
fortuna, pelo menos a figura de seus destinos ou suas
verdades (1993, p. 9)

Até o século XVII no ocidente a imagem que se tinha da loucura era sua
representação medieval de algo místico, eles eram visto como possuído por
seres demoníacos necessitando do exorcismo e dos cuidados da igreja. Ao
mesmo tempo, convivia-se com o chamado “nau dos loucos”, navios que
carregavam loucos para outras cidades em busca da razão. Quando eram
acolhidos e mantidos em outras cidades, eram levados para a prisão.

Primeiramente a lepra foi substituída pelas doenças venéreas, mas as


práticas de exclusão se renovam e se transformam. O “Grande
Enclausuramento” recebia vagabundos, prostitutas, doentes venéreos,
mendigos, andarilhos, loucos e todo tipo de marginal (FOUCAULT, 1975, p.
79). O poder real no século XVII já se utilizava destes locais de recolhimento e
depósito de indivíduos por motivos ainda ambíguos e variados de acordo com
Michel Foucault:

Desaparecida a lepra, apagado (ou quase) o leproso da


memória, essas estruturas permanecerão.
Frequentemente nos mesmos locais, os jogos da
exclusão serão retomados, estranhamente semelhantes
aos primeiros, dois ou três séculos mais tarde. Pobres,
vagabundos, presidiários e ‘cabeças alienadas’ assumirão
o papel abandonado pelo lazarento [...] Com um sentido
inteiramente novo, e numa cultura bem diferente, as
formas subsistirão” (FOUCAULT, 1978, p. 6-7).

Durante o século XVIII, o fenômeno de exclusão para com os loucos


torna-se muito mais evidente com as internações. Serão os hospícios que se
transformarão em fins terapêuticos e penitenciários. Desta forma, cabe-nos a
pergunta: como surgiu esta necessidade de um aprisionamento do louco?

No sentido de eliminar a desordem e impor a ordem pública, coerente


com o nascimento das cidades e suas consequências. Este mesmo problema
se impõe em relação ao nascimento da medicina social e o ordenamento
urbano, que diante da insalubridade produz o “medo da cidade”, das doenças e
do excesso de população. Este mesmo problema se impõe em relação ao
nascimento da medicina social e o ordenamento urbano:
A prática do internamento, no começo do século XIX,
coincide com o momento no qual a loucura é percebida
menos em relação ao erro do que em relação à conduta
regular e normal; no qual ela aparece não mais como
julgamento perturbado, mas como perturbação na
maneira de agir, de querer, de ter paixões, de tomar
decisões e de ser livre (FOUCAULT, 1997, p. 48)

A nova compreensão através do olhar científico do alienista, “mestre da


loucura” e do isolamento terapêutico aliado ao tratamento moral, seria possível
reconhecer a verdade sobre a loucura, estabelecendo um novo objeto de
estudo entre medicina e internamento e que possibilitou, assim, o nascimento
da psiquiatria positiva e do asilo do século XIX.

1.2 A doutrina de Pinel e seu enfoque psicológico ao tratamento


moral e suas consequências

Phillippe Pinel foi considerado o pai da psiquiatria, ficou bastante


conhecido por libertar os loucos dos grilhões das corretes, nesse momento os
asilos passam a ser substituídos, então, pelos manicômios, destinados
exclusivamente aos doentes mentais, desenvolvendo experiências e manejos
ao tratamento, de acordo com pinel esse tratamento se dava através de uma
reeducação do alienado, implicando respeito ás normas e desencorajamento
das condutas inconvenientes. (PESSOTI, 1996:128)

A liberdade a eles concedida, no entanto, dá-se dentro dos muros dos


hospícios. A esse "gigantesco aprisionamento moral é que se está acostumado
a chamar de a libertação dos alienados por Pinel e Tuke". [73] (FOUCAULT,
1995: 503)

Na metade do século XIX, o método de Pinel e Esquirol um de seus


discípulos está deteriorado. O manicômio retorna à sua finalidade primordial de
instrumento de segregação. A custódia dos loucos deve dar tranquilidade à
família e a sociedade. A sua cura, para ser científica, deve ter bases orgânicas,
encontrando fortes aliadas nas drogas ou psicofármacos. O conhecimento
psicopatológico volta a ser abandonado, repetindo-se a tendência histórica de
retorno a outro modelo de compreensão da loucura, desta feita, ao modelo
organicista. (FOUCAULT, 1995:503)

Com a difusão dos manicômios, o tratamento moral passa a ser utilizado


somente com o sentido disciplinar. Utilizam-se os métodos repressivos com
desvirtuamento e de forma excessiva, buscando-se mais o controle da
instituição manicomial do que o bem do paciente alienado.

1.2.3 Reflexos do modelo psicológico pinelano sobre o Direito


Penal

O poder disciplinar é aplicado não só nos asilos psiquiátricos, como na


penitenciária, casa de correção, estabelecimentos de educação e hospitais. Há
uma divisão constante entre normal e anormal, bem como "um conjunto de
técnicas e de instituições que assumem como tarefa medir, controlar e corrigir
os anormais". (FOUCAULT, 1996:176)

Em matéria de loucura, o homem contemporâneo passa a ser aquilo que


o discurso competente ou fala autorizada diz que ele é, enquadrado em
espécies patológicas e tratado de acordo com determinada teoria.

Dependendo do conceito teórico de loucura, os loucos podem ser


recuperados ou não, variando também os procedimentos terapêuticos a que
são submetidos. [94] (FRAYZE-PEREIRA: 1993:97) Urge salientar que a
Psiquiatria não é uma ciência pura ou neutra. Reflete a visão do mundo, a
mentalidade e ideologia da sociedade que a pratica e patrocina. [95]
(SERRANO: 1992:9)
2. Quando há prática de crimes por loucos abarca a relação
conflituosa médicos-alienistas e juristas

De mim para mim, tenho certeza que não sou louco; mas devido ao
álcool, misturado com toda a espécie de apreensões que as dificuldades de
minha vida material, há seis anos, me assoberbam, de quando em quando dou
sinais de loucura, deliro.

(Lima Barreto, Diário do Hospício, 1912-1920)

A separação entre sanidade e alienação mental, ou seja, entre saúde e


doença, foi fundamental para a articulação entre o aparelho médico e o jurídico.
No entanto, esse é um assunto para o próximo capítulo

Articulação entre o aparelho médico e o jurídico-penal para abordar o


louco criminoso não foi um processo que ocorreu rapidamente. A superposição
complexa entre esses dois instrumentos de poder e organização social está
interligada a um amplo conjunto de acontecimentos que tornará a loucura e o
crime cada vez mais presos nas malhas do poder e do saber, a
conceitualização promovida pelos doutores oitocentistas acerca do que era
loucura e crime são acontecimentos fundamentais para a compreensão do
processo histórico que, durante o século XIX, fez com que os médicos
alienistas se tornassem peças indispensáveis ao funcionamento da máquina
judiciária, por meio de sua prática de perícia. Acompanhemos com mais
detalhes o desenrolar de tal processo

Os doutores brasileiros que se ocupavam da questão da loucura tinham


como referência os grandes nomes do alienismo francês, Pinel e Esquirol. Em
1852, por exemplo, o doutor Manoel Antonio Dias de Castro Monteiro, em tese
apresentada à Faculdade de Medicina do Rio de Janeiro, denominada
Alienação Mental Considerada Debaixo do Ponto de Vista Médico-Legal, afirma
que:

[...] as formas de loucura que mais interessam à justiça


criminal são a monomania homicida, a piromania e a
monomania de roubo, e na avaliação da responsabilidade
do louco-criminoso, este, não pode ser considerado
responsável, pois ele não tem consciência do bem e do
mal, a consciência moral o abandona, já que, está doente.
(MONTEIRO, 1852.)

A necessidade da institucionalização do saber psiquiátrico como campo


autônomo e especializado de conhecimento, em que somente médicos
portadores de diplomas teriam competência técnica para avaliar indivíduos
doentes, fazia-se premente, em razão da urgência da atuação de peritos
psiquiatras nos tribunais de justiça, em casos nos quais os acusados fossem
suspeitos de alienação mental, já que, o diagnóstico da doença isentaria o
acusado de culpa; de acordo com o código criminal vigente, ele seria
irresponsável

Lembremos que, de acordo com o código criminal brasileiro, promulgado


em 1830, não seriam julgados criminosos – portanto, não poderiam ser punidos
– “os loucos de todo gênero, salvo setiverem lúcidos intervalos e nele
cometerem o crime”(arts. 10 e 11). O artigo 12 do mesmo código estabelecia:
“os loucos que tiverem cometido crimes serão recolhidos às casas para ele
destinadas, ou entregues às suas famílias, como ao juiz parecer mais
conveniente”.CÓDIGO PENAL BRASILEIRO, 1918.

3. Da responsabilidade do louco no direito e psiquiatria

Se a responsabilidade de um fato criminoso é sempre uma questão


grave, muito mais o é em face das presunções de ser o crime praticado por um
louco; por isso que o desconhecimento dessa circunstância, por falta de
convenientes pesquisas, pode dar lugar à imposição penal a homens que
aparentemente parece estarem em condições normais da inteligência, mas que
estão realmente loucos, e que, portanto, não podem ser responsáveis dos
crimes e delitos que têm praticado, porque para sua execução não gozam de
livre arbítrio. As consequências do modelo pinelista, de acordo com o
pensamento de Michel Foucault são três:
a) permite-se que a liberdade do louco atue, mas num espaço fechado e
rígido;
b) se há liberação das consequências da prática de um crime, por outro
lado o louco é visto como aprisionado por um determinismo dos mecanismos
que atuam sobre ele, tornando-o irresponsável. Sua irresponsabilidade é
assunto de apreciação médica. O louco vive a inocência do crime, em situação
de não-liberdade.
c) as correntes que impedem o exercício da livre vontade do louco são
abertas. Contudo, o querer daquele é substituído pelo do médico. (Michel
Foucault [97] (1995:507)
O comportamento criminoso – ao menos nos casos em que se percebia
uma tendência precoce para o mal – encontrava seu espaço entre as
manifestações degenerativas da espécie humana. Na verdade, a doutrina da
degeneração fez com que o crime em si mesmo pudesse se tornar objeto de
uma abordagem psicopatológica, tornando possível uma primeira
“criminologia”.

Como punir um réu considerado louco questão que se colocava no


momento, tanto por médicos, como por juristas

De acordo com o código penal promulgado em 1830, e mesmo após sua


reforma em 1890, os indivíduos diagnosticados pelos peritos médicos como
doentes mentais eram considerados irresponsáveis, pois haviam agido sob
impulsos que não podiam controlar, devido à doença que lhes deturpava o
julgamento no momento do crime.

Além disso, de acordo com as mais novas teorias que se desenvolviam


no país e que vinham no bojo das teorias estrangeiras, como a de monomania
desenvolvida por Esquirol, a de degenerescência formulada por Morel e a do
criminoso nato enunciada por Lombroso, esses indivíduos eram considerados
doentes, irresponsáveis e, portanto, não poderiam ser enviados para a prisão
como os criminosos comuns, mas sim para uma instituição terapêutica
especializada no tratamento desse tipo de criminoso.

Cometido um crime por um insano, este é absolvido, mas


obrigatoriamente submetido à medida de segurança, que apresenta os
mesmos e tão combatidos efeitos da prisão, com a agravante da
indeterminação no tempo.
A medida de segurança pode constituir uma pena perpétua, pois
dependente da diminuição da periculosidade, sempre presumida, do insano. Se
seu objetivo não é o apenamento, urge seja revista, nos termos da moderna
Psiquiatria.

A PSICANÁLISE E O DIREITO NO PENSAMENTO DE SIGMUND FREUD


De acordo com a teoria de Freud o ser humano no ventre
materno vivia em um verdadeiro “paraíso”, onde não possuía
nenhuma necessidade, já que todas eram supridas
fisiologicamente pela própria mãe, sendo certo que o parto
representaria, então, o rompimento com esse paraíso, o que
Freud chamou de Paraíso Perdido.

Passos Friche, Izabel Christina, Beato Soares da Fonseca, Mônica,


Concepções e práticas sociais em torno da loucura: alcance e atualidade da
História da Loucura de Foucault para investigações etnográficas. Psychê [en
linea] 2003, VII (dezembro) : [Fecha de consulta: 26 de abril de 2019]
Disponible en:<http://www.redalyc.org/articulo.oa?id=30701210> ISSN
1415-1138
Revista de Antropologia
Print version ISSN 0034-7701

Rev. Antropol. vol.41 n.2 São Paulo 1998

http://dx.doi.org/10.1590/S0034-77011998000200010

Sérgio Carrara. Crime e loucura – o aparecimento do manicômio judiciário na


passagem do século. Rio de Janeiro, Editora da Universidade do Estado do Rio
de Janeiro, 1998, 22 pp

Se a história das prisões pôde ser analisada durante o curso de especialização


em Ciências Penais, o mesmo não aconteceu com as Medidas de Segurança.
Permaneceram dúvidas: será que sua trajetória histórica acompanhou a das
prisões? Estarão elas, tal qual a pena de prisão, condenadas à bancarrota?

CARRARA, S. L. Crime e loucura: o aparecimento do manicômio judiciário na passagem do


século. 1987. Dissertação (Mestrado) – Museu Nacional, Universidade Federal do Estado do
Rio de Janeiro, Rio de Janeiro

______. Crime e loucura: o aparecimento do manicômio judiciário na passagem do século. Rio


de Janeiro: Ed. UERJ/Edusp, 1998.

CÓDIGO PENAL BRASILEIRO. São Paulo: Teixeira & C. Editores, 1918.

FOUCAULT, M. Vigiar e punir. 14. ed. Rio de Janeiro: Vozes, 1996.

_______. Os anormais. São Paulo: Martins Fontes, 2002.

MOREL, B. A. Tratado das degenerescências físicas, intelectuais e morais da espécie humana e


das causas predisponentes que causam estas variedades patológicas. Paris: J. R. Baillère, 1857.

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