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PSICOPATOLOGIA I

Aspectos Históricos Básicos


Termo criado por Jeremy Benthan em 1817,
mas Esquirol (França, 1837) e Griesinger
(Alemanha, 1845): pais da Psicopatologia;

-Desde os primórdios da trajetória humana


se tem registros de ‘loucura’ e nas diversas
civilizações.

-Discussões e especulações filogenéticas


(hereditariedade e seleção cultural de
comportamentos):
- Psicopatia (frieza, agressividade...),

- Esquizofrenia positiva (poder de liderança,


discurso impositivo e fanático, visionário, gerador
de temor...);

- Depressão (subserviência ao grupo e às normas,


passividade, se auto-poupar, baixa auto-estima =
menos ousadia e menos riscos; isolamentos
estratégicos, conservação de energia...);

- Dependência química (enfrentamento do frio, da


dor, aumento de desempenho físico temporário...);
- Deficiência intelectual e Distúrbios de
Aprendizagem (surgem somente com o início
da massificação da escolarização formal);
- Epilepsia (risco na caça e no combate; ou
evitação saudável de fatores estressores –
antecipação); relação da ansiedade, medo,
“covardia” e sobrevivência...
- Deficiências sensoriais e físicas; Transtornos
Globais (desvantagens, dependência;
isolamento ou morte; (...):
- Por que perduram fatores congênitos
desvantajosos nos contextos históricos desde a
pré-história?
- Consanguinidade; miscigenação; degeneração; atavismo;
lesão germinal; mutação genética; seleção cultural de
comportamentos.

-Acreditava-se, segundo Jaspers, que durante épocas de


revolução e guerra diminuíam suicídios e doenças mentais,
diziam que quando a vida está em jogo, algumas alterações
mentais cessariam; .

-Hipócrates (460-377 a.C.): cérebro como sede da alma.


Maioria dos transtornos mentais teriam origem em afecções do
humor. Primeiro a questionar a causa sobrenatural das
doenças mentais e a fazer uma classificação humoral em 4
tipos: sanguíneos (alegre), fleumáticos (moderado, frio),
coléricos (irritadiço, agressivo) e melancólicos (desanimado);
entendia as doenças como reações de adaptação do organismo.
- Corpus Hipocraticus, de Hipócrates, e Problemata XXX de
Aristóteles (doença & genialidade). Romantismo na
Renascença.

- Final do sec. XVIII: foi-se substituindo aos poucos o termo


melancolia por depressão, vindo do francês, a partir do
latim – depremere (pressionar para baixo).

- O termo ‘autismo’ surgiu pela 1ª vez com Eugen Bleurer


em 1911. Ele também foi o 1º a propor o termo
‘esquizofrenia’, também em 1911, na mesma publicação e
sob influência freudiana para indicar cisão do ego ou
mente dividida (do grego: skhizein = dividir, separar; phrên
ou phrênos = pensamento). Antes ela era chamada de
‘demência precoce’ (Morel, 1856 e Kraepelin, 1896; este
último sendo o 1º a identificar sua forma polarizada,
depois chamada de psicose maníaco-depressiva)
- Anorexia: descrita primeiro por Thomas Morton,
chamando-a de caquexia nervosa. No feudalismo:
devotas trágicas – rebeldia, dedicação e morte

(Mulher com anorexia em 1900.


Nouvelle Iconographie de la
Salpêtrière).
- Delírios na Idade Média (licantropia e
demoniomania);

- Epidemias psíquicas medievais (sec. XIV –


convulsões, danças orgíacas, amnésias...; sec. XVI e
XVII – histerias nos conventos - possessão)

- Orgia dos bárbaros, ritos dionísicos gregos;


estados excitatórios coletivos com curandeiros e
bruxos; festas prolongadas de hoje (necessidade de
rompimentos com o real) – fenômenos não
patológicos;

- Sec. XVII em diante: relacionam loucura e


ociosidade.
Curiosidades (etimológicas e históricas):
•Termo loucura (árabe LAUQA – tonto, bobo,
tolo); maluco (controverso, se vem de malo, ou
das ilhas molucas – Indonésia = portugueses e
habitantes malucos).

•Termo clínica vem do grego clinos = leito,


cama).

•Termo Manicômio vem do grego mani = louco;


cômio = hospital
• Termo Paciente vem do grego pathos =
sofrimento, padecimento...
• Hipócrates propunha, para tratamento da
melancolia, mudanças na dieta, ginástica,
hidroterapia, ervas, purgantes (para eliminar
excesso de bile negra), acreditava na
importância do diálogo e a necessidade de
não deixar o doente sozinho. Por observarem
que algumas mulheres melhoravam após
menstruação, propuseram sangrias e
evacuações, que perduraram por 1.500 anos.
• À René Descartes é atribuído o uso do termo
sentimento pela primeira vez (no sec. XVII).
• Tratamentos antigos de transtornos mentais:
- Trepanação (70% sobrevivência e 0% no sec.
XIV), craniotomia (flap) e lobotomia
(leucotomia pré-frontal – Moniz – indicado
Nobel 1935 );
- Mesmerismo;

- Choque insulínico por Sakel (caiu em desuso:


efeito temporário + risco + novos
medicamentos);

- Infecção por malária: de 9 = 4 curaram e 2


melhoraram (febre e convulsão) - Julius
Wagner - Nobel 1927 (caiu por risco, falta de
provas e novos medicamentos).

- Banhos quentes e frios.


Na Idade Média, loucura = possessão
demoníaca (desvio moral; punição divina;
entidade sobrenatural manifesta; intervenção
consistia em exorcizar ou flagelar, torturar,
isolar, ajoelhar e confessar, pedir perdão,
rezar, surra, cumprir promessas, fazer
sacrifícios...). Na Idade Moderna, loucura =
perda da razão (Era do Racionalismo;
Renascimento sec XIV-XVI; transição do
feudalismo para capitalismo; Dessacralização
do corpo; método cartesiano e especializações
científicas; Empirismo).
• Prevenção dos transtornos mentais na Idade
Média (evitar desvios morais, das normas da
igreja, auto-monitoramento da conduta moral e
auto-controle dos desejos mundanos; seguir
vontade divina...) e nos dias de hoje (agentes
concretos: higiene, alimentação, condições de vida,
tipos de relações sociais, fatores estressores...);

• Autora Schneider propõe a seguinte evolução


histórica da Psicopatologia: entidades
sobrenaturais (metafísica), individualidade
(empirismo radical) e foco no coletivo (visão
relacional e existencial).
•Empirismo classificatório (forte no final do século
XVIII e XIX, com Pinel, Esquirol, Kraeplin,
Morel...) e com influências até hoje (CID-10, DSM-
IV e compêndios), sem o objetivo do fazer científico e
o descompromisso teórico;
•Materialismo bioquímico (variáveis constitutivas &
constituintes; visão biologizante e medicalização da
vida)
•Mentalismo (Charcot e Freud), doença mental como
conflito mental (conflito de idéias);
•Empirismo & Subjetivismo (ambos sendo
cartesianos) – corte histórico e epistemológico
• Fenomenologia (Edmund Husserl – 1859-1938),
contra os extremos do empirismo e da
metafísica; propõe a “volta às coisas mesmas”.

• “Os variados aspectos da realidade natural e


humana, na forma como aparecem para a
consciência, constituem o que se define por
fenômeno” (Dartigues, 1973).

• Consciência, para Fenomenologia, é uma


estrutura não fechada em si e nem auto-
sustentada, mas sempre aberta e em relação a
algo (ter consciência de algo), é a
intencionalidade de abertura para os fenômenos.
• Karl Jaspers (1883-1969) – indicado ao Nobel
(fenomenologia na psicopatologia e na
Psicologia da Saúde; conceito de conexões
compreensivas);

• Jean-Paul Sartre (1905-1980), École Normale


Superière, em 1920 (tradução de Jaspers).

• Existencialismo: coloca-se contra a dicotomia


cartesiana; é de base dialética; relacional;
divide plano lógico e ontológico, considerando
este mais importante para a Psicopatologia.
Fundamenta sofrimentos psíquicos no Projeto de
Ser (transtornos = corte, invalidação/abdicação ou
não poder constituir um projeto, pelos tipos de
relações...), é a contradição do ser; foca no futuro
(no que não é, mas pode vir a ser), na liberdade (o
sujeito é sujeito de sua ação), o sujeito deve “ser
capaz de fazer e desfazer o que se fez dele”.
Personalidade = “totalização das experiências
singulares do sujeito com a materialidade, com o
corpo, com o tempo, com os outros, enfim, com o
mundo, cujo nexo é o projeto”. Sofrimento psíquico =
saída inventada pelo sujeito nas situações adversas
vividas concretamente (p. 74). Sartre influenciou
Basaglia e o movimento antipsiquiátrico.
Enfim: a história nos mostra a relatividade e a
transitoriedade dos nossos entendimentos e
intervenções sobre os transtornos mentais. A
história alerta-nos da pretensão do saber
absoluto.
Ainda, a história mostra embates teóricos
constituindo a Psicopatologia na Psicologia da
Saúde (ela própria é transtornada pelos seus
conflitos teóricos...)
“Nesse mundo febril de incoerência
Náufrago, luta por sobrevivência
Falta-lhe amor, perdida a inocência,
Chega a você, em última insistência:
Doutor, deixe de lado essa ciência
Dê-lhe um pouco de tempo e de paciência
Por trás da arritmia e da falência
Escute o choro deste coração!”.
(CRUZ, 1997)

“Carne, sangue e nervos são apenas


uma fina camada visível
que envolve um segredo invisível,
uma estória que mora em nós”.
(RUBEM ALVES, s/d)

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