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DEPARTAMENTO DE PSICOLOGIA
A. Lemes
Visto que, na obra de 1954 fica claro que um dos objetivos do autor é contribuir com a
psicologia, no sentido de encaminhá-la para além das correntes psicológicas. Nesse momento,
portanto, Foucault ainda acredita em uma verdade do conhecimento da psicologia (ainda que, na visão
do autor, a psicologia se limite apenas em descrever os fenômenos psíquicos). Passando em ordem
pela psicologia naturalista, pela psicanálise e pela fenomenologia, parece haver, no texto, esse
movimento ascendente do saber psicológico em que Foucault ainda acrescenta uma antropologia
social (aparentemente com bases marxistas) e, por fim, a fisiologia de Pavlov. Esta antropologia social
visa derrubar pressupostos sobre os quais a psicologia se fundamenta, sendo o objetivo de Foucault
nesse livro “[...] mostrar de que postulados a medicina mental deve libertar-se para tornar-se
rigorosamente científica.”1.
Ou seja, nesse primeiro texto de 54, Foucault acredita que além de existir essa legalidade
do conhecimento psicológico, a psicologia tem potencialidade para se constituir como um saber de
fato científico, bastando para tal, a libertação de certas mitologias em que ela se sustenta. A verdade
real da psicologia nesse momento não é questionada, mas tida como um a priori.
Contudo, no artigo de 1957, essa visão da psicologia cai por terra. A psicologia, agora,
não só é completamente pautada em mitos como também a pesquisa em psicologia carece de total
positividade. Ou seja, a “verdade” psicológica já não mais existe.
1
Michel Foucault, Maladie mentale et personnalité, p.2
2
Para compreender esses diferentes posicionamentos do autor nos textos citados, deve-se
entender que, essa diferença de perspectiva é fruto da mudança do que Foucault pensava sobre o
homem. Em 54, Foucault é considerado um humanista. Portanto, ele acreditava em uma verdade do
homem. Doença mental e personalidade ilustra muito bem esse fato na questão de Foucault acreditar,
por exemplo, na existência concreta de doenças mentais. Essa doença poderia ser historicamente
reconhecida ou não como doença, mas ela de fato existia. Todavia, essa visão vai se modificando e o
autor deixa de acreditar em uma verdade do homem. Posteriormente em sua obra, Foucault
compreende, por exemplo, que não há uma doença mental verdadeira, mas que a partir de um grupo
(que será considerado doente), uma determinada sociedade elabora o conceito do que é o natural, do
que é o normal. Nesse sentido, a psicologia careceria de um fundamento real. Visto que, o que é
considerado normal são apenas arbitrariedades de uma determinada sociedade em um dado momento
histórico.
2
Michel Foucault, Maladie mentale et personnalité p.(1ª página do capítulo 2)
3
Thiago Ribas, ARQUEOLOGIA, VERDADE E LOUCURA: CONSIDERAÇÕES SOBRE O PENSAMENTO DE FOUAULT ENTRE
1952-1962 p. 31
4
Michel Foucault, Maladie mentale et personnalité ultima p. capitulo 2
3
Essa análise, por sua vez, cai no mesmo problema que as outras perspectivas estudadas:
deixa de encontrar as raízes verdadeiras das doenças mentais. Para o autor, nesse momento, a
fenomenologia é superior as demais linhas psicológicas uma vez que faz o movimento de, segundo
Thiago Ribas, “[...] restituição simultânea da experiência que o doente faz da sua doença e do seu
universo mórbido.”6 Portanto, para Foucault “[...] é somente compreendendo-a [patologia mental] do
interior que será possível enquadrar no universo mórbido as estruturas naturais constituídas pela
evolução, e os mecanismos individuais cristalizados pela história psicológica.”7 Nesse sentido, a
análise fenomenológica vai mais longe que as demais análises pois, citando-se novamente Thiago
Ribas, permite afirmar que: “[...] o coração da doença está nesta integração contraditória entre a
retirada em um mundo privado e a queda na inautenticidade do mundo”.8
É, então, pela ausência de uma completude pela parte das psicologias em explicar a
origem real das patologias mentais que Focault recorre à antropologia social. Discorrendo seu texto,
Foucault irá afirmar que a as raízes verdadeiras da doença mental estão diretamente relacionadas com
os conflitos das estruturas sociais do meio. “[...] pode-se admitir que a doença comporta nas condições
atuais, os aspectos regressivos, porque nossa sociedade não sabe mais se reconhecer no seu próprio
passado; os aspectos de ambivalência conflitual, porque ela não pode se reconhecer em seu presente;
5
Michel Foucault, Maladie mentale et personnalité p. 4ª página do capitulo 3
6
Thiago Ribas, ARQUEOLOGIA, VERDADE E LOUCURA: CONSIDERAÇÕES SOBRE O PENSAMENTO DE FOUAULT ENTRE
1952-1962 p. 33
7
Michel Foucault, Maladie mentale et personnalité p. ... primeira página capítulo 4.
8
Thiago Ribas, ARQUEOLOGIA, VERDADE E LOUCURA: CONSIDERAÇÕES SOBRE O PENSAMENTO DE FOUAULT ENTRE
1952-1962 p. 34
4
que ela comporta, enfim, a eclosão de mundos patológicos, porque ela não pode ainda reconhecer o
sentido de sua atividade e de seu futuro.”9 E, mais adiante, “A doença revela, então, dois tipos de
condições: as condições sociais e históricas, que fundam os conflitos psicológicos sobre as
contradições reais do meio; e as condições psicológicas que transformam o conteúdo conflitual da
experiência em forma conflitual da reação.” Logo, para o autor, as contradições sociais possibilitam
a existência da patologia mental, mas ainda haveria uma verdade (uma verdade psicológica) que
determinaria a existência real da psicopatologia.
“A verdadeira psicologia deve livrar-se destas abstrações [querer separar a doença de suas condições
de aparição] que obscurecem a verdade da doença e alienam a realidade do doente; porque, quando se
trata do homem, a abstração não é simplesmente um erro intelectual; a verdadeira psicologia deve se
desvencilhar deste psicologismo, se é verdadeiro que, como toda ciência do homem, ela deve ter por
objetivo desaliená-lo”.10
Portanto, evidencia-se que aqui que o autor ainda acredita em uma psicologia real e
positiva. Sendo que, o erro no qual ela se pauta e do qual precisa libertar-se é considerar que os
transtornos psicológicos têm sua origem no próprio indivíduo e não nas estruturas sociais
contraditórias do meio em que esse sujeito vive. Por mais que possuíssem falhas, as correntes
psicológicas ainda possuíam, pelo menos, um valor descritivo real, uma vez que seus estudos teriam
evoluído do que se concebia como o normal, como a verdade. Ainda assim, segundo Thiago Ribas,
“[...] apesar da doença aparecer como fracasso de adaptação, Foucault não se coloca entre os
partidários de uma psicologia da adaptação.”11 Uma vez que, para Foucault, é preciso modificar as
próprias estruturas sociais, “Não há cura possível quando irrealizam-se as relações do indivíduo e de
seu meio; não há, de fato, cura senão aquela que realiza relações novas com o meio.”12
Nesse artigo, Foucault demonstra que a psicologia parece possuir dois status: um
cientifico e outro não. Sendo que, “[...] não é a ciência que toma corpo na pesquisa, mas é a pesquisa
9
Michel Foucault, Maladie mentale et personnalité p. 90 - 91
10
Michel Foucault, Maladie mentale et personnalité p. 110
11
Thiago Ribas, ARQUEOLOGIA, VERDADE E LOUCURA: CONSIDERAÇÕES SOBRE O PENSAMENTO DE FOUAULT ENTRE
1952-1962 p. 42
12
Michel Foucault, Maladie mentale et personnalité p. 109
5
que, de entrada, opta ou não pela ciência.” 13 e, além disso, “[...] trata-se de tomá-la não como uma
pesquisa [em psicologia] no espaço de uma ciência, mas como o movimento no qual se pesquisa uma
ciência.” Com base nisso, Foucault explica: a pesquisa em psicologia é sempre um movimento de
oposição em relação à produção de conhecimento. Pois, a pesquisa em psicologia é realizada sempre
“contra um ensinamento”. Seu resultado acaba geralmente refutando o conhecimento estudado,
diminuindo, assim, o próprio conhecimento já consagrado. A pesquisa raramente complementa o
objeto de estudo, mas acaba cumprindo um papel de desmistificação da psicologia, “[...] o progresso
da pesquisa em psicologia não é um momento no desenvolvimento da ciência; é um desgarramento
perpétuo das formas constituídas do saber, sob o duplo aspecto de uma desmistificação que denuncia
na ciência um processo psicológico e de uma redução do saber constituído ao objeto que tematiza a
pesquisa.”14 Isso quer dizer que, a pesquisa em psicologia descobre e aponta o mito, mas não é capaz
de demonstrar a verdade psicológica que preenche a lacuna deixada por esse mito.
Além disso, agora em 57, Foucault acredita que a negatividade do homem e das relações
humanas é sempre anterior ao que se define como normal. Portanto, ao contrário do que se tem em
54, agora a psicologia carece até mesmo de um sentido descritivo válido, uma vez que a definição do
que é a normalidade é construída a partir do que se concebe como o anormal. Então, o normal, de
fato, não existe; existe apenas o que se considera (o que se acredita) ser a verdade. A psicologia se
13
Michel Foucault, A pesquisa cientifica e a psicologia p. 4
14
Michel Foucault, A pesquisa cientifica e a psicologia p. 8
15
Michel Foucault, A pesquisa cientifica e a psicologia p. 11
16
Michel Foucault, A pesquisa cientifica e a psicologia p. 11
6
“[...] as técnicas psicológicas, devido a algumas das suas condições, perdem sua validade, seu
sentido e seu fundamento psicológico; elas desaparecem como aplicações da psicologia e a
psicologia sob o nome que elas se apresentam não forma mais que a mitologia de sua verdade [...]
por sua natureza, as técnicas psicológicas são, como o próprio homem, alienáveis.” 19
Por fim, outro ponto interessante entre essas duas obras do autor, reside na questão de
Freud e a psicanálise. Uma vez que, em 54, Foucault considera a psicanálise como uma psicoterapia
desprezível, que faz o paciente enxergar em seu íntimo a causa da doença fazendo com que ele não
enxergue mais os conflitos das estruturas sociais que lhe proporciona desconforto. Em 57, todavia, o
autor de certa forma elogia a psicanálise por ela ser, dentro das linhas teóricas, a única psicoterapia
17
Michel Foucault, A pesquisa cientifica e a psicologia p. 16
18
Michel Foucault, A pesquisa cientifica e a psicologia p. 17
19
Michel Foucault, A pesquisa cientifica e a psicologia p. 16
20
Michel Foucault, A pesquisa cientifica e a psicologia p. 17
7
que surgiu e se pauta em uma positividade. Isso porque o freudismo considera a consciência humana
como uma negatividade e a sexualidade como uma positividade. Foucault chega a afirmar que, dentro
da psicologia, as únicas pesquisas que de fato possuem positividade são freudianas. Contudo, na
ultima página de A pesquisa cientifica e a psicologia, Foucault ainda faz uma critica à Freud,
insinuando que este foi quem melhor compreendeu a situação insustentável da psicologia e quem
mais contribuiu para que essa “verdade” não caísse à tona.