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Psicopatologia | Questões Gerais

Definição
O termo psicopatologia foi criado por Jeremy Benthan, em 1817. Psyché significa alma;
páthos, sofrimento ou doença; e lógos, estudo ou ciência. No entanto, Esquirol e Griesinger, com
seus trabalhos publicados, respectivamente, na França (em 1837) e na Alemanha (em 1845), é que
são considerados os criadores da psicopatologia.
A psicopatologia é uma disciplina científica que estuda a doença mental em seus vários
aspectos: suas causas, as alterações estruturais e funcionais relacionadas, os métodos de
investigação e suas formas de manifestação (sinais e sintomas). Comportamento, cognição e
experiências subjetivas anormais constituem as formas de manifestação das doenças mentais.
Segundo Jaspers, “o objeto da psicopatologia é o fenômeno psíquico, mas só os patológicos”.
Contudo, a distinção entre o normal e o patológico em medicina é bastante imprecisa. Podemos
citar pelo menos três critérios de normalidade, todos considerados insuficientes: o subjetivo, o
estatístico e o qualitativo.
De acordo com o critério subjetivo de normalidade, está doente quem sofre ou se sente doente.
Na síndrome maníaca, contraditoriamente, o paciente sente-se muito bem e, apesar disso, está
enfermo. Pelo critério estatístico – ou quantitativo –, normal é sinônimo de comum, ou significa
próximo à média. Em contraposição a isso, no entanto, a cárie representa uma patologia muito
frequente; e uma pessoa que possui um quoeficiente intelectual (QI) muito alto não é considerada
doente. Já segundo o critério qualitativo, normal é aquilo adequado a determinado padrão
funcional considerado ótimo ou ideal. A crítica que se faz a esse critério é que ele se baseia em
normas socioculturais arbitrárias, as quais podem variar de um local para outro e modificar-se
através do tempo.
A psicopatologia é uma ciência autônoma, e não meramente um ramo da psicologia. Enquanto
esta tem sua origem na filosofia, a psicopatologia nasce com a clínica psiquiátrica. Os fenômenos
mentais patológicos são muitas vezes qualitativamente diferentes dos normais. Citando novamente
Jaspers, “a psicopatologia investiga muitos fatos cujos correspondentes ‘normais’ ainda não foram
estabelecidos pela psicologia”, e “é muitas vezes a visão do anormal que ensina a explicar o
normal”.
A psiquiatria não é uma ciência e, sim, uma especialidade médica, cujo fundamento é a
psicopatologia. A psiquiatria representa a aplicação prática da psicopatologia, mas se utiliza
também de conhecimentos de outras disciplinas científicas.
A psicopatologia, de uma forma geral, está relacionada a múltiplas abordagens e referenciais
teóricos. Para ser preciso, não há apenas uma psicopatologia: são várias. Didaticamente, as
psicopatologias podem ser divididas em dois grupos: as explicativas e as descritivas. As
psicopatologias explicativas baseiam-se em modelos teóricos ou achados experimentais, e buscam
esclarecimentos quanto à etiologia dos transtornos mentais. Elas podem seguir uma orientação
psicodinâmica (como a psicanálise), cognitiva, existencial, biológica ou social, entre outras. As
psicopatologias descritivas, por sua vez, consistem na descrição e na categorização precisas de
experiências anormais, como informadas pelo paciente e observadas em seu comportamento.
Possuem um caráter semiológico e propedêutico em relação à psiquiatria clínica. Entre as
psicologias descritivas está a psicopatologia fenomenológica. Explicação e descrição não se
excluem; na verdade, complementam-se. Só é possível explicar o que foi anteriormente descrito.

Método fenomenológico
Para Descartes (1596–1650), a apreensão dos objetos percebidos passa necessariamente pela
consciência do sujeito pensante. Immanuel Kant (1724–1804), por sua vez, afirma que
experimentamos apenas a superfície das coisas, isto é, os fenômenos – o que está aparente –, mas
não a verdadeira coisa em si. O conhecimento é, então, o resultado da atividade mental, que
organiza as sensações de acordo com categorias apriorísticas, tais como espaço, tempo etc.
Foi Lambert, um médico francês, quem, em 1764, criou a palavra fenomenologia, que designou
como “descrição da aparência”. Para Edmund Husserl (1859–1938), o criador da corrente
filosófica denominada fenomenologia, o método fenomenológico é puro, descritivo, apriorístico e
baseado na apreensão intuitiva dos fenômenos psíquicos, tais como se dão na consciência. Estas
características merecem maiores esclarecimentos.
Para a fenomenologia, tudo o que existe é fenômeno e só existem fenômenos. Fenômeno é todo
objeto aparente, é o que se apresenta à nossa consciência. Esta possui uma intencionalidade, isto
é, ela se move em direção aos objetos para apreender o fenômeno: é sempre consciência de algo.
A consciência é doadora de sentido às coisas, tem o poder de constituir e criar as essências. A
fenomenologia descreve experiências psicológicas subjetivas, e seu objeto é o que aparece na
consciência; ela centra-se na vivência das coisas pelo sujeito, e não nas coisas em si. O
observador deve prestar atenção aos seus próprios pressupostos, deixando de lado todas as
teorias, para evitar que distorçam a observação. A intuição, que é o instrumento por excelência da
captação fenomenológica, consiste na compreensão empática das vivências; empatia esta que
representa a capacidade de sentir-se na situação de outra pessoa.
A fenomenologia contrapõe-se ao empirismo, que aceita que o espírito assimile passivamente
os objetos, ou seja, que estes o impressionem como se ele fosse uma tábua rasa. Já o positivismo,
também diferentemente da fenomenologia, negava qualquer importância à introspecção. Ele veio
influenciar, mais recentemente, a reflexologia e o behaviorismo.
Coube a Karl Jaspers (1883–1969), filósofo alemão, a aplicação do método fenomenológico na
investigação psiquiátrica, a partir de 1913. Segundo ele, a psicopatologia representa uma
descrição compreensiva. Por compreensão entende-se a intuição do psiquismo do outro alcançada
no interior do próprio psiquismo. O método fenomenológico utiliza como instrumento a mente do
entrevistador, sua experiência emocional e cognitiva. Trata-se de método empírico que enfoca
dados subjetivos. As vivências dos pacientes não podem ser percebidas diretamente como os
fenômenos físicos. Mas, após o relato do paciente (subjetivo), fazemos, por meio da empatia, uma
analogia (comparação) com as nossas vivências, e assim podemos compreender a sua experiência
subjetiva. A mera observação objetiva de seu comportamento não permitiria um maior
aprofundamento no fenômeno psicopatológico. O foco da psicopatologia fenomenológica são,
portanto, as vivências subjetivas – conscientes – dos pacientes, descritas pelos próprios. O que
está inconsciente não é objeto da fenomenologia. Por fim, a psicopatologia fenomenológica não
busca explicações teóricas para eventos psicológicos. Através da redução fenomenológica, os
fenômenos são colocados “entre parênteses”: são descritas as vivências em si, sem a preocupação
com as suas origens e consequências.
Berrios (1993), contudo, defende a tese de que as contribuições de Jaspers à psicopatologia
descritiva não foram influenciadas pela fenomenologia, ao contrário do que o próprio afirmava.
Ele argumenta que Husserl é poucas vezes citado na “Psicopatologia Geral”, de Jaspers, e que
esta obra não representou uma verdadeira ruptura em relação a como os alienistas do século XIX
descreviam e compreendiam os sintomas mentais.

Semiologia psiquiátrica
Define-se a semiologia como a “ciência dos signos”. Entende-se como sinal qualquer estímulo
emitido pelos objetos do mundo. Já o signo é um sinal provido de significado, que representa a
ligação de um significante a um significado.
Há três tipos de signos: os ícones, os indicadores ou índices e os símbolos. No caso do ícone,
há uma semelhança entre o significante e o significado; por exemplo, o mapa do Brasil
representando o nosso país. O indicador caracteriza-se pela existência de uma relação de
contiguidade; por exemplo, fumaça significando fogo. Os sinais e sintomas clínicos são também
indicadores: a febre indica a presença de uma infecção. No símbolo, no entanto, a relação é
convencional e arbitrária. Por exemplo, o nome Brasil dado ao nosso país, a utilização do termo
alucinação para designar determinada alteração da sensopercepção.
Semiótica ou semiologia médica é o estudo dos sinais e sintomas das enfermidades, estudo este
que inclui a identificação das alterações físicas e mentais, a ordenação dos fenômenos observados
e a formulação de diagnósticos.
Os sinais e sintomas representam os signos da psicopatologia e da medicina em geral. Os
sintomas são subjetivos e aparecem nas queixas do paciente. Dor, o sentimento de tristeza e a
escuta alucinatória, por exemplo, são sintomas. Já os sinais são objetivos, ou seja, são
verificáveis pela observação direta. Eles podem ser detectados por outra pessoa, às vezes pelo
próprio paciente. A flexibilidade cerácea (alteração da psicomotricidade), uma fácies de tristeza e
o solilóquio (falar sozinho) são sinais.
Uma experiência psíquica anormal possui tanto forma como conteúdo. A forma se refere à
estrutura em termos fenomenológicos – por exemplo, delírio –, e o conteúdo, ao “colorido” ou
“recheio” da experiência – por exemplo, estar sendo perseguido por marcianos.
Por semiotécnica entendemos os procedimentos específicos e sistematizados de observação e
coleta dos sinais e sintomas, assim como a interpretação destes.
É bastante importante fazer uma distinção entre as alterações psicopatológicas quantitativas e as
qualitativas. Tomando-se um exemplo da sensopercepção (cap. 7), ouvir vozes quando não há
ninguém falando (alucinações acústico-verbais) não representa uma audição mais intensa do que o
normal, mas sim uma forma de ouvir qualitativamente diferente do normal.

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