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Resumo
Abstract
The article shows how the philosophical ideas, initially explained by Husserl and
later on by Heidegger, have been applied and extended to the psychiatric studies, and also
presents how phenomenology has been understood by the most representative authors of
phenomenological Psychiatry. Finally, it demonstrates that the application of the
“phenomenological method” in Psychiatry does not entirely correspond to the husserlian
and heideggerian philosophical propositions.
I - Introdução
1
Palestra apresentada na Associação Brasileira de Daseinsanalyse em 25-9-01.
2
Ellenberger, no texto Introduccion clínica a la fenomenologia psiquiátrica y analisis existencial, distingue
três etapas na Psiquiatria fenomenológica, denominando os estudos psicopatológicos de Jaspers como
Fenomenologia descritiva, os trabalhos de Minkowski e Von Gebsattel como Fenomenologia genético-
1
questionamentos compartilhados por estes pensadores e, também, assinalando algumas das
diferenças de posição assumidas por estes estudiosos.
II - A Psiquiatria Fenomenológica
estrutural e os estudos de Binswanger, Straus, Fischer e, também, alguns trabalhos de Minkowski e Von
Gebsattel como Fenomenologia categorial. (Cf. May et al. 1977, pp. 123-160).
2
descrever de “maneira viva os estados psíquicos que os pacientes vivenciam”, conforme ele
afirma:
O importante na fenomenologia é, portanto, exercer a visão pregnante do
que é vivido diretamente pelo doente, a fim de poder reconhecer o que há
de idêntico dentro da multiplicidade (Jaspers 2000, p.73).
Ao mesmo tempo, ele esclarece que o seu trabalho não é um representante estrito da
corrente fenomenológica4, pois é também uma psicopatologia compreensiva. Aqui Jaspers
utiliza a distinção de Dilthey entre o “explicar” e o “compreender”, conforme mostra
Pereira5:
Jaspers, esse discípulo de Husserl, retoma a clássica distinção introduzida
por Dilthey, entre ‘explicar’ (Erklären) e ‘compreender’ (Verstehen).
Preocupado em definir os métodos próprios a cada Ciência, Dilthey
concebia a explicação como o procedimento essencial da ciência da
natureza. Já as ciências do espírito, incapazes de conferir a mesma
precisão a seus objetos, deveriam esforçar-se para estabelecer as conexões
de sentido entre os fenômenos sutis do espírito, de modo a tornar
acessível sua lógica interna (Pereira, 2000 b, p.6).
3
Segundo Jaspers, a empatia é uma atitude ou uma disposição do psiquiatra em relação à experiência do
paciente, que permite a apreensão íntima do que é vivido pelo paciente.
4
Jaspers diz no prefácio da sétima edição do seu livro Psicopatologia Geral que “(...) o meu livro é, por
vezes, designado como representante da corrente fenomenológica ou da corrente compreensiva, só em parte
esta designação é correta, uma vez que o seu sentido é mais compreensivo” (Jaspers 2000, p. VII).
5
PEREIRA, M. E. C. (2000) “Sobre o estado atual e o futuro da psicopatologia: introdução a uma
Psicopatologia Fundamental”, texto não publicado, apresentado nos Estados Gerais da Psicanálise, Paris,
Sorbonne.
3
estabelece as conexões de determinação causal, isto é, que visa a identificar e explicar
objetivamente a regularidade entre os fatos. A segunda, “a explicação de dentro”, é
denominada compreensão genética e pretende esclarecer como um evento psíquico é
seguido por outro; assim, busca compreender, por exemplo, os seguintes fenômenos: as
reações vitais, o desenvolvimento das paixões, o conteúdo do sonho, o delírio, etc.
O autor não nega que os fenômenos humanos possam ser estudados através do
modelo explicativo causal; no entanto, ele ressalta que as dimensões efetivamente humanas,
as dimensões psíquicas, são mais bem esclarecidas pela compreensão genética.
O entendimento do fenômeno patológico, proposto por Jaspers, pode ser ilustrado
através do relato da experiência de um paciente esquizofrênico-catatônico descrito por
Kronfeld:
4
Vê-se que esta descrição difere da análise dos estados psicopatológicos em termos
de sintomas, síndromes e entidades patológicas, pois o psiquiatra concentra seu interesse
“na experiência subjetiva do paciente e se esforça para compreender seu estado de
consciência, com a finalidade de estabelecer o contato possível com ele” (Ellenberger 1977,
p. 130).
6
Para Bergson, na vida há dois princípios em oposição: “A inteligência e a intuição, o morto e o
vivo, o imóvel e o fluente, o ser e o acontecer, o espaço e o tempo vivido que são os diferentes
aspectos sob os quais se manifesta esta oposição fundamental” (Minkowski 1973, p. 254).
6
(Minkowski 1973, p.254), isto é, o tempo não é percebido como uma continuação ou
duração criadora.
Von Gebsattel procura estabelecer as relações entre as perturbações biológicas e
psicológicas, intituladas investigações construtivo-genética. Ele desenvolve também um
estudo sobre o mundo dos neuróticos compulsivos7, chamado teoria estrutural
fenomenológica-antropológica, em que diz que o mundo do compulsivo carece de formas
amistosas, inofensivas ou indiferentes. O mundo todo tem um caráter fisionômico, em que
todos os objetos se mostram em decomposição e deterioração e, assim, as coisas parecem
feias, sujas, repulsivas e repugnantes. Deste modo, ele assinala que o paciente não luta tanto
contra coisas repulsivas quanto contra um clima geral repelente, isto é, contra um mundo de
formas decadentes e de poderes destrutivos. O autor conclui, em última análise, que este
mundo é o resultado de um tipo concreto de obstaculização contra a auto-realização.
7
Este estudo é apresentado de modo condensado, sob o título “ El mundo de los compulsivos”, no livro
Existencia (Cf. May, R. et al. 1977, pp. 212-234).
8
Cf. Binswanger. Sobre fenomenologia [1922]. In Artículos y Conferencias Escogidas. Madrid, Gredos,
1973.
7
gênero psicopatológico, a fim de refletir sobre ela e continuar elaborando,
mas procura adaptar-se às significações que a expressão lingüística do
enfermo suscita nele e busca penetrar no próprio fenômeno anímico
anormal indicado pela linguagem (Binswanger [1922] 1973, p.44).
8
apresenta no mundo do paciente, por exemplo, se as coisas e o mundo aparecem fluidas,
claras, iluminadas, ou pesadas, sombrias, escuras.
Para Binswanger, o conhecimento da estrutura da existência, explicitada por
Heidegger, fornece uma chave sistemática para a investigação imediata da análise
existencial. Ele busca o esclarecimento da existência dos pacientes, baseado nos existencias
ontológicos heideggerianos, conforme mostra a citação:
Sabemos que temos de verificar o tipo de espacialidade e temporalidade,
de iluminação e disposição; a configuração, matéria e movimento da
concepção do mundo através da qual se orienta uma forma determinada
de existência ou sua configuração individual (Binswanger 1947, p.246).
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mostrar que o psiquiatra não percebeu que a “analítica do Dasein pergunta pela constituição
fundamental ontológica e não quer simplesmente descrever fenômenos ônticos do Dasein”
(Heidegger 2001, p.142).
O segundo questionamento de Heidegger assinala que a ontologia fundamental é
eliminada da Psiquiatria daseinsanalítica binswangeriana, quando estabelece a ontologia
fundamental como uma dimensão separada da sua psiquiatria daseinsanalítica, uma vez que
Binswanger compreende o ser-no-mundo e a transcendência do Dasein como fenômenos
ônticos independentes da relação do Dasein com o ser (op. cit., p. 238).
Esta segunda crítica heideggeriana refere-se tanto à posição de Binswanger, que já
foi apresentada, de acrescentar o amor ao cuidado, como também à sua proposta para o
arcabouço do “Edifício da Psiquiatria como ciência”. No artigo “De la dirección analítico
existencial de la investigação em Psiquiatria”9, o autor assinala:
“A análise existencial se edifica sobre a analítica existencial, de certo modo,
como uma planta baixa”, ou, “sobre o primeiro piso do edifício psiquiátrico
da psicopatologia e da biopatologia (...), se levanta agora o da psico e
somato-terapia ...” (Binswanger 1946, p.451).
4. Outros psiquiatras e psicanalistas, como Straus, Kuhn, Van den Berg, Buytendijk,
Boss, foram estimulados pelos estudos binswangerianos a se aproximarem das idéias de
Heidegger para o estudo das patologias físicas e psíquicas. No entanto, os estudos de
Medard Boss10 não podem ser vistos meramente como uma continuidade das idéias de
Binswanger, uma vez que ele introduz modificações significativas ao pensar as patologias
segundo a orientação do próprio Heidegger.
A obra de Boss revela que seu interesse prioritário está voltado para o âmbito
psicoterápico e não para o da elaboração de um tratado psicopatológico, mesmo quando
busca compreender os modos patológicos de o homem realizar o seu existir.
Para o autor, anteriormente à caracterização das patologias, é necessário esclarecer
os fundamentos a partir dos quais cada ciência pensa o homem. Ele questiona as teorias
psicológicas e psiquiátricas que mantêm os fundamentos da Ciência Natural. Considera,
também, que a ontologia heideggeriana oferece elementos mais adequados para o estudo do
9
BINSWANGER, L. (1973) Artículos Y Conferencias Escogidas, Ed. Gredos.
10
homem, pois permite priorizar as dimensões humanas no estudo dos modos saudáveis e
patológicos do existir do homem.
A explicitação do existir humano como Dasein e ser-no-mundo, segundo Boss,
propicia o esclarecimento da natureza existencial dos fenômenos patológicos e permite
compreendê-los como manifestações específicas do ser humano.
Nesta perspectiva, as patologias não são pensadas isoladamente e separadas do
existir humano. Não há simplesmente uma doença compreendida isoladamente nela mesma.
Assim, Boss inova a compreensão habitual das doenças humanas, ao pensá-las como
modalização do existir. Elas são maneiras de o homem realizar o seu existir, que, ao mesmo
tempo, revelam alguma restrição em sua realização.
Holzhey-Kunz situa a diferença entre a Psicopatologia daseinsanalítica de
Binswanger e de Boss em relação ao desdobramento da noção de ser-no-mundo realizado
pelos dois estudiosos. Binswanger preocupa-se com o esclarecimento da patologia a partir
do esboço de mundo dos pacientes, enquanto Boss enfatiza o mundo como possibilidade
para ser. Neste sentido, Boss evita o conceito de esboço de mundo e, em seu lugar, são
usados os termos “âmbito de abertura e clareira de mundo” (Cohn 1997, p. 18).
Esta diferenciação pode ser observada nos textos dos dois autores, quando
Binswanger se dedica à caracterização e à descrição do mundo dos pacientes, como vemos,
por exemplo, o mundo do esquizofrênico, dos compulsivos, etc. Boss, por sua vez, visa à
caracterização e descrição dos modos de existir, sejam estes saudáveis ou patológicos,
como por exemplo, o modo de existir esquizofrênico.
10
Medard Boss é considerado o mais fiel seguidor da proposta de Heidegger para os campos da Psicologia e
da Psicopatologia, pois seu trabalho é o resultado de um trabalho realizado em conjunto com o filósofo,
conforme pode ser verificado nos Seminários de Zollikon.
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Bibliografia
HEIDEGGER, M. [1927] (1988). Ser e Tempo. Vol. I e II, Petrópolis, Ed. Vozes.
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