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I.1. Considerações introdutórias sobre a fenomenologia de Edmund Husserl (1859-1938) - por Alice
Serra (para uso didático)
“Repor as noções – seja qual for a sua evidência para o conhecimento que as fixa – na perspectiva
em que aparecem ao sujeito, será essa a principal preocupação da fenomenologia.” (E. Levinas,
Descobrindo a existência com Husserl e Heidegger, p. 15)
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Neues Organon, oder Gedanken über die Erforschung und Bezeichnung des Wahren und dessen Unterscheidung von Irrtum und
Schein, 1764.
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Para tanto, Brentano se posiciona, por um lado, diante da filosofia transcendental kantiana e suas
reelaborações pelo idealismo alemão e, por outro, em relação à corrente da psicofísica que então se
expandia, em especial, a partir dos trabalhos de Hermann von Helmholz, Wilhelm Wundt e Gustav
Fechner. Brentano recusa a posição dos psicofísicos, segundo a qual as representações psíquicas seriam
derivadas da intensidade da impressão sensível sobre os órgãos dos sentidos. Isso implicaria uma
causalidade entre fenômenos físicos e fenômenos psíquicos, como se estes fossem resultantes
daqueles. Para Brentano, os fenômenos psíquicos são mais evidentes que os fenômenos físicos, ao
aparecerem diretamente à consciência, sem a mediação dos sentidos. Um fenômeno psíquico ou é uma
representação psíquica ou pressupõe uma representação. Assim, em atos de julgamento, de
imaginação, lembrança, crença ou em expressões de afeto, a intensidade desses atos deve se derivar
do respectivo conteúdo de representação consciente que lhes subjaz. Brentano contesta, com isso, que
os fenômenos psíquicos se determinem seja por estímulos externos, provenientes do mundo físico –
como afirmavam os psicofísicos – seja por estímulos inconscientes, como formulara Herbart. Em sua
tese da auto-fundamentação dos fenômenos psíquicos, Brentano apresenta a teoria da intencionalidade,
no sentido de que a consciência se volta a objetos ou é sempre consciência de algo (de uma objetividade
imanente):
Aluno de Brentano em Viena em 1886/87 e a quem reconhece como mestre, Husserl herda de
Brentano a tarefa de descrever os diversos modos da intencionalidade e as diversas formas de
objetividade que aparecem à consciência. Husserl radicaliza a teoria da intencionalidade de Brentano
ao ressaltar que a consciência não se direciona a representações de objetividades, mas a objetividades
mesmas, implicando a insuficiência metodológica da separação entre fenômeno físico e fenômeno
psíquico. A fenomenologia, embora seja uma disciplina filosófica propriamente fundada por Husserl,
não corresponde simplesmente a doutrinas de Husserl, mas à fundamentação de um campo de estudos
com métodos próprios. Trata-se de métodos que não se confundem com os procedimentos e teorias das
ciências naturais, tal como estas se apresentavam no fim do século XIX. Nestas os fenômenos
geralmente são considerados como algo em que se manifestam propriedades e leis próprias, por
exemplo, peso, gravidade, extensão. Já os fenômenos para a fenomenologia são vividos da consciência,
contextos de consciência que constituem a experiência de algo. Este algo (die Sache) pode ser uma
coisa concreta que percebemos, um sentimento, um número, uma sentença lógica etc. Em cada caso,
as respectivas vivências da consciência se estruturam de um modo específico, de forma que o relativo
decurso da experiência seja reconhecido, por exemplo, como um instrumento determinado, como um
sentimento, um valor etc. O objeto da fenomenologia não é uma facticidade empírica dentre outras,
mas a consciência em sua intencionalidade: em sua propriedade essencial de ser sempre consciência
de algo, nas diferentes modalidades de ato e correlato. Assim também não se trata apenas de determinar
a diferença entre vivências de pensamento e validades lógico-matemáticas, mas de apresentar e
descrever como idealidades se manifestam nas próprias vivências da consciência. Tal será a exigência
da fenomenologia descritiva de fundamentar conceitos e leis lógicas em atos psíquicos intuitivos,
recusando ou descolocando o psicologismo e o logicismo.
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Brentano, Psychologie vom empirischen Standpunkt, 1874, p. 124.
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I.2. Considerações introdutórias sobre a fenomenologia de Husserl na perspectiva da história da
filosofia: Husserl e Descartes / II. Husserl e Kant – Influências e críticas (Resumo para aula: Alice
Serra)
I. Husserl e Descartes
“Descartes não entrevê a novidade radical do ego autêntico [...] e, como Colombo, acreditou
ter aportado num velho país quando tinha diante de si um continente inteiramente novo.”
(Husserl, Erste Philosophie I, p. 63 s.).
. O ideal de evidência => crítica às certezas imediatas e aos pré-conceitos – crítica a tudo o que parece
se apresentar como evidente.
. A necessidade de reforma de todos os campos do saber e busca de um fundamento seguro.
. O ensaio de dúvida cética => não como recusa da verdade proveniente dos sentidos e outros âmbitos,
mas a époché como ato de colocar entre parênteses em atitude permanente => dúvida mais abrangente
que a cartesiana: mesmo o eu, em suas dimensões empírica e psicológica, situado no mundo, será
colocado entre parênteses.
=> A via cartesiana como uma das vias para o acesso à experiência: 1) ciências fundadas na
fenomenologia; 2) a colocação entre parênteses da crença na existência no mundo; 3) a conquista do
cogito e sua ampliação.
. Infidelidade de Descartes aos seus próprios princípios => o “conteúdo doutrinal” do cartesianismo
deve ser abandonado “por fidelidade aos princípios de Descartes”: reforçar o princípio da ausência de
pressupostos que ele professava, mas superar a proeminência da ciência matemática da natureza.
. Descartes teria desconhecido o verdadeiro significado do “subjetivo” => independência da
subjetividade em relação ao mundo como uma “separação real” entre duas substâncias.
. Dualismo: alternativa entre a presença plena do objeto na ideia intelectual e sua ausência ou
deficiência na dimensão sensível.
. “Separação real” e “transcendência real” dos objetos em relação à sua “manifestação”.
. O “ego autêntico” é reduzido a ego psicológico, a “imanência” é entendida como imanência real =>
crítica à ideia de representação moderna.
Þ A verdadeira redução deverá significar o fim da oposição e da exterioridade entre duas “regiões
de seres”.
“A obra de Kant contém ouro em grande abundância. Mas é preciso quebrá-lo e derretê-lo no fogo
da crítica radical, a fim de extrair seu conteúdo.” (Husserl, Hua XXV, p. 206).
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esse a priori prejulga a solução. A fenomenologia rejeita até mesmo tal hipótese. Daí seu estilo
interrogativo, seu radicalismo, seu inacabamento essencial.” (J. F. Lyotard, A fenomenologia, p.
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“[...] toda intuição originária que se doa é uma fonte de legitimação do conhecimento, tudo que
nos é oferecido originariamente na ‘intuição’ [...] deve ser apreendido como se doa, mas também
somente nos limites em que se doa.” (Husserl, HUA XIX/1: Logische Untersuchungen, p. 51).
. O que deve ser esclarecido não é somente a possibilidade dos juízos sintéticos a priori ou a
possibilidade do conhecimento, mas, num nível anterior ao fato da ciência e sua fundamentação
transcendental, as diferentes validades dos objetos que se constituem via diferentes intencionalidades,
em diferentes doações de sentido.
. Para a fenomenologia somente há ser na medida em que é experienciado/vivido => o sujeito que o
vivencia não coincide com um ponto de vista absoluto, mas também não se limita aos conhecimentos
do mundo físico.
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. Recusa da distinção entre coisa em si e aparência, entre o mundo como em si e como dado na
experiência do ser humano.
. Kant teria deixado de lado o mundo quotidiano da percepção, os juízos sintéticos a posteriori, a
multiplicidade das vivências constituintes.
. Recusa de que o julgamento analítico se reduza a uma simples tautologia => quais seriam as condições
da consciência de identidade e as diferenças subjacentes à unidade ideal?
. Kant teria perguntado como a metafísica é possível, como a ciência é possível, mas não como a
filosofia transcendental é possível => fenomenologia transcendental de Husserl: necessidade de uma
“auto-crítica permanecente” (Dussort).
. Kant apresenta a Husserl o ideal da filosofia científica, enquanto uma ciência fundada na experiência
humana do mundo / Husserl visa a estabelecer a fenomenologia como ciência rigorosa das aparências,
ou como ciência eidética do ser tal como ele é dado à consciência que o experimenta.
. Kant teria uma noção implícita de intencionalidade quando ele passa da coisa em si para a aparência
e da aparência como aparência-para em direção a um sujeito humano => Husserl pretende ir além de
um modelo antropologista de conhecimento: “À essência de todo ser pertence uma relação com a
consciência” (Hua XXXVI, 36). Aqui estaria implicada toda e qualquer consciência passível de ter
intencionalidade.
. A eidética transcendental e a fenomenologia da sensibilidade secundária como superações da estética
transcendental de Kant.
. O fato não é mais que a cognição humana exista, que a ciência da natureza exista, mas que haja a
experiência fenomenológica como tal (als solche) => este é o fato cujas condições de possibilidade
transcendentais devem ser esclarecidas.
Referências bibliográficas
DEPRAZ, Natalie. Compreender Husserl. Trad. Fábio dos Santos.Petrópolis: Vozes, 2007.
LUFT, Sebastian. From Being to Givenness and Back: Some Remarks on the Meaning of
Transcendental Idealism in Kant and Husserl. International Journal of Philosophical Studies, 15(3),
p. 367–394.