Paranoia é um termo elaborado pela psiquiatria clássica que perdeu valor na
moderna, a tal ponto que assistimos a sua evaporação como diagnóstico e a sua redução a uma forma adjetivada: paranoide. O fato fundamental da paranoia é a maneira singular de interpretar, e a psicanálise se aprofundou nessa forma de perceber nos fatos um significado pessoal, dirigido ao sujeito. Para Freud, o mecanismo de projeção na paranoia implica uma forma de interpretação que desconfia não só do entorno, mas também das próprias formações do inconsciente, de maneira que são rejeitadas e mantidas fora do ego. Freud isola o mecanismo que caracteriza a paranoia e lhe dá o nome de projeção: o mal, o gozo, a intenção, o eros etc. provêm do outro, nunca do próprio sujeito. A afirmação de Hegel que indica que o mal está no olho que o vê estaria na antítese da concepção paranoica, que o atribui ao universo forâneo, estranho ao sujeito. Mas, sem se contentar com a projeção, Freud dá mais um passo, o que permite a Lacan construir o conceito de forclusão. Isso se deve ao fato de o criador da psicanálise afirmar que não só o conteúdo é projetado e permanece no interior, mas também foi cancelado no interior, ou seja, forcluído, em termos lacanianos: “Não era correto dizer que a sensação interiormente sufocada é projetada para fora; entendemos que o cancelado [aufheben] dentro retorna de fora”. A não inscrição do significante no inconsciente é um mecanismo muito mais radical que o da repressão. Assim como para os conteúdos que foram objeto da repressão, o retorno do reprimido é um processo psíquico que ocorre por meio de diversas formações do inconsciente (sonhos, atos falhos, sintomas neuróticos); no caso da forclusão (mecanismo por excelência da psicose), o retorno é em forma alucinatória, ou seja, o forcluído reaparece no real. A paranoia social acompanha nosso dia a dia em um século que poderia ser denominado século da suspeita. Há algum tempo me pediram que falasse sobre a importância do traseiro em nossos dias, e eu disse que julgava que o assunto transcendia a atração concreta por essa parte do corpo. De fato, o grande prazer da época consiste em revelar tudo aquilo que está “por trás”; esse gosto vai desde a fascinação pelo backstage, a complacência “voyeurista” ao Big Brother, a impulsão por exibir fotos com procacidades sexuais, as fofocas artísticas (proliferam os programas “especializados” nesse conteúdo) e tudo aquilo que mostre o que há por trás dos bastidores. Em outra ordem, isso também se revela no deleite por sondar o que há por trás da vida de um grande homem, que segredo ele carrega nas costas, quais são suas fraquezas, quais são suas aventuras libidinais etc. Você sabia que… Freud se inspira nas memórias de um grande jurista chamado Schreber para escrever seu trabalho mais importante sobre a psicose? Em O seminário. Livro 11: os quatro conceitos fundamentais da psicanálise (1985b), Lacan diz que, no fundo da própria paranoia – tão animada, aparentemente, pela crença –, reina o fenômeno do Unglaube. Unglaube é o substantivo alemão que Freud utiliza para designar essa “incredulidade de origem” do sujeito paranoico e que corresponde à negação de Glaube, que significa “fé” e “crença”. Freud introduz esse termo para explicar o mecanismo da projeção, que é típico nessa afecção. Nega-se crença a uma eventual censura interna e se atribui ao próximo o desprazer que essa recriminação gera. A projeção implica não confiar no inconsciente, rejeitá-lo, manter o que emerge de sua fonte longe do ego. É interessante que Freud evoque nesse mecanismo uma posição subjetiva que desautoriza uma crença e que nos diz, com isso, que as formações do inconsciente supõem uma crença para serem reconhecidas; caso contrário, é lançado “ao mundo exterior o sumário da causa que a representação estabelece”. Quando, em vez de uma significação, o paranoico encontra um vazio que causa perplexidade, ele o preenche com uma significação que volta de fora e que tem um sentido injuriante. Não hesita em decidir que aquilo que observa e escuta está dirigido a ele; é o Outro que age de maneira intrusiva: a ordem simbólica que ele interpreta é sem máculas, sem equívoco. Lacan nos diz que na paranoia o prazer está identificado no lugar do Outro; isso quer dizer que o sujeito não pode ter prazer sem que isso seja equivalente à intrusão do prazer do Outro. Em “Um caso de paranoia que contradiz a teoria psicanalítica da doença” (vol. XIV), Freud nos fala de uma mulher que, estando seminua com seu amado, ouve um barulho, cuja causa ignora, que a leva a se convencer de que foi espiada e fotografada durante o encontro íntimo. O som desconhecido será o produzido pela excitação do próprio clitóris, mas ela irá atribuí-lo ao assédio da câmera. Essa forma de loucura, que Freud comparava a um sistema filosófico, por seu modo lógico de expressão e seu nível intelectual próximo ao raciocínio “normal”, já havia sido descrita na Antiguidade. Atualmente abundam as subjetividades cínicas, não incautas, desenganadas. O Outro não é tanto o lugar no qual uma verdade pode ser emitida, visto que é animado por um prazer que provoca sempre desconfiança. A incredulidade relativa ao valor da palavra corre paralela à certeza em relação ao que há “por trás” dessa palavra. Assim, a mesma paranoia social montada como defesa contra a violência acaba alimentando-a. Assistimos a um momento no qual os outros podem se transformar subitamente em inimigos porque são potenciais adversários. Qualquer indício basta para gerar suspeitas; a insegurança da qual todos falam está montada na segurança em um mundo habitado por intenções malévolas.