A palavra histeria deriva do grego hystera (“matriz”, “útero”); trata-se de
uma neurose cuja originalidade se encontra no fato de que os conflitos psíquicos são expressos em sintomas corporais paroxísticos (ataques ou convulsões de aspecto epiléptico) ou duradouros (paralisia, contraturas, cegueira etc.), sem que tenham uma correlação neurológica que os justifique clinicamente. Longe de seus predecessores franceses, que detêm seu olhar nessa teatralidade, Freud descobre pela via da palavra o caráter simbólico desses sintomas enlaçados com experiências da vida sexual infantil que permanecem inacessíveis à consciência. A lógica moderna e a linguística permitirão a Lacan abrir novos sulcos na letra de Freud ao conceituar a histeria como discurso. Quase sempre padecidos por mulheres, os fenômenos histéricos são múltiplos. Paroxismos, paralisia motora, transtornos da fala, medos, cólera, culpa, instabilidade afetiva etc. Pela primeira vez, um médico, Freud, interroga os relatos e descobre um saber ignorado sobre a sexualidade. Freud formula hipóteses, escuta, decifra e, assim, obtém também diagnóstico, tratamento e demonstração do inconsciente. De fato, a sexualidade, negada ou evitada ou ficcional, chama à interpretação, que no novo laço transferencial com o médico faz surgir a trama de representações que margeiam a situação traumática. Os sintomas cedem. A uma experiência passiva de prazer sexual, a menina, agora mulher, haveria respondido com nojo e aversão, com mecanismos que Freud chama de repressão e defesa do ego. A representação intolerável se separa do afeto (excitação sexual), que vai se deslocar aos sintomas e às fantasias. O afeto e a marca são indeléveis. A invenção de Lacan consiste em fazer a estrutura freudiana da histeria passar para o discurso da histérica. Nesse discurso há uma apelação ao amo, que pode ser o pai, o professor, o médico, o juiz etc. Enfim, todo aquele que profira um significante regente associado a um saber. As declinações do amo na época atual e a primazia que não são desse discurso, mas sim do capitalista, dão lugar a mudanças profundas na sintomatologia histérica. Apesar de a opinião médica tentar resistir à concepção demoníaca da possessão, esta se impõe durante um longo tempo, tal o caráter indômito que é necessário atribuir a Satanás. A histeria é subtraída da religião só no século XVIII. Freud a encontra já situada no campo psiquiátrico; Charcot a havia considerado uma neurose de origem hereditária que podia afetar tanto homens quanto mulheres. O criador da psicanálise a aloja de outra maneira e, assim, define um campo inédito: o campo do olhar se transforma no da escuta. Com a histeria, Freud descobre os pilares da psicanálise – o inconsciente, a sexualidade, o sintoma, a transferência –, e esta irá reenviá- lo à análise de sua própria sexualidade, de seu Édipo. Com a histeria, Freud descobre o caráter essencial do desejo, sua natureza insatisfatória, essa que faz vacilar o amo e causa, na maioria das vezes, irritação. É comum que os homens digam que, para ela, nada está bom e que utilizem frases conhecidas a esse respeito. É comum que a frase “É uma histérica” tenha uma significação depreciativa: atrair e logo subtrair-se, não se conformar nunca, não se saciar jamais. Freud e Lacan tomam com seriedade aquilo que o senso comum menospreza e veem que esse desejo insatisfeito está dirigido a um amo para que produza um saber sobre esse mistério que ela guarda. Você sabia que… em meados do século XVIII ocorre, com Mesner, a passagem de uma concepção demoníaca da histeria a uma concepção científica? A histeria inquieta os homens de todos os tempos, que deram a esse enigma diferentes nomes, sempre vinculados àquilo que se rejeita, com o que se segrega, com o que se amaldiçoa. Para os antigos, especialmente Hipócrates, a histeria é uma doença médica de origem uterina, portanto, especificamente feminina. Em Timeu, Platão retoma essa tese e destaca que, diferente do homem, a mulher leva em seu seio um “animal sem alma”: próximo da animalidade, esse é durante séculos o destino feminino, e muito mais o da histérica. Na Idade Média, essa matriz sufocada encarna o sexual como pecado. O diabo enganador entra no corpo das mulheres para possuí-las; elas são bruxas que o representam. A cura da histérica consiste em que, sem deixar de desejar, ela possa limitar uma satisfação própria que a libere de esperar sempre do Outro e a livre da insatisfação que a caracteriza. Hoje em dia, o saber se consuma na produção de objetos tecnológicos chamados gadgets por Lacan. Assim, há alguns anos, Javier Aramburu chama a histeria dos alvores do século XXI não mais “de conversão” (sintomas no corpo), e sim “de conversação”. Os imperativos do mundo atual nos compelem a dar asas aos impulsos sem trégua e sem a necessária pausa que implica o calar. Detenhamo-nos na rapidez com que se insta a dar uma resposta imediata ao que se pergunta e que é impossível de explicar em um minuto. Por outro lado, todo o dizer se transformou em dever; os programas televisivos mostram um confessionário que se transformou em local público. A tecnologia anula os espaços que estavam confinados ao silêncio; longe ficou a multidão silenciosa, que hoje transcorre acompanhada pelos celulares, que não podem faltar, falando ou enviando mensagens de texto insubstanciais. Assim, se na época de Freud era preciso liberar o sintoma de seu silêncio, hoje é preciso levar a tagarelice sem medida à singularidade de um dizer próprio. Isso se deve ao fato de o mercado também estimular o desejo histérico, que, sem detenção, conduz ao extravio.