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Faz mais de cem anos uma jovem, que viria a ser conhecida como Ana O, procurou ajuda devido à
tosse, paralisia, estrabismo, diplopia, perda da capacidade de falar a língua materna. Josef Breuer
diagnosticou o caso como histeria, e junto a Sigmund Freud a submeteu a um tratamento psíquico
e apesar da gravidade dos sintomas, conseguiu-se a remissão deles.
Poucos anos depois, outra mulher, Emmy N, procurou Freud relatando depressão, insônia e
movimentos convulsivos no rosto e no pescoço. O diagnóstico também foi de histeria e indicou-se o
mesmo tratamento, resultando numa espetacular melhora.
Passados cem anos, um furor revisionista abateu-se sobre estes casos. Pesquisadores como
Thornton, entre outros citados por Webster no livro “Why Freud was wrong?”, concluíram que Ana
e Emmy não foram curadas.
Concluíram também que Freud e Breuer criaram etiologias especulativas, que somente foram
aceitas devido ao estado subdesenvolvido da neurologia da época. Contestando o diagnóstico de
histeria e a eficácia do tratamento realizado, Thornton sugere que os sintomas de Ana O seriam
devidos a uma meningite tuberculosa. Da mesma maneira, foi retomado o caso de Emmy,
denunciando-se que ela teria sido tratada sem sucesso, e que seu diagnóstico correto seria o
síndrome de Tourette.
Ao negar as vivências traumáticas, relacionadas à aparição dos sintomas, no caso de Ana a morte
do pai, e no caso de Emmy a morte do marido, os críticos anularam a idéia de defesa e
desconsideram a existência de uma outra cena psíquica, noções que seriam o fundamento da
psicanálise.
A crítica à eficácia dos tratamentos realizados por Freud, reflete o momento por que passa o
pensamento contemporâneo, que considera o mental determinado unicamente pela atividade
neuronal.
Esta forma de pensar, que já foi chamada de biopolítica, passou a dominar a razão contemporânea.
É este pensamento que sustenta as críticas feitas à psicanálise como a de Henri Korn que afirma
que a psicanálise não passa de um xamanismo e que falta uma teoria, ou a crítica de Jean Pierre
Changeux, que pretende reduzir o pensamento a uma máquina cerebral, ou a crítica do cientista
político Francis Fukuyama que reivindica uma teoria da sociedade baseada na ciência natural.
Mas nem todos são contra a psicanálise. Um dos mais brilhantes cientistas da atualidade, Gerald
Edelman, afirma no livro “A biologia da consciência”, que o inconsciente continua sendo uma noção
indispensável para a compreensão da vida mental. A teoria das categorizações de Edelman, que
mostra que o cérebro é constituído após o nascimento, através da relação da mãe com o bebê,
demonstraria, do ponto de vista da neurologia, a noção freudiana de indefensão.
Descoberta que serviu a uma tentativa de fusão da psicanálise com a neurociência, ao que se
chamou neuropsicanálise.
Qual a finalidade de uma análise? Somente a melhora os sintomas? A psicanálise adapta o sujeito
ao mundo? Ou a psicanálise busca a verdade de cada um? As respostas dependem da
interpretação que se dá à experiência inaugurada por Freud.
Uma análise é feita no espírito do seu tempo. No espírito do tempo atual a sociedade parou de
viver sob o reinado do pai, reinado dos ideais, o que foi caracterizado por Lyotard como pós-
moderno.
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O pós-moderno se mostra na desestruturação dos saberes estabelecidos, produzindo laços sociais
desarrumados, e uma individuação extremada.
O efeito disto na clínica contemporânea, é a menor efetividade da metáfora paterna, e uma
pluralização do discurso do mestre, o que acarreta um sujeito sem referência.
Isto corresponde ao fenômeno moderno da desaparição dos valores. Só há uma coisa que vale: a
lei do mercado. O mestre contemporâneo é o mercado.
Lacan usou a expressão discurso do capitalista para apontar o espírito do tempo atual. O discurso
do capitalista mostra a modificação do discurso do amo efetuada pela ciência.
Dentro deste contexto pode-se falar num sintoma moderno no qual o sujeito procura sua
completude no consumo insaciável de objetos. Este modo de complementação do sujeito
alienando-o no consumo fez Lacan dizer que o discurso do capitalista foraclui a castração.
Como seria uma Ana O. pós-moderna? Será que seu estrabismo seria convergente diante das
vitrines dos shoppings? Será que sua paralisia desapareceria nas discotecas? Será que ela usaria
um piercing na língua materna?
Pelo fato o discurso analítico reintroduzir a castração, Lacan coloca a psicanálise como a única
saída do capitalismo. Ainda hoje, portanto, a indicação de tratamento para Ana O, mesmo pós-
moderna, continuaria sendo a psicanálise.
E se a Ana O., ou Emmy, além de pós-modernas, fossem brasileiras?
Haveria um único discurso que diga toda a verdade da psicanálise? Ou ela difere conforme os
lugares em que existe?
Jacques Derrida inventou o termo geopsicanálise para afirmar que existe uma geografia da
psicanálise. Qual o lugar do Brasil nesta geografia?
Existiria uma psicanálise brasileira? Miriam Chnaiderman no ensaio “Existe uma psicanálise
brasileira?”, diz: “Afirmar a existência de uma psicanálise brasileira não é folclorizar. É defender
que existe psicanálise inglesa, francesa, nigeriana... é defender que a psicanálise é sempre
atravessada pela história”.
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Ainda segundo o autor citado, a conseqüência da falta da função paterna produziria o que seria a
característica do brasileiro que é não levar a sério as instâncias simbólicas, produzindo a
corrupção, o jeitinho, a malandragem, o desperdício. A psicanálise opõe-se a essa universalização
da clínica, pois valoriza a clínica do particular, que busca a verdade de cada um, no um a um.