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Alenka Zupančič propõe traçar um caminho que vai desde a diferença sexual
que a psicanálise poderia oferecer. Em crítica à teoria queer, que Zupančič afirma
guardiã das questões ontológicas) e dos estudos de gênero. Esses dois lados, se
foi usada como o princípio organizador tanto dessas ontologias e/ou cosmologias
quanto, ao mesmo tempo das ciências – astronomia, por exemplo – baseadas nela.
romperam com essa tradição. E se há uma forma simples e mais geral de dizer o
que caracteriza a ciência moderna e a filosofia moderna, ela poderia ser formulada
Quando a ciência moderna rompeu com essa ontologia, também rompeu com a
ontologia tal qual. A ciência (moderna) não é ontologia; ela não pretende fazer
reconhece que, no entanto, as está fazendo. A ciência faz o que faz e deixa que os
políticas, etc.) do que está fazendo; também deixa para que os outros coloquem o
ontológica clássica do “ser enquanto ser” parece perder sua base. Este não é o
lugar para discutir o que exatamente o gesto kantiano e suas implicações foram
para a ontologia (e, como alguns argumentam, nos deixaram aprisionados por
talvez mais importante ainda, sem atrair o interesse geral – está agora fazendo um
Esses são projetos filosóficos muito diferentes, mas é seguro dizer que, para
nenhum deles, a diferença sexual (de qualquer modo) desempenha qualquer papel
em suas considerações ontológicas. O ser não tem nada a ver com a diferença
sexual.
Uma vez que estamos debatendo a psicanálise e a diferença sexual, implicar Freud
sexual” e não se vê enquanto algo que irá trazer a coloração sexual do universo de
volta ao foco mais uma vez. Pelo contrário, a psicanálise se percebe (e percebe seu
moderna”. Não estou apontando isso, aliás, para argumentar que a psicanálise é,
O que alguém necessita para ver e compreender, a princípio, é onde a divisão Real
no sentido de operar uma ruptura entre ontologia e ciência enquanto uma técnica
sexual como nosso horizonte final”; é ao invés disso disso, uma redução do sexo e
irredutível.
A enfática alegação de Lacan sobre a psicanálise não ser uma nova ontologia –
uma ontologia sexual, por exemplo – não é algo que irei contestar. Mas a razão
apostas são muito mais altas, e a relação da psicanálise com a filosofia (como
de colocar isso seria dizer que a sua não-relação, implícita na afirmação de que a
dicotomia natureza / cultura. Judith Butler percebeu isso muito bem, sendo o
criam, por assim dizer, as essências que expressam. Nada aqui preexiste: práticas
essa criação requer abrem uma margem de liberdade (para possivelmente mudar
que o gesto performativo cria uma nova realidade imediatamente no próprio ato
produz quanto regula (o que é referido como) natureza. Não estamos mais lidando
com dois termos: a atividade sócio-simbólica e algo sobre o qual ela é realizada;
mas ao invés disso, estamos lidando com algo como uma dialética interna do Um (o
discursivo) que não apenas modela as coisas, mas também cria as coisas que ela
sexualidade?
Não é simplesmente que Lacan tenha que levar em conta e dar lugar à outra parte
“vital” das noções psicanalíticas (como a libido, a pulsão, o corpo sexualizado), que
pode ser definida como “Real”, em oposição a pertencer ao simbólico. Esse tipo de
também começa com o Um (não com dois, que ele tentaria compor e articular em
sua teoria). Ele começa com o Um do significante. Mas seu ponto é que, enquanto
este Um cria seu próprio espaço e seres que o povoam (o que corresponde
performativa, ou seja, não é produzido pelo gesto significante, mas junto e “em
criações/seres discursivos, ele não é criado por ele. Não é nem uma entidade
pelo simbólico. O significamente não apenas produz uma nova realidade simbólica
abre espaço para a dimensão que Lacan chama de Real. Isto é o que
carregados.
sua desarticulação com o simbólico [5]. De forma mais simples, ele também age
combinatória sexual nem algum aspecto do sexo que está inteiramente fora de
Sexualidade (enquanto Real) não é algum ser que existe além do simbólico; ela
“existe” apenas como o encurvamento do espaço simbólico que ocorre por causa
do algo adicional produzido com o gesto significante. Isso e nada mais é como a
palavras, a sexualidade corresponderia ao que é mais Real. Mas o que está em jogo
conceito de Real como algo novo. O Real não se baseia na sexualidade; não é que
“a sexualidade é (o) Real” no sentido de que esta última define o status ontológico
Real.
O algo produzido pelo significante, além do que ele produz como seu campo, curva
que o campo simbólico, ou o campo do Outro, nunca é neutro (ou estruturado por
diferentes existem. Da mesma forma que para Marx o “antagonismo de classe” não
sempre um “um mais algo” – é esse fator não atribuível que não é outro nem um
nem nada que cause a assimetria básica e divisão do próprio campo do Um. O
nome mais geral, e ao mesmo tempo preciso, lacaniano para esse “mais algo“ é o
gozo, definido por seu caráter de excesso. Uma pessoa está rachada pelo que
produz em cima do que produz – e é precisamente isso que incita Lacan a nomear
propósito, também é por isso que o Outro referido por Lacan é tanto o Outro
primeira e talvez mais notável consequência disso é que a sexualidade humana não
é sexual simplesmente por incluir seus órgãos sexuais (ou órgãos de reprodução).
dizer também que ela sexualiza a atividade de reprodução). Esse ponto pode
poderia ser colocado em um slogan como “sexo é sexy”)? Nunca é “apenas sexo”.
Ou, talvez mais precisamente, quanto mais próximo chegamos de ser “apenas
sexo”, mais longe ficamos de qualquer espécie de “animalidade” (os animais não
faz com que ela não apenas sempre se desloque em relação ao seu propósito
em que tentamos fornecer uma definição clara do que é atividade sexual, nos
copulativo “puro” (ou seja, quanto maior o leque de elementos que ele inclui em
sexualidade (ou sexual) em seu peculiar status ontológico. Mas como a diferença
sexual entra nesse debate? Qual é a relação entre diferença sexual e sexualidade tal
época pré-adolescente.
sexos, como surge após a puberdade. De fato, se pudéssemos dar uma conotação
“masculino” – mas não somos precisamente capazes de fazer isso, como enfatiza
sexo ou sexualidade. Além disso, a sexualidade não é algo que brota da diferença
(entre os sexos); ela não é impulsionada por qualquer anseio pela nossa outra
nem é provável que sua origem seja devido às atrações do objeto.” [8]
postura psicanalítica: a diferença sexual também não existe no simbólico, ou, mais
precisamente, não há descrição simbólica dessa diferença como sexual. “Na psique,
não há nada pelo qual o sujeito possa se situar como ser masculino ou feminino.”
[9]
“Há uma crítica generalizada por aí que aponta para as oposições binárias como o
locus da sexualidade imposta, sua degeneração, seu molde imposto, sua restrição
diferença sexual coloca o problema do dois precisamente porque não pode ser
uma diferença significante, de tal forma que define os elementos da estrutura. Não
entidades dadas que preexistem a diferença. Pode-se dizer: os corpos podem ser
E o sexo não funciona como uma pedra através da qual tropeço no significado
legal da sexualidade não deve tomar o caminho de sua naturalização (“o que quer
estabelecer uma diferença entre ser e o Real. O Real não é um ser ou uma
substância, mas seu impasse. É inseparável de ser, mas não é ser. Pode-se dizer
crucial, que poderia ser formulado da seguinte maneira: existe apenas o simbólico
– exceto que existe o Real. “Há” Real, mas este Real não é ser. No entanto, não é
simplesmente o exterior do ser; não é algo além de ser. O Real é – como eu disse
antes – a própria curvatura do espaço do ser. Ela existe apenas como a inerente
contradição do ser. É precisamente por isso que, para Lacan, o Real é o osso na
garganta de toda ontologia: para falar de “ser enquanto ser”, é preciso amputar
algo no ser que não é ser. Isso significa dizer que o Real é aquilo que a ontologia
tradicional teve que amputar para poder falar de “ser enquanto ser”. Nós só
chegamos ao ser enquanto ser subtraindo algo dele – e esse algo é precisamente
aquilo que, enquanto incluído no ser, impede que ele seja totalmente constituído
como ser. O Real, como algo adicional que magnetiza e curva o espaço (simbólico)
como tal (seu Real) e a diferença sexual é através de um trecho de uma palestra de
especificamente o sexo da diferença sexual que caiu quando esse termo foi
não era mais o objeto de uma investigação ontológica e, ao invés disso, tornou-se o
que era para a linguagem comum: algum tipo de distinção vaga, mas basicamente
adicionado dentre outros. Ou, quando aplicado à um ato, algo um pouco atrevido”.
[11]
Eu gostaria de usar esta citação como pano de fundo contra o qual a seguinte tese
pode ressoar: é porque a diferença sexual está implicada na sexualidade que ela
falha ao se registrar como diferença simbólica. De fato, a psicanálise não tenta des-
diferenças de gênero, que são diferenças como qualquer outra, e que perdem o
ponto por terem muito êxito, caindo na armadilha de fornecer bases para a
enfática, que eles são ou existem. Isso “enfaticamente” parece aumentar com os
passar para uma multitude [de gêneros], essa timidez desaparece, e sua existência é
afirmada com firmeza. Se a diferença sexual é considerada em termos de gênero,
ontologização. Isso nos traz de volta ao ponto anterior, e ao qual podemos agora
ser. E amputar o sexual (como algo que não tem consequências para o nível
sexual.
É por isso que, no caso de alguém remover “o sexo do sexo”, também será
removida a própria condição para que possamos trazer à luz o caráter singular e
O fato de que a diferença sexual não é uma diferença diferenciada – o que pode
explicar porque Lacan nunca usa o termo “diferença sexual” – torna claro o
em qualquer senso comum: elas não implicam em uma diferença entre dois tipos
que ambas as posições têm em comum. É aquilo que elas compartilham, o próprio
elo que existe entre elas. É exatamente o ponto em que podemos falar sobre
falta-de-ser. Isto também é o que significa que “não há relação sexual”: não
significa, como na visão popular, que “os homens são de Marte e mulheres de
Vênus” e, como tal, nunca poderão formar um casal harmônico. Não é algo que
sexos não são dois de maneira significativa. A sexualidade não se divide em duas
partes; não constitui Um. Ela está presa entre “não mais um” e “ainda não dois (ou
mais)”; gira em torno do fato de que “o outro sexo não existe” (o que significa
A psicanálise não é a ciência da sexualidade. Não nos diz o que é realmente o sexo;
nos diz que não há um “realmente” do sexo. Mas essa inexistência não é a mesma
piada:
Um cara entra em um restaurante e diz ao garçom: “Café sem creme, por favor.”
O garçom responde: “Sinto muito, senhor, mas estamos sem creme. Poderia ser
sem leite?”. Sexualidade é aquele creme cujo não-ser não o reduz a um mero nada.
psicanálise não pode nos “servir” nada sem sexualidade, é porque não há
sexualidade que possa nos servir. E é precisamente esse “não há”, esse não-ser que,
Institute for Cultural Inquiry. A versão escolhida para a tradução vem do jornal E-
Referências:
[1] Jacques Lacan, The Four Fundamental Concepts of Psychoanalysis, trans. Alan
[1979]), 151.
[2] Para citar alguns dos pensadores mais proeminentes neste campo: Gilles
Deleuze, por sua ontologia do virtual; Alain Badiou, por sua ontologia matemática;
[4] “[A psicanálise] procede do mesmo status que a própria Ciência. Ela está
desejo. Não tem nada a esquecer [uma referência, sem dúvida, ao “esquecimento
sobre a qual ele alega para operar, até mesmo da sexualidade. ” Lacan, The Four
[5] Slavoj Žižek está muito certo em substituir o termo “vital” pelo termo “morto-
vivo”: O que está em jogo aqui não é qualquer tipo de simples oposição entre vida
Vol. 7, The Pelican Freud Library (Harmondsworth: Penguin Books, 1977), p. 141.
[7] “É essencial entender claramente que os conceitos masculino e feminino, cujo
significado parece tão claro para as pessoas comuns, estão entre os mais confusos
[8] É por isso que, “do ponto de vista da psicanálise, o interesse sexual exclusivo
dos homens para as mulheres também é um problema que precisa ser elucidado e
[10] Mladen Dolar, “One Splits into Two,” in Die Figur der Zwei/The Figure of
Two, Das Magazin des Instituts für Theorie, No. 14/15 (December 2010) 88.
diferença sexual.
[12] E, para ser dito de passagem, algo muito semelhante aconteceu no espaço