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As fantasias

de sedução na histeria
A histeria é uma enfermidade eivada de fantasias. Quando mencionamos
fantasia, deve -se ler como delírio uniforme. Sem o delírio, o termo fantasia
esvai-se completamente.

Os histéricos, se assim ainda se chamam os doentes com este quadro


clínico e que a Psiquiatria provou que não há histéricos puros. Freud, por
outro lado, irá escrever em seus estudos pré-psicanalíticos que casos puros
de histeria masculina/ feminina são raros, a histeria sempre seria
acompanhada por uma neurose, ataca o " soma"( corpo) e teria uma cura ou
mesmo controle através da psiquiatria.

A histeria na época em que Freud havia começado a clinicar, tinha um


caráter não mais de mentira, futilidade e desprezível, os médicos
começaram a reconhecer que uma perturbação psíquica assolava as mentes
e corpos. Em França, a escola médica presidida por Charcot e depois seus
seguidores mais próximos como Dejerine, Pierre Marie, Babinski,
desvendaram não apenas a histeria enquanto uma doença exemplificada no
próprio corpo, as estruturas psíquicas também são rigorosamente
detalhadas. De outro lado está a escola de Nancy, a qual é chefiada por
Liebeault e Bernheim, um método que já anunciava a livre associação de
ideias, sentimentos e pensamentos dos pacientes e o corriqueiro uso da
hipnose. Freud cita brevemente em seu artigo Relatórios sobre os estudos
em Paris( 1886), a clássica escola a qual Charcot comandava quase em
oposição a Bernheim.

Onde começa, porém a ideia de erotomania da histeria? Provavelmente os


outros médicos a esqueciam ou a ignoravam? Apenas algumas pacientes
apresentavam isso ou em tais situações uma histérica poderia levantar a
saia e mostrar suas partes íntimas? Qual era o limite para a paciente passar
a se erotizar?

A fantasia da sedução dos histéricos é apenas conhecida através da ideia


de Freud ao escrever o tão controverso e polêmico artigo/ conferência A
etiologia da histeria ( 1887), a sociedade vienense respondeu com troças e
descaso, Freud irá apenas revisar a ideia depois da ruptura com seu amigo
Wilhelm Fliess, em 1904. Durante essa década que é a gestação da
psicanálise, o começo da amizade e posteriormente os " congressos" em
Munique e Praga, Freud apegar-se-á insistentemente na ideia da sedução do
pai a filha( Freud estaria retrocendo assim a velha ideia da histeria como
uma doença de mulheres?) e assim seu isolamento será total. Jeffrey
Moussaief em sua obra " Atentado à verdade" vê um retrocesso
veladamente em Freud ao abandonar a teoria da sedução após o fim do
isolamento da nova ciência, que muitos vêem como Atena brotando da
cabeça de Zeus atormentado, mas a teoria da sedução poderia ser localizada
nos cursos de Brouardel ao qual Freud participava e que mostrava
claramente as sevícias praticadas por pais e familiares, um fato que era
conhecido, mas evitado de se falar em público.

Por que a teoria freudiana saiu na frente ao ter conhecimento em História


do Movimento Psicanalítico ( 1914) , que Charcot sempre comentava aos
médicos em particular que " tout c`est le sex" ( palavras aproximadas)?
Talvez Charcot apenas debochava das situações grotescas aos quais
chegavam os histéricos, porém a teoria de Freud tomou uma forma
elementar depois do fim dos estudos na Salpêtrière, o que foi
acertadamente chamado pelo médico neurologista Ludwig Strümpell de "
conto de fadas científico".

Todas as épocas presenciaram a histeria, ela camuflou-se em diversas


misturas, poderia ter tomado formatos incrivelmente obscuros ao
entendimento racional do homem, mas nos dias de hoje, ela ainda é uma
patologia definida? Com o conceito da histeria sendo divulgado como
excitação explosiva, negativa, destrutiva, e as pessoas certificando-se que
o ( ) histérico é apenas um doente do humor, acaso ainda leva-se a histeria
de uma forma mais séria e sem preconceitos?

O histérico será levado em conta como um bizarro ao grupo? Parece que


isso que enxergamos, o histérico foi retirado de sua condição de doente do
corpo, mesmo que esse corpo esteja fragmentado psíquica e materialmente
e o histérico se perde num mundo ilógico incompreensível. A fantasia de
sedução vem ao histérico como uma catarse? Um reflexo de uma energia
que deveria ser usada mais conscientemente?

Muito se tem escrito sobre a histeria, mas sempre em um duplo enfoque.


Primeiro, a histeria- clínica, acredita-se que a histeria foi uma dessas
doenças que acontece em toda época, uma epidemia, só que dessa vez sem
marcas visíveis no corpo. Talvez a histeria tenha sido uma reação de
intenso e acelerado crescimento científico-tecnológico dos anos entre 1850-
1900 muitas descobertas em vários campos científicos mudaram para
sempre a vida do homem. Séculos foram reduzidos em menos de 60 anos.
Claro que os conhecimentos não estavam harmonizados, houve um
estrangulamento dos ideais metafísicos,e nos países onde a mecanização
foi mais acelerada, a histeria se manifestou, não à toa que os dois países
que estudaram a histeria profundamente foram a França e a Alemanha. A
Alemanha cujo passado histórico esteve ligado às antigas tribos bárbaras,
com antigas crenças que sobreviviam sub-repticiamente e depois à grande
ruptura com a Igreja Católica no século XVI. A nação alemã entrou no
século XIX no campo científico, principalmente na filosofia em Kant, e as
pesquisas sobre a natureza, de Goethe, Schelling, Humboldt, etc. A
anexação de todos os estados da Alemanha, a impulsionou a conquistar os
campos da navegação (causando atrito com a Inglaterra), siderúrgico,
químico, físico (se inserirmos as teorias de Planck, Einstein, Oppenheimer),
criando um desequilíbrio entre as nações que não aceitavam as conquistas
da Alemanha.

O segundo enfoque é a descoberta dos cientistas, e também dos


historiadores, que o homem tinha e tem um poder sob sua mente. A
dissolução do ego, que atraiu cientistas como Charcot, Babinski e Pierre
Janet e toda a escola austríaco-alemã, demonstrou com mais ou menos
apuro, que a sub- consciência era capaz de criar eventos onde nenhuma
afecção se encontrava no corpo. As lições da terça-feira na Salpêtrière
demonstravam pacientes com estados confusos, oniróides, de dupla
associação, espasmos, caretas, etc. Entretanto, as pesquisas recaíam sempre
para o resultado de tudo que o paciente expressava no corpo; os cientistas
daquela época esperavam que as confusões psíquicas recaíssem em toda
doença corporal, mas como o destino é um caminho de várias mãos, as
reações eram sempre uma novidade.

Depois que o interesse pela histeria arrefeceu tornando-se " velhos"


estudos em Psicologia; a psicanálise cresceu e se espalhou pelo mundo,
mas como nos últimos tempos, Freud ainda estava fiel as noções de
Helmholtz ou a seleção natural, do notório inglês Charles Darwin.

Por que a sedução esteve presente na histeria? Responder apenas que as


pacientes histéricas confessavam que tinham sido seduzidas, é tornar a
histeria um conto dramático, onde a mulher sempre é a vítima da sedução
de um desconhecido ou parente nefasto.
Sim, a histeria tornou-se um conto dramático, sexualizou-se ao máximo
para provar a teoria de que o homem não passa de um conjunto de sêmen,
mas se esqueceu dos fatores exógenos, como a doença onde o paciente
tivesse passado por um acidente ou uma situação psicológica traumatizante
apenas de evocar. A psicanálise vai se apropriar dessa ideia até colocá-la
em seu bastão atual, a histeria é uma doença que se inicia através da
repressão de impulsos libidinais, o inconsciente do paciente muda à
vontade as fantasias.

Seria diferente se a histeria se apresentasse como um cansaço do corpo e


mente? Os médicos definiam os histéricos como " loucos degenerados".
Vale lembrar que a degeneração era um assunto amplamente estudado por
cientistas e não cientistas. Mas será que alguma vez os médicos pensaram
que a histeria estava em alto grau em sua própria época? Será que
pensaram por um instante que a histeria estava se misturando as novas
ideias e costumes de vida pautados pela burguesia?

Os médicos nunca tiveram esse insight de olhar para sua própria época, no
máximo, consideravam a histeria como uma doença que se disfarçou
durante à História, da sibila se contorcendo a mensagem de Apolo. Era
confortável ver a histeria como um fator individual, quando não negando a
histeria o " privilegiado" lugar de doença na literatura médica.

Sigmund Freud continuou durante toda a sua vida, acreditando que a


histeria fosse a porta dos fundos para a sedução imaginada. Mesmo que um
artigo como As Fantasias histéricas e sua relação com a bissexualidade (
século XX), ainda esteja intacto em seu conhecimento sobre a histeria, o
discurso do analista se torna petrificado e comum: a histeria não é mais do
que a lembrança deturpada que volta do inconsciente à consciência, a
lembrança se patogeniza, e com isso, a lembrança verdadeira se perde.
Assim se julga o caso do Homem dos Lobos( 1914)

A visão que se tinha da histeria era a mesma sobre a neurastenia: "


esgotamento nervoso". No século XIX, as ciências, e principalmente a
Medicina como um corpo científico coeso e heterodoxo, começou a
atribuir apenas ao cérebro a maior parte das patologias. As ciências
Naturais supervalorizam as funções do cérebro, e com isso, as
investigações serão através da observação que sai do cérebro em direção ao
corpo. A teoria pavloviana é um reflexo dessa teoria onde o cérebro emite o
estímulo de acordo com a situação.

A sexualidade foi posta nas doenças da mente só no século XX. O


postulado psicanalítico era que o paciente histérico/ neurótico sofria do
complexo edipiano. Hoje, entretanto, a histeria se situa não mais na fantasia
de uma sedução, seja ela imaginária ou não. Mas nessa época onde não há
respostas ou perguntas, apenas o momento sempre rápido e atropelante da
vida que estamos construindo.

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