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Freud e a neurologia

É menos conhecido o interesse de Freud pela neurologia. No início de sua carreira,


investigou a paralisia cerebral. Publicou numerosos artigos médicos neste campo.
Também mostrou que a doença existia muito antes de outros pesquisadores de seu tempo
terem notícia dela e de a estudarem. Também sugeriu que era errado que esta doença,
segundo descrito por William Little (cirurgião ortopédico britânico), tivesse, como causa,
uma falta de oxigênio durante o nascimento. Ao invés disso, Freud afirmou que as
complicações no parto eram somente um sintoma do problema. Somente na década de
1980, suas especulações foram confirmadas por pesquisadores modernos.[carece de fontes]
Nas últimas décadas o modelo estrutural de Freud tem sido validado pelas pesquisas que
buscam correlacionar a neurociência e a psicanálise. Os dados que verificam as
descrições de Freud da segunda tópica confirmam seu lugar na neurofisiologia hoje e
permanecem abertos à discussão para melhor compreensão da mente humana.[31]

Inovações de Freud
Freud foi inovador. Simultaneamente, desenvolveu uma teoria da mente e
da conduta humana, e uma técnica terapêutica para ajudar pessoas afetadas
psiquicamente. Alguns de seus seguidores afirmam estar influenciados por um, mas não
pelo outro campo.
Provavelmente a contribuição mais significativa que Freud fez ao pensamento moderno é
a de tentar dar, ao conceito de inconsciente, um status científico (não compartilhado por
várias áreas da ciência e da psicologia). Seus conceitos de inconsciente, desejos
inconscientes e repressão foram revolucionários; propõem uma mente dividida em
camadas ou níveis, dominada em certa medida por vontades primitivas que estão
escondidas sob a consciência e que se manifestam nos lapsos e nos sonhos.
Em sua obra mais conhecida, A Interpretação dos Sonhos, Freud explica o argumento
para postular o novo modelo do inconsciente e desenvolve um método para conseguir o
acesso ao mesmo, tomando elementos de suas experiências prévias com as técnicas de
hipnose.
Como parte de sua teoria, Freud postula também a existência de um pré-consciente, que
descreve como a camada entre o consciente e o inconsciente[32] (o termo subconsciente é
utilizado popularmente, mas não é parte da terminologia psicanalítica). A repressão em si
tem grande importância no conhecimento do inconsciente. De acordo com Freud, as
pessoas experimentam repetidamente pensamentos e sentimentos que são tão dolorosos
que não podem suportá-los. Tais pensamentos e sentimentos (assim como as recordações
associadas a eles) não podem ser expulsos da mente, mas, em troca, são expulsos do
consciente, para formar parte do inconsciente.
Embora, ao longo de sua carreira, Freud tenha tentado encontrar padrões de repressão
entre seus pacientes que derivassem em um modelo geral para a mente, ele observou que
pacientes diferentes reprimiam fatos diferentes. Observou, ainda, que o processo da
repressão é, em si mesmo, um ato não consciente (isto é, não ocorreria através da
intenção dos pensamentos ou sentimentos conscientes). Em outras palavras, o
inconsciente era tanto causa como efeito da repressão.

Controvérsias e debates
A questão da homossexualidade
Freud gradualmente desiste de fazer da homossexualidade uma disposição biológica ou
um resultado cultural, mas sim a assimila a uma escolha psíquica inconsciente.[33] Em
1905, em Três Ensaios sobre a Teoria da Sexualidade, ele falou de "inversão", Mas, em
1910, em Uma Recordação de Infância de Leonardo da Vinci, ele renuncia a este termo
para escolher o de "homossexualidade". Em uma carta de 1919 escrita para a mãe de um
jovem paciente, Freud explica: "a homossexualidade não é uma vantagem, mas também
não é motivo para se envergonhar, não é um vício nem uma degradação e também não
pode ser classificada como doença."[34] Contudo, em toda a obra de Freud, existem várias
teorias e questionamentos sobre o surgimento da homossexualidade no sujeito: a
homossexualidade adulta é apresentada ora como imatura pelo bloqueio da libido na fase
anal, ora como um retraimento narcísico ou mesmo como uma identificação com a mãe.
Freud de fato afirmou certa vez que a homossexualidade resulta de uma "interrupção do
desenvolvimento sexual".[34] Então ele por fim conclui que a homossexualidade é uma
escolha de objeto inconsciente.
Segundo Freud, a homossexualidade não é objeto de tratamento analítico. Só a
culpabilidade que a acompanha pode dar origem a uma neurose.[35] Finalmente, em uma
nota de 1915 para os Três Ensaios sobre a Teoria da Sexualidade, ele explica igualmente
que "a pesquisa psicanalítica se opõe fortemente à tentativa de separar os homossexuais
de outros seres humanos como um grupo particularizado. […] Ela aprende que todos os
seres humanos são capazes de uma escolha de objeto homossexual e que efetivamente
fizeram essa escolha no inconsciente"[36][37] "Nem Sigmund Freud, nem seus discípulos,
nem seus herdeiros fizeram da homossexualidade um conceito ou noção específica da
psicanálise", conclui Élisabeth Roudinesco,[38] ainda que essa questão tenha dividido os
psicanalistas. No entanto, uma distinção deve ser feita entre a homossexualidade psíquica
em todos os seres humanos e a homossexualidade ativa.[39] Segundo o crítico Didier
Eribon, os psicanalistas compartilham um "inconsciente homofóbico",[40] enquanto que
para Daniel Borrillo, Freud e alguns psicanalistas (como Jacques Lacan) fariam o trabalho
da homofobia classificando a homossexualidade entre as "inversões".[41][nota 1] No entanto,
não se deve negligenciar que Freud está fora dessa classificação.
Cultura e natureza

Charles Darwin, cujas teorias Freud admirava.


Para Freud, cultura (Kultur) designa o conjunto de instituições que distanciam o indivíduo
do estado animal.[43] A natureza, portanto, corresponde às emoções, instintos, impulsos e
necessidades. O ser humano está constantemente lutando contra sua natureza instintiva e
seus impulsos, que ele tenta conter para viver em sociedade, caso contrário, o egoísmo
universal traria o caos. No entanto, Freud opera uma confusão constante em seus escritos
entre civilização de um lado e cultura de outro.[43] Quanto mais alto o nível da sociedade,
maiores são os sacrifícios de seus indivíduos. Ao impor acima de tudo a frustração sexual,
a civilização tem um efeito direto na gênese das neuroses individuais. O texto de 1929, O
Mal-Estar na Civilização apoia a tese de que a cultura é a principal causa de neurose e
disfunção psíquica.[44] Pelas regras claras que lhe impõe, a cultura protege o indivíduo,
mesmo que requeira renúncias instintivas consequentes. Essas restrições podem explicar
por que existe uma raiva e rejeição―muitas vezes inconscientes―em relação à cultura.
Em troca, a cultura oferece uma compensação pelas restrições e sacrifícios que impõe,
por meio do consumo, do entretenimento, do patriotismo ou da religião. [43]
No ensaio "Uma dificuldade da psicanálise" publicado em 1917,[45] e em suas palestras
introdutórias à psicanálise, escritas durante a Primeira Guerra Mundial, Freud explica que
a humanidade, ao longo de sua história, já sofreu "dois grandes aborrecimentos infligidos
pela ciência ao seu amor próprio". A primeira, explica ele, data do momento em
que Nicolau Copérnico estabeleceu que "nossa Terra não é o centro do universo, mas
uma parcela ínfima de um sistema de mundo dificilmente representável em sua
imensidão." A segunda, segundo ele, ocorre quando a biologia moderna―
e Darwin primeiro lugar―"devolve o homem aos seus descendentes do reino animal e ao
caráter indelével de sua natureza bestial". Ele adiciona: "O terceiro aborrecimento, e o
mais amargo, a megalomania humana deve suportar a pesquisa psicológica de hoje, que
quer provar ao ego que ele nem mesmo é dono de sua própria casa, mas que está
reduzido a informações parcimoniosas sobre o que está atuando inconscientemente em
sua vida psíquica".[46] Segundo Freud, é a "renúncia progressiva das pulsões
constitucionais" que permite ao homem evoluir culturalmente.[47]
Freud e a filogênese
Apoiando-se nas teses de Charles Darwin, em 1912, em Totem e Tabu, Freud explica que
a origem da humanidade está baseada na fantasia de uma "horda primeva" na qual o
assassinato primitivo do pai ocorre como o ato fundador da sociedade. Os homens viviam
em hordas gregárias, sob o domínio de um homem todo-poderoso, que se apropriava das
mulheres do grupo e excluía os demais homens. Estes últimos então cometem o
assassinato de "Pai primevo", parricídio que explica o tabu do incesto como elemento
constitutivo das sociedades. Em O Mal-Estar na Civilização, Freud divide a evolução da
humanidade em três fases: uma fase animista caracterizada por um narcisismo primário
e totemismo primeiro, depois uma fase religiosa marcada pela neurose coletiva e
finalmente uma fase científica em que predomina a sublimação.[48] Esta concepção de
herança filogenética foi criticada por antropólogos e historiadores[49] e invalidada
pela biologia.[50] Segundo Plon e Roudinesco, para Freud é apenas uma questão de
"hipóteses que ele considera bem como de 'fantasias'"[51] Florian Houssier indica que "seja
qual for o grau de validade que alguém confere a ela (fantasia ou crença), nós a
consideramos [filogenia] como um núcleo de hipóteses tanto mais decisivo quanto Freud a
aproxima e incessantemente a vincula à ontogênese e a suas potenciais confirmações
clínicas. [...] as preocupações de Freud, em encontrar na filogênese o ponto de partida
para a escolha da neurose e em confirmar por uma história de origens a hipótese
do complexo de Édipo constituem de fato um eixo teórico-clínico importante."[52]
Freud e a religião
Dizendo "incrédulo", "judeu sem Deus",[53] Freud é crítico da religião. Ateu convicto,[2] ele
estimava que o ser humano perde mais do que ganha com a fuga que ela propõe. Em seu
primeiro escrito sobre religião, Atos Obsessivos e Exercícios Religiosos, publicado em
1907, ele explica que o cerimonial litúrgico envolve necessariamente "atos obsessivos".
Ele fala consequentemente de "cerimonial neurótico". Segundo ele, a "repressão, a
renúncia a certas pulsões instintivas parecem assim estar na base da formação da
religião".[54] Quanto ao vínculo que a prática psicanalítica mantém com a religião, e em uma
carta ao pastor Oskar Pfister de 9 de janeiro de 1909, Freud diz que "em si mesma, a
psicanálise não é mais religiosa do que irreligiosa. É um instrumento sem partido que pode
ser usado por religiosos e leigos, desde que unicamente a serviço dos seres sofredores".[55]
Com O Futuro de uma Ilusão (1927), Freud mostra pela primeira vez que a civilização
deve apelar para valores morais para garantir sua integridade e se proteger das
inclinações destrutivas individuais. Segundo Quinodoz, Freud inclui nesses valores morais
"valores de ordem psicológica, os ideais culturais, bem como as ideias religiosas, estas
últimas constituindo a seus olhos o valor moral mais importante para a manutenção da
civilização." Freud dialogou com um oponente imaginário (que poderia ser o pastor
Pfister), tomando como modelo de religião o cristianismo praticado no Ocidente. A
publicação da obra provocou, segundo Quinodoz, "controvérsias que estão longe de
serem apaziguadas".[56] Segundo Freud, a humanidade deve aceitar que a religião é
apenas uma ilusão para sair de seu estado de infantilismo, e ele relaciona esse fenômeno
à criança que deve resolver seu complexo de Édipo: "essas ideias [religiosas], que
professam ser dogmas, não são o resíduo da experiência ou o resultado final da reflexão:
são ilusões, a realização dos mais antigos, mais fortes, desejos mais urgentes da
humanidade; o segredo de sua força é a força desses desejos. Já sabemos: a terrível
impressão da angústia da infância despertou a necessidade de ser protegido―protegido
por ser amado―uma necessidade que o pai satisfazia".[57][58]
Clotilde Leguil observa que Freud, em O Mal-Estar na Civilização, compara o efeito da
religião na psique com o dos narcóticos. Freud situa sua tese na linhagem daquela de
Marx, que poderia afirmar não apenas que é o "ópio do povo", mas também que "a religião
é apenas o sol ilusório que gravita em torno do homem enquanto o homem não gira ao
redor de si mesmo".[59] Paul Ricoeur também apelidou Marx, Nietzsche e Freud de "os
mestres da suspeição", na medida em que têm em comum o ter denunciado a ilusão
religiosa.[60]
Em 1939 apareceu Moisés e o Monoteísmo,[61] em que Freud desenvolveu a tese de
que Moisés não era um judeu, mas um egípcio que adorava o deus Aton. Freud admite
que as bases desta hipótese histórica são frágeis; ele originalmente queria dar o título de
seu ensaio: O homem Moisés, um romance histórico.[62] A publicação da obra gerou
polêmica.[63]
Freud em face do antissemitismo

As obras de Freud foram queimadas pelos nazistas,


que decretaram que a psicanálise era uma "ciência judia". [64]

O antissemitismo não pesa de uma maneira igual na vida de Freud, e isso de acordo com
as mudanças políticas na Áustria e Alemanha do início do século XX.[65] O sentimento
antissemita teve um papel decisivo no final de sua vida, quando teve que fugir da Áustria
em face da ameaça nazista. Antes da Primeira Guerra Mundial, como Yerushalmi aponta,
"Gostaria de salientar que sua consciência do fenômeno precedeu sua entrada na
Universidade de Viena, ou o fim do Burgerminister liberal e a ascensão do antissemitismo
político".[66] A partir de 1917, a censura de artigos antissemitas em jornais tornou-se menos
rígida e tornou-se comum ver judeus chamados de "aproveitadores de guerra". Foi em
1918 que o antissemitismo atingiu seu auge, os judeus se tornando explicitamente os
bodes expiatórios de todos os infortúnios que se abateram sobre a Áustria. [67] Em 1933, as
obras de Freud foram queimadas pelos nazistas, que viram nelas uma "ciência judia"
(segundo a fórmula do partido nazista[68]) contrária ao "espírito alemão": "Na Alemanha de
1933, depois que as obras de Freud foram queimadas, ficou evidente que o regime
liderado pelos nazistas, recém-chegados ao poder, não deixava espaço para a
psicanálise".[69] Com a anexação da Áustria pela Alemanha, muitos psicanalistas tiveram
que interromper sua prática ou emigrar quando não foram mortos ou enviados
para campos de concentração por serem judeus. A segregação desenvolveu-se pela
primeira vez na Hungria, especialmente sob o regime de Miklós Horthy. Então, se
espalhou para a Alemanha já na década de 1920 e para a Áustria. A partir de então, a
maioria dos que sobreviveram emigrou para os Estados Unidos (bem como para o Reino
Unido, França, América do Sul, Max Eitingon entretanto foi para o exílio na Palestina).[69]
Henri Ellenberger fez um estudo aprofundado da situação dos judeus em toda a região e
afirma que Freud teria exagerado o impacto do antissemitismo em sua não nomeação para
um cargo acadêmico de professor extraordinário.[70] Ele argumenta sua tese de maneira
documentada. Outros historiadores consideram que Ellenberger minimizou o fenômeno em
Viena,[71] que elegeu Karl Lueger, abertamente antissemita, como prefeito em 1897. O pai
de Freud foi vítima de um ato antissemita, que ele contou ao filho. [72] Desde o início, a
psicanálise freudiana foi acusada de ser uma "ciência judia". Martin Staemmler escreve,
em um texto de 1933: "A psicanálise freudiana constitui um exemplo típico da desarmonia
interna na vida da alma entre judeus e alemães. [...] E quando se vai ainda mais longe e se
faz entrar na esfera sexual todo movimento da mente e toda má conduta da criança [...],
quando [...] o ser humano não é nada mais do que um órgão sexual em torno do qual o
corpo vegeta, então devemos ter a coragem de recusar essas interpretações da alma
alemã e dizer aos senhores da comitiva de Freud que eles não precisam apenas fazer
seus experimentos psicológicos em material humano que pertence à sua raça".
[73]
Para Lydia Flem, Freud e Theodor Herzl, cada um à sua maneira, respondem à crise da
identidade judaica, o primeiro imaginando uma tópica psíquica, o segundo sonhando com
um país geográfico para o povo judeu.[74]

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