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Em suas obras, Freud oferece destaque à batalha travada pelas pulsões de vida
no intuito de subjugar as tendências mortíferas autodestrutivas, e as direcionar para fora
de maneira saudável. O resultado deste conflito tende, em grande parte, a ser
determinado pelo desenvolvimento do sujeito, como postulado em “O ego e o Id”
(1923). Um superego muito permissivo é perigoso e dificulta a convivência social
positiva, porém um superego tirânico é igualmente perigoso, na medida em que leva a
agressividade do sujeito a ser completamente direcionada para o ego. Ou seja, aquele
que não consegue externar suas pulsões mortíferas se autodestruirá, enquanto aquele
que as exterioriza de maneira socialmente inaceitável será rejeitado e cometerá atos
classificados como intoleráveis.
Nessa direção, é importante retomar os processos de subjetivação e
desenvolvimento do indivíduo, e novamente direcionar a nossa atenção para o trauma
do nascimento. Esse trauma inicial é tomado por Freud como aquele que fundamenta as
experiências de angústia (FREUD apud CAROPRESO, 2015). Ele postula, portanto,
que as situações angustiantes para as crianças se tratam daquelas situações nas quais
elas sentem a ameaça de reviver o desamparo original – o nascimento – e novamente se
encontrar num estado de hiperexcitação sem fim. Nesse estado, a tensão proveniente dos
estímulos externos e internos apenas se acumula graças à impossibilidade de
escoamento da energia em excesso. Essa impossibilidade se dá porque o bebê nasce sem
condições – biológicas e psíquicas – de satisfazer suas necessidades básicas e cuidar de
si, ou seja, ele é incapaz de compreender e fazer cessar os estímulos causadores de
desprazer e, portanto, necessita de amparo.
É, apenas, através do amparo que o bebê vai se sentir desejado, protegido e
pronto para, gradualmente, entrar em contato com a cultura e com o social de maneira
saudável, ou seja, é apenas a partir do acolhimento que o sujeito será capaz de, pelo
narcisismo primário, amar a si mesmo e eventualmente ao outro. Desenvolvendo, assim,
uma maneira saudável de lidar com suas tendências mortíferas, ao mesmo tempo em
que vai adquirindo capacidade de tomar conta de si.
O imperativo processo de acolhimento para o desenvolvimento saudável do
sujeito não deve ser de forma alguma subestimado. Sua importância é de conhecimento
coletivo, porém somente até certo ponto. Em seu artigo intitulado “A criança mal
acolhida e sua pulsão de morte” (1929), Ferenczi evidencia tendências que podem ser
destacadas no comportamento de crianças que foram “hospedes não bem-vindos na
família”. De acordo com ele, o infante seria capaz de perceber a impaciência e a
aversão da mãe, e ao se deparar com elas sua vontade de viver não se instalaria de
maneira satisfatória. Assim, no futuro esses mesmos sujeitos estariam tão tomados pela
sua destrutividade que qualquer acontecimento, por menor que fosse, desencadearia
sintomas representativos da vontade inconsciente de morrer. Ferenczi (p.57) também
postula que esses indivíduos apresentam traços de caráter semelhante como
“Pessimismo moral e filosófico, ceticismo e desconfiança”.
O acolhimento e as pulsões de morte também são temas de estudo de outra
grande teórica da psicanálise. Melanie Klein (apud SEGAL, 1975) fornece uma rica
teoria sobre a relação do recém-nascido com sua própria destrutividade e o seio materno
que o acolhe – ou como ela coloca: a primeira relação objetal da criança. Klein diz que
assim que o bebê nasce ele é dotado de um ego primitivo que, apesar de muito diferente
de um ego desenvolvido, é capaz de ter relações objetais e experimentar ansiedade. Ela
caracteriza esse ego primitivo como desorganizado, porém portador de uma tendência à
integração e defende que desde o nascimento esse ego é exposto a ansiedade
proveniente do conflito entre as pulsões de vida e de morte.
Esse conflito se dá, como já exposto, pela relação antagônica resultado das
experiências desagradáveis, por um lado, e do acolhimento e amor maternos, por outro,
e é favorecido pela predominância dos instintos mortíferos nos estágios iniciais da vida.
O infante precisa, então, utilizar estratégias, mecanismos de defesa para lidar com sua
ansiedade e deflete sua pulsão mortífera convertendo-a em agressividade ou projetando-
a para fora. A consequência dessa projeção da pulsão de morte é tornar mau o objeto
externo, porém, por ser acompanhada da projeção da libido, ao mesmo tempo em que
este objeto é percebido pelo infante como mau, é também percebido como bom. Assim
o objeto primário (o seio) é apreendido como gratificante e ao mesmo tempo como
ameaçador – é dividido em seio ideal e seio persecutório. Essa fase do desenvolvimento
é chamada de esquizo-paranoide.
As fantasias do seio mau e do seio bom serão estimuladas por eventos reais.
Como afirma Hanna Hegel (1975, pp.37-38):
A fantasia do objeto ideal funde-se com as experiências
gratificantes de amor e alimentação recebidos da mãe externa
real, e é confirmada por essas experiências, ao passo que a
fantasia de perseguição funde-se, de modo semelhante, com
experiências reais de privação e sofrimento, as quais são
atribuídas pelo bebê aos objetos perseguidores. A gratificação,
portanto, não apenas preenche a necessidade de conforto, amor e
nutrição, mas também é necessária para manter encurralada a
perseguição terrificante; e a privação se torna não apenas uma
falta de gratificação, mas também uma ameaça de aniquilação
por perseguidores.
É interessante notar que os paralelos entre o crime e o suicídio não são apenas
expostos por Ferenczi. Freud e Lacan também chegaram a defender, em suas respectivas
obras, relações entre os dois. Freud afirma que alguns crimes são, na realidade, um
suicídio camuflado, mas que nem por isso deixam de envolver outra pessoa (FREUD
apud TENDLARZ & GARCIA, 2013), enquanto Lacan fala sobre um crime
autopunitivo, que consiste em matar a si mesmo, o inimigo interior, por meio do outro –
através da projeção de si na vítima (LACAN apud TENDLARZ & GARCIA, 2013).
Pode-se retomar, então, o pensamento freudiano apresentado em “O mal estar na
cultura” (1930). Nesse texto, a advertência sobre os riscos da desfusão pulsional – o
desequilíbrio entre as pulsões de vida e de morte – é clara e pode ser entendida como
assustadora. É dito que sem a censura, com a qual a pulsão de vida tem que lidar – e que
leva à sublimação, ou seja, ao redirecionamento das pulsões para atividades socialmente
aceitas – a pulsão de morte vem a se expressar através de tendências destrutivas.
O UNABOMBER
No intuito dar continuidade a este artigo será apresentada uma breve análise de
um caso, objetivando mostrar na prática o que foi abordado até agora. O caso escolhido
foi o do Unabomber que chocou e intrigou o mundo, entre 1978 e 1996, e pode nos
levar a pensar a pulsão de morte como catalisadora do ato criminoso. O material
biográfico e histórico que será apresentado em seguida foi obtido por meio do
documentário “Assassinos em Série - Ted Kaczynski - O Unabomber”, exibido pelo
canal Discovery Channel, e do livro “Sobre a confiabilidade e outros estudos” (2011),
de Elsa Oliveira Dias.
O Unabomber foi um serial-bomber – termo derivado de serial-killer –
classificado pelo FBI como terrorista caseiro. Isso significa que seus instrumentos de
destruição se tratavam de bombas feitas com materiais não ortodoxos, ou seja, bombas
caseiras. Esse fato veio a revelar o alto nível de inteligência do criminoso, tornado ainda
mais evidente pelo seu método de enviar bombas pelos correios, fazendo com que as
digitais dos empregados da instituição gravadas nos pacotes, complicando bastante o
trabalho da polícia.
Ele executou seus dois primeiros ataques com bombas em 1978, à Universidade
de Northwestern. O primeiro passou despercebido, levando-o a atacar novamente pouco
tempo depois. Porém, as consequências de sua segunda tentativa também foram
pequenas. Em ambos os casos, ele apenas conseguiu ferir superficialmente a um guarda
e a uma estudante, respectivamente. Seu terceiro ataque foi em 15 de novembro de
1979. Ele enviou uma bomba para ser transportada num voo pela American Airlines em
direção a Washigtion. Felizmente a bomba falhou e apenas pegou fogo, porém o
incidente foi preocupante o suficiente para atrair a atenção da polícia e da mídia, graças
aos assustadores cenários que poderiam ter sido concretizados, caso o explosivo tivesse
detonado da maneira programada.
Em junho de 1980, o Unabomber atacou novamente, dessa vez apresentando
materiais mais sofisticados no processo de confecção de suas bombas. Seu alvo foi um
executivo que acabou com graves ferimentos no rosto e na perna. A partir desse quarto
ataque, o Unabomber passou a deixar uma assinatura em todos os seus dispositivos: as
iniciais FC. É também de chamar a atenção o fato de que o alvo nesse atentado foi Percy
Woods, o dono da United Airlines – uma companhia área.
Entre 1981 a 1985, as bombas de número 5, 6, 7, 8 foram todas direcionadas a
universidades. Foram plantadas no intuito de matar, porém não conseguiram seu intento,
mas feriram gravemente suas vítimas, levando-as a perder partes importantes dos
sentidos básicos – como visão ou audição. A bomba de número 9 foi enviada a uma
fábrica de aviões em Washington, porém antes de ser detonada foi percebida pelo
segurança do local que alertou à polícia. O esquadrão antibombas foi ativado logo em
seguida e demorou 6 horas para puder desarmá-la. Esse fato levou o FBI a notar que as
bombas estavam ficando cada vez mais sofisticadas e perigosas com o passar do tempo.
Em dezembro de 1985, o Unabomber plantou sua décima bomba e pela primeira
vez obteve o sucesso que tão tenazmente perseguia, conseguindo matar sua primeira
vítima: o dono de uma loja de computadores. Suas bombas haviam passado a ser
projetadas no intuito de se fragmentarem em milhares de minúsculos pedaços e, desse
modo, matar através de perfurações por estilhaços. Mais adiante, se descobriu que ele
havia descrito em seu diário esse método de assassinato como uma maneira “humana de
matar”.
É interessante notar que até esse ponto, diferentemente de outros seriais-killers
famosos, o Unabomber não havia se comunicado com as autoridades. Esse fato levou
muitos especialistas a se perguntarem sobre os verdadeiros motivos por trás de suas
práticas e dificultou, sobremaneira, o processo da criação de um Criminal Profile. Como
resultado todos os Perfis Psicológicos feitos dele, durante todo o processo de
investigação, fracassaram em fornecer pistas relevantes.
Em 1988 o Unabomber desapareceu. Seus ataques seguiam um padrão de em
média uma a duas bombas plantadas por ano, porém durante seis anos ele não executou
nenhum atentado. Muitos consideraram que talvez tivesse se suicidado – é dito pelo FBI
que a vida média de um serial-killer que não é capturado é de 30 a 40 anos; após os 40,
eles costumam cometer suicídio ou são mortos por se colocarem em situações de perigo.
Porém, em 1993, ele retornou. Havia passado todo esse tempo aperfeiçoando
suas bombas e anunciou sua presença enviando explosivos para dois cientistas de
diferentes universidades, contudo, mais uma vez falhou na tentativa de matar seus alvos.
Um ano depois, em 1994, ele voltou a seu antigo padrão de um a dois atentados por ano
e conseguiu matar sua segunda vítima ─ um executivo de New Jersey. Quatro meses
depois mata a terceira ─ um serralheiro. Sua técnica de confecção de bombas havia sido
refinada a ponto de se tornar mortal.
Em 1995, o Unabomber enviou para o New York Times uma tese chamada “A
Sociedade Industrial e seu futuro”, que veio a ser apelidada pela mídia como “O
Manifesto”. Ele ofereceu uma proposta de trégua, prometendo cessar seus ataques, se
sua tese fosse publicada. Essa proposta foi bastante debatida pelas autoridades na época,
pois não havia garantia de que seus ataques de fato cessariam, mas eventualmente foi
acatada. Seu manifesto foi bem aceito e condecorado por uma grande parcela do
público, enquanto ao mesmo tempo foi desprezado e condenado por outra. A tese tem
como tema central uma crítica à sociedade industrial e da tecnologia. Refere-se a uma
sociedade controladora do comportamento humano, destruidora da criatividade e
causadora de sentimentos de impotência. A partir da leitura de “O Manifesto” muitos
passaram a considerar o Unabomber como um ativista social, enfatizando que ele
matava no intuito de fazer sua mensagem ser ouvida.
Ao contrario do que era esperado por muitos, o Unabomber cumpriu sua
promessa e cessou seus ataques. Sua subsequente captura veio a ocorrer no dia 3 de
abril de 1996, através de seu irmão – David Kaczynski – que ao ler “O Manifesto”
conseguiu identificar ideias, postulações e idiossincrasias familiares. A identidade do
Unabomber foi, então, revelada ao público; seu nome era Ted Kaczynski.
TED KACZYNSKI
1
A escala QI foi idealizada, como conhecemos hoje, por Lewis Termane em 1916 e mede o Quociente de
Inteligência. Sujeitos que tiram acima de 130 são considerados superdotados.
Michigan. Sua tese foi premiada e isso levou a UC Berkley a lhe convidar para ensinar.
De inicio Ted aceitou, porém passou pouco tempo lecionando. Apenas o suficiente para
arrecadar uma quantia de dinheiro que o permitisse começar uma vida alternativa, longe
da sociedade e isolada. Em 1971, ele comprou um terreno nos arredores de Lincoln ─
Montana, e construiu uma pequena cabana de madeira. Tudo parecia estar indo bem e
Ted se encontrava satisfeito com sua propriedade recém-adquirida. Porém, com o passar
do tempo, estradas foram construídas e a floresta que o rodeava começou a ser
desmatada para dar lugar a moradias. Ainda, aviões começaram a sobrevoar sua cabana.
A sociedade tecnológica que ele tanto criticava estava invadindo-o. Foi nesse momento
que Ted decidiu se tornar o Unabomber, enviando sua primeira bomba em 1978.
Kaczynski viveu de maneira humilde durante toda sua “carreira” como serial-
killer; com apenas 1000 dólares por ano, sem água encanada ou eletricidade. A sua
cabana era pequena, de aproximadamente três metros quadrados; possuía apenas um
cômodo e era desorganizada; continha prateleiras com materiais inflamáveis que
poderiam pegar fogo ou explodir a qualquer momento. Tudo isso era invisível, pois não
trabalhava ou participava ativamente da sociedade.
A sua captura foi seguida de grande euforia nacional americana e seu julgamento
foi acompanhado de perto por milhares, que em parte o admiravam e em parte o
odiavam. Após a sua audiência preliminar, a defesa de Ted percebeu que o único jeito
de evitar que ele fosse condenado a pena de morte seria alegando insanidade. Uma
avaliação psicológica foi realizada e Kaczynski foi diagnosticado como esquizofrênico
paranoico. Sua cabana foi tomada como uma analogia do seu estado mental,
desorganizado e caótico.
Ted não gostou desse diagnóstico e demitiu seus advogados, decidindo
representar a si mesmo legalmente. Sua preocupação era a de que, ao alegar insanidade,
sua ideologia não seria levada a sério, seria vista como o delírio de um homem louco.
Mas, mesmo contra sua vontade, as alegações de esquizofrenia foram consideradas pelo
juiz e Ted foi sentenciado à prisão perpetua ao invés da pena de morte.
ANÁLISE
De início, é interessante colocar em destaque o diagnóstico de esquizofrenia
paranoica, que foi defendido por psiquiatras sobre o estado mental de Ted. De acordo
com o pensamento kleniano abordado por Segal (1975) – e já discutido neste artigo – a
origem da psicose se dá nos primeiros meses de vida, por meio da desintegração e da
fragmentação do ego do bebê. Essa medida “defensiva” é tomada pelo infante no intuito
de proteger seu ego de sentimentos persecutórios, e é uma tentativa desesperada de lidar
com as experiências reais de privação e sofrimento. Deve-se ressaltar – novamente –
que esse processo tende a levar a mais ansiedade e angústia.
Na vida de Ted o momento que pode ser apontado como catalisador de sua
estruturação psicótica é o seu internamento no hospital. Durante esse período ele sofria
de urticária e foi completamente isolado de sua mãe. É possível admitir que a urticária –
que possui como sintoma coceiras, inchaço facial e sensações de queimação – deve ser
demasiada assustadora para um infante que, ao ser atingido pelas dores e desconfortos
físicos da doença, precisaria mais do que medicamentos que amenizassem os efeitos
desagradáveis dos sintomas. É plausível assumir que a privação do bebê de sua figura
materna – e do amparo emocional que ela poderia oferecer – em uma situação como
essa, foi decisiva no seu desenvolvimento.
Segal (1975) diz que o bebê esquizoide vive em um mundo diferente daquele de
uma criança com um desenvolvimento normal, afirmando que além do dano ao seu
aparelho perceptual, o infante se sente cercado e perseguido por objetos hostis. Essa
constatação pode explicar o comportamento de Ted após ter recebido alta do hospital:
retraído, assustado e apático. Ainda sobre seu diagnóstico, é interessante notar a
semelhança do seu método de confeccionar bombas com o estado do seu ego. Seus
explosivos eram projetados no intuito de se fragmentarem em milhares de minúsculos
pedaços, de maneira análoga a um ego desintegrado e estilhaçado.
Seguindo adiante, é notável o quanto essa experiência traumática deve ter
afetado o equilíbrio pulsional de Ted. A soberania da pulsão de morte pode ser
percebida no seu comportamento extremamente isolado na infância, e no seu
fechamento para com o mundo.
Ao se concentrar, apenas, no seu desempenho escolar e acadêmico, Ted poderia
estar mais uma vez mostrando sinais de um comportamento mortífero. A partir do
momento em que escolhia se colocar distante de situações novas ou inusitadas, e se
atrelar ao conforto de uma previsibilidade matemática, ele estaria tentando diminuir ao
máximo possíveis estímulos imprevisíveis, provenientes da vida em sociedade. Sua
tendência de se manter longe de conflitos ou situações que demandassem equilíbrio
emocional pode ser observada, também, na sua passagem por Havard. É possível supor
que após a sua experiência traumática com o experimento de Psicologia, do qual havia
participado como voluntário, essa tendência fora amplificada.
O subsequente autoconfinamento de Ted na floresta, onde vivia cercado por
nada e ninguém, pode ser tomado novamente como expressão de suas inclinações
mortíferas. É possível admitir que Kaczynski se encontrava ciente do seu crescente ódio
pela sociedade e da possibilidade de, eventualmente, cometer algum ato criminoso.
Desse modo, pode ter construído sua cabana no intuito de amenizar as suas percepções
persecutórias – características da esquizofrenia paranoide – e de ter um lugar
simplesmente para morrer em paz. Assim, os processos de invasão tecnológica e
desmatamento que ocorreram ao seu redor – logo após ele começar a viver na floresta –
podem ser destacados como crucias no seu processo de transformação no Unabomber. E
podem ter sido entendidos por Ted como justificantes de suas percepções persecutórias,
levando-o a reagir através de um ataque ao objeto externo hostil, no intuito de
despedaçá-lo.
A partir do exposto, torna-se interessante observar a relação entre o instrumento
de destruição em massa, utilizado pelo Unabomber, e o perfil de suas vítimas. Bombas
fazem muito mais do que simplesmente matar, elas desfiguram, destroem, assim como
também danificam o ambiente e os arredores no qual o alvo se encontra. Além disso, o
Unabomber não escolhia suas vitimas através de características individuais. Não se
tratava de um serial-killer comum que apresentava um padrão estético, de gênero ou de
idade ao escolher a quem atacaria em seguida. Ele selecionava suas vítimas de acordo
com seu valor social. O quão mais influente e perpetuador de uma sociedade industrial
alguém fosse, maior suas chances de se tornar um alvo. As bombas podem ser vistas,
então, como uma maneira de destruir, não apenas o sujeito, mas todo o seu trabalho.
Ao enviar explosivos para exponentes de grandes universidades e representantes
de companhias aéreas, o objetivo do Unabomber era de destruir a sociedade que essas
instituições alimentavam. Essa sociedade é a mesma que ele crítica em seu Manifesto,
vista por ele como controladora e barulhenta. Pode-se assumir, então, que o objetivo
final do Unabomber era o de extinguir os estímulos externos causados por uma
sociedade agressiva, através da destruição desta.
Torna-se possível deduzir que, nos momentos iniciais, as pulsões mortíferas de
Ted estavam direcionadas para si, porém a sociedade o “impediu” de satisfazê-las
frustrando a sua tentativa de isolamento. Desse modo, revidou, direcionando suas
pulsões mortíferas para a sociedade. Após ser preso, Kaczynski queria ser condenado à
pena de morte. Seus motivos conscientes eram o de se tornar um Mártir e negar seu
diagnóstico de psicose. Porém, levando em consideração o seu histórico, ou seja, tudo
que fizera até aquele momento, e as postulações teóricas aqui já expostas, pode-se
inferir a existência de um verdadeiro desejo inconsciente de morrer guiando seus atos.
Por fim, é interessante destacar a ironia no fato de que as opiniões do
Unabomber sobre a sociedade industrial podem ser comparadas as opiniões freudianas
sobre a cultura. Para Ted, a sociedade o persegue e é controladora, castradora, além de o
impedir de expressar sua verdadeira natureza. Já para Freud (1930, p.144), a cultura é o
que rege o convívio social: “Assim, a cultura domina a perigosa agressividade do
indivíduo na medida em que o enfraquece, desarma e vigia através de uma instância em
seu interior, do mesmo modo que uma tropa de ocupação na cidade conquistada”.
REFERÊNCIAS
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2011.
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1992.
FREUD, Sigmund. Reflexões para os tempos de guerra e morte, 1915. In: FREUD,
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CAROPRESO, Fátima. Pulsão de morte e experiências precoces em freud e melanie
Klein. Disponível em: https://periodicos.pucpr.br/index.php/aurora/article/view/787.
Acesso em 05 de junho de 2018.