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INTRODUÇÃO

O comportamento desviante do humano foi sempre alvo de intrigantes


questionamentos, especialmente os relativos a condutas delinquentes e assassinas. O
fascínio com o comportamento homicida e suas razões se encontra exposto na nossa
sociedade através das mais diversas formas. Filmes, séries e livros que abrangem o
assunto são consumidos em massa, e demonstram um grande interesse do público com
relação ao tema. Toda comunidade sempre questionou os motivos por trás de atos
atrozes cometidos por aqueles que insistem em, não só desobedecer às normas e às leis,
mas, também, em distorcê-las de modo a justificar suas ações e a legitimar a destruição
de aspectos do coletivo com os quais não se identificam.
No âmbito acadêmico, a criminologia é uma área de grande prestígio, que
promove a interdisciplinaridade e se ocupa com o estudo das causas do comportamento
antissocial do homem, tentando, assim, responder tais questionamentos. A integração da
criminologia com a psicanálise vem crescendo e ocupando um lugar de destaque dentro
da comunidade científica.
O conceito de pulsão de morte introduzido por Freud (1920) em “Para além do
princípio do prazer” pode contribuir para essa discussão, levando a entender o assassino
através da natureza humana agressiva e destrutiva. De acordo com os postulados
freudianos, o homem não é bom, justo e inteligível, nem caracterizado em primeiro
lugar pela sua racionalidade. Ele é violento e apenas se torna capaz de subjugar suas
tendências mortíferas se for inserido na cultura, através do amor, do amparo e
principalmente da censura. Assim, reafirma-se a importância de uma criança ser bem
acolhida e amada para poder se desenvolver e adquirir a capacidade de sublimar suas
tendências agressivas e mortíferas em favor do social.

Pretende-se, então, neste artigo, trazer contribuições das teorias psicanalíticas


que possam permitir a relação entre a pulsão de morte, a criança mal acolhida e o
comportamento criminoso. Para tal fim, primeiramente será explorado o conceito de
pulsão de morte como sugerido por Freud e suas implicações para com a natureza
humana. Em seguida, serão aprofundadas as teorias de Ferenczi e de Melanie Klein
sobre o desenvolvimento do sujeito, sua relação com as pulsões mortíferas e a
esquizofrenia. Em um terceiro momento, será evidenciada a importância da psicanálise
para o estudo da criminologia.
Por fim, no intuito discutir o conteúdo teórico até então explorado será feita uma
análise de caso, trazendo o personagem nomeado pelo FBI de Unabomber, que chocou e
intrigou o mundo, entre 1978 e 1996. Um caso específico a partir do qual se pode pensar
a pulsão de morte como catalisadora do ato criminoso, ao mesmo tempo em que
demonstra o quanto a psicanálise tem a contribuir para a compreensão do
comportamento homicida.

A PULSÃO DE MORTE E A NATUREZA HUMANA

O conceito de pulsão de morte em sua completude é muito mais complexo do


que se pensa em deduzir a partir de sua nomeação. Trata-se de muito mais do que um
simples desejo de morrer ou presenciar a morte. É um conceito relacionado à
característica mais primitiva da vida humana e se faz presente a partir do momento em
que o sujeito é forçado a abandonar o útero materno e é marcado pelo trauma do
nascimento – trauma desencadeado pelo contato com os estímulos caóticos,
inicialmente confusos e sem sentido, do mundo externo. A pulsão de morte se expressa
então, como vontade de reverter o trauma do nascimento, ou seja, desejo de voltar à não
existência, ao nada, a um ambiente sem estímulos; se coloca como um desejo de
regressão máxima a um período de total inércia. Nas palavras do próprio Freud
(FREUD, 1920, p.47):

[...] é um impulso, inerente à vida orgânica, a restaurar um estado


anterior de coisas, impulso que a entidade viva foi obrigada a
abandonar sob a pressão de forças perturbadoras externas, ou seja, é
uma espécie de elasticidade orgânica, ou, para dizê-lo de outro modo,
a expressão da inércia inerente à vida orgânica.

Para chegar à teorização da Pulsão de Morte, Freud percorre um caminho longo


que culmina na segunda teoria das pulsões e que possui, como um de seus principais
marcos, a primeira guerra mundial. Seu texto “Reflexões para os tempos de guerra e
morte” (1915), derivado das observações relacionadas à guerra e suas consequências,
vieram a revelar muito sobre o comportamento humano e foi uma peça de extrema
importância para a continuidade de seus estudos. A partir desse texto, Freud colocou em
evidência seu desapontamento com a perspectiva que nós, seres humanos, temos do
nosso próprio funcionamento, expondo – ao mesmo tempo em que negava –
pensamentos filosóficos e perspectivas ideológicas sobre a natureza humana como
benévola e honrosa. Torna-se claro como o contexto de violência e destruição
apresentado pela guerra vai se tornar um fundo propício à idealização da pulsão de
morte.
Outra contribuição vinculada às disputas e rivalidades internacionais do período
de guerra, para a teoria freudiana, se encontra em seu trabalho com os soldados daquela
época que lhe fizeram questionar o princípio básico que havia atribuído ao
funcionamento dos sonhos em “Interpretação dos sonhos” (1900). Para Freud, os
sonhos permitiam a realização de desejos inconscientes do sujeito de maneira
mascarada – graças ao afrouxamento da censura – possibilitando a manutenção do sono.
Os soldados que voltavam da guerra apresentavam, porém, uma espécie de alteração na
estruturação de seus sonhos que eram construídos de maneira a recriar os eventos
traumáticos que haviam transcorrido durante seus serviços na guerra, causando imenso
desprezar – naquela época a condição passou a ser conhecida como neurose traumática
e hoje é chamada de “estresse pós-traumático”. A partir dessa curiosa compulsão à
repetição, Freud começou a investigar em quais outras ocasiões ela se apresentava,
passando pelo comportamento das crianças e dos bebês – que, apesar de caracterizado
pela repetição, é passível de compreensão através do princípio do prazer e, portanto, foi
descartado como objeto de estudo – e eventualmente chegando ao comportamento das
células. É tendo como ponto de partida teorizações sobre o início da vida e a insistente
frequência da neurose de guerra que Freud vai, finalmente, concluir que algo se
encontra para “Além do princípio do prazer” e que há um caráter pulsional conservador
presente no comportamento humano. Isto é, uma tendência à repetição de experiências
com grande carga energética no intuito de eventualmente dominá-las e transformá-las
em algo familiar, restabelecendo um equilíbrio anteriormente perdido (FREUD apud
AZEVEDO).
Este é considerado um momento de atrito entre a antiga teoria pulsional de Freud
e esta nova postulação teórica. Antes, as pulsões possuíam um caráter progressivo e
agregador, porém, agora, se colocam como conservadoras de um estado a tempo
abandonado graças às demandas externas – aqui se encontra seu caráter regressivo.
Assim, a tendência do ser à mudança seria uma falácia, uma enganação, e esses novos
instintos (pulsões) mortíferos estariam “[...] fadados à uma aparência enganadora de
serem forças tendentes à mudança e ao progresso, ao passo que, de fato, estão apenas
buscando alcançar um antigo objetivo por caminhos tanto velhos quanto novos”
(FREUD, 1920, p.49).
A partir deste novo paradigma, Freud (1920, p.50) ressignifica o papel das
pulsões de autoconservação dizendo que “[...] essas guardiães da vida eram também
lacaios da morte”. A função delas continua a mesma – a de preservar o sujeito a partir
da satisfação de suas necessidades básicas, assim como impedi-lo de se colocar em
situações de perigo – porém, o significado dessa função muda. Anteriormente, se tratava
de promover a vida, já, agora, se trata de pavimentar o caminho para a morte de forma
que este se encontre sem pedras, buracos ou obstáculos, permitindo que o sujeito venha
a óbito de uma maneira natural que fuja de seu controle. Ou, nas palavras do fundador
da Psicanálise (1920, p.50): “O que nos resta é o fato de que o organismo deseja morrer
apenas do seu próprio modo” e “[...] seremos então compelidos a dizer que ‘o objetivo
de toda vida é a morte’, e, voltando o olhar para trás, que ‘as coisas inanimadas
existiram antes das vivas”.
Ainda, chama a atenção o fato de Freud ter intitulado o artigo em que discute a
pulsão de morte de “Para além do princípio do prazer” e fez isso com total perspicácia,
introduzindo outro princípio que veio a caracterizar e reger o funcionamento pulsional
mortífero: O Princípio de Nirvana. Esse princípio é tomado como a tendência
dominante da vida mental e é definido como “o esforço para reduzir, para manter
constante ou para remover a tensão interna devida aos estímulos” (FREUD, 1920, p.66).
Sabe-se que a segunda teoria pulsional freudiana não foi facilmente aceita e até
hoje é alvo de críticas. Em “O mal estar da cultura”, Freud (1929, pp.137-138) fala
sobre a resistência ao conceito de pulsão de morte:
A hipótese de um impulso de morte ou de destruição encontrou
resistência mesmo nos círculos analíticos; sei que muitas vezes existe
a tendência a atribuir tudo que se encontra de perigoso e hostil no
amor a uma bipolaridade original de sua própria essência. De início,
defendi as concepções aqui desenvolvidas apenas experimentalmente,
mas com o passar do tempo elas adquiriram tal poder sobre mim que
não posso mais pensar de outro modo.

Essa rejeição da segunda teoria pulsional se deu, em parte, pelas implicações


decorrentes da existência de uma natureza primária agressiva no comportamento
humano. Isso porque essa natureza é expressa através de atos destrutivos − do sujeito
para consigo mesmo ou do sujeito para com o mundo. Assim, o ser movido pela pulsão
de morte deixa de ser o homem bom, justo e inteligível, caracterizado em primeiro lugar
pela sua racionalidade, e se torna um ser violento que apenas será capaz de subjugar
suas tendências mortíferas se for inserido na cultura, através do amor, do amparo e
principalmente da censura. O que chama a atenção, porém, é o fato de que a cultura
encontra, na inclinação agressiva do ser humano o seu mais poderoso empecilho
(FREUD 1929).
Pode-se, então, retomar as considerações feitas por Freud (1915, pp. 290-291)
em “Reflexões para os tempos de guerra e morte” e aprofundá-las com um olhar
diferente, à medida que se percebe como a pulsão de morte se faz presente, de maneira
implícita, em todas as principais idealizações da obra. Através de algumas passagens é
notável a referência a comportamentos – colocados como impulsos e atos egoístas e
cruéis – que passam a ser definidos pelo pai da psicanalise como exemplos de um
processo onde as pulsões mortíferas são direcionadas para fora:
Quando a comunidade não levanta mais objeções; verifica-se
também um fim a supressão das paixões más, e os homens
perpetuam atos de crueldade, fraude, traição e barbárie tão
incompatíveis com seu nível de civilização que qualquer um os
julgaria impossíveis [...] a essência mais profunda da natureza
humana consiste em impulsos instintuais de natureza elementar,
semelhantes em todos os homens que visam à satisfação de
certas necessidades primevas [...] tomemos como
representativos os egoísticos e cruéis.

O ACOLHIMENTO DA CRIANÇA, SUAS PULSÕES MORTÍFERAS E A


ESQUIZOFRENIA

Em suas obras, Freud oferece destaque à batalha travada pelas pulsões de vida
no intuito de subjugar as tendências mortíferas autodestrutivas, e as direcionar para fora
de maneira saudável. O resultado deste conflito tende, em grande parte, a ser
determinado pelo desenvolvimento do sujeito, como postulado em “O ego e o Id”
(1923). Um superego muito permissivo é perigoso e dificulta a convivência social
positiva, porém um superego tirânico é igualmente perigoso, na medida em que leva a
agressividade do sujeito a ser completamente direcionada para o ego. Ou seja, aquele
que não consegue externar suas pulsões mortíferas se autodestruirá, enquanto aquele
que as exterioriza de maneira socialmente inaceitável será rejeitado e cometerá atos
classificados como intoleráveis.
Nessa direção, é importante retomar os processos de subjetivação e
desenvolvimento do indivíduo, e novamente direcionar a nossa atenção para o trauma
do nascimento. Esse trauma inicial é tomado por Freud como aquele que fundamenta as
experiências de angústia (FREUD apud CAROPRESO, 2015). Ele postula, portanto,
que as situações angustiantes para as crianças se tratam daquelas situações nas quais
elas sentem a ameaça de reviver o desamparo original – o nascimento – e novamente se
encontrar num estado de hiperexcitação sem fim. Nesse estado, a tensão proveniente dos
estímulos externos e internos apenas se acumula graças à impossibilidade de
escoamento da energia em excesso. Essa impossibilidade se dá porque o bebê nasce sem
condições – biológicas e psíquicas – de satisfazer suas necessidades básicas e cuidar de
si, ou seja, ele é incapaz de compreender e fazer cessar os estímulos causadores de
desprazer e, portanto, necessita de amparo.
É, apenas, através do amparo que o bebê vai se sentir desejado, protegido e
pronto para, gradualmente, entrar em contato com a cultura e com o social de maneira
saudável, ou seja, é apenas a partir do acolhimento que o sujeito será capaz de, pelo
narcisismo primário, amar a si mesmo e eventualmente ao outro. Desenvolvendo, assim,
uma maneira saudável de lidar com suas tendências mortíferas, ao mesmo tempo em
que vai adquirindo capacidade de tomar conta de si.
O imperativo processo de acolhimento para o desenvolvimento saudável do
sujeito não deve ser de forma alguma subestimado. Sua importância é de conhecimento
coletivo, porém somente até certo ponto. Em seu artigo intitulado “A criança mal
acolhida e sua pulsão de morte” (1929), Ferenczi evidencia tendências que podem ser
destacadas no comportamento de crianças que foram “hospedes não bem-vindos na
família”. De acordo com ele, o infante seria capaz de perceber a impaciência e a
aversão da mãe, e ao se deparar com elas sua vontade de viver não se instalaria de
maneira satisfatória. Assim, no futuro esses mesmos sujeitos estariam tão tomados pela
sua destrutividade que qualquer acontecimento, por menor que fosse, desencadearia
sintomas representativos da vontade inconsciente de morrer. Ferenczi (p.57) também
postula que esses indivíduos apresentam traços de caráter semelhante como
“Pessimismo moral e filosófico, ceticismo e desconfiança”.
O acolhimento e as pulsões de morte também são temas de estudo de outra
grande teórica da psicanálise. Melanie Klein (apud SEGAL, 1975) fornece uma rica
teoria sobre a relação do recém-nascido com sua própria destrutividade e o seio materno
que o acolhe – ou como ela coloca: a primeira relação objetal da criança. Klein diz que
assim que o bebê nasce ele é dotado de um ego primitivo que, apesar de muito diferente
de um ego desenvolvido, é capaz de ter relações objetais e experimentar ansiedade. Ela
caracteriza esse ego primitivo como desorganizado, porém portador de uma tendência à
integração e defende que desde o nascimento esse ego é exposto a ansiedade
proveniente do conflito entre as pulsões de vida e de morte.
Esse conflito se dá, como já exposto, pela relação antagônica resultado das
experiências desagradáveis, por um lado, e do acolhimento e amor maternos, por outro,
e é favorecido pela predominância dos instintos mortíferos nos estágios iniciais da vida.
O infante precisa, então, utilizar estratégias, mecanismos de defesa para lidar com sua
ansiedade e deflete sua pulsão mortífera convertendo-a em agressividade ou projetando-
a para fora. A consequência dessa projeção da pulsão de morte é tornar mau o objeto
externo, porém, por ser acompanhada da projeção da libido, ao mesmo tempo em que
este objeto é percebido pelo infante como mau, é também percebido como bom. Assim
o objeto primário (o seio) é apreendido como gratificante e ao mesmo tempo como
ameaçador – é dividido em seio ideal e seio persecutório. Essa fase do desenvolvimento
é chamada de esquizo-paranoide.
As fantasias do seio mau e do seio bom serão estimuladas por eventos reais.
Como afirma Hanna Hegel (1975, pp.37-38):
A fantasia do objeto ideal funde-se com as experiências
gratificantes de amor e alimentação recebidos da mãe externa
real, e é confirmada por essas experiências, ao passo que a
fantasia de perseguição funde-se, de modo semelhante, com
experiências reais de privação e sofrimento, as quais são
atribuídas pelo bebê aos objetos perseguidores. A gratificação,
portanto, não apenas preenche a necessidade de conforto, amor e
nutrição, mas também é necessária para manter encurralada a
perseguição terrificante; e a privação se torna não apenas uma
falta de gratificação, mas também uma ameaça de aniquilação
por perseguidores.

Desse modo, vê-se mais uma vez a importância do amparo para o


desenvolvimento saudável do sujeito e para o controle de suas pulsões mortíferas.
Levando à conclusão de que durante os primeiros estágios da vida o objetivo do infante
é o de se identificar com o seio ideal e introjetá-lo, enquanto externa para fora de si as
partes do seu ego impulsionadas pela pulsão de morte, por meio de comportamentos
agressivo. A ansiedade nessa fase pode ser definida, então, como medo de que o “objeto
ou objetos perseguidores entrarão no ego e dominarão e aniquilarão tanto o objeto ideal
quanto o eu” (SEGAL, 1975, p.38)
Ainda de acordo com Segal (1975), na doutrina Kleniana, o desenvolvimento
saudável do infante é apenas possível se a identificação com o objeto ideal acontecer
repetidamente. Essa identificação irá diminuir o processo de clivagem do objeto em
bom ou mau, e como consequência favorecerá o processo de integração do ego, já que
permitirá um maior fluxo de energia libidinal. O bebê passa, então, a aceitar melhor sua
agressividade, levando, também, a uma diminuição do mecanismo de projeção,
ocasionando, desse modo, uma crescente diferenciação entre o eu e o objeto. Porém se
as experiências de privação e sofrimento forem dominantes sobre as de gratificação,
esse processo não acontecerá de forma bem-sucedida.
As características patológicas resultantes da soberania das experiências ruins
sobre as boas para o bebê e o consequente desequilíbrio entre as pulsões mortíferas e de
vida são muitas, porém é preciso destacar o comportamento esquizoide como sendo a
mais grave delas. A doença psicológica é vista como uma regressão a uma fase do
desenvolvimento na qual ocorreram perturbações patológicas criando pontos de fixação.
Para Klein (apud SEGAL, 1975), o ponto de fixação das psicoses se encontra nos
primeiros meses da infância e a perturbação patológica se trata da identificação do
infante com o objeto persecutório. A identificação projetiva com o objeto ruim leva ao
estilhaçamento e desintegração do ego. Essa violência se dá no intuito de destruir o ego
para que ele não possa ser vítima de sentimentos persecutórios, enquanto ao mesmo
tempo funciona como uma espécie de ataque ao objeto mau, que será percebido como
despedaçado e destruído assim como o ego. Esse processo tende, porém, a desencadear
ainda mais ansiedade, pois por um lado as percepções persecutórias continuam
presentes e são direcionadas aos pedaços do objeto mau e por outro a mutilação do
aparelho perceptual é igualmente dolorosa e ameaçadora. Estabelece-se assim um
círculo vicioso que leva a realidade a se tornar cada vez mais perseguidora e penosa.
Ainda discutindo o pensamento Kleniano apresentado por Segal (1975), torna-se
importante expor um dos métodos que o infante utiliza para lidar com essa realidade
intensamente persecutória − a negação mágica da realidade insuportável. Uma das
maneiras pela qual essa negação pode ocorrer é através da idealização do próprio objeto
perseguidor e a subsequente identificação com ele. Essa identificação pode levar o bebê
a se tornar excessivamente passivo, comportamento que pode ser erroneamente
interpretado como uma existência recheada de experiências boas. Trata-se, porém,
exatamente do contrário. É dito que os pacientes esquizoides, cuja primeira infância fora
caracterizada por esse tipo de projeção e por terem sido “bebês perfeitos”, quando
crescem, têm dificuldade de discriminar entre aquilo que é bom e aquilo que é mau.
Tanto do ponto vista individual, ou seja, aquilo que é agregador ao seu bem-estar;
quanto do ponto de vista social, ou seja, aquilo que é considerado aceitável e admirável
dentro do contexto cultural.
PSICANÁLISE, CRIMINOLOGIA E O COMPORTAMENTO DESTRUTIVO

Em face dessas considerações sobre a pulsão de morte e o desamparo da criança


é possível, então, apresentar interseções entre o mundo da psicanálise e o da
criminologia. O comportamento desviante humano foi sempre alvo de intrigantes
questionamentos, especialmente os relativos a condutas delinquentes e assassinas. Todo
grupo, toda comunidade sempre questionou – e provavelmente continuará a questionar
até a extinção humana – os motivos por trás de atos atrozes cometidos por aqueles que
insistem em, não só desobedecer às normas e leis, mas, também, em distorcê-las de
modo a justificar suas ações e a legitimar a destruição de aspectos do coletivo com os
quais não se identificam. A psicanálise desde sua concepção sempre se interessou em
estudar esses sujeitos, cujas ações são vistas como inexplicáveis – pelo popular – ou
como resultado de uma ausência de devoção a Deus – pelos religiosos.
Seguindo essa tradição, Franz Alexander e Hugo Staub, em 1935, publicaram o
livro El Delincuente y Sus Jueces. A tese postulada por eles é de que existem três
grupos principais de criminosos; os criminosos neuróticos, os normais e os enfermos
(ALEXANDER & STAUB apud TENDLARZ & GARCIA): Defendem que os
criminosos neuróticos têm – como o nome sugere – um funcionamento similar ao de um
neurótico; em sua psique há um conflito sendo travado e eles se sentem impotentes para
resolver, mas ao contrário de um neurótico que apazigua o conflito através de sintomas,
o criminoso lida com o conflito por meio de ações reais que impactam o exterior. Os
criminosos normais definem como possuidores de uma estrutura psíquica similar à de
uma pessoa considerada “saudável”, porém se identificam com modelos criminosos;
nesse caso, o crime não possui característica sintomática, mas encontra sua etiologia na
comunidade criminosa em que o sujeito cresceu – aqui pode se falar de um “superego
criminoso” tal como afirma Aichhorn (AICHHORN apud TENDLARZ & GARCIA,
2013). O último grupo se refere aos criminosos enfermos, cujo comportamento, de
acordo com eles, é explicado através de doenças psíquicas e/ou orgânicas, como, por
exemplo, a psicose.
A classificação apresentada por Alexander e Staub é considerada como um
marco para as ciências criminológicas, tendo sido interpretada de diferentes maneiras
por profissionais das mais variadas áreas. É possível, porém, de acordo com a
explanação contida no presente texto, tentar explicar a tendência para cometer certos
atos criminosos e destrutivos a partir dos estágios mais primitivos do desenvolvimento
humano, tendo como referência o conceito de pulsão de morte. Torna-se, então,
imperativo revisitar os escritos ferenczianos a procura de mais postulações sobre o papel
das pulsões mortíferas.
No seu artigo “Psicanálise e Criminologia” Ferenczi (1928) apresenta diversas
contribuições que a psicanalise pode trazer para o estudo da criminologia, na tentativa
de compreender o comportamento de criminosos. Em uma dessas contribuições, o autor
(p.227) aborda a possibilidade de uma criança que tenha vivido uma infância traumática
venha a se tornar um jovem levado a apresentar comportamentos criminosos logo cedo,
por se encontrar preso a uma compulsão a repetição:

Pode ocorrer que uma criança relativamente normal ao nascer, seja


impelida precocemente numa pretensa orientação criminosa, por
exemplo, que o rapaz se torne uma peste e dê a todos a impressão de
um criminoso nato, quando, na realidade, ele age toda a sua vida sob a
influência do que se designa por compulsão à repetição, ou seja, a
compulsão para repetir ainda e sempre, em circunstâncias diferentes,
os traumatismos patogênicos.

E, em outra perspectiva, provavelmente a mais relevante para o contexto deste


trabalho, Ferenczi reconhece a importância da segunda teoria pulsional freudiana e das
tendências agressivas do ser humano, retomando, assim, as postulações de Freud sobre
o objetivo de todo ato pulsional − o apaziguamento e a extinção da energia proveniente
de estímulos. E afirma que esse apaziguamento pode ser feito por meio de duas
diferentes vias: a via indireta da adaptação, regida pelo princípio da realidade, e a via
direta da morte. Ferenczi também retoma a noção de que as pulsões sádicas são
derivantes de impulsos autodestrutivos que foram dirigidos para o exterior e,
finalmente, conclui:

No Crime e no suicídio, essas forças destrutivas que, normalmente,


são subjugadas e dirigidas para a atividade social e para o controle das
manifestações pulsionais sexuais, logram reencontrar seu modo de
expressão elementar e cru (FERENCZI, 1928, p.232).

É interessante notar que os paralelos entre o crime e o suicídio não são apenas
expostos por Ferenczi. Freud e Lacan também chegaram a defender, em suas respectivas
obras, relações entre os dois. Freud afirma que alguns crimes são, na realidade, um
suicídio camuflado, mas que nem por isso deixam de envolver outra pessoa (FREUD
apud TENDLARZ & GARCIA, 2013), enquanto Lacan fala sobre um crime
autopunitivo, que consiste em matar a si mesmo, o inimigo interior, por meio do outro –
através da projeção de si na vítima (LACAN apud TENDLARZ & GARCIA, 2013).
Pode-se retomar, então, o pensamento freudiano apresentado em “O mal estar na
cultura” (1930). Nesse texto, a advertência sobre os riscos da desfusão pulsional – o
desequilíbrio entre as pulsões de vida e de morte – é clara e pode ser entendida como
assustadora. É dito que sem a censura, com a qual a pulsão de vida tem que lidar – e que
leva à sublimação, ou seja, ao redirecionamento das pulsões para atividades socialmente
aceitas – a pulsão de morte vem a se expressar através de tendências destrutivas.

O UNABOMBER

No intuito dar continuidade a este artigo será apresentada uma breve análise de
um caso, objetivando mostrar na prática o que foi abordado até agora. O caso escolhido
foi o do Unabomber que chocou e intrigou o mundo, entre 1978 e 1996, e pode nos
levar a pensar a pulsão de morte como catalisadora do ato criminoso. O material
biográfico e histórico que será apresentado em seguida foi obtido por meio do
documentário “Assassinos em Série - Ted Kaczynski - O Unabomber”, exibido pelo
canal Discovery Channel, e do livro “Sobre a confiabilidade e outros estudos” (2011),
de Elsa Oliveira Dias.
O Unabomber foi um serial-bomber – termo derivado de serial-killer –
classificado pelo FBI como terrorista caseiro. Isso significa que seus instrumentos de
destruição se tratavam de bombas feitas com materiais não ortodoxos, ou seja, bombas
caseiras. Esse fato veio a revelar o alto nível de inteligência do criminoso, tornado ainda
mais evidente pelo seu método de enviar bombas pelos correios, fazendo com que as
digitais dos empregados da instituição gravadas nos pacotes, complicando bastante o
trabalho da polícia.
Ele executou seus dois primeiros ataques com bombas em 1978, à Universidade
de Northwestern. O primeiro passou despercebido, levando-o a atacar novamente pouco
tempo depois. Porém, as consequências de sua segunda tentativa também foram
pequenas. Em ambos os casos, ele apenas conseguiu ferir superficialmente a um guarda
e a uma estudante, respectivamente. Seu terceiro ataque foi em 15 de novembro de
1979. Ele enviou uma bomba para ser transportada num voo pela American Airlines em
direção a Washigtion. Felizmente a bomba falhou e apenas pegou fogo, porém o
incidente foi preocupante o suficiente para atrair a atenção da polícia e da mídia, graças
aos assustadores cenários que poderiam ter sido concretizados, caso o explosivo tivesse
detonado da maneira programada.
Em junho de 1980, o Unabomber atacou novamente, dessa vez apresentando
materiais mais sofisticados no processo de confecção de suas bombas. Seu alvo foi um
executivo que acabou com graves ferimentos no rosto e na perna. A partir desse quarto
ataque, o Unabomber passou a deixar uma assinatura em todos os seus dispositivos: as
iniciais FC. É também de chamar a atenção o fato de que o alvo nesse atentado foi Percy
Woods, o dono da United Airlines – uma companhia área.
Entre 1981 a 1985, as bombas de número 5, 6, 7, 8 foram todas direcionadas a
universidades. Foram plantadas no intuito de matar, porém não conseguiram seu intento,
mas feriram gravemente suas vítimas, levando-as a perder partes importantes dos
sentidos básicos – como visão ou audição. A bomba de número 9 foi enviada a uma
fábrica de aviões em Washington, porém antes de ser detonada foi percebida pelo
segurança do local que alertou à polícia. O esquadrão antibombas foi ativado logo em
seguida e demorou 6 horas para puder desarmá-la. Esse fato levou o FBI a notar que as
bombas estavam ficando cada vez mais sofisticadas e perigosas com o passar do tempo.
Em dezembro de 1985, o Unabomber plantou sua décima bomba e pela primeira
vez obteve o sucesso que tão tenazmente perseguia, conseguindo matar sua primeira
vítima: o dono de uma loja de computadores. Suas bombas haviam passado a ser
projetadas no intuito de se fragmentarem em milhares de minúsculos pedaços e, desse
modo, matar através de perfurações por estilhaços. Mais adiante, se descobriu que ele
havia descrito em seu diário esse método de assassinato como uma maneira “humana de
matar”.
É interessante notar que até esse ponto, diferentemente de outros seriais-killers
famosos, o Unabomber não havia se comunicado com as autoridades. Esse fato levou
muitos especialistas a se perguntarem sobre os verdadeiros motivos por trás de suas
práticas e dificultou, sobremaneira, o processo da criação de um Criminal Profile. Como
resultado todos os Perfis Psicológicos feitos dele, durante todo o processo de
investigação, fracassaram em fornecer pistas relevantes.
Em 1988 o Unabomber desapareceu. Seus ataques seguiam um padrão de em
média uma a duas bombas plantadas por ano, porém durante seis anos ele não executou
nenhum atentado. Muitos consideraram que talvez tivesse se suicidado – é dito pelo FBI
que a vida média de um serial-killer que não é capturado é de 30 a 40 anos; após os 40,
eles costumam cometer suicídio ou são mortos por se colocarem em situações de perigo.
Porém, em 1993, ele retornou. Havia passado todo esse tempo aperfeiçoando
suas bombas e anunciou sua presença enviando explosivos para dois cientistas de
diferentes universidades, contudo, mais uma vez falhou na tentativa de matar seus alvos.
Um ano depois, em 1994, ele voltou a seu antigo padrão de um a dois atentados por ano
e conseguiu matar sua segunda vítima ─ um executivo de New Jersey. Quatro meses
depois mata a terceira ─ um serralheiro. Sua técnica de confecção de bombas havia sido
refinada a ponto de se tornar mortal.
Em 1995, o Unabomber enviou para o New York Times uma tese chamada “A
Sociedade Industrial e seu futuro”, que veio a ser apelidada pela mídia como “O
Manifesto”. Ele ofereceu uma proposta de trégua, prometendo cessar seus ataques, se
sua tese fosse publicada. Essa proposta foi bastante debatida pelas autoridades na época,
pois não havia garantia de que seus ataques de fato cessariam, mas eventualmente foi
acatada. Seu manifesto foi bem aceito e condecorado por uma grande parcela do
público, enquanto ao mesmo tempo foi desprezado e condenado por outra. A tese tem
como tema central uma crítica à sociedade industrial e da tecnologia. Refere-se a uma
sociedade controladora do comportamento humano, destruidora da criatividade e
causadora de sentimentos de impotência. A partir da leitura de “O Manifesto” muitos
passaram a considerar o Unabomber como um ativista social, enfatizando que ele
matava no intuito de fazer sua mensagem ser ouvida.
Ao contrario do que era esperado por muitos, o Unabomber cumpriu sua
promessa e cessou seus ataques. Sua subsequente captura veio a ocorrer no dia 3 de
abril de 1996, através de seu irmão – David Kaczynski – que ao ler “O Manifesto”
conseguiu identificar ideias, postulações e idiossincrasias familiares. A identidade do
Unabomber foi, então, revelada ao público; seu nome era Ted Kaczynski.

TED KACZYNSKI

Filho de imigrantes poloneses, Ted Kaczynski nasceu em maio de 1942. Foi o


primogênito de uma família de dois filhos e tinha uma relação boa com seu irmão. A
família era de classe média baixa e morava em um bairro de operários. Seus pais eram
conhecidos por serem engajados socialmente, com ideais políticos de esquerda. Sua
mãe, em particular, era considerada uma intelectual.
Durante seus primeiros messes de vida, o bebê Ted teve uma experiência
bastante traumática. Após contrair urticária, foi internado no hospital e, em razão de
politicas de conduta da instituição, sua mãe não pôde permanecer no local com ele. É
dito que graças a complicações não esclarecidas, a estadia do infante no hospital teve
que ser prolongada por um tempo longo. Sua mãe relatou que após sua volta para o lar,
Ted não sorria mais. Havia se tornado um bebê retraído, assustado e não respondia a
tentativas de interação.
Em continuidade com o que foi relatado pela mãe de Ted, durante sua infância
vivia isolado, era tímido e passivo – porém as vezes explodia e tinha ataques raivosos
sem nenhum motivo aparente. Sentia-se pouco a vontade na companhia de outras
crianças, escolhendo não brincar com elas. O próprio Ted parece concordar com essas
observações e escreve, em sua autobiografia, que sua infância se deu sem “grandes
acontecimentos”, dizendo, também, que nunca se interessou por esportes ou atividades
que demandassem dele fisicamente.
Por outro lado, era compreendido que Ted se tratava de um gênio desde
pequeno; na quinta série, ele se submeteu a um teste de QI – por atingir êxito nas
atividades escolares apesar de se ausentar bastante das aulas – e o resultado foi de 1671.
Esse episódio levou Ted a pular dois anos letivos, resultando no seu ingresso a Havard
com apenas 15 anos.
Em Havard, Ted participou de um experimento que marcou sua vida acadêmica.
Durante seu segundo ano na instituição, com apenas 17 anos, ele se ofereceu para
participar de uma pesquisa que estava sendo conduzida pelo departamento de psicologia
comportamental do campus. A pesquisa foi coordenada por um professor de prestígio da
universidade ─ Henry Murray. O time de Murray pediu que Ted escrevesse uma tese
descrevendo sua filosofia de vida com o pretexto de discuti-la com outros estudantes,
porém se tratava de uma armação. Ted foi colocado para debater contra advogados, que
haviam sido instruídos a agredir verbalmente os participantes da pesquisa e a insultar
suas ideologias. O objetivo da pesquisa era desenvolver um método de tortura
psicológica que pudesse ser usado por espiões. Esse acontecimento foi considerado
traumático por Ted e o levou a escrever uma tese de 23 páginas, que serviu como
precursora do manifesto, atacando a tecnologia e pesquisas financiadas pelo governo.
Após o acontecimento, Ted terminou sua formação em Havard de maneira
extremamente isolada. Seus ex-colegas de dormitório relataram que ele passava o dia
inteiro trancado no quarto e só saia para as aulas. Quando retornava, se trancava
novamente para estudar.
Depois que se formou, Ted fez mestrado em matemática, pela universidade de

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A escala QI foi idealizada, como conhecemos hoje, por Lewis Termane em 1916 e mede o Quociente de
Inteligência. Sujeitos que tiram acima de 130 são considerados superdotados.
Michigan. Sua tese foi premiada e isso levou a UC Berkley a lhe convidar para ensinar.
De inicio Ted aceitou, porém passou pouco tempo lecionando. Apenas o suficiente para
arrecadar uma quantia de dinheiro que o permitisse começar uma vida alternativa, longe
da sociedade e isolada. Em 1971, ele comprou um terreno nos arredores de Lincoln ─
Montana, e construiu uma pequena cabana de madeira. Tudo parecia estar indo bem e
Ted se encontrava satisfeito com sua propriedade recém-adquirida. Porém, com o passar
do tempo, estradas foram construídas e a floresta que o rodeava começou a ser
desmatada para dar lugar a moradias. Ainda, aviões começaram a sobrevoar sua cabana.
A sociedade tecnológica que ele tanto criticava estava invadindo-o. Foi nesse momento
que Ted decidiu se tornar o Unabomber, enviando sua primeira bomba em 1978.
Kaczynski viveu de maneira humilde durante toda sua “carreira” como serial-
killer; com apenas 1000 dólares por ano, sem água encanada ou eletricidade. A sua
cabana era pequena, de aproximadamente três metros quadrados; possuía apenas um
cômodo e era desorganizada; continha prateleiras com materiais inflamáveis que
poderiam pegar fogo ou explodir a qualquer momento. Tudo isso era invisível, pois não
trabalhava ou participava ativamente da sociedade.
A sua captura foi seguida de grande euforia nacional americana e seu julgamento
foi acompanhado de perto por milhares, que em parte o admiravam e em parte o
odiavam. Após a sua audiência preliminar, a defesa de Ted percebeu que o único jeito
de evitar que ele fosse condenado a pena de morte seria alegando insanidade. Uma
avaliação psicológica foi realizada e Kaczynski foi diagnosticado como esquizofrênico
paranoico. Sua cabana foi tomada como uma analogia do seu estado mental,
desorganizado e caótico.
Ted não gostou desse diagnóstico e demitiu seus advogados, decidindo
representar a si mesmo legalmente. Sua preocupação era a de que, ao alegar insanidade,
sua ideologia não seria levada a sério, seria vista como o delírio de um homem louco.
Mas, mesmo contra sua vontade, as alegações de esquizofrenia foram consideradas pelo
juiz e Ted foi sentenciado à prisão perpetua ao invés da pena de morte.

ANÁLISE
De início, é interessante colocar em destaque o diagnóstico de esquizofrenia
paranoica, que foi defendido por psiquiatras sobre o estado mental de Ted. De acordo
com o pensamento kleniano abordado por Segal (1975) – e já discutido neste artigo – a
origem da psicose se dá nos primeiros meses de vida, por meio da desintegração e da
fragmentação do ego do bebê. Essa medida “defensiva” é tomada pelo infante no intuito
de proteger seu ego de sentimentos persecutórios, e é uma tentativa desesperada de lidar
com as experiências reais de privação e sofrimento. Deve-se ressaltar – novamente –
que esse processo tende a levar a mais ansiedade e angústia.
Na vida de Ted o momento que pode ser apontado como catalisador de sua
estruturação psicótica é o seu internamento no hospital. Durante esse período ele sofria
de urticária e foi completamente isolado de sua mãe. É possível admitir que a urticária –
que possui como sintoma coceiras, inchaço facial e sensações de queimação – deve ser
demasiada assustadora para um infante que, ao ser atingido pelas dores e desconfortos
físicos da doença, precisaria mais do que medicamentos que amenizassem os efeitos
desagradáveis dos sintomas. É plausível assumir que a privação do bebê de sua figura
materna – e do amparo emocional que ela poderia oferecer – em uma situação como
essa, foi decisiva no seu desenvolvimento.
Segal (1975) diz que o bebê esquizoide vive em um mundo diferente daquele de
uma criança com um desenvolvimento normal, afirmando que além do dano ao seu
aparelho perceptual, o infante se sente cercado e perseguido por objetos hostis. Essa
constatação pode explicar o comportamento de Ted após ter recebido alta do hospital:
retraído, assustado e apático. Ainda sobre seu diagnóstico, é interessante notar a
semelhança do seu método de confeccionar bombas com o estado do seu ego. Seus
explosivos eram projetados no intuito de se fragmentarem em milhares de minúsculos
pedaços, de maneira análoga a um ego desintegrado e estilhaçado.
Seguindo adiante, é notável o quanto essa experiência traumática deve ter
afetado o equilíbrio pulsional de Ted. A soberania da pulsão de morte pode ser
percebida no seu comportamento extremamente isolado na infância, e no seu
fechamento para com o mundo.
Ao se concentrar, apenas, no seu desempenho escolar e acadêmico, Ted poderia
estar mais uma vez mostrando sinais de um comportamento mortífero. A partir do
momento em que escolhia se colocar distante de situações novas ou inusitadas, e se
atrelar ao conforto de uma previsibilidade matemática, ele estaria tentando diminuir ao
máximo possíveis estímulos imprevisíveis, provenientes da vida em sociedade. Sua
tendência de se manter longe de conflitos ou situações que demandassem equilíbrio
emocional pode ser observada, também, na sua passagem por Havard. É possível supor
que após a sua experiência traumática com o experimento de Psicologia, do qual havia
participado como voluntário, essa tendência fora amplificada.
O subsequente autoconfinamento de Ted na floresta, onde vivia cercado por
nada e ninguém, pode ser tomado novamente como expressão de suas inclinações
mortíferas. É possível admitir que Kaczynski se encontrava ciente do seu crescente ódio
pela sociedade e da possibilidade de, eventualmente, cometer algum ato criminoso.
Desse modo, pode ter construído sua cabana no intuito de amenizar as suas percepções
persecutórias – características da esquizofrenia paranoide – e de ter um lugar
simplesmente para morrer em paz. Assim, os processos de invasão tecnológica e
desmatamento que ocorreram ao seu redor – logo após ele começar a viver na floresta –
podem ser destacados como crucias no seu processo de transformação no Unabomber. E
podem ter sido entendidos por Ted como justificantes de suas percepções persecutórias,
levando-o a reagir através de um ataque ao objeto externo hostil, no intuito de
despedaçá-lo.
A partir do exposto, torna-se interessante observar a relação entre o instrumento
de destruição em massa, utilizado pelo Unabomber, e o perfil de suas vítimas. Bombas
fazem muito mais do que simplesmente matar, elas desfiguram, destroem, assim como
também danificam o ambiente e os arredores no qual o alvo se encontra. Além disso, o
Unabomber não escolhia suas vitimas através de características individuais. Não se
tratava de um serial-killer comum que apresentava um padrão estético, de gênero ou de
idade ao escolher a quem atacaria em seguida. Ele selecionava suas vítimas de acordo
com seu valor social. O quão mais influente e perpetuador de uma sociedade industrial
alguém fosse, maior suas chances de se tornar um alvo. As bombas podem ser vistas,
então, como uma maneira de destruir, não apenas o sujeito, mas todo o seu trabalho.
Ao enviar explosivos para exponentes de grandes universidades e representantes
de companhias aéreas, o objetivo do Unabomber era de destruir a sociedade que essas
instituições alimentavam. Essa sociedade é a mesma que ele crítica em seu Manifesto,
vista por ele como controladora e barulhenta. Pode-se assumir, então, que o objetivo
final do Unabomber era o de extinguir os estímulos externos causados por uma
sociedade agressiva, através da destruição desta.
Torna-se possível deduzir que, nos momentos iniciais, as pulsões mortíferas de
Ted estavam direcionadas para si, porém a sociedade o “impediu” de satisfazê-las
frustrando a sua tentativa de isolamento. Desse modo, revidou, direcionando suas
pulsões mortíferas para a sociedade. Após ser preso, Kaczynski queria ser condenado à
pena de morte. Seus motivos conscientes eram o de se tornar um Mártir e negar seu
diagnóstico de psicose. Porém, levando em consideração o seu histórico, ou seja, tudo
que fizera até aquele momento, e as postulações teóricas aqui já expostas, pode-se
inferir a existência de um verdadeiro desejo inconsciente de morrer guiando seus atos.
Por fim, é interessante destacar a ironia no fato de que as opiniões do
Unabomber sobre a sociedade industrial podem ser comparadas as opiniões freudianas
sobre a cultura. Para Ted, a sociedade o persegue e é controladora, castradora, além de o
impedir de expressar sua verdadeira natureza. Já para Freud (1930, p.144), a cultura é o
que rege o convívio social: “Assim, a cultura domina a perigosa agressividade do
indivíduo na medida em que o enfraquece, desarma e vigia através de uma instância em
seu interior, do mesmo modo que uma tropa de ocupação na cidade conquistada”.
REFERÊNCIAS

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