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As Pulsões e a AIDS
O trabalho busca relacionar a dualidade das pulsões a partir dos escritos de Freud, com
exemplos de atendimentos de pacientes com AIDS. Salienta a luta constante entre Eros e Tânatos
e a necessidade do estabelecimento de relações de objeto satisfatórias para a manutenção da
espécie.
Introdução
As Pulsões
O termo pulsão foi traduzido para o português de diversas formas, ora como
instinto, ora como impulso; no entanto, de acordo com vários autores consultados
(Laplanche, 1967; Green, 1973; Mezan, 1991) a definição de pulsão a partir do
termo trieb representaria uma abrangência maior como o próprio termo indica:
“Trieb, tal qual usado em alemão, entrelaça quatro momentos, que conduzem do geral ao singular.
Abarca um princípio maior que rege os seres viventes e que se manifesta como força que coloca
em ação os seres de cada espécie, que aparece fisiologicamente ‘no” corpo somático do sujeito
como se brotasse dele e o aguilhoasse; e, por fim que se manifesta ‘para’ o sujeito, fazendo-se
representar ao nível interno e íntimo, como se fosse vontade ou um imperativo pessoal” (Hanns,
1996, p. 338)
Esta definição será utilizada no transcorrer deste trabalho pois, privilegia o
que pode ter sido uma preocupação inicial de Freud, já no Projeto em 1895, no
qual salientava a importância das conexões entre quantidade e qualidade de
energia, excitações internas, aumento de tensão, busca de descarga e, vida
instintual primitiva. Ele apontava que para determinadas necessidades internas do
corpo, não havia meio de fuga, há não ser através de certas condições realizadas
no mundo externo.
Freud (1905) em “Os três ensaios sobre a teoria da sexualidade”, escreve
sobre a questão da ambivalência perante os pares opostos de pulsões, a
qualidade do estímulo como fonte de excitação sexual e a importante teoria da
libido. Ele afirma que só é possível a observação da libido do ego quando esta se
converte em libido do objeto. Diz ele: “Vemo-la então concentrar-se nos objetos, fixar-se
neles ou abandoná-los (...). Podemos ainda inteirar-nos, no tocante aos destinos da libido, de que
ela é retirada dos objetos, mantém-se em suspenso em estados particulares de tensão e, por fim, é
trazida de volta para o interior do ego, assim se reconvertendo em libido do ego (...). A libido
narcísica ou do ego parece-nos ser o grande reservatório de onde partem as catexias de objeto e
no qual elas voltam a ser recolhidas” (Freud, 1905, p. 205).
A questão do “encontro do objeto” ser um “reencontro” prende-se ao fato do
indivíduo poder encontrar dentro de seu ego as satisfações originais vindas de
seus primeiros objetos. A capacidade de amar auxilia no controle da angústia
infantil, no temor do desamparo e, está diretamente vinculada a qualidade de
investidura do objeto.
O processo primário regido pelo principio de prazer-desprazer, perante a
frustração do prazer, levaria a busca do objeto através do principio da realidade.
Assim, o desenvolvimento do indivíduo, o aumento de suas necessidades lhe
dirigiriam para o externo onde buscaria o reencontro com o prazer outrora perdido.
A entrada do princípio da realidade seria o único caminho através do qual
ocorreria o desenvolvimento da espécie e a evolução do próprio indivíduo,
adequando-o ao mundo circundante. A evolução dos processos de consciência,
das qualidades sensórias, da atenção, da memória, da capacidade crítica e do
pensar são apresentados por Freud (1911) em “Formulações sobre os dois
princípios do funcionamento mental” .
Freud (1915) segue com suas idéias a respeito da pulsão, dizendo ser ela
um estímulo aplicado a mente, que surgiria de dentro do próprio organismo,
imprimindo uma força constante no indivíduo; seria uma necessidade em busca
Fepal - XXIV Congreso Latinoamericano de Psicoanálisis - Montevideo, Uruguay
“Permanencias y cambios en la experiencia psicoanalítica" – Setiembre 2002
Relato de casos
Paula, tem seis anos, é uma menina loira de vivos olhos castanhos que
acompanham qualquer pessoa que dela se aproxima. Ela interna para investigar
infecções intestinais repetidas. A equipe solicita o atendimento para a paciente
pois a sente muito triste e de difícil contato.
Em meu primeiro contato com Paula, ela me pareceu muito assustada e
desconfiada. Apresento a caixa de brinquedos e ela apenas consegue explorar os
objetos com os olhos. Não consegue pegar nenhum brinquedo. Falo que entendo
que ela está assustada pois não me conhece e não sabe o que está acontecendo
com seu corpo. Ela passivamente concorda com a cabeça. Explico-lhe que irei
acompanhá-la enquanto estiver no hospital e que para isso iremos conversar e
brincar até que possamos juntas entender o que acontece com ela. Ao me
despedir, ela me chama pelo nome e diz que precisa me mostrar algo. Sento ao
seu lado e ela pede para desenhar. Desenha um coração utilizando muitas cores.
Tenho a sensação que através de seu desenho tenta me comunicar como se
sente e lhe digo: “tu deves estar te sentindo assim, como este coração,
apertadinho,assustada, com medo”. Ela sorri e diz: “ É para ti”. Falo que imagino
que ela tenta me dizer que espera que eu ajude e se sentir melhor.
Faço a seguir uma entrevista com seus pais conjuntamente com a médica
responsável pelo caso. Os pais de Paula são bastante humildes e moram numa
vila na periferia da cidade. Não sabem o que está acontecendo com a filha e ficam
assustados quando são orientados a coletar sangue para realizar o teste de HIV.
Descrevem a menina como sendo muito alegre e com bom relacionamento com os
irmãos e vizinhança.
O teste de Paula dá positivo para AIDS, os pais são informados, não
conseguem entender como ela poderia ter adquirido o vírus da AIDS já que eles
não o possuem, mas lembram de uma hospitalização da filha por desnutrição,
quando bebê. Eles se mostraram muito tristes e buscaram esclarecimentos
constantes junto a equipe. Após a alta da menina compareceram sempre as
consultas ambulatoriais.
Em sua segunda internação, dois meses após a primeira, Paula está mais
deprimida mas já parece habituada ao ambiente hospitalar, entrosando –se com
Fepal - XXIV Congreso Latinoamericano de Psicoanálisis - Montevideo, Uruguay
“Permanencias y cambios en la experiencia psicoanalítica" – Setiembre 2002
Pedro, 11 anos, hemofílico, está na quinta série. Ele não está mais
interessado na escola como no ano anterior. Seu rendimento baixou e ele falta
com freqüência as aulas. Ele costumava ser o colega com que todos queriam
brincar. Hoje ele brinca sozinho. Os colegas o abandonaram. Pedro perdeu o
interesse em brincar e tem dificuldades em fazer amigos. Pedro sabe que está
com AIDS e pergunta muitas vezes quando tudo irá terminar.
Em suas horas de jogo divide os brinquedos em dois exércitos. Há sempre
uma luta constante onde ocorre uma alternância de vencedores. Nestas horas fica
muito angustiado e pede várias vezes que eu lute junto com o exército dele. Em
outros momentos diz “tudo está perdido, não há mais luta, não há contra o que
lutar, é tudo igual, tudo a mesma coisa.”
Referências Bibliográficas
MEZAN, R. (1991). Freud: a trama dos conceitos. São Paulo: Perspectiva, 1991,
3ed.
Anexo
Via Láctea
Renato Russo