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TEORIA DAS PULSÕES

Alexandre Bustani Louzada e Kin Fon Hwang 

Foi na primeira edição dos Três ensaios sobre a teoria da sexualidade (1905) que


encontramos pela primeira vez a palavra pulsão na obra freudiana, a respeito de uma teoria
sobre a sexualidade humana. O que está em questão neste texto é essencialmente a pulsão
sexual. A pulsão é definida como representante psíquico de estimulações constantes de fonte
endógena, se tratando, portanto, de um conceito limítrofe entre o psíquico e o somático.

Neste mesmo texto, Freud introduz a noção de pulsões parciais ligadas a zonas erógenas
determinadas, cuja soma constitui a base da sexualidade infantil. Embora estejam ligadas à
sexualidade infantil, a puberdade não significa um abandono delas. Essas pulsões parciais
que funcionam, na infância, através de atividades parcelares, no adulto, funcionam sob a
forma dos prazeres preliminares e nas perversões. Embora na puberdade, a sexualidade
encontre certa organização, as pulsões parciais ainda se encontram ativas, mesmo que sob a
primazia dos genitais ou sob o destino do recalque.

Outro ponto importante deste texto foi a plasticidade conferida à pulsão, de forma que seu
objeto e sua finalidade são o que ela tem de mais variável, apesar de não poder prescindir
deles.

Em 1910, no texto A concepção psicanalítica da perturbação psicogênica da visão, Freud


enuncia seu primeiro dualismo pulsional, com a introdução do conceito de pulsão do eu. O
conflito psíquico se faria entre a pulsão sexual, a serviço da sexualidade e a pulsão do eu, a
serviço da conservação do indivíduo. A pulsão do eu participaria da defesa contra a invasão
do eu pela pulsão sexual. No texto Formulações sobre os dois princípios do funcionamento
psíquico de 1911, Freud detalha mais o conflito psíquico, submetendo a pulsão sexual ao
domínio do princípio do prazer e a pulsão do eu ao domínio do princípio da realidade.

O texto Sobre o narcisismo: uma introdução, de 1914, veio subverter o primeiro dualismo


pulsional, sem apresentar um segundo, com a idéia de que o eu é um objeto a ser investido
pela pulsão sexual. Em uma nova redistribuição da pulsão sexual encontramos a libido do eu,
que é a pulsão sexual investida no eu, e a libido objetal, que é a pulsão sexual investida em
objetos externos. Embora a pulsão do eu não tenha sido descartada da teoria freudiana e
ainda pudesse se opor à pulsão sexual, mais tarde, em 1923, depois do estabelecimento do
novo dualismo pulsional em 1920, Freud assume em Dois verbetes de enciclopédia: (A)
Psicanálise, (B) Teoria da libido que sua teoria das pulsões havia, nesta época, caído em uma
perspectiva monista, se aproximando da libido de Jung que tanto criticara. Ainda neste texto,
encontramos a idéia do refluxo da libido, que coloca que o aumento da libido objetal significa
a diminuição da libido do eu e vice-versa.

Em Pulsões e suas vicissitudes (1915), Freud resgata o conceito de pulsão relacionado à


diferenciação entre estímulos externos e estímulos internos, presente no Projeto para uma
psicologia científica (1895). Quando estímulos externos se apresentam ao aparelho neuronal,
este utiliza mecanismos de fuga no sentido de se livrar da estimulação. No caso dos
estímulos internos, a fuga não é possível. O cessamento de sua estimulação só pode ser
obtido de outra forma. É necessária uma ação específica que promova uma alteração
apropriada da fonte interna de estimulação. Mais precisamente, os estímulos internos exigem
do sistema nervoso muito mais do que os estímulos externos, e só tem sua fonte interna de
estimulação satisfeita através de atividades complexas e interligadas, através das quais o
mundo externo é modificado no sentido de promover a satisfação.

Ainda neste texto, Freud reintroduz os elementos acerca do funcionamento da pulsão que
haviam sido indicados nos três ensaios: fonte [Quelle] (processo somático que ocorre em um
órgão ou parte do corpo, mas em termos de via mental só chegamos a conhecê-lo através
das finalidades pulsionais); finalidade [Ziel] (satisfação e só pode ser alcançada através da
eliminação do estado de estimulação, conseguida por um caminho direto ou através da
combinação de várias finalidades mais próximas ou intermediárias que se combinam e se
intercambiam umas com as outras, no sentido de chegar à finalidade última);
e objeto[Objekt] (através de um objeto que a pulsão consegue alcançar sua finalidade). Ele
ainda acrescenta mais um elemento, a pressão[Drang], se caracterizando por ser uma
pressão constante e é a própria essência da pulsão. Ela é seu fator motor, sua quantidade de
força que se configura em uma exigência de trabalho ao psiquismo. Para Freud toda pulsão é
ativa e só pode falar em passividade pulsional quando referido a finalidade.

Em sua primeira concepção do aparelho psíquico, Freud concebeu, do ponto de vista


econômico, como governado pelo princípio do prazer, que por sua vez decorre do princípio
de constância. O aparelho psíquico trabalharia no sentido de manter a quantidade de
excitação nele presente tão baixa quanto possível, segundo este princípio, de maneira que
uma diminuição de excitação corresponderia a uma sensação de prazer e um aumento, ao
desprazer ( Freud, 1920, pág 17-19). Na experiência clínica, no entanto, essa visão revelou-
se insatisfatória diante da descoberta de fenômenos como a ambivalência, o masoquismo, e
especialmente a compulsão à repetição, na qual o sujeito repete uma situação traumática,
seja em sonhos, seja através de uma atuação ou de outra formas. A compulsão a repetição
apresentou-se como um paradoxo, uma vez que, se a tendência do aparelho psíquico era o
alívio das tensões no sentido de se evitar o desprazer, o acontecimento traumático deveria
ser esquecido, e não repetido (Freud, 1920, págs 23-29, 31-37).

Em vista disso Freud postula a existência de uma tendência inerente ao organismo vivo a
reconduzí-lo à um estado anterior de coisas, ou melhor, fazê-lo retornar ao estado original
das coisas que é o estado inanimado, uma vez que a vida compareceu como um elemento
perturbador externo à esse estado inicial (Freud 1920, págs 53-54). Esse impulso será
denominado Pulsão de Morte e através dele Freud irá elaborar sua última teoria das pulsões,
ao mesmo tempo em que introduz a segunda tópica do aparelho psíquico. Nesta nova teoria,
a oposição não mais se dará entre pulsões sexuais, à serviço do princípio do prazer e pulsões
do ego, de caráter auto-conservativo, mas entre Pulsão de Morte e Pulsão de Vida ( Freud,
1920, pág 73). Estas últimas se contraporiam às de Morte, fazendo com que as unidades
vitais mantenham-se em funcionamento e constituam unidades cada vez mais complexas e
evoluídas, de modo a criar caminhos cada vez mais afastados, ou desviados do objetivo final
da Pulsão de Morte, que é o retorno ao inorgânico. A Pulsão de Vida impeliria o organismo
em direção à formas cada vez mais diferenciadas, tendo um caráter unificador e, portanto de
natureza sexual. A Pulsão de Morte, pelo contrário, impele o organismo no sentido de uma
descarga imediata. Esta por sua vez resultaria, em última instância, no esforço mais
fundamental inerente à toda substância viva que é o retorno ao estado inanimado, com a
eliminação de toda tensão existente (Freud, 1920, págs 53-61, 58-59, 83-85).

FREUD, S. Edição Standard Brasileira das Obras Psicológicas Completas de Sigmund Freud.
Rio de Janeiro: Imago, 1996.

_____ Projeto para uma psicologia científica [1890]


_____ Três ensaios sobre a teoria da sexualidade [1905] 
_____ Sobre o narcisismo: uma introdução [1914]
_____ Pulsões e suas vicissitudes [1915]
_____ Além do princípio do prazer [1920]
_____ O ego e o id [1923]

KAUFMANN, P., Dicionário Enciclopédico de Psicanálise: O Legado de Freud e Lacan - Jorge


Zahar Editor, Rio de Janeiro, RJ, 1996LAPLANCHE & PONTALIS, Vocabulário da Psicanálise -
2ª edição, 7ª tiragem, Editora Martins Fontes, São Paulo, SP, 1997MEZAN, R., A trama dos
conceitos - 4a edição, Editora Perspectiva, São Paulo, SP, 1998.

ROUDINESCO, E. & PLON, M.; Dicionário de Psicanálise - Jorge Zahar Editor, Rio de Janeiro,
RJ, 1998

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