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PAULO MARCHON
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a doença. Nada o impediu, porém, de trabalhar, até o fim de sua vida, na sua
criação – a Psicanálise.
Em 1887, ele conheceu Wilhelm Fliess, que viria a tornar-se seu amigo mais
íntimo, a quem ele dedicaria muito do seu entusiasmo, de sua confiança, durante
muitos anos e com quem manteria intensa correspondência, atualmente publicada,
além de encontros caracterizados por troca de projetos e trabalhos científicos que
ambos desenvolviam. Sete anos depois, Freud escreveria para ele: “você é meu
único Outro”. Um Outro com inicial maiúscula. A relação que ele desenvolveu com
seu amigo exprimiria, de alguma forma, o laço emocional que envolve o que
posteriormente iria se transformar, através do trabalho de Freud e seus pacientes,
em uma relação importante para o desenvolvimento e a realização de seus
projetos científicos. Sabemos que, durante esta relação de amizade, Freud
realizou sua auto-análise e que muitos detalhes dela foram discutidos e
conversados com Fliess, que funcionou como um autêntico Outro.
Faltavam quatro anos para terminar o século XIX, em 1896, quando Emmy
von N., uma paciente de Freud, lhe pediu que a deixasse falar o que ela estava
pensando naquele momento e não a interrompesse, permitindo-lhe assim
expressar suas idéias sem interferências de perguntas e intervenções. Freud,
pacientemente, atendeu à doente. No modo de ver de Peter Gay (p. 82), o grande
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historiador e biógrafo de Freud, aquele momento teria sido tão decisivo que teria
levado Freud a comentar que ali ele teria criado “a terapia psicanalítica, a mais
sensata”. Ainda no dizer de Peter Gay, se algum dia existiu “um médico capaz de
converter seus erros em fonte de discernimento”, este médico foi Freud. Pouco
depois, com outra paciente, Elizabeth von R, Freud teria feito o que ele mesmo
considerava “a primeira análise completa de uma histeria”. Estamos falando dos
momentos da criação da Psicanálise. A paciente propôs a associação livre de
idéias, Freud aceitou-a e passou o resto de sua vida dedicando-se a apurar o que
dizer e também o que não dizer ao paciente. O analisando, ao expressar tudo,
toda e qualquer idéia, sentimento, fantasia, não importando o que fosse, sem
crítica ou censura, colocava para Freud seus próprios enigmas e, desde então, tais
enigmas têm mobilizado a mente de dezenas de milhares de psicanalistas do
mundo inteiro, na tentativa de compreendê-los. Ele estava com quarenta e três
anos de idade; contaria ainda com mais quarenta anos de vida para aperfeiçoar o
que ele iria interpretar ao paciente e a todos nós. Porque, na realidade, os
problemas dos pacientes, por mais anômalos que sejam, são problemas humanos
e, portanto, de todos nós. Daí podermos compreender que Freud, da sua clínica,
tenha desenvolvido uma extraordinária revisão na compreensão, no estudo e no
entendimento do ser humano. Seus escritos invadiram inúmeros ramos do saber,
revolucionando o conhecimento que o homem tem de si mesmo, pela força de
suas idéias e pelo enriquecimento constante que suas teorias produziam.
Mobilizou um questionamento fecundo sobre o mundo inconsciente e sua relação
dinâmica com nossa personalidade e nossa história pessoal.
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A auto-análise de Freud
No prefácio de A interpretação dos sonhos, Freud escrevia que seu livro era
“parte da minha própria auto-análise; minha reação à morte do meu pai – isto é, ao
evento mais importante, à perda mais pungente da vida de um homem” (1900,
p.32). O pai de Freud faleceu em 1896. A tristeza de Freud, em virtude da perda,
foi excepcionalmente intensa. Em Psicanálise, não há como descartar a biografia
do seu fundador e separá-lo da ciência por ele criada. Freud fez de si mesmo o
campo maior de suas experiências. Ensina-nos Peter Gay:
Com a morte de seu pai, Freud realizou uma revisão geral em sua vida.
Iniciou sua “auto-análise”, a única que é realmente reconhecida pela Psicanálise.
Alguém teria que ser o primeiro a passar pelas experiências de perceber e viver
seus dramas, mistérios, misérias e também grandezas; ver suas fantasias, todas
as possíveis, inclusive as edipianas, por si só. Em 15 de outubro de 1897, ele
escrevia a Fliess:
Não é nada fácil. Ser totalmente franco consigo mesmo é um bom exercício. Uma
única idéia de valor geral despontou em mim. Descobri, também em meu próprio
caso, o fenômeno de me apaixonar por mamãe e ter ciúmes de papai e agora
considero-o um acontecimento universal do início da infância.
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Mais à frente, na mesma carta, comentando Édipo-Rei, a tragédia teatral de
Sófocles, Freud afirmou:
A lenda grega capta uma compulsão que todos reconhecem, pois cada um
pressente sua existência em si mesmo. Cada pessoa da platéia foi, um dia, um
Édipo em potencial ou na fantasia, e cada pessoa recua, horrorizada, diante da
realização de sonho ali transplantada para a realidade, com toda a carga de
recalcamento que separa seu estado infantil do estado atual.
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que desejava escrever A Interpretação dos sonhos para se livrar do mau-humor
que o atormentava. Não são necessárias muitas luzes psicanalíticas para
compreender que escrever o livro, dar-lhe conteúdo e forma era uma maneira de
ele continuar sua análise e tentar a cura muito mais ampla do que, apenas, do seu
mau-humor. Sem o perceber, ele estava realizando modificações profundas em
sua personalidade. A Psicanálise desse momento crucial e importantíssimo que
gerou o livro – a morte do seu pai – possibilitou criar também um outro Sigmund
Freud, inteiramente diferente do simplório autor da teoria da sedução como causa
da histeria e dos distúrbios emocionais, surgindo, então, um grande cientista, de
notável capacidade e profundidade psicológica, que iria participar e interferir
fundamentalmente, daí em diante, na História do Pensamento Humano.
Evidentemente que Freud sempre deu valor à sedução como fator traumático na
vida emocional do ser humano. O que ele considerou como sendo inválida foi a
sua teoria da sedução como o fator etiológico único da histeria.
Muitos anos depois, em 1931, já bafejado pela glória, ele diria, no prefácio da
terceira edição inglesa revista de A interpretação dos sonhos: “[este livro] contém,
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mesmo de acordo com meu julgamento atual, a mais valiosa de todas as
descobertas que tive a felicidade de fazer. Um discernimento (insight) claro como
este só nos acontece uma vez na vida” (1900, p.38). E Freud nunca mais parou de
interpretar sonhos, os próprios, dos filhos, dos pacientes, amigos e inimigos. Na
época em que estava escrevendo o livro, Freud mudou até o seu lugar de dormir,
para, assim, ele poder recordar dos sonhos com mais fidelidade e facilidade: “Por
várias semanas me vi obrigado a mudar meu leito usual, por outro mais duro, no
qual tive sonhos numerosos ou mais vívidos, ou nos quais não me foi possível,
talvez, alcançar o grau usual de profundidade no sono (1959, p.364)”.
Façamos agora um breve passeio, à vol d'oiseau, sobre o sonho como uma
realização de um desejo. Meynert, o grande neurologista da época, havia descrito
um quadro psicótico, por ele denominado “amência”, hoje conhecido como uma
“psicose alucinatória aguda”. Pois bem, Meynert chamou a atenção para o fato de
que o conteúdo dos delírios e das alucinações era uma realização de desejos. Um
paciente de minha clínica particular, simplório, troncho, desajeitado e desprezado
pelas mulheres, alucinava em pleno consultório, uma famosa artista brasileira que,
há tempos, ousava aparecer nua nas telas. Ele mandava a moça ir vestir-se
decentemente para que ela pudesse ser apresentada a mim. Parece-me que o
desejo dele de dominar mulheres famosas era flagrante. Um outro paciente, um
alcoólatra que abandonara o vício, de forma taxativa, sonhava freqüentemente
estar bebendo. Griesinger, um renomado neurologista e psiquiatra da época,
chamava a atenção para o fato de que nos sonhos e nas psicoses a realização de
desejos fosse traço comum. Imagino que seja desnecessário afirmar que,
fenomenologicamente, sonho e delírio, sonho e alucinação sejam dados emocionais
que observam também diferenças flagrantes do ponto de vista psiquiátrico. Estamos
apenas a sublinhar suas semelhanças.
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mente de Julien Sorel, personagem célebre do renomado romance O vermelho e o
negro, de Stendhal, como também a dos homens da época. Ainda hoje,
Napoleão é um estímulo a quem deseja conquistar o mundo. O renascimento do
Nazismo, inclusive aqui no Brasil, mostra como a mente humana é susceptível às
tentativas de realizar desejos, principalmente o de conquistar o mundo. O delírio
tem equivalência com o sonho. Em ambos, nós podemos pensar que somos Napoleão,
um Napoleão que não teve Waterloo. Dormindo na cama, podemos conquistar o
mundo e, ao acordar, burguesamente, na manhã seguinte, tomar um alentado café
e ir para a faina diária, lutar pelo glorioso pão nosso de cada dia.
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haverem com a interpretação de seus sonhos diante de um analista e assim por
diante.
Colocando lado a lado sonho e sintoma, havia também que se consignar uma
divisão, uma separação importantíssima para a teoria de Freud, entre o sonho como
ele era vivido e formulado pela pessoa, ou seja, a parte consciente do sonho, ou
como passou a ser chamada, seu conteúdo manifesto e, por outro lado, a parte
inconsciente – o seu conteúdo latente. Em termos mais simples: a pessoa, ao nos
contar o sonho, nos traz o conteúdo manifesto do mesmo e, se for nosso paciente,
dentro das condições psicanalíticas clássicas, associa idéias ao sonho, ou a algu-
mas partes dele e com estes dados cabe ao analista tentar descobrir o conteúdo
latente.
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Há motivos para que, atualmente, alguns creiam que nós – os seres humanos
– seríamos essencialmente psicóticos e que, à noite, precisaríamos deste retorno a
nós mesmos, à nossa mais íntima intimidade, mergulhando no sonho, no mundo do
tudo é possível, tudo é permitido e tudo é realizado, numa psicose em que a
camisa-de-força é a doce, acolhedora, aconchegante cama, para que
pudéssemos, depois deste banho de psicose noturna, estar em condições de
retornar aos pagos da nossa simples neurose do dia-a-dia.
Para que o desejo inconsciente possa ser sonhado, ele precisa passar pela
censura. A solução que ele tem é a de se modificar e, até mesmo, se deformar.
Uma destas maneiras é a de condensar em uma imagem, palavra ou idéia
única, diversas e até antagônicas intenções e, assim, mascarar o desejo
verdadeiro. Outra forma é a de deslocar sentimentos, idéias, fantasias, o que for,
para obter passaporte e a censura abrir passagem. Por exemplo, uma pessoa,
cujos desejos onipotentes estão sob censura, sonha que um amigo estaria
voando, com um imenso S no peito, sobre as praias e ruas da cidade, satisfazendo,
assim, seus desejos sob o manto de outrem. Depois de passar por todas as
barreiras, o sonho precisa obter ainda uma vitória a mais sobre a censura – ser
lembrado. Depois desta batalha, restará outra – vencer a censura consciente – e
ser contado. Ao final, uma outra batalha: ser interpretado.
Sobre a realização dos desejos, Freud conta o delicioso sonho de sua filha,
que se tornaria a famosa Anna Freud. Quando Anna estava com apenas dezenove
meses de idade, ela vomitara pela manhã, o que levou os pais a colocarem-na sob
dieta bem severa. À noite, ela, dormindo, gritava, agitada: “Anna molango, molango
silvestre, melete, pudim”. Era um cardápio bem variado para quem sofrera as
agruras de um jejum severo. Com os adultos, o problema da realização dos desejos,
comumente, não é tão direto assim e a situação é mais complexa, o que levou
Freud a estabelecer a sua formulação final: “O sonho é a realização disfarçada de
um desejo reprimido”.
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O sonho de angústia não seria uma refutação a tal teoria, pois é um sonho
que representa um desejo produzido no inconsciente, mas que é rejeitado pelo
resto da mente. Desta forma, o sonho manifesto pode ser carregado de angústia e
estar satisfazendo, por exemplo, um desejo de punição.
A expressão francesa completa, tant de bruit pour rien, que significaria “tanto
barulho por nada”, indica que se trata de algo sem maior importância. Porém,
mesmo que atender ao nosso desejo de dormir fosse a única função do sonho, já
estaríamos diante de algo de extraordinário valor. A simples necessidade do ser
humano de dormir e o que ele realiza através do sono e do sonho ainda não foram
suficientemente estudados pela ciência, não obstante todos os esforços da
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psicanálise e da neurociência. Estamos nos primórdios do conhecimento, dizia Ilya
Prigogine, Prêmio Nobel de Química. Afinal, não é assim tão simples dormir. Os
insones que o digam...
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Porém o ineditismo, o fato de Freud ser o primeiro, permitia-lhe a incoerência
e lhe dava autorização para realizar o impossível – a auto-análise. Desta forma,
nesta mesma carta, ele lembrava a Fliess: “o paciente mais importante sou eu
mesmo” e “depois de minha viagem de férias, minha auto-análise, da qual não
havia o mínimo traço, reiniciou-se subitamente”. E ele ainda iria dizer,
posteriormente, a Paul Schilder, que os pioneiros não se orgulhavam de não se
haverem submetido à Psicanálise e comentaria que, mesmo entre eles, “Jones e
Ferenczi, por exemplo, fizeram longas análises” . Em relação a si mesmo, Freud
comentou que se “poderia talvez reivindicar o direito a uma posição
excepcional” Peter Gay defende a seguinte posição:
Como temos procurado mostrar, A interpretação dos sonhos não se limita aos
sonhos, pois é também uma autobiografia psicanalítica sincera, embora cautelosa,
valendo não apenas pelo que revela, mas também pelo que não revela e até
pelo que conta que não conta, mesmo quando Freud confesse que isto é o que
mais contaria.Lá, nós vamos mergulhar nas lutas entre os desejos e as defesas, as
revelações e as censuras, conhecer o mundo médico vienense em que Freud vivia,
com suas rivalidades, suas mazelas, mas também seus imensos valores. Veremos
a sociedade austríaca ir mergulhando no anti-semitismo, celeiro e nascedouro de um
austríaco diabólico, Adolph Hitler. Em A interpretação dos sonhos, vamos estudar
um paciente chamado Sigmund, suas aspirações, seus problemas, suas tentativas
de soluções, suas pequenezas, seus fracassos, seus ciúmes, invejas, fraquezas e
hostilidades; enfim, um mergulho no mare-magnum da sofredora alma de um
homem. Iremos também nos enriquecer com o extraordinário repositório de belas
passagens de Goethe, Shakespeare, Sófocles, Heine, uma demonstração de
perspicácia, cultura, inteligência e capacidade de um homem a lutar gloriosamente,
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sofridamente, no esforço estrênuo, denodado para conquistar a verdade, a
dignidade, a nobreza, a maturidade e a sabedoria, tarefa ingente, árdua e penosa
que jamais terá fim para todos nós.
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lastreado por uma longa e meticulosa análise pessoal. Ou seja, para se tornar
analista o candidato precisa se submeter à psicanálise, como qualquer paciente. É
possível que se pretenda para o candidato a psicanalista uma análise até mais
profunda do que a dos pacientes comuns. Na aspiração a uma real mudança de
personalidade, a Psicanálise reconhece que o trabalho árduo a que analista e
paciente se propõem, envolve um esforço que se estende por anos – e não
apenas meses – e, além disso, implica várias sessões por semana, com o mínimo
de quarenta e cinco minutos cada. É indispensável uma continuidade e um
acompanhamento constante durante a análise e, por esse motivo, a intensa
freqüência semanal é desejada e indispensável. Os menores e mais singelos
dados emocionais têm imensa importância e merecem a máxima consideração na
análise.
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inegável que, através disso, como em qualquer atividade científica ou acadêmica,
se estimulou o desenvolvimento dos psicanalistas e da psicanálise. A ligação das
sociedades com a IPA trouxe também benefícios claros ao manter uma política de
“requisitos mínimos” para a titulação de analistas, embora haja criado conflitos e
perdas para as Sociedades, devido a abusos cometidos e ingerências realizadas.
Têm ocorrido uma democratização progressiva e uma universalização da
International Psychoanalytical Association, que culminam, em 2005, com a
realização do 44º Congresso Internacional de Psicanálise no Rio de Janeiro e a
posse do novo presidente eleito da IPA, Dr. Cláudio Laks Eizirik, primeiro brasileiro
eleito para esta função e segundo latino-americano a conquistá-la.
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Art. 38 – NÚCLEO PSICANALÍTICO é denominação dada a um grupo e
psicanalistas filiados a uma ou mais Sociedades do Brasil, componentes da IPA,
ou profissionais que fazem a sua formação psicanalítica por intermédio ou com
assistência de uma ou mais Sociedades componentes da IPA existentes no Brasil,
que se organiza, sob o patrocínio de uma ou mais Sociedades componentes da
IPA existentes no Brasil, com o fim de atingir a condição de Grupo de Estudo e,
posteriormente, Sociedade Provisória, quando será supervisionado diretamente
pela IPA. A seleção, análise didática, o curso teórico, as supervisões e a
graduação dos componentes dos núcleos psicanalíticos serão da exclusiva
responsabilidade da(s) Entidade(s) Federada(s) que aceitaram o grupo em questão
para esse fim específico.
§ 1º - Os padrões e formação devem ter por base os estabelecidos pela IPA.
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personalidades famosas na época. Nela, Freud faz um resumo sucinto de suas
idéias e de como evoluiu sua teoria e prática no tratamento das doenças mentais e
na compreensão do ser humano. Em seguida, seria proveitosa a leitura das Novas
conferências introdutórias sobre psicanálise, escritas em 1932, e sua última obra,
O esboço de Psicanálise, escrito em 1938. Continuando as sugestões, teríamos:
Sobre os sonhos, O ego e o id, Além do princípio do prazer, O mal estar na
civilização, as histórias clínicas, A interpretação dos sonhos e, ao final, a obra
completa de Freud, inteiramente publicada pela Imago, perfazendo 24 volumes.
Entre as inúmeras biografias incluímos a de Peter Gay, Freud – uma vida para
nosso tempo e a de Ernest Jones, Vida e obra de Freud. Ambas contêm amplos e
profundos estudos da obra freudiana.
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Quanto ao Id, lá estaria o verdadeiro propósito da vida do ser humano, o
“âmago do nosso ser”, a exigência de atendimento às nossas “necessidades
inatas”, a “parte mais antiga e mais importante” das pessoas (1938, p.158). Freud
chama de pulsões às “forças que presumimos existir por trás das tensões
causadas por essas necessidades” (1938, p. 158). Sendo assim, as pulsões
estariam nos limites entre o somático e o psíquico.
O ego é a parte mais bem organizado do id, com sua face voltada para a realidade.
Não devemos exagerar demasiadamente a separação entre os dois e não
devemos nos surpreender se o ego, de seu lado, pode aplicar essa influência
sobre os processos do id. Acredito que o ego exerce essa influência colocando em
ação o quase todo poderoso princípio de prazer-desprazer por meio do sinal da
ansiedade. Por outro lado, mostra sua debilidade de novo, imediatamente após, de
vez que, pelo ato da repressão, renuncia a uma parte de sua organização e tem de
convir em que o impulso instintual reprimido se mantenha permanentemente
afastado de sua influência (1932, p. 96).
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teórico da Psicanálise. Daí ele intuiu a pulsão de morte. Acompanhemos o que
Freud escreveu em O esquema de psicanálise:
Genitalidade e sexualidade
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aquelas com o mamilo, que ultrapassavam a simples necessidade de se alimentar
e apresentavam todo um colorido prazeroso. Daí em diante, Freud persistiu no seu
trabalho, despertando reações, por vezes, extremamente hostis às suas
concepções, que envolviam desfazer a inocência infantil. A conseqüência natural
da admissão da sexualidade infantil implicava o estudo do complexo edipiano e
sua extraordinária importância não apenas nas crianças e adolescentes, mas
também na compreensão da problemática adulta.
Instinto e pulsão
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remoção desta excitação; no caminho que vai desde sua origem até a sua
finalidade, a pulsão torna-se atuante psiquicamente”. (p. 99)
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analistas, que acabaram por abandonar a psicanálise, defendiam a realização
sexual plena e livre, argumentando que a neurose não teria jamais se
desenvolvido se não houvesse ocorrido a repressão. O criador da psicanálise não
concordava, em absoluto, com tal simplista teoria, dizendo que isso significaria
regredir a psicanálise ao conceito de sexualidade que existia antes de Freud, ou
seja, considerar como sexualidade apenas sua parte genital. Por outro lado, Freud
é peremptório ao afirmar o conceito de sexual:
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conscientes, através do contato com a realidade externa, constituindo, assim, o
ego. Haveria no id um núcleo central que seria intocável, permanecendo sempre
inconsciente. A condição mental mais simples que se poderia imaginar seria
aquela em que alguns processos conscientes estariam presentes no contorno do
ego enquanto que todo o restante dos processos ficaria no ego inconsciente. É
possível que essa condição seja a predominante entre os animais.
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ou do passado e, conseqüentemente, transfere para ele sentimentos e reações
que, inevitavelmente, aplicam-se a esse protótipo” (l938, p.189). A transferência,
então, se torna de importância “inimaginável”, pois nela estão contidos todos os
sentimentos, sejam eles positivos, negativos ou hostis, da mais variada ordem e
índole. Através do exame destes problemas, na evolução da análise, observamos
as resistências do paciente ao tratamento. Tentamos transformar o nosso
conhecimento em relação ao paciente em um processo que se torne também
conhecimento do próprio analisando para ele mesmo e quanto a ele mesmo, de
maneira vivida e não ensinada.
Mas Freud não poderia deixar de apontar algo fundamental, que pertence à
natureza humana e que fustiga a nossa alma: “Quanto mais nosso trabalho
progride e mais profundamente a nossa compreensão interna (insight) penetra na
vida mental dos neuróticos, mais claramente se impõem à nossa observação dois
novos fatores, os quais exigem a mais rigorosa atenção, como fontes de
resistência (1938, p.193).
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um ovo mais desenvolvido. Daí adviria a importância dos fatores traumáticos,
quando ocorrem precocemente na infância. Freud mostra ainda a importância dos
fatores sexuais e lembra que “a maioria dos impulsos da vida sexual não são de
natureza puramente erótica, mas surgem de combinações da pulsão erótica com
parte da pulsão destrutiva” (l938, p. 200). As reações podem ser desde a inibição
da função sexual até as perversões. E todas demonstrariam o alcance das
repressões e da regressão a fases passadas da infância. Na sua conclusão final,
em relação às pulsões de vida, Freud definiu que Eros abrangeria não apenas as
pulsões sexuais, mas também as de auto-preservação, evidenciando assim seu
caráter de vida integral mesma. Freud defendia também a bissexualidade como
sendo algo imanente ao ser humano.
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conhecer. Daí podermos compreender a importância do complexo edipiano para a
criança. Tais fantasias sexuais conduziriam ao medo da castração. A amnésia que
temos em relação a este período de nossa infância é compreensível face aos
problemas emocionais que eles nos despertariam. Se um menino possui um forte
componente feminino da sua bissexualidade, ele propende a uma atitude passiva
em relação ao pai, semelhante àquela que ele veria na mãe, identificando-se com
ela. Freud considera que os efeitos do complexo de Édipo da menina se
expressam na inveja do pênis que ela percebe nos meninos, podendo levá-la ao
sentimento de inferioridade, que poderia conduzi-la a se desinteressar pela
sexualidade. As meninas que persistem no desejo de se transformar em meninos
poderão apresentar traços marcantes de afirmação de personalidade e, até
mesmo, se tornarem homossexuais. Tanto na menina quanto no menino, estamos
focalizando momentos ou tendências a fixações em determinados níveis de
conflito.
Ele tentava justificar sua posição dizendo que à menina caberia um esforço
emocional maior do que o do menino, pois ela precisa realizar a passagem do seu
amor pela mãe e, depois, voltar-se amorosamente para com o pai. Tal passagem
permitiria a ela realizar sua predileção posteriormente, por um representante do
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pai, um outro homem a quem ela irá se ligar afetivamente. No que diz respeito a
esse mundo primitivo da infância, Freud se agarrava a ele de modo muito intenso:
“não devemos desprezar o fato de que os primeiros impulsos libidinais possuam
uma intensidade que lhes é própria, superior a qualquer outra que surja depois, e
que pode ser verdadeiramente chamada de incomensurável” (1931, p.251, os
itálicos são meus). Em razão disto, ele tentava desconsiderar as objeções de
Karen Horney que julgava a inveja do pênis como sendo secundária, pois que ela
– a inveja – seria apenas utilizada para negar sua feminilidade e, principalmente,
suas fantasias em relação ao pai. Ernest Jones considerava a fase fálica feminina
limitadora do seu desenvolvimento feminino. Para ele, como para a maioria dos
analistas, a mulher nasce mulher. O desenvolvimento da psicanálise tem
evidenciado as dificuldades de Freud na elaboração de sua teoria sobre esse
tema. É importante frisar que fiéis seguidores de Freud como Jones, já em 1927,
mostravam suas objeções ao mestre (1931, p.251). Posteriormente, uma plêiade
de analistas, ente eles Melanie Klein, trabalhou de modo extremamente produtivo
com o eterno feminino, reformulando os conceitos freudianos e considerando a
feminilidade como um dote especial e essencial da mulher. Freud considerava a
libido como sendo a mesma para os dois sexos. Ele apontava que: “Uma das
coisas que remanesce no homem, da influência do complexo de Édipo, é um certo
desprezo, em sua atitude, para com as mulheres, a quem encara como castradas.
Nos casos extremos, isto dá origem a uma inibição em sua escolha de objeto…”
(1931, p.237).
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Se perguntarmos a um analista o que a sua experiência demonstrou serem as
estruturas mentais menos acessíveis à influência em seus pacientes, a resposta
será: numa mulher, o desejo de um pênis; no homem, a atitude feminina para com
o seu próprio sexo, cuja pré-condição, naturalmente, seria a perda do pênis.
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real, mas corresponderia à força da defesa utilizada contra a tentação do
complexo de Édipo” (1938, p. 219).
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Entre muitos psicanalistas ilustres da magnífica geração que introduziu a
Psicanálise no Brasil escolhemos o nome de Alcyon Baer Bahia, porque ele
representa em muitos aspectos a Psicanálise em nosso país. Seu nome exprime
também o que podemos considerar como desenvolvimento e aplicação das idéias
psicanalíticas em nossa terra. Já em 1945, quando ainda no seu dizer era um
“psicanalista selvagem”, Bahia publicou Esboços de Psicanálise, livro de ensaios
que foram matéria de suplementos dominicais do Correio da Manhã. Por essa
época, Alcyon Bahia, Danilo Perestrello, Marialzira Perestrello e Walderedo Ismael
de Oliveira, como já dissemos anteriormente, foram se analisar com analistas
didatas da Asociación Psicoanalítica Argentina, ao mesmo tempo em que
cursavam as matérias teóricas da mesma, além de realizarem o tratamento de
pacientes sob a supervisão dos analistas, também didatas, de lá. Assim, atendiam
às exigências clássicas de uma formação psicanalítica nos moldes da International
Psychoanalytical Association, entidade fundada por Freud.
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psicanalíticas em terapia de grupo”. Em 1958, publicaria o “Esquema para uma
teoria da psicoterapia de grupo”. Finalizaria a sua participação quanto aos grupos
com “Segredo e revelação no grupo terapêutico”. Não é demais enfatizar a
importância desse movimento de psicoterapia analítica de grupo com o objetivo de
levar a Psicanálise às pessoas mais pobres, fato que propiciou imensamente a
difusão da nossa ciência em todas as camadas sociais.
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compreensão psicanalítica do filme Rashomon, de Kurosawa. Anos e anos depois,
a perspectiva psicanalítica de filmes seria um movimento que se espraiaria pelo
Brasil e pelo mundo. Mais uma vez, Bahia foi pioneiro em nossa terra.
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mas também no ensino, formando uma plêiade de analistas, estimulando seus
colegas com seus seminários brilhantes, cheios de idéias inovadoras, mostrando
grande sensibilidade psicanalítica. Seu imenso conhecimento da teoria freudiana,
kleiniana e bioniana, bem como dos outros aportes teóricos vindos da França e
dos Estados Unidos, transformava suas apresentações clínicas, seus seminários e
trabalhos em um amplo estímulo à criatividade dos colegas e alunos, levando a
que os psicanalistas de sua geração sentissem essas qualidades como elementos
propulsores da capacidade de pensar de todos.
Bibliografia
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Os Drs. Roberto Bittencourt Martins, Abram Eksterman, Fernanda Marinho e
Marialzira Perestrello tiveram a bondade de ler o trabalho original e corrigir
algumas falhas do mesmo. Se, porventura, algumas falhas persistirem, tal se deve
exclusivamente ao autor.
marchonpaulo@yahoo.com.br
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