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DISCIPLINA: TEORIA PSICANALÍTICA.

1ª Aula:

Tema de discussão:

Apresentação das questões atuais sobre o lugar que a psicanálise ocupa em


nossa sociedade:

 Psicanálise e psiquiatria;
 Psicanálise e Cultura.

Apresentação do contexto relativo ao nascimento da Psicanálise:

 Freud, um homem de seu tempo.


 Viena fim do século XIX.

REFERÊNCIAS:

FREUD, S. História do Movimento Psicanalítico (1914). In: Obras Completas de


S. Freud, (volume XIV), Rio de Janeiro: Imago Editora Ltda.

GAY, P. Freud, uma vida para nosso tempo, São Paulo: Companhia das Letras,
1989.

ROUDINESCO, E. A sociedade depressiva. In: Por que a psicanálise? São Paulo:


Jorge Zahar Editor, 2000.

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A sociedade Depressiva.

Elisabeth Roudinesco é uma historiadora e psicanalista francesa de grande


prestígio internacional. Em uma de suas obras “a sociedade depressiva”,
apresenta o campo da psicanálise e debates que caracterizam o mundo
contemporâneo. Para ela a ideia de escrever esse livro nasceu da seguinte
pergunta: “depois de cem anos de existência da psicanálise e de seus
resultados clínicos incontestáveis, por que esse campo de saber vem sendo
“tão violentamente atacado pelos que pretendem substituí-lo por tratamentos
químicos, julgados mais eficazes porque atingiriam as chamadas causas
cerebrais das dilacerações da alma”?
Para ela, vivemos em uma época na qual não queremos mais a psicanálise,
tampouco, os tratamentos longos de exploração de si. Preferimos,
majoritariamente, os medicamentos, que são extremamente eficazes. E toda a
psiquiatria, que carregou a psicanálise durante muito tempo, tornou-se química.

Segundo a autora a Psicanálise é uma ciência humana que visa uma


“exploração de si”, ela parte da observação, da experiência clínica e não de
provas anatômicas. Para ela, todas as pessoas que querem encontrar o
inconsciente, no sentido freudiano, no cérebro, estão no caminho errado. A
autora não nega os avanços atuais da medicina e progressos consideráveis na
exploração do cérebro, pois o avanço da tecnologia médica permitiu o aumento
da expectativa de vida humana.

A autora afirma que os medicamentos não curam os problemas psíquicos, eles


amenizam, tratam, são muito úteis, mas não curam os problemas da alma.
Entende que atualmente temos a ilusão que vamos curar tudo com métodos
corporais, ela afirma não ver problemas com isso, pois acredita que todos
devem experimentar tudo o que quiserem. Mas, se a psicanálise desaparecer
completamente enquanto clínica, algo na cultura nos fará falta. Roudinesco
reconhece que a Psicanálise foi um grande avanço da civilização sobre a
barbárie. Para ela a psicanálise é uma disciplina intelectual e clínica, afirma
que muitos psicanalistas de hoje não são muito cultos, muitos deles não leem
os livros de história, no fundo só se interessam pelos problemas concretos,
clínicos. Ela atenta que nunca devemos esquecer de a Psicanálise é uma
cultura fortemente ligada à história da literatura e filosofia.

Roudinesco diz que perda de afeto pela psicanálise também vem dos próprios
psicanalistas, que fizeram demasiadas concessões e, ao mesmo tempo, se
tornaram extremamente dogmáticos em escolas. Defende veementemente uma
psicanálise democrática, aberta à cultura. Nesse sentido, a autora afirma que
no Brasil a psicanálise ainda é uma ideia nova, tem a percepção que é bem
ensinada nas universidades, é eclética e não dogmática.

A autora acredita que, “no dia em que os avanços da química forem ainda
maiores, que tivermos a ilusão de que poderemos impedir todas as doenças
psíquicas por meio de drogas, teremos uma grande perda, pois isso não
funcionará”.

Para Roudinesco, sob certos aspectos, é normal a ideia de explorar seu


inconsciente, de dedicar um tempo a se conhecer, mas, isso não se adéqua
mais. Em todos os lugares do mundo as pessoas querem terapias curtas,
breves, e intervenções químicas. Desse modo, é claro que a psicanálise não se
adéqua mais. Ela foi inventada para grandes burgueses, personagens
romancistas que tinham necessidade de compreender a si mesmos. Para
autora a Psicanálise teve um grande momento, principalmente com a esquerda
freudiana, que estendeu os princípios da cura às crianças, aos doentes
mentais, houve uma socialização dos princípios da cura.

Para ela, a melhor abordagem de cuidado, sempre foi, principalmente no


aspecto biopsicossocial. Somos simultaneamente biológicos, psíquicos e um
produto da sociedade. Hoje, a autora percebe que o contemporâneo
praticamente abandonou a abordagem psíquica nas curas.

A autora acredita que a Psicanálise vai se restabelecer, mas sob outras formas.
A obra de Freud foi traduzida em muitos países, inclusive em países que não
existe um psicanalista. Freud agora faz parte dos pensadores universais,
independentemente da psicanálise. Dito de outra maneira, o que está em
perigo não é a obra de Freud, que continuará sendo lida, mas a prática da
psicanálise.

Quem sabe as ideias de Freud não despertem novas paixões?

Freud, uma vida para nosso tempo

Em 4 de novembro de 1899, Sigmund Freud, publicou um livro vulto, Die


Traumdeutung (Interpretação dos Sonhos), datada em 1900, mas moldada no
século XIX, tornou-se propriedade — amada, tripudiada, inescapável — do
século XX, como próprio Freud gostava de citar. A interpretação dos sonhos
mostrou-se de pouco interesse público, em seis anos foram vendidos apenas
351 exemplares, o “destino de perturbar o sonho da humanidade só se
realizaria anos mais tarde”.
Comparando Freud e Darwin, em 1859 quase 40 anos antes da publicação da
interpretação dos sonhos, foram vendidos 1250 exemplares (ÚNICO DIA) de:
“A Origem das Espécies” de Darwin. (As publicações de Freud soavam
exotéricas e obscurantistas).

A interpretação dos sonhos é a peça central da vida de Freud (Gay P 1989).


Ele observou em 1910 que a considerava sua “obra mais significativa”. Se,
acrescentou ele, "chegasse a ser reconhecido, a psicologia normal também
teria de ser refeita sobre novas bases”. O orgulho de Freud não era descabido.
Apesar dos inevitáveis falsos pontos de partida e dos desvios igualmente
inevitáveis de suas primeiras pesquisas, todas as suas descobertas dos anos
1880 e 1890 confluíram para A interpretação dos sonhos, fora muito mais do
que ele viria a descobrir adiante.

Sigmund Freud, o grande decifrador de enigmas humanos, cresceu entre


charadas e confusões suficientes para despertar o interesse de um psicanalista
(Gay P. 1989).

Freud, nasceu em 6 de maio de 1856, na pequena vila morávia de Freiberg


(atual Município de Pribor - República Theca), filho de Jacob Freud, um
comerciante de lãs pobre, e sua mulher Amália. O nome que seu pai registrou
para ele na Bíblia da família, “Sigismund Schlomo”, nome que não sobreviveu à
adolescência de Freud. Ele nunca usou “Schlomo”, nome do avô paterno, e,
depois de experimentar “Sigmund” nos últimos anos de escola, adotou-o algum
tempo após seu ingresso na Universidade de Viena, em 1873.

A família de seu pai havia “vivido por muito tempo no Reno (em Colônia),
fugido em decorrência da perseguição contra os judeus XIV e XV, e no
decorrer do século XIX, tornaram a migrar da Lituânia.

Em seu desenvolvimento da vida emocional, além da erudição genealógica, foi


modelada pela desconcertante trama de relações familiares, à qual ele achava
muito difícil de escapar. Sua mãe Amália era vinte anos mais nova que seu pai
(terceiro casamento/ mortalidade feminina).
Freud tinha dois meios irmãos, um mais velho (Emanuel-casado com filhos)
que sua mãe e outro (Phillip –solteiro) um ano de diferença de sua mãe.
Igualmente intrigante para Freud era que um dos filhos de Emanuel, seu
primeiro companheiro de jogos, fosse um ano mais velho que ele próprio, tinha
seu sobrinho John como amigo inseparável e “companheiro de estripulias”.
Ambos viviam intensa inimizade e amizade. Retorcendo mais sua configuração
das relações familiares de Freud, a seus olhos, sua jovem mãe combinava
mais com seu meio irmão Philipp.

Em 1858, com menos de dois anos e meio, esse problema se intensificou


particularmente, nasceu sua irmã Anna. Ao relembrar esses anos, Freud
achava que havia entendido que sua irmãzinha saíra de dentro de sua mãe. O
que parecera mais difícil de entender era como seu meio-irmão Philipp havia,
de algum modo ocupado o lugar de seu pai, na concorrência pelos amores de
sua mãe. Será que Philipp dera à sua mãe aquela rival odiosa? Tudo isso era
desconcertante, e saber dessas coisas, de certa forma, era tão necessário
quanto perigoso.

Tais mistérios da infância deixaram sedimentos que Freud reprimiu durante


anos, e só viria a recapturar, através de sonhos e de uma trabalhosa
autoanalise, no final de 1890. Sua mente se constituía dessas coisas – a jovem
mãe gravida de um rival, o meio irmão de alguma maneira misteriosa como
companheiro de sua mãe, o sobrinho mais velho do que ele, seu melhor amigo
e maior inimigo, o pai bondoso com idade suficiente para ser seu avô. Ele fiaria
o tecido de suas teorias psicanalíticas a partir dessas experiências intimas.
“Quando precisou delas, elas voltaram a ele” (GAY. P 1989).

Freud não considerou necessário reprimir algumas verdades familiares


evidentes.” Meus pais eram judeus”, anotou sucintamente no breve “estudo
autobiográfico” de 1925. Lembrou em 1930: “meu pai, deixou-me crescer em
completa ignorância de tudo que se referia ao judaísmo”. Jacob Freud nunca
se envergonhou, nunca tentou negar sua identidade essencialmente judaica, lia
a bíblia em hebraico. Freud que “já falava a língua santa tão bem ou melhor do
que o alemão”. Assim, Jacob Freud criou uma atmosfera onde o jovem Freud
adquiriu um fascínio duradouro pela “história bíblica”, isto é, o Antigo
Testamento, desde que “mal adquiria a arte da leitura”.

Mas Freud não era rodeado apenas de judeus, até os seus 2 anos e meio teve
uma babá, católica apostólica, muito ríspida e exigente com o pequeno Freud.
Quando mãe de Freud deu à luz a Anna, em puerpério, Phillip fez com que a
baba fosse detida devido a pequeno furto na residência. Freud sentiu
imensamente sua falta, seu desaparecimento junto a ausência na mãe, gerou
lembrança vaga e desagradável, vista após em sua própria autoanalise.

Freud menciona lembrança de estar a procura por sua mãe, e, seu meio irmão
Phillip, abriu um objeto doméstico e disse que não estava ali, quando
perguntou da baba respondeu “trancafiada”, Freud rivalizou com meio-irmão do
qual tinha admiração, como se além de supostamente ter dado um filho para a
mãe, poderia trancafiá-la.

Apesar da atenção delicada, a família de Freud era pobre, moravam na


Schlossergasse 117, numa casa simples de dois andares, em cima dos
aposentos do dono, um ferreiro chamado Zajík. Ali, em cima de uma ferraria,
nasceu Freud.

A fertilidade de Amália não contribuía com a situação precária da família. numa


rápida sequência, entre 1860 e 1866, Freud foi presenteado com quatro irmãs
Rosa, Marie, Adolfine e Pauline — e com o caçula, Alexander. Em 1865, o rigor
daqueles anos se intensificou com o indiciamento e condenação do Sr. Josef
Freud, irmão de Jacob Pai de Freud, por negociar rublos falsos, e lembrou na
“interpretação dos sonhos”. Além do desgosto de Jacob se mesclava a
angústia, pois seus filhos mais velhos, que tinham emigrado para Manchester,
estavam implicados na atividade de Josef.

As dificuldades econômicas não eram as únicas razões de Freud achar que


seus primeiros anos em Viena não deviam ser lembrados. Ele sentia falta de
Freiberg, principalmente dos lindos campos onde se situava a cidade. “Nunca
me senti realmente à vontade na cidade”, confessou em 1899; “agora penso
que nunca superei a saudade dos belos bosques da minha casa, para onde
(como prova uma lembrança que resta daqueles dias), mal sabendo andar, eu
costumava fugir de meu pai”.

Viena, final do século XIX.

Desde cedo, Freud demonstrou interesse em atividades intelectuais e se tornou


um jovem extremamente persistente e trabalhador. Viveu durante a era
vitoriana, marcada pela repressão sexual. Sua vida também recebeu
influências da Primeira Guerra Mundial, que devastou a Europa, e do crescente
antissemitismo daquela época. A repressão sexual e as hostilidades que Freud
testemunhou deixaram marcas em sua visão sobre a natureza humana.

Médico, cursava especialização em neurologia quando começou clinicar em


Viena, no final do século XIX. Como muitos neurologistas de sua época,
atendia pessoas com problemas nervosos, com medos irreais, obsessões e
angústia. No final dedicou-se ao tratamento dos transtornos mentais utilizando
um procedimento inovador que havia desenvolvido e denominado de
Psicanálise, que exigia longas interações verbais com pacientes, durante as
quais investigava suas vidas em profundidade.

A Psicanálise deve sua origem a Freud a partir dos estudos da histeria.


Atualmente a histeria é considerada pelo DSM como um transtorno de
ansiedade. No século IX, era diagnosticada como doença dos nervos, daí o
nome neurose. A palavra histeria deriva do grego histeros que significa útero,
pois acreditavam tratar de uma doença apenas de mulheres.

Jean Martin Charcot (1825- 1893), neurologista francês, percebeu que a


histeria não era uma doença só de mulheres e se interessou em estudá-la. A
histeria clínica se caracteriza por sintomas de conversão, a pessoa sofre
sintomas físicos como paralisias, amnésias, dormências, cegueira, mutismo
sem que haja substrato anatômico que o justifique. Charcot percebeu que,
através da sugestão hipnótica, era capaz de “curar” um sintoma histérico e de
induzir a formação dos sintomas. Nesse período, os médicos perceberam a
força e o poder da sugestão.
Joseph Breuer (1842- 1925), médico vienense também se valia da hipnose
para tratar seus pacientes e tinha o jovem Freud como colaborador.
Diferentemente de Charcot, eles se interessavam não só em tratar, mas em
descobrir a etiologia dos sintomas.

Sigmund Freud em uma breve descrição da Psicanálise afirma que podemos


dizer que a Psicanálise nasceu com o século XX, oriunda do livro “A
interpretação dos sonhos”. Para ele psicanálise cresceu em campo muito
restrito, seu objetivo inicial era de compreender as doenças nervosas
“funcionais” com vistas a superar a impotência que até então caracterizara o
tratamento médico. Na época os neurologistas eram instruídos a terem uma
elevada consideração pelos fatos químico-físicos e patológicos-anatômicos, ou
seja, todo adoecimento psíquico era considerado apenas como disfunção
biológica e não psicológica.

Na época a falta de compreensão afetava diretamente o tratamento que em


geral consistia em ““endurecer” o paciente com prescrição de remédios e em
tentativas, na maioria muito mal imaginadas e executadas de maneira
inamistosa, de aplicar-lhe influências mentais por meio de ameaças, zombarias
e advertências, exortando-o a decidir-se a “conter-se”. (Pag. 216)

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