Você está na página 1de 48

3.

Aprendizagem e Condicionamento – Pavlov

CAPÍTULO 3
APRENDIZAGEM E CONDICIONAMENTO1

Leitura 9 MAIS DO QUE APENAS CÃES SALIVANDO


Leitura 10 PEQUENO ALBERT EMOTIVO
Leitura 11 BATA NA MADEIRA
Leitura 12 VER AGRESSÃO ... AGREDIR

A área da Psicologia que se refere à aprendizagem e condicionamento


tem produzido uma literatura muito bem definida explicando como animais e humanos
aprendem. Alguns dos nomes mais famosos na história da Psicologia dedicaram sua
carreira inteira a pesquisas na área de aprendizagem - nomes que são amplamente
reconhecidos mesmo fora das ciências comportamentais, tais como Pavlov, Watson,
Skinner e Bandura. Selecionar alguns dos mais influentes estudos deste ramo da
Psicologia e destes pesquisadores não é uma tarefa fácil, mas os estudos que foram
selecionados podem ser encontrados em praticamente todos os livros de introdução à
Psicologia e são representativos da enorme contribuição destes cientistas.
Para chegar a Ivan Pavlov, nós retornamos ao começo da década de
1900, para rever seu trabalho com cachorros, metrônomos, sinos, salivação e a
descoberta de reflexos condicionados. Vamos depois a Watson, conhecido por muitas
contribuições, provavelmente mais famoso (mal afamado?) por seu experimento
eticamente problemático com o Pequeno Albert, no qual demonstrou, pela primeira vez,
como as emoções podem ser um produto do meio ao invés de um processo puramente
interno. Como terceiro estudo desta seção, discutimos a famosa explicação e
demonstração de Skinner sobre comportamento supersticioso em pombos e como
humanos se tornam supersticiosos exatamente da mesma maneira. Finalmente,
examinamos o famoso “estudo do João Bobo” no qual Albert Bandura demonstrou que
o comportamento agressivo poderia ser aprendido pelas crianças quando estas seguem
modelos de violência adulta.

1
Tradução de Julio de Rose, revisão de Raoni Floret Barbieri.

1
3. Aprendizagem e Condicionamento – Pavlov

LEITURA 9. MAIS DO QUE APENAS CÃES SALIVANDO


Pavlov, Ivan P. (1927). Conditioned reflexes. Londres: Oxford University Press.

Você já entrou em um consultório de dentista onde o odor de desinfetante fez seu dente
doer? Isto ocorreu provavelmente porque o odor acionou uma associação, que já tinha
sido condicionada em seu cérebro, entre o odor e sua experiência passada no dentista.
Quando você ouve o Hino Nacional tocado em uma final de Copa do Mundo, seu
coração bate um pouco mais rápido?2 Isto acontece com a maioria dos brasileiros.
Acontece a mesma coisa quando você ouve o Hino Nacional italiano? Muito
provavelmente não, porque você foi condicionado a responder a uma música, mas não à
outra. E por que algumas pessoas olham e ficam nervosas se você infla um balão perto
delas? Bem, obviamente porque foram condicionadas a associar o enchimento de um
balão com algo amedrontador (um estouro de balão). Estes são alguns dos inúmeros
comportamentos humanos que existem como resultado de um processo conhecido como
“condicionamento clássico3”.
A teoria da aprendizagem pelo condicionamento clássico foi desenvolvida e
articulada há aproximadamente 100 anos, na Rússia, por um dos nomes mais familiares
na história da Psicologia, Ivan Petrovich Pavlov (1849-1946). Ao contrário da maioria
das pesquisas apresentadas neste livro, o nome de Pavlov e suas ideias básicas sobre
2
No original, publicado nos EUA, o autor exemplifica com o hino nacional norte-americano, Star
Spangled Banner, tocado nos Jogos Olímpicos. (Nota do tradutor)
3
Também conhecido como “condicionamento pavloviano” ou “condicionamento respondente”. (Nota do
tradutor)

2
3. Aprendizagem e Condicionamento – Pavlov

aprendizagem por associação são muito conhecidos na cultura popular (existe até uma
canção dos Rolling Stones, da década de 1970, que tem o verso “Eu salivo como um
cão de Pavlov”). O que não se conhece tão bem é o verdadeiro significado do trabalho
dele e como ele chegou às suas descobertas marcantes.
Embora a contribuição de Pavlov para a Psicologia tenha sido uma das mais
importantes já realizadas, ele não era um psicólogo, mas um proeminente fisiologista
russo que estudava processos digestivos. Em 1904 ele recebeu o Prêmio Nobel por sua
pesquisa sobre digestão. Mas suas descobertas que mudaram dramaticamente sua
carreira, e a história da Psicologia, começaram por acidente. É importante notar que no
final do Século XIX a Psicologia era uma ciência muito jovem, considerada por muitos
como estando aquém de uma verdadeira ciência. Portanto, Pavlov deu um passo
arriscado em sua carreira ao mudar da ciência fisiológica, mais sólida e respeitada, para
a psicologia. Ele escreveu sobre esse dilema enfrentado por qualquer cientista que
estivesse pensando em estudar psicologia no começo do Século XX:

É lógico que na análise das várias atividades da matéria viva, a fisiologia


deva se basear nas ciências mais avançadas e mais exatas - a física e a
química. Mas se nos empenharmos em uma abordagem a partir da
Psicologia... nós estaremos construindo nossa super-estrutura sobre uma
ciência que não pode se dizer exata.... De fato, ainda é discutível se a
Psicologia é uma ciência natural, e até mesmo se ela é uma ciência (p. 3).

Olhando agora para as descobertas de Pavlov, vemos que foi muito bom para o avanço
da ciência psicológica e para o nosso entendimento do comportamento humano que ele
tenha corrido o risco de mudar sua carreira.
A pesquisa fisiológica de Pavlov envolvia o uso de cachorros como sujeitos para
estudar o papel da salivação na digestão. Ele, ou seus assistentes, introduziam comidas
variadas, ou substâncias não comestíveis, dentro da boca do cão e observavam a taxa e a
quantidade de salivação. A fim de medir a salivação cientificamente, era realizada uma
pequena cirurgia nos cães em que um duto salivar era redirecionado através de uma
incisão na bochecha do cão e conectado a um tubo que coletava a saliva. Através desta
pesquisa, Pavlov fez muitas descobertas novas e interessantes. Ele verificou por
exemplo, que quando um cão recebia comida úmida, apenas uma pequena quantidade de
saliva era produzida, comparada com um fluxo abundante quando comida seca era

3
3. Aprendizagem e Condicionamento – Pavlov

apresentada. A produção de saliva sob estas condições era considerada por Pavlov como
um reflexo, ou seja, uma resposta que ocorre automaticamente para um estímulo
específico sem controle consciente ou aprendizagem. A salivação é puramente reflexa
também para humanos. Suponha que eu peça que, enquanto você lê esta sentença, salive
o mais rápido que você puder. Você não pode fazer isso. Mas se você está com fome e
se encontra sentado em frente à sua comida favorita, você vai salivar, queira ou não!
Conforme a pesquisa continuava, ele começou a notar certos eventos que eram
totalmente inesperados. Os cães começavam a salivar antes que qualquer comida
entrasse em contato com suas bocas e até mesmo antes do odor de comida estar
presente. Depois de algum tempo, os cães salivavam em momentos em que nenhum
estímulo digestivo estava presente. De algum modo, a ação reflexa das glândulas
salivares tinha sido alterada através da experiência do animal no laboratório: “Mesmo o
recipiente no qual a comida tenha sido dada é suficiente para evocar um reflexo
alimentar [de salivação] completo em todos os seus detalhes; e, além disso, a secreção
pode ser provocada mesmo pela visão da pessoa que conduz o recipiente, ou pelo som
de seus passos” (p. 13).
Esta foi a encruzilhada para Pavlov. Ele tinha observado respostas
digestivas ocorrendo para estímulos aparentemente não relacionados com a digestão, e a
fisiologia pura não poderia fornecer uma explicação para isso. A resposta tinha que ser
encontrada na Psicologia.

PROPOSIÇÕES TEÓRICAS
Pavlov teorizou que os cães tinham aprendido, com a experiência no laboratório, a
esperar a comida após a apresentação de certos sinais. Embora estes estímulos
sinalizadores não produzissem naturalmente a salivação, os cães vieram a associá-los
com comida e, assim, passaram a responder a eles com salivação. Consequentemente,
Pavlov determinou que deveria haver dois tipos de reflexos.
Reflexos incondicionados são inatos e automáticos e não requerem
aprendizagem. Eles são geralmente os mesmos para todos os membros de uma espécie.
Salivar quando a comida entra na boca, pular diante do som de um barulho alto e a
dilatação de suas pupilas quando se apagam as luzes são exemplos de reflexos
incondicionados. Reflexos condicionados, por outro lado, são adquiridos através da
experiência ou aprendizagem e podem variar muito entre os indivíduos de uma espécie.

4
3. Aprendizagem e Condicionamento – Pavlov

A salivação do cão diante dos sons de passos ou a dor em seu dente quando você sente o
cheiro do desinfetante do dentista são reflexos condicionados.
Reflexos incondicionados são formados por um estímulo incondicionado (EIC4)
que produz5 uma resposta incondicionada (RIC). Nos estudos de Pavlov, o EIC era a
comida e a RIC era a salivação. Reflexos condicionados consistem em um estímulo
condicionado (EC), como os passos, produzindo uma resposta condicionada (RC),
salivação. Você notará que a resposta nos dois exemplos é salivação mas, quando a
salivação é resultado dos passos ouvidos, ela advém da aprendizagem e não das
tendências naturais do cão.
A questão que Pavlov queria responder era: se reflexos condicionados não são
inatos, como eles são adquiridos? Ele propôs que se um estímulo particular no ambiente
do cão estava frequentemente presente quando o cão era alimentado, este estímulo
tornava-se associado, no cérebro do cão, com a comida; ele sinalizaria a aproximação da
comida. Este estímulo do ambiente, antes de ser emparelhado com a comida, não
produzia nenhuma resposta importante. Em outras palavras, este estímulo era, para os
cachorros, um estímulo neutro (EN). Quando os cachorros chegavam pela primeira vez
no laboratório, os passos do assistente poderiam ter produzido uma resposta de
curiosidade (Pavlov chamou de resposta “O que é isto?”), mas ouvir os passos
certamente não teria feito os cães salivarem. Os passos, então, eram estímulos neutros.
Com o passar do tempo, como os cachorros ouviam os mesmos passos, todos os dias,
antes de serem alimentados, eles começaram a associar o som com a comida.
Eventualmente, de acordo com a teoria, os passos sozinhos faziam os cães salivarem.
Então, de acordo com Pavlov, o processo pelo qual um estímulo neutro se torna um
estímulo condicionado poderia ser diagramado como se segue:

4
Se algum dia você for estudar a ampla literatura em língua inglesa sobre condicionamento clássico,
precisará se familiarizar com as abreviaturas que se tornaram padrão: UCS, para UnConditioned
Stimulus, CS, para Conditioned Stimulus, UCR, para UnConditioned Response, e CR para Conditioned
Response. (N.T.)
5
Na literatura técnica em português usa-se geralmente o termo “eliciar”. Preferimos aqui o verbo
produzir, com significado semelhante, mas mais comum e conforme o original (NT).

5
3. Aprendizagem e Condicionamento – Pavlov

Passo 1 EIC RIC


(comida) (salivação)

Passo 2 EN + EIC RIC


(passos) + (comida) (salivação)
Passo 3 Repetir passo 2 várias vezes
Passo 4 EC RC
(passos) (salivação)

Agora que tinha uma teoria para explicar suas observações, Pavlov começou
uma série de experimentos para provar que ela estava correta. Acredita-se comumente
que Pavlov tenha condicionado cães a salivarem ao som de uma campainha. Mas como
você verá, os primeiros experimentos dele envolveram um metrônomo.

MÉTODO E RESULTADOS
Pavlov teve a oportunidade de construir um laboratório especial no Instituto de
Medicina Experimental em Petrogrado (que se tornou Leningrado e agora voltou ao seu
nome original de São Petersburgo), com fundos doados por um negociante filantrópico
de Moscou. Este laboratório à prova de som permitia um completo isolamento dos
sujeitos em relação aos experimentadores e a quaisquer estímulos estranhos durante os
procedimentos experimentais. Portanto, um estímulo específico poderia ser
administrado e as respostas poderiam ser registradas sem nenhum contato direto entre o
experimentador e os animais.
Depois que o ambiente de pesquisa necessário tinha sido estabelecido, o
procedimento era muito simples. Pavlov escolheu comida como estímulo
incondicionado. Como afirmado anteriormente, comida eliciava a resposta
incondicionada de salivação. Então Pavlov precisava encontrar um estímulo neutro que,
para os cachorros, não tivesse relação nenhuma com a comida. Para isto ele usou o som
de um metrônomo. Em várias tentativas de condicionamento, o cão era exposto aos
cliques do metrônomo e então a comida era imediatamente apresentada. “Um estímulo
que em si mesmo era neutro havia sido superposto à ação do reflexo alimentar inato.
Observamos que, após varias repetições da estimulação conjunta, o som do metrônomo
adquiriu a propriedade de estimular a secreção salivar.”(p. 26). Em outras palavras, o

6
3. Aprendizagem e Condicionamento – Pavlov

metrônomo tinha se tornado um estímulo condicionado para a resposta condicionada de


salivação.
Pavlov e seus associados complementaram estas descobertas preliminares
usando estímulos incondicionados e estímulos neutros diferentes. Por exemplo, o cheiro
de baunilha (EN) era apresentado aos sujeitos antes de uma solução moderadamente
ácida (parecida com suco de limão) ser colocada na boca do cão (EIC). O ácido,
naturalmente, causava salivação abundante (RIC). Depois de 20 repetições da
combinação, a baunilha sozinha produzia salivação. Para um teste visual, um objeto
começava a rodar antes da apresentação de comida. Após apenas cinco pareamentos, a
rotação do objeto por si só (EC) fazia os cães salivarem (RC).
Naturalmente, a importância e a aplicabilidade do trabalho de Pavlov se
estendem muito além da salivação em cães. Suas teorias de condicionamento clássico
explicaram uma parte importante do comportamento humano e ajudaram a psicologia a
dar a partida na sua trajetória para tornar-se uma verdadeira ciência.

SIGNIFICADO DAS DESCOBERTAS


A teoria do condicionamento clássico (também chamado de condicionamento
pavloviano) é universalmente aceita e tem permanecido sem alterações desde sua
concepção através do trabalho de Pavlov. Ela é usada para explicar e interpretar uma
extensa gama de comportamentos humanos, incluindo de onde vêm as fobias, por que
você não gosta de certas comidas, a fonte de suas emoções, como fazer propagandas,
por que você sente ansiedade antes de uma prova ou de uma entrevista de seleção para
um emprego, e o que o excita sexualmente. Discutiremos aqui vários estudos
subsequentes que lidaram com algumas destas aplicações.
O condicionamento clássico enfoca o comportamento reflexo: aqueles
comportamentos que não estão sob seu controle voluntário. Qualquer reflexo pode ser
condicionado a ocorrer diante de um estímulo previamente neutro. Você pode ser
classicamente condicionado a piscar seu olho esquerdo ao ouvir uma campainha, a
aumentar seus batimentos cardíacos ao sinal de um clarão de luz azul, ou a ficar
excitado sexualmente quando come morangos. A campainha, a luz azul e os morangos
eram todos neutros em relação às respostas condicionadas até que eles, por alguma
razão, foram emparelhados e se tornaram associados com estímulos incondicionados
para piscar o olho (um sopro de ar no olho), aumento de batimentos do coração (um
ruído alto e inesperado), e excitação sexual (carícias românticas).

7
3. Aprendizagem e Condicionamento – Pavlov

Para experienciar em primeira mão o processo de condicionamento clássico, eis


um experimento que você pode realizar com você mesmo. Tudo que você vai precisar é
de uma sineta, um espelho, e um quarto que se torne completamente escuro quando a
luz é desligada e que servirá, temporariamente, de laboratório para você. As pupilas de
seus olhos se dilatam e contraem reflexamente de acordo com a mudança da intensidade
de luz. Você não tem controle voluntário do movimento das pupilas e não aprendeu a
fazer isto. Se eu disser a você, “Por favor, dilate suas pupilas agora”, você não será
capaz de fazê-lo. Contudo, quando você entra na sala escura de um cinema, elas dilatam
imediatamente. Portanto, uma redução na luz seria considerada um estímulo
incondicionado para a dilatação das pupilas, que é a resposta incondicionada. No seu
laboratório temporário, toque o sino e imediatamente depois, desligue a luz. Espere 15
segundos em total escuridão e torne a ligar a luz. Espere 15 segundos e repita o
procedimento: sino...apague a luz... espere 15 segundos...acenda a luz.... Repita este
pareamento do estímulo neutro (sino) com o estímulo incondicionado (a escuridão) 20 a
30 vezes, certificando-se de que o sino toque somente antes do súbito escurecimento.
Agora, com as luzes acesas, olhe seus olhos bem perto do espelho e toque o sino. Você
verá suas pupilas dilatarem-se mesmo que não haja mudança na luz! O sino tornou-se
um estímulo condicionado e a dilatação da pupila, uma resposta condicionada.

PESQUISAS RELACIONADAS E APLICAÇÕES RECENTES


Há dois estudos apresentados neste livro que se baseiam diretamente na teoria de
condicionamento clássico de Pavlov. No próximo texto, John B. Watson condicionou o
pequeno Albert a ter medo de um rato branco (e de outras coisas peludas) empregando
os mesmos princípios que Pavlov usou para condicionar a salivação em cães. Fazendo
isto, Watson demonstrou como emoções, tais como medo, são formadas. Mais tarde
Joseph Wolpe (veja o capítulo IX: Psicoterapia: Leitura 34) desenvolveu uma técnica
terapêutica para tratar medos intensos (fobias) aplicando os conceitos de
condicionamento clássico. O trabalho dele baseou-se na ideia de que a associação entre
o estímulo condicionado e o estímulo incondicionado podia ser quebrada a fim de
reduzir a resposta de medo.
Esta linha de pesquisa sobre condicionamento clássico e fobias continua até os
dias de hoje. Por exemplo, estudos têm descoberto que crianças cujos pais têm fobias
podem desenvolver as mesmas fobias de objetos tais como serpentes e aranhas através
de condicionamento “vicariante” originado de seus pais e mães, sem nenhuma
8
3. Aprendizagem e Condicionamento – Pavlov

exposição direta ao objeto temido (Fredrikson, Annas, & Wik, 1997). As incontáveis
aplicações da teoria de Pavlov na literatura médica e psicológica são muito numerosas
para ser sumarizadas em algum detalhe aqui. Em vez disto, alguns exemplos adicionais
de algumas das descobertas mais notáveis serão discutidos.
Um problema comum que atormenta rancheiros por todo o mundo é o de
animais predadores, usualmente lobos e coiotes, matando e comendo seus animais. Nos
idos de 1970, estudos foram realizados tentando aplicar técnicas de condicionamento
Pavloviano para resolver o problema da matança de ovelhas por coiotes e lobos, sem a
necessidade de matar os predadores (veja Gustafson, Garcia, Hawkins, e Rusniak,
1974). Foram dados aos lobos e coiotes pedaços de carne de carneiro contendo
pequenas quantidades de lítio clorídrico (EIC), uma substância química que, se ingerida,
faz o animal passar mal. Quando os animais comiam a carne, eles ficavam tontos, com
náuseas severas e vômitos (RIC). Depois de recuperados, estes mesmos predadores
famintos eram colocados num cercado com ovelhas vivas. Os lobos e coiotes
começavam a atacar a ovelha (EC), mas assim que sentiam o cheiro de sua presa, eles
paravam e ficavam o mais longe possível
da ovelha. Quando a grade do cercado era
aberta, os lobos e coiotes realmente corriam
das ovelhas! Baseado neste e em outros
relatos de pesquisas, tornou-se uma prática
comum dos rancheiros usarem este método
de condicionamento clássico para manter
lobos e coiotes longe de seus rebanhos.
Outra linha de pesquisa potencialmente
vital, envolvendo condicionamento
clássico, está no campo da medicina
comportamental. Estudos têm sugerido que
a atividade do sistema imunológico pode
ser alterada usando-se princípios
pavlovianos. Ader e Cohen (1985) deram
água com sacarina para ratos (eles amam
esta água). A seguir, emparelharam a água
com sacarina com a injeção de uma droga
que debilitava o sistema imunológico do
9
3. Aprendizagem e Condicionamento – Pavlov

rato. Mais tarde, quando estes ratos condicionados bebiam a água com sacarina, eles
demonstravam sinais de imunossupressão, um enfraquecimento da resposta
imunológica. Pesquisas estão sendo realizadas (primariamente em uma subárea da
psicologia denominada psiconeuroimunologia) para estudar se o contrário também é
possível – se respostas de fortalecimento imunológico poderiam ser condicionadas. Em
linhas gerais, a pesquisa tem demonstrado que o condicionamento clássico é de fato
promissor no aumento da efetividade de respostas do sistema imunológico em humanos
(Miller & Cohen, 2001). Imagine só: no futuro você sente o início de um resfriado ou
gripe, então você escolhe em seu iPod sua “música de fortalecimento da resposta
imunológica” classicamente condicionada. À medida que a música enche seus ouvidos,
sua resistência aumenta como uma resposta condicionada a este estímulo e detém a
progressão da doença.
Como demonstração do impacto contínuo das descobertas de Pavlov na pesquisa
psicológica atual, considere o seguinte. Desde 2000, mais de mil artigos científicos
citaram o trabalho de Pavlov focalizado neste texto. Um estudo recente, especialmente
fascinante, demonstrou como o seu estado psicológico ao tempo do condicionamento e
extinção pode desempenhar um papel no tratamento de medos irracionais
condicionados, denominados fobias (Mystkowski et al., 2003). Os pesquisadores
usaram técnicas de dessensibilização para tratar participantes que ficavam terrificados
com aranhas. Alguns receberam o tratamento depois de ingerir cafeína, enquanto outros
ingeriram um placebo. Uma semana depois, todos os participantes foram retestados –
alguns recebendo cafeína e outros um placebo. Os que receberam placebo durante o
tratamento, mas receberam cafeína de verdade uma semana depois, e os que receberam
cafeína de verdade durante o tratamento, mas receberam placebo uma semana depois,
mostraram uma reincidência da resposta de medo. Em outras palavras, a mudança de
características da situação de estímulo diminui os efeitos da extinção. Contudo, os que
estiveram na mesma condição de droga (tanto cafeína quanto placebo), no tratamento e
uma semana depois, continuaram a mostrar uma resposta diminuída de medo de
aranhas. Esta descoberta implica que se um comportamento condicionado classicamente
é colocado com sucesso em extinção, a resposta pode retornar se o estímulo
condicionado for encontrado em uma situação diferente.

CONCLUSÃO

10
3. Aprendizagem e Condicionamento – Pavlov

Estes exemplos demonstram como tem sido extensa a influência de Pavlov em muitas
disciplinas científicas e de pesquisa. Considerando a psicologia, em particular, poucos
cientistas tiveram tão grande impacto em uma única disciplina. Condicionamento
clássico é uma das teorias fundamentais sobre a qual se baseia a Psicologia. Sem as
contribuições de Pavlov, os cientistas comportamentais ainda poderiam ter descoberto a
maioria destes princípios ao longo de muitas décadas. É pouco provável, contudo, que
uma teoria tão coesa, elegante e bem articulada do reflexo condicionado teria existido se
Pavlov não tivesse decidido arriscar sua carreira e aventurar-se na incerta e questionável
ciência psicológica do Século XIX.

Ader, R., & Cohen, N. (1985). CNS-imune system interactions: Conditioning phenomena. Behavioral and
Brain Sciences, 8, 379-394.
Frederickson, M., Annas, P, & Wik, G. (1997). Parental history, aversive exposure, and the development
of snake and spider phobias in women. Behavior Research and Therapy, 35(1), 23-28.
Gustafson, C. R., Garcia, J., Hawkins, W., & Rusiniak, K. (1974). Coyote predation control by aversive
conditioning. Science, 184, 581-583.
Miller, G., & Cohen, S. (2001). Psychological interventions and the imune system: A meta-analytic
review and critique. Health Psychology, 20, 47-63.
Mystkowski, J., Mineka, S., Vernon, L., & Zimbarg, R. (2003). Changes in caffeine states enhance return
of fear in spider phobia. Journal of Consulting and Clinical Psychology, 71, 243-250.

QUESTOES DE ESTUDO
1) Explique o que é um reflexo. Por que a salivação é um reflexo?
2) Explique as observações informais que levaram Pavlov a pesquisar mais sistematicamente os processos
de condicionamento.
3) Explique a diferença entre reflexos incondicionados e condicionados.
4) Nos experimentos iniciais de Pavlov, quais eram o EIC, a RIC, o EC e a RC? Dê exemplos de
variações nos estímulos feitas posteriormente por Pavlov.
5) Para ocorrer condicionamento, EN tem que ser apresentado antes ou depois do EIC? Quais resultados
comprovam isto?
6) Tente fazer o experimento com você mesmo sugerido pelo autor. Descreva os resultados que você
encontrar.
7) Explique o procedimento para condicionar lobos e coiotes de modo que eles deixassem de atacar
ovelhas. Identifique o EIC, a RIC, o EC e a RC.
8) Explique de que modo você pode aplicar os princípios de condicionamento clássico para compreender
os efeitos da propaganda.
9) Explique as possíveis aplicações dos conceitos de condicionamento clássico aos campos da imunologia
e dos distúrbios alimentares.

11
3. Aprendizagem e Condicionamento – Pavlov

MATERIAL SUPLEMENTAR (Opcional)


PAPEL DO CONDICIONAMENTO AVALIATIVO NA PROPAGANDA DE
ALIMENTOS PARA CRIANÇAS

A propaganda de alimentos para crianças frequentemente procura estabelecer preferências por


comidas de baixo valor nutricional e ricas em calorias e gordura. Para isso, há amplo uso de personagens
preferidos pelas crianças. A tese de doutorado de Silvana Lopes dos Santos, na UFSCar, estudou a
extensão do condicionamento avaliativo para símbolos dos personagens preferidos e detestados por
crianças de 5 a 6 anos de idade. Em um dos estudos foi usado um método que estabelecida uma relação
entre figuras abstratas e os personagens, de modo que cada figura se tornava símbolo de um personagem.
Isto está representado na figura abaixo. Note que os personagens usados variaram entre as crianças,
porque cada uma escolheu aqueles de que gostava mais e gostava menos.

Ao todo, 14 crianças aprenderam esta relação, de modo que a figura abstrata de cima tornou-se
símbolo do personagem preferido e a de baixo tornou-se símbolo do personagem de que a criança não
gostava. Estas figuras foram então usadas como rótulos de duas embalagens transparentes, com as duas
contendo pedaços iguais da mesma comida, como na figura abaixo.

12
3. Aprendizagem e Condicionamento – Pavlov

Em um dos testes, estas duas embalagens foram apresentadas para cada uma das 14 crianças.
Primeiro, a experimentadora perguntou qual das comidas (lembre-se de que era a mesma comida) a
criança queria comer primeiro. Todas as 14 crianças quiseram comer primeiro a comida que estava na
embalagem da esquerda, com o símbolo do personagem preferido. Em seguida, a experimentadora pediu
à criança para comer também a comida da outra embalagem e então perguntou de qual das duas a criança
tinha gostado mais. Todas as 14 crianças disseram que tinham gostado mais da comida rotulada com o
símbolo do personagem de que elas gostavam.
Os experimentos da tese de Silvana dos Santos, assim como muitos outros experimentos sobre
condicionamento avaliativo, dão uma ideia de como as preferências das crianças (e dos adultos também)
podem ser manipuladas por processos de condicionamento avaliativo.

dos Santos, S. L. (2017). Influência de personagens infantis sobre escolhas alimentares em crianças: um
estudo com equivalência de estímulos. Tese de doutorado, Programa de Pós-Graduação em
Psicologia, Universidade Federal de São Carlos.
dos Santos, S. L., & de Rose, J. C. (2017). Manutenção das classes de equivalência e transferência de
função: Uma investigação por meio de escolhas alimentares de crianças. Perspectivas em Análise
do Comportamento, 8(1), 1-11.
dos Santos, S. L., & de Rose, J. C. (2018). Investigating the impact of stimulus equivalence in children's
food choice and preference. Trends in Psychology/Temas em Psicologia), 26(1), 1-14.
dos Santos, S. L., & de Rose, J. C. (2019). Influence of cartoon characters on children’s food preference
via transfer of functions. The Psychological Record, 69, 153-163.

13
3. Aprendizagem e Condicionamento – Watson & Rayner

LEITURA 10. PEQUENO ALBERT EMOTIVO

Watson, J. B., & Rayner, R. (1920). Conditioned emotional responses. Journal of


Experimental Psychology, 3, 1-14.

Você alguma vez se perguntou de onde é que vêm suas emoções? Se sim, você não está
sozinho. A origem das emoções tem fascinado cientistas do comportamento ao longo
da história da Psicologia. Parte da evidência desse fascínio pode ser encontrada neste
livro; ele inclui cinco estudos diretamente relacionados a respostas emocionais
(Capítulo V, Harlow, 1958; Capítulo VI, Ekman & Friesen, 1971; Capítulo VIII,
Seligman & Meier, 1967; e Capítulo IX, Wolpe, 1961). O presente estudo, de Watson e
Rayner, sobre respostas emocionais condicionadas, constituiu uma demonstração de
pesquisa bastante poderosa quando foi publicada, há mais de um século, e continua a
exercer influência ainda hoje. Dificilmente você encontrará um livro de psicologia
geral ou sobre aprendizagem e comportamento que não contenha um resumo das
descobertas deste estudo.
A importância histórica desse estudo é devida não apenas aos resultados de
pesquisa, mas também ao novo território psicológico que ele descortinou. Se
pudéssemos voltar ao início do século XX e ter uma noção do estado da Psicologia
naquela época, veríamos que ela estava quase que completamente dominada pelo
trabalho de Sigmund Freud (ver a leitura sobre Anna Freud no Capítulo VIII). A
concepção psicanalítica de Freud sobre o comportamento humano se baseava na ideia
de que somos motivados por instintos inconscientes e por conflitos reprimidos na
infância. Em termos freudianos simplificados, o comportamento, e especificamente a
emoção, é gerado internamente através de processos biológicos e instintivos.

14
3. Aprendizagem e Condicionamento – Watson & Rayner

Nos anos 1920 começou a tomar corpo um movimento na psicologia,


disseminado por Pavlov e Watson, e conhecido como comportamentalismo
(behaviorismo). O ponto de vista comportamentalista era radicalmente oposto à escola
psicanalítica e propunha que o comportamento é gerado fora da pessoa, por vários
estímulos ambientais ou situacionais. Watson teorizava que respostas emocionais
existem em nós porque somos condicionados a responder emocionalmente a certos
estímulos que nós encontramos. Em outras palavras, nós aprendemos reações
emocionais. Watson acreditava, de fato, que todo comportamento humano é um
produto da aprendizagem e do condicionamento, como afirmou em seu famoso
manifesto de 1913:

Deem-me uma dúzia de crianças sadias, bem formadas, e meu próprio mundo especial
onde eu possa criá-las, e eu garanto tomar qualquer uma delas ao acaso e treiná-la para se
tornar qualquer tipo de especialista que eu possa selecionar - médico, advogado, artista,
comerciante, e, sim, mendigo e ladrão (Watson, 1913).

Esta era, naquela época, uma perspectiva extremamente revolucionária. A


maioria dos psicólogos, assim como a opinião pública em geral, não estava pronta para
aceitar essas novas ideias. Isto era especialmente verdadeiro para reações emocionais
que, de alguma forma, pareciam ser geradas internamente. Por isso, Watson criou as
condições para demonstrar experimentalmente que as emoções podem ser
condicionadas.

PROPOSIÇÕES TEÓRICAS
A hipótese de Watson era a de que se um estímulo produz automaticamente uma reação
emocional em você (como o medo), e este estímulo ocorrer repetidamente ao mesmo
tempo que alguma outra coisa, a presença de um rato, por exemplo, o rato ficará

15
3. Aprendizagem e Condicionamento – Watson & Rayner

associado com o medo no seu cérebro. Em outras palavras, você eventualmente será
condicionado a ter medo do rato (esta visão reflete a teoria do condicionamento clássico
de Pavlov). Ele afirmava que nós não nascemos com medo de ratos, mas que tais
medos são aprendidos por condicionamento. Esta foi a base teórica para o mais famoso
de seus experimentos, realizado com um participante chamado "Pequeno Albert"

MÉTODO E RESULTADOS
O participante, “Albert B.”, foi recrutado para esse estudo com a idade de 9 meses, em
um hospital onde ele era criado como órfão, desde o nascimento. Os pesquisadores e a
equipe do hospital consideravam-no muito sadio, tanto física quanto emocionalmente.
Para verificar se Albert tinha medo de alguns estímulos, foram apresentados a ele um
rato branco, um coelho, um macaco, um cachorro, máscaras com e sem cabelos, e um
maço de algodão branco. As reações de Albert a esses estímulos foram cuidadosamente
observadas. Albert tinha interesse pelos vários animais e objetos e se aproximava deles,
tocando-os algumas vezes mas nunca demonstrando o menor medo. Uma vez que estes
estímulos não produziam medo, eles foram considerados "estímulos neutros".
A fase seguinte do experimento consistiu em determinar se era possível produzir
uma reação de medo em Albert, pela exposição a um ruído intenso. Todas as pessoas, e
as crianças em especial, exibem reações de medo a ruídos súbitos e intensos. Uma vez
que não é necessário aprendizagem para que esta reação ocorra, o ruído intenso é
considerado um "estímulo incondicionado". Nesse estudo, um dos experimentadores
bateu com um martelo sobre uma barra de aço de aproximadamente um metro de
comprimento, localizada atrás de Albert. Esse ruído o assustou e amedrontou e o fez
chorar.
Agora o cenário estava pronto para testar a ideia de que a emoção de medo podia
ser condicionada em Albert. O verdadeiro teste de condicionamento não foi feito até
que a criança estivesse com 11 meses de idade. Os experimentadores hesitaram em
criar experimentalmente reações de medo na criança, mas finalmente decidiram ir em
frente com base no que foi, em retrospecto, considerado um raciocínio ético
questionável (Isto é discutido adiante, em conjunto com os problemas éticos gerais deste
estudo).
Quando o experimento teve início, Watson e a estudante de pós-graduação que
foi sua assistente, Rosalie Rayner, apresentaram o rato branco a Albert. De início,
Albert estava interessado no rato e tentava se aproximar dele e pegá-lo. Quando ele

16
3. Aprendizagem e Condicionamento – Watson & Rayner

fazia isso, a barra de aço era malhada, o que assustava e amedrontava Albert. Esse
processo foi repetido três vezes. Uma semana mais tarde, o mesmo procedimento foi
novamente realizado. Depois de um total de sete emparelhamentos entre o ruído e o
rato, o rato foi apresentado sozinho, sem o ruído. Como você já deve ter adivinhado,
Albert reagiu com extremo medo do rato. Ele começou a chorar, virou-se para o lado
oposto, rolou sobre seu corpo e começou a engatinhar para longe tão depressa que os
experimentadores tiveram que correr para segurá-lo, antes que ele caísse da borda da
mesa. A resposta de medo tinha sido condicionada a um objeto que não havia
produzido medo há menos de uma semana.
Os pesquisadores queriam determinar, então, se o medo aprendido se transferiria
para outros objetos. Em termos psicológicos, essa transferência é designada como
"generalização". Se Albert mostrasse medo de outros objetos semelhantes, então seria
possível dizer que o comportamento aprendido havia se generalizado. Na semana
seguinte Albert foi novamente submetido ao teste e, novamente, mostrou medo do rato.
Então, para fazer o teste de generalização, foi apresentado a ele um objeto semelhante
ao rato (um coelho branco). Nas próprias palavras dos autores,

Respostas negativas ocorreram imediatamente. Ele se afastou do animal o máximo que


pode, choramingou e então caiu em lágrimas. Quando o coelho foi colocado em contato
com ele, ele enterrou o rosto no colchão, então se colocou de quatro e engatinhou para
longe, chorando." (p. 6).

Lembre-se: Albert não teve medo do coelho antes do condicionamento, e não tinha sido
condicionado a ter medo especificamente do coelho.
Ao longo daquele mesmo dia foram apresentados ao Pequeno Albert um
cachorro, um casaco branco de peles, um pacote de algodão e a cabeça do próprio
Watson, com seus cabelos brancos. Ele reagiu com medo a todos esses itens. Um dos
testes de generalização mais conhecidos e que deu a essa pesquisa famosa uma má
fama, ocorreu quando Watson apresentou a Albert uma máscara de Papai Noel. A
reação? Sim, foi de medo!
Cinco dias depois Albert foi novamente submetido aos testes. A sequência de
apresentações nesse dia está sumariada na Tabela 10.1.
Um outro aspecto das reações emocionais que Watson queria explorar era se a
emoção aprendida seria transferida de uma situação para outra. Se as respostas
emocionais de Albert a esses vários animais e objetos ocorressem apenas na situação
experimental e em nenhuma outra, a significância das descobertas seria enormemente

17
3. Aprendizagem e Condicionamento – Watson & Rayner

reduzida. Para testar esse aspecto, mais tarde, naquele mesmo dia em que foram
realizados os testes resumidos na Tabela 10.1, Albert foi levado para uma sala
completamente diferente, mais iluminada e com mais pessoas presentes. Nessa nova
situação, as reações de Albert ao rato e ao coelho foram, ainda, claramente de medo,
embora um pouco menos intensas.

Tabela 10-1 Sequência de apresentações de estímulos no quarto dia de testes com


Albert

ESTIMULOS APRESENTADOS REAÇÕES OBSERVADAS


1. blocos Brincou com os blocos da maneira usual
2. rato Encolheu-se com medo (sem choro)
3. rato + ruído intenso Medo e choro
4. rato Medo e choro
5. rato Medo, choro e fugiu para longe
6. coelho Medo, mas reação menos intensa do que
nas apresentações anteriores
7. blocos Brincou, como de costume
8. coelho Mesmo que 6
9. coelho Mesmo que 6
10.coelho Um pouco de medo, mas também tentou
tocar o coelho
11.cachorro Esquiva, com medo
12. cachorro + ruído intenso Medo e engatinhou para longe
13. blocos Brincadeira normal.

O teste final que Watson e Rayner queriam realizar consistia em verificar se as


respostas emocionais recém-aprendidas por Albert persistiriam ao longo do tempo. Mas
Albert tinha sido adotado e deveria deixar o hospital em pouco tempo. Assim, todos os
testes foram interrompidos por um período de 31 dias. No final desse período, foram
novamente apresentados a ele a máscara de Papai Noel, o casaco de peles branco, o rato,
o coelho e o cachorro. Depois de um mês, Albert ainda se mostrava amedrontado com
todos esses objetos.
Watson e seus colaboradores tinham planejado tentar "recondicionar" Albert e
eliminar todas essas reações de medo. No entanto, ele deixou o hospital no dia em que
os últimos testes foram feitos e, tanto quanto se sabe, nenhum recondicionamento
chegou a ser feito.

18
3. Aprendizagem e Condicionamento – Watson & Rayner

DISCUSSÃO E SIGNIFICADO DAS DESCOBERTAS


Watson tinha dois objetivos fundamentais neste estudo e em todo o seu trabalho: (a)
demonstrar que todo comportamento
humano se origina da aprendizagem e do
condicionamento; e (b) demonstrar que a
concepção freudiana de Psicologia, de
que todo o nosso comportamento se
origina em processos internos, estava
equivocada. Este estudo, com todas as
suas fraquezas metodológicas e com os
sérios problemas de conduta ética
(discutidos na seção seguinte) foi, em
larga extensão, bem sucedido em
convencer uma ampla parcela da
comunidade científica de que o comportamento emocional poderia ser condicionado
através de técnicas simples de estímulo e resposta. Essa descoberta, por sua vez, ajudou
a alicerçar uma das principais escolas de pensamento na Psicologia: o behaviorismo.
Aqui, algo tão complexo, pessoal e humano como uma emoção havia se mostrado
sujeito ao condicionamento, do mesmo como Pavlov havia demonstrado que cães
aprendiam a salivar ao som de um metrônomo.
Uma extensão lógica dessa descoberta, é que outras emoções como raiva,
alegria, tristeza, surpresa e nojo podem ser aprendidas, da mesma maneira. Em outras
palavras, a razão pela qual você fica triste quando ouve aquela música antiga, fica
nervoso(a) quando tem uma entrevista para obter um emprego (ou uma bolsa de
estudos), fica feliz quando chega a primavera, ou com medo quando ouve uma broca
odontológica, é que em seu cérebro se desenvolveu, por condicionamento, uma
associação entre esses estímulos e emoções específicas. Outras respostas emocionais
mais extremas, como fobias e fetiches sexuais, também podem se desenvolver através
de sequências semelhantes de condicionamento.
Watson afirmou imediatamente que suas descobertas poderiam explicar o
comportamento humano em termos simples e diretos, em comparação com as noções
psicanalíticas de Freud e seus seguidores. Como Watson e Rayner explicaram em seu
artigo, um freudiano explicaria o chupar o dedo como uma expressão do instinto

19
3. Aprendizagem e Condicionamento – Watson & Rayner

original de busca do prazer. Albert, no entanto, chupava o dedo sempre que estava com
medo. Assim que colocava o dedo na boca, ele parava de ficar com medo. Assim,
Watson interpretou o chupar o dedo como um dispositivo condicionado para bloquear
estímulos eliciadores de medo.
Um outro ataque ao pensamento freudiano, feito neste artigo, dizia respeito a
como os freudianos analisariam no futuro, se tivessem oportunidade, o medo de Albert
pelo casaco de peles. Watson e Rayner disseram que eles "provavelmente conseguirão
dele a descrição de um sonho que, pela sua análise, mostrará que o Pequeno Albert, aos
três anos de idade, tentara brincar com os pelos pubianos de sua mãe, e fora
violentamente repreendido por isto" (p. 14). O principal argumento dos autores era que
eles haviam demonstrado com Albert que distúrbios emocionais na vida adulta não
podem sempre ser atribuídos a traumas sexuais na infância, como a concepção freudiana
sempre interpretava.

QUESTÕES E CRÍTICAS
À medida que você veio lendo este texto, é possível que tenha ficado preocupada(o) ou
mesmo com raiva do tratamento que os experimentadores impingiram a essa criança
inocente. Esse estudo viola claramente os padrões atuais de conduta ética na pesquisa
com humanos. Seria altamente improvável que qualquer Comitê de Ética, em qualquer
instituição de pesquisa, aprovasse esse estudo atualmente. Um século atrás, porém, tais
padrões éticos não haviam sido formalmente formulados, e não é incomum encontrar
relatos na literatura psicológica daquela época, de procedimentos de pesquisa que agora
nos parecem muito questionáveis. Deve ser destacado que Watson e seus colaboradores
não eram pessoas sádicas ou cruéis e que estavam envolvidos em uma área de pesquisa
nova e inexplorada. Eles de fato mostraram uma considerável hesitação sobre
prosseguir ou não com o condicionamento, mas decidiram que isto era justificável uma
vez que, na opinião deles, alguns dos medos se instalariam de qualquer modo, quando
Albert deixasse o ambiente protegido do hospital. Mas mesmo assim, seria apropriado
amedrontar tanto uma criança, qualquer que fosse a importância potencial da
descoberta? Hoje quase todos os cientistas comportamentais concordariam que não.
Um outro aspecto ético importante neste estudo foi o fato de que Albert teve
permissão de sair do hospital sem nunca ter sido recondicionado para remover seus
medos. Watson e Rayner argumentam, em seu artigo, que tal condicionamento
emocional pode persistir ao longo de toda a vida de uma pessoa. Se eles estiverem
20
3. Aprendizagem e Condicionamento – Watson & Rayner

corretos a respeito desse ponto, é extremamente difícil, de uma perspectiva ética,


justificar que se permita que alguém cresça até a idade adulta com medo de todos estes
objetos (e quem sabe, de quantos outros!).
Vários pesquisadores também têm questionado essa suposição de Watson e
Rayner de que os medos condicionados poderiam persistir indefinidamente (Harris,
1979). Outros argumentam que Albert não foi tão efetivamente condicionado como
afirmam os autores (Samelson, 1980). Tem sido frequentemente demonstrado que
comportamentos adquiridos através de condicionamento podem ser perdidos devido a
outras experiências, ou simplesmente devido à passagem do tempo. Imagine, por
exemplo, que quando fez cinco anos, Albert tenha ganho um coelho de presente de
aniversário. De início, ele pode ter ficado com medo dele (o que sem dúvida causaria

estranheza a seus pais adotivos). Mas à medida que ele continuou a ser exposto ao
coelho, sem que qualquer coisa assustadora ocorresse (tal como o ruído intenso), é
muito provável que ele fosse gradualmente ficando com menos medo, até que o coelho
não produzisse mais respostas de medo. Esse é um processo muito bem estabelecido na
Psicologia da aprendizagem, denominado "extinção" e que ocorre rotineiramente, como
parte dos constantes processos de aprender e desaprender e de condicionar e
descondicionar, que experienciamos ao longo de nossas vidas.

21
3. Aprendizagem e Condicionamento – Watson & Rayner

APLICAÇÕES RECENTES
O artigo de Watson, de 1920, apesar de suas falhas éticas, continua a ser citado em uma
ampla gama de aplicações, incluindo teorias sobre criação efetiva de filhos e
psicoterapia. Um estudo examinou as expressões faciais de emoção em bebês (Sullivan
& Lewis, 2003). Nós sabemos que as expressões faciais correspondentes a emoções
específicas são consistentes entre adultos e entre culturas (veja a leitura sobre a pesquisa
de Ekman, no Capítulo VI). Este estudo, contudo, estendeu esta pesquisa sobre como
expressões se desenvolvem em bebês e o que as várias expressões significam em idades
muito precoces. Um amplo entendimento das expressões faciais de bebês pode ajudar
muito os esforços para comunicação e cuidado com o bebê. Os autores observaram que
o objetivo da pesquisa deles foi “fornecer aos profissionais informações básicas para
ajudar a eles, e também aos pais com os quais eles trabalham, a melhorar sua
capacidade de reconhecer os sinais expressivos dos bebês e crianças pequenas sob seu
cuidado” (p. 120). O uso das descobertas de Watson por estes autores dá um grau de
conforto na medida em que, em suas táticas de pesquisa questionáveis com o Pequeno
Albert, no final das contas, tenhamos desenvolvido uma maior sensitividade e
percepção dos sentimentos e necessidades dos bebês.
Como anteriormente mencionado nesta discussão, uma emoção, medo, na sua
forma extrema pode produzir sérias consequências negativas, conhecidas como fobias.
Muitos psicólogos acreditam que as fobias são condicionadas, em grande medida como
o medo que o Pequeno Albert passou a ter de animais peludos (ver a discussão da
pesquisa de Wolpe sobre o tratamento de fobias, no Capítulo IX: Psicoterapia). A
pesquisa de Watson tem sido incorporada a muitos estudos recentes sobre a origem e
tratamento de fobias. Um destes artigos discutiu fobias a partir da perspectiva
natureza-experiência e encontrou alguns resultados notáveis. A abordagem de Watson
é enraizada, por certo, completamente no lado ambiental da controvérsia e a maioria
das pessoas, provavelmente, encara as fobias como sendo aprendidas.
Contudo, um estudo de Kendler, Karkowski e Prescott (1999) forneceu evidência
convincente de que o desenvolvimento de fobias pode incluir um componente
genético substancial. Os pesquisadores investigaram fobias e medos irracionais em
mais de 1700 mulheres gêmeas (ver a discussão sobre a pesquisa de Bouchard com
gêmeos, no Capítulo 1). Eles alegam terem encontrado que um grande porcentagem de
variação em fobias era devida a fatores hereditários. Os autores concluíram que,
22
3. Aprendizagem e Condicionamento – Watson & Rayner

embora as fobias possam ser moldadas pelas experiências pessoais do indivíduo, o


papel da família da pessoa no desenvolvimento de fobias é primariamente genético,
não ambiental. Imagine só: “Nascido para ser fóbico!” Esta concepção vai em direção
exatamente contrária à teoria de Watson e deve fornecer bastante combustível para o
continuado debate natureza-ambiente na psicologia e nas ciências comportamentais.

De Angelis, T. (2010). Little Albert regains his identity. Monitor on Psychology, 41, 10.
Harris, B. (1979). What ever happened to little Albert? American Psychologist, 34, 151-160.
Kendler, K., Karkowski, L., & Prescott, C. (1999). Fears and phobias: reliability and heritability.
Psychological Medicine, 29(3), 539-553.
Samelson, F. (1980). Watson's Little Albert, Cyril Burt's twins, and the need for critical science. American
Psychologist, 35, 619-625.
Sullivan, M., & Lwqia, M. (2003). Emotional expressions of Young infants and children: A practitioner’s
primer. Infants and Young Children, 16, 120-142.
Watson, J.B. (1913). Psychology as the behaviorist views it. Psychological Review, 20, 158-177.

23
3. Aprendizagem e Condicionamento – Skinner

LEITURA 11. BATA NA MADEIRA


Skinner, B. F. (1948). Superstition in the pigeon. Journal of Experimental
Psychology, 38, 168-172.

Nesta leitura examinamos um dos estudos de um imenso corpo de pesquisa conduzido


por um dos psicólogos mais influentes e mais amplamente conhecidos, B. F. Sinner
(1904-1990). Decidir como apresentar Skinner e qual dos seus estudos explorar foi uma
tarefa difícil. É simplesmente impossível representar, de modo adequado, em um artigo
curto, suas contribuições para a pesquisa psicológica. Afinal, Skinner é considerado o
pai do behaviorismo radical, foi o inventor da famosa (ou mal afamada) Caixa de
Skinner e é autor de mais de 20 livros e centenas de artigos científicos. Este artigo, com
o título mais ou menos jocoso, “Superstição no pombo”, foi selecionado entre todos os
demais trabalhos de Skinner por favorecer uma discussão clara de suas teorias básicas,
fornecer um exemplo interessante de sua abordagem ao estudo do comportamento e
oferecer uma explicação “skinneriana” de um comportamento com o qual todos estamos
familiarizados: a superstição.
Skinner éconsiderado um behaviorista radical porque acreditava que todos os
comportamentos – incluindo comportamento público (ou externo) e também eventos
privados (ou internos) tais como sentimentos e pensamentos – são, em última instância,
aprendidos e controlados pelas relações entre a situação que imediatamente precede o
comportamento e as consequências que o seguem diretamente. Embora ele acreditasse
que os comportamento privados sejam difíceis de estudar, ele reconhecia que nós todos
temos nossa própria experiência subjetiva destes comportamentos. Ele não via, contudo,
os eventos internos, tais como pensamentos e emoções, como causas do
comportamento, mas sim como parte da combinação de ambiente e comportamento que
ele procurava explicar (ver Schneider & Morris, 1987, para uma discussão detalhada do
termo behaviorismo radical).
Para colocar a teoria de Skinner em termos muitos básicos, em qualquer situação
dada, seu comportamento será provavelmente seguido por consequências. Algumas
destas consequências, tais como elogio, receber dinheiro ou a satisfação de resolver um
problema, farão com que o comportamento tenha maior probabilidade de ser repetido
24
3. Aprendizagem e Condicionamento – Skinner

em situações similares no futuro. Estas consequências são chamadas de reforçadores.


Outras consequências, tais como você se ferir ou sentir-se envergonhado, tenderão a
fazer com que o comportamento tenha menor probabilidade de ser repetido em situações
similares e são denominadas punidores. Os efeitos destas relações entre comportamento
e ambiente são denominados reforçamento e punição, respectivamente (Edward K.
Morris, comunicação pessoal, setembro de 1987). Reforçamento e punição são dois dos
processos mais fundamentais no que Skinner denominou condicionamento operante e
podem ser diagramados como se segue:

Reforçamento=Aprendizagem
Situação Comportament Consequência
o Punição=Não aprendizagem

Com sua conceitualização, Skinner


também era capaz de explicar como os
comportamentos são perdidos ou
desaprendidos. Uma vez que o
comportamento tenha sido reforçado, se o
reforçamento for interrompido, o
comportamento diminuirá lentamente, até
desaparecer completamente. Este processo
de supressão do comportamento é
denominado extinção.
Se você pensar sobre isto, verá que
estas ideias não são novas. Os processos que
todos empregamos para ensinar nossos
animais de estimação seguem as mesmas
regras. Você manda um cachorro sentar, ele
senta e você o recompensa com um
pedacinho de comida. Depois de um certo
tempo, o cachorro passa a ficar sentado quando recebe a ordem, mesmo sem a
recompensa imediata. Você aplicou os princípios do condicionamento operante. Esta é
uma forma muito poderosa de aprendizagem e é efetiva com todos os animais; mesmo
cachorros velhos aprendem novos truques, e até mesmo os gatos! Também, se você quer
que seu animal de estimação pare de fazer alguma coisa, tudo o que tem a fazer é
remover o reforçamento, e o comportamento desaparecerá. Por exemplo, se o seu
cachorro fica pedindo comida ao lado da mesa de jantar, há uma razão para isso (apesar
do que você possa pensar, os cachorros não nasceram para ficar pedindo comida à
mesa!) Você condicionou este comportamento em seu cachorro, pelo reforçamento. Se
quiser colocar tal comportamento em extinção, você terá que interromper
completamente o reforçamento. Chegará um momento em que o cachorro parará de
pedir. Mas, se um membro da família trapaceia durante a extinção e, de vez em quando,
secretamente, dá algum alimento ao pedinte canino, a extinção nunca ocorrerá, mas o
cão passará mais tempo pedindo nas proximidades da cadeira desta pessoa.
Além destes fundamentos de aprendizagem, Skinner afirmava que todo
comportamento humano é criado e mantido precisamente da mesma maneira. Só que em
humanos, nem sempre é tão fácil identificar com exatidão os comportamentos e as
consequências. Skinner tornou-se muito conhecido por argumentar que se um
comportamento humano era interpretado por outros teóricos (como psicólogos
cognitivistas ou humanistas) como sendo devido à nossa consciência altamente
evoluída, ou às nossas capacidades intelectuais, isso ocorria simplesmente porque os

25
3. Aprendizagem e Condicionamento – Skinner

psicólogos não eram capazes de identificar com precisão os reforçadores que tinham
criado e que estavam mantendo o comportamento. Se isto soa como uma posição
extrema, lembre-se de que a posição de Skinner é chamada de behaviorismo radical e
foi sempre cercada de controvérsias.
Skinner deparou-se frequentemente com ceticismo e defendeu seu ponto de vista
demonstrando experimentalmente que comportamentos considerados como propriedade
exclusiva dos seres humanos poderiam ser aprendidos por criaturas inferiores, como
pombos ou ratos. Uma destas demonstrações envolveu o argumento de que o
comportamento supersticioso seria exclusivamente humano. O argumento era que a
superstição requer uma atividade cognitiva humana (pensamento, conhecimento,
raciocínio). Uma superstição é uma crença em algo, e nós não costumamos atribuir tais
crenças a animais. Bem, Skinner dizia, essencialmente, que o comportamento
supersticioso poderia ser explicado tão facilmente quanto qualquer outra ação, pelos
princípios do condicionamento operante. Ele desenvolveu um experimento para provar
isto.

PROPOSIÇÕES TEÓRICAS
Pense em alguma situação do passado em que você tenha se comportado de maneira
supersticiosa. Você bateu na madeira, evitou passar por baixo de uma escada, evitou o
número treze, carregou uma moeda da sorte ou outro talismã, agitou os dados de um
modo particular em um jogo de tabuleiro, mudou seu comportamento por causa do
horóscopo?

Seguramente, é provável que todo mundo tenha feito algo de supersticioso em algum
momento, mesmo que algumas pessoas possam não querer admiti-lo. Skinner disse que
a razão pela qual as pessoas fazem isso é que elas acreditam ou presumem que há uma
conexão entre o comportamento supersticioso e alguma consequência reforçadora,
mesmo que, na realidade, não haja. Esta conexão existe porque o comportamento (como
o de agitar os dados de um certo modo) foi acidentalmente reforçado (com uma boa
jogada, por exemplo) uma, duas ou muitas vezes. Skinner chamou isso de reforçamento
não contingente, uma recompensa que não é contingente a qualquer comportamento
particular. Você acredita que há uma relação causal entre o comportamento e a
recompensa, quando não existe tal relação. “E se você pensa que esta é uma atividade
exclusivamente humana”, Skinner poderia ter dito, “eu criarei um pombo
supersticioso!”

MÉTODO
26
3. Aprendizagem e Condicionamento – Skinner

A fim de entender o método utilizado neste experimento, é necessária uma breve


descrição daquela que se tornou conhecida como a Caixa de Skinner. O princípio por
trás da Caixa de Skinner (ou câmara de condicionamento, como Skinner a chamou) é,
de fato, muito simples. Consiste em uma gaiola ou caixa vazia, com uma concha ou
bandeja dentro da qual pode ser apresentada comida. Isto permite ao pesquisador ter
controle de quando o animal recebe reforço, tal como pelotas de alimento. As primeiras
caixas de condicionamento também continham uma barra que, se pressionada, poderia
causar a liberação de algum alimento. Se um rato (Skinner utilizou ratos em seus
primeiros trabalhos) fosse colocado em uma destas caixas, eventualmente aprenderia,
por tentativa e erro, a pressionar a barra para obter comida. O próprio experimentador
poderia, se desejasse, controlar o dispensador de comida e reforçar um comportamento
específico. Mais tarde, descobriu-se que pombos também eram sujeitos ideais para
experimentos de condicionamento, e foram desenvolvidas câmaras de condicionamento
com discos para serem bicados, em vez de barras para serem pressionadas.
Estas gaiolas de condicionamento foram utilizadas no estudo discutido aqui, mas
com uma modificação importante. A fim de estudar o comportamento supersticioso, o
dispensador de comida foi ajustado para liberar alimento na bandeja em intervalos de 15
segundos, independentemente do que o animal estivesse fazendo naquele momento. Isto
produziu reforçamento não contingente. Em outras palavras, o animal recebia uma
recompensa a cada 15 segundos, não importando o que estivesse fazendo.
Os sujeitos deste estudo foram oito pombos. Estes pássaros foram alimentados
diariamente com uma quantidade de comida menor do que o normal por vários dias, até
que, quando testados, eles estivessem famintos e, portanto, altamente motivados para
desempenhar comportamentos para obter comida (isto aumenta o poder do reforço).
Cada pombo foi colocado dentro da gaiola experimental por uns poucos minutos por dia
e simplesmente se deixava que ele fizesse tudo o que um pombo faz. Durante este
tempo, o reforço estava sendo liberado automaticamente a cada 15 segundos. Depois de
muitos dias de condicionamento desta forma, dois observadores independentes
registraram o comportamento dos pássaros na gaiola.

RESULTADOS
Como Skinner relata:
Em seis dos oito casos, as respostas resultantes foram tão claramente definidas que dois
observadores puderam concordar perfeitamente na contagem dos exemplos. Um pássaro
foi condicionado a dar voltas em sentido anti-horário em torno da gaiola, dando duas ou
três voltas entre os reforços. Outro enfiava a cabeça repetidamente em um dos cantos
superiores da gaiola. Um terceiro desenvolveu uma resposta de balanço, como se
colocasse sua cabeça embaixo de uma barra invisível e a erguesse, repetidamente. Dois
pássaros desenvolveram um movimento pendular da cabeça e do corpo, no qual a cabeça
era estendida para a frente e oscilava da direita para a esquerda, em um movimento rápido
seguido por um retorno um pouco mais lento. O corpo, em geral, seguia o movimento
que, quando era mais amplo, permitia que apenas uns poucos passos fossem dados. Outro
pássaro foi condicionado a dar bicadas ou fazer movimentos de “esbarrar” incompletos,
direcionados ao chão, mas que não chegavam a tocá-lo (p. 168).

Nenhum destes comportamentos tinha sido observado nos pássaros antes do


procedimento de condicionamento. Como você pode ver, o comportamento novo não

27
3. Aprendizagem e Condicionamento – Skinner

tinha nenhuma relação com o recebimento de comida pelo pombo. No entanto, eles se
comportavam como se uma certa ação produzisse a comida: eles se tornaram
supersticiosos.
Em seguida, Skinner quis ver o que aconteceria se o intervalo entre os
reforçamentos fosse aumentado. Para um dos pássaros que balançava a cabeça, o
intervalo entre as liberações de pelotas de comida foi gradualmente aumentado para um
minuto. Quando isto ocorreu, os movimentos do pombo tornaram-se mais enérgicos até
que, finalmente, os balanços se tornaram tão pronunciados que parecia que o pássaro
estava desempenhando uma espécie de dança durante o minuto entre os reforçamentos
(como uma dança da comida do pombo).
Finalmente, o comportamento novo dos pássaros foi colocado em extinção. Isto
significa que o reforçamento na Caixa de Skinner foi interrompido. Quando isto
aconteceu, os comportamentos supersticiosos diminuíram gradualmente, até
desaparecerem por completo. No entanto, notou-se que, no caso do pombo dançarino,
em que o intervalo entre reforçamentos havia sido aumentado para um minuto, mais de
10.000 respostas foram registradas antes que a extinção ocorresse.

DISCUSSÃO
Neste estudo Skinner conseguiu seis pombos supersticiosos. No entanto, ele explicou
suas descobertas com mais cautela e modéstia: “Pode-se dizer que o experimento
demonstrou um tipo de superstição. O pássaro se comporta como se houvesse uma
relação causal entre seu comportamento e a apresentação de comida, apesar de tal
relação estar ausente” (p. 171).
O próximo passo, é claro, seria aplicar estas descobertas para os seres humanos.
Tenho certeza de que não é difícil, para você, pensar em analogias com comportamento
humano, e foi o que Skinner fez. Ele descreveu, “o jogador de boliche que jogou uma
bola na pista, mas continua se comportando como se estivesse controlando-a, torcendo e
girando seu braço e ombro, como um outro caso a considerar” (p. 171). Você sabe,
racionalmente, que comportamentos como este não têm, de fato, qualquer efeito sobre a
bola de boliche que já está na metade do trajeto da pista. Contudo, devido ao
condicionamento passado, você acredita que seus trejeitos vão ajudar, mas a bola, de
fato, irá para onde está indo independentemente do seu comportamento após ela ter
partido. Como Skinner afirma, “o comportamento do jogador de boliche não tem efeito
sobre a bola, mas o comportamento da bola tem efeito sobre o jogador” (p. 171). Em
outras palavras, em algumas ocasiões, acontece que a bola se move na direção indicada
pelo movimento dos braços do jogador. O movimento da bola, junto às consequências
de uma jogada bem-sucedida, é suficiente para reforçar acidentalmente os movimentos
do jogador e manter a superstição. O quanto isto seria diferente do comportamento dos
pombos de Skinner? Não muito.
A razão pela qual as superstições são tão resistentes à extinção foi demonstrada
pelo pombo que dançou 10.000 vezes antes de abandonar o comportamento. Quando
qualquer comportamento é reforçado apenas de vez em quando numa dada situação (o
que é chamado de reforçamento parcial), ele se torna muito difícil de extinguir. Isto
acontece porque permanece alta a expectativa de que o comportamento supersticioso
poderia ainda funcionar para produzir as consequências reforçadoras. Você pode
imaginar que se a conexão estivesse presente todas as vezes e então desaparecesse
subitamente, o comportamento cessaria rapidamente. Entretanto, na vida real, as
instâncias de reforçamento acidental usualmente ocorrem esporadicamente, de modo
que o comportamento supersticioso pode, frequentemente, persistir por toda a vida.

28
3. Aprendizagem e Condicionamento – Skinner

CRÍTICAS E PESQUISA SUBSEQUENTE


Como mencionado anteriormente, as teorias e pesquisas behavioristas de Skinner
sempre foram objeto de grandes e, por vezes, inflamadas controvérsias. Outra
abordagem teórica proeminente sobre o comportamento humano argumentou que a
visão comportamental estrita não seria capaz de explicar muitos dos processos
psicológicos que são fundamentais para os seres humanos. Carl Rogers, o fundador da
escola humanista de Psicologia e bem conhecido por seu debate com Skinner, resumiu
esta crítica:
Neste mundo de significados internos, a Psicologia humanista pode
investigar questões que são destituídas de significado para os
behavioristas: propósitos, metas, valores, escolha, percepções de si,
percepção de outros, os constructos pessoais com os quais construímos
nosso mundo… a totalidade do extraordinário mundo do indivíduo com
sua rede de significados. Nenhum aspecto deste mundo está aberto para o
behaviorista estrito. Mas parece verdade, decerto, que estes elementos têm
significado para o comportamento do homem. (Rogers, 1964, p. 119).

Os behavioristas argumentariam, por sua vez, que todas estas características humanas
estão abertas à análise comportamental. A chave para isso está na interpretação
apropriada dos comportamentos e consequências que constituem estas características
(ver Skinner, 1974, para uma discussão completa destas questões).
Sobre a questão específica das superstições, no entanto, parece haver menos
controvérsia e uma aceitação mais completa do processo de aprendizagem envolvido em
sua formação. Um experimento desenvolvido por Bruner e Revuski (1961) demonstrou
o quão facilmente o comportamento supersticioso se desenvolve em humanos. Quatro
estudantes de ensino médio se sentaram, cada um defronte a quatro chaves telegráficas.
Eles receberam a instrução de que, cada vez que pressionassem a chave correta, uma
sineta soaria, acompanhada do acendimento de uma luz vermelha, e eles receberiam
uma moeda de 5 centavos de dólar. A resposta correta era a chave número três.
Entretanto, como no estudo de Skinner, a chave número três produzia o reforço desejado
(a moeda) apenas após a passagem de um intervalo de 10 segundos. Durante este
intervalo, os estudantes ficavam tentando acionar as chaves, em várias combinações.
Então, em algum ponto após a passagem dos 10 segundos, eles acabavam por apertar
novamente a terceira chave e recebiam o reforço. Os resultados foram os mesmos para
todos os estudantes. Depois de um tempo, cada um deles desenvolveu um padrão de
respostas às chaves (como, por exemplo, 1, 2, 4, 3, 1, 2, 4, 3), que eles ficavam sempre
repetindo no intervalo entre os reforçamentos. Pressionar a chave 3 era o único
comportamento reforçado; as outras pressões na sequência eram completamente
supersticiosas. Além de se comportarem supersticiosamente, todos os estudantes
acreditavam que as outras pressões às chaves eram necessárias para “fazer funcionar” a
chave reforçada. Eles não tinham ciência de seu comportamento supersticioso.

APLICAÇÕES RECENTES
Skinner, como uma das figuras mais influentes da Psicologia, ainda tem um grande e
substancial impacto sobre a literatura científica em muitos campos. Seu artigo de 1948
sobre comportamento supersticioso tem sido citado em numerosos estudos recentes. Um

29
3. Aprendizagem e Condicionamento – Skinner

destes estudos, por exemplo, comparou dois tipos de reforçamento quanto ao


desenvolvimento do comportamento supersticioso (Aeschleman, Rosen, & Williams,
2003). O reforçamento positivo ocorre quando você recebe algo desejável como
consequência (como, por exemplo, dinheiro, comida ou elogio). Reforçamento negativo
(que é frequentemente confundido com punição) recompensa você eliminando algo
indesejável (como não ter que fazer tarefas de casa ou evitar alguma dor). O estudo
descobriu que níveis maiores de comportamento supersticioso (controle percebido sobre
eventos não contingentes) foram desenvolvidos sob condições de reforçamento negativo
do que sob reforçamento positivo. Nas palavras dos autores, “Estes resultados…
sugerem que, em relação ao reforçamento positivo, as operações de reforçamento
negativo podem fornecer uma condição mais fértil para o desenvolvimento e
manutenção de comportamentos supersticiosos” (p. 37). Em outras palavras, o estudo
sugeriu que você tem maior probabilidade de empregar táticas supersticiosas para
prevenir consequências ruins do que para criar boas consequências.
Outro artigo provocativo que citou o estudo de Skinner de 1948 (Sagvolden et
al., 1998), examinou o papel do reforçamento no Transtorno do Deficit de Atenção com
Hiperatividade (TDAH)6. Os pesquisadores pediram a meninos com e sem um
diagnóstico de TDAH para participarem de um jogo no qual eles iriam receber, como
recompensas, moedas ou pequenos brinquedos. Embora o reforçamento fosse liberado
em intervalos regulares de 30 segundos (reforçamento não contingente), todos os
garotos desenvolveram comportamentos supersticiosos que eles acreditavam estar
relacionados com as recompensas. Na fase seguinte do estudo, o reforçamento foi
descontinuado. Você esperaria que isto causasse um decréscimo ou cessação de
quaisquer comportamentos que tivessem sido condicionados (extinção). Isto foi
exatamente o que aconteceu com os meninos sem TDAH. Mas os meninos com TDAH,
depois de uma breve pausa, tornaram-se mais ativos e começaram a se engajar
impulsivamente em séries de respostas numa velocidade ainda maior, como se o
reforçamento tivesse sido restabelecido. Os autores sugeriram que esta atividade
excessiva e impulsividade implicava que os garotos com TDAH tinham habilidade
significativamente menor para lidar com atrasos de reforçamento do que os do grupo de
comparação. Descobertas como esta representam um acréscimo importante na nossa
compreensão do TDAH e na capacidade de tratá-lo de modo eficaz.

CONCLUSÃO
As superstições estão em toda a parte. Você provavelmente tem algumas e você
certamente sabe que outros as têm. Algumas superstições tornam-se de tal modo parte
da cultura que elas produzem efeitos sociais amplos. Você deve estar ciente de que a
maioria dos arranha-céus não têm um 13o. andar7. Bom, não é bem assim. Obviamente
existe um 13o. andar, mas não há nenhum andar que recebe o número “13”. Isto
provavelmente não se deve ao fato de que arquitetos e construtores sejam uma turma
excessivamente supersticiosa, e sim à dificuldade de vender ou alugar imóveis em um
13o. andar.
Seriam as superstições pouco saudáveis psicologicamente? A maioria dos
psicólogos acredita que, ainda que os comportamentos supersticiosos, por definição, não
produzam as consequências que você acredita que eles produzem, eles podem ter
funções úteis. Frequentemente, tais comportamentos podem produzir um sentimento de
força e controle quando uma pessoa se defronta com uma situação difícil. É interessante
notar que as pessoas que trabalham em ocupações perigosas tendem a ter mais
6
No original em inglês, Attention Deficit/Hyperactivity Disorder ou ADHD. (Nota do tradutor)
7
Nos Estados Unidos (Nota do Tradutor).

30
3. Aprendizagem e Condicionamento – Skinner

superstições do que as outras. Este sentimento de poder e controle ampliados que é às


vezes criado pelo comportamento supersticioso pode levar a uma diminuição da
ansiedade, maior confiança e segurança, e um melhor desempenho.

Aeschleman, S., Rosen, C., & Williams, M (2003). The effect of non-contingent negative and positive
reinforcement operations on the acquisition of superstitious behaviors. Behavioural Processes,
61, 37-45.
Bruner, A., & Revuski, S. (1961). Collateral behavior in humans. Journal of the Experimental Analysis of
Behavior, 4, 349-350.
Rogers, C. R. (1964). Toward a science of the person. In F. W. Wann (Org.), Behaviorism and
phenomenology: Contrasting bases for modern psychology. Chicago: Phoenix Books.
Sagvolden, T., Aase, H., Zeiner, P., & Berger, D. (1998). Altered reinforcement mechanisms in
attention-deficit/hyperactivity disorder. Behavioral Brain Research, 94(1), 61-71.
Schneider, S., & Morris, E. (1987). The history of the term radical behaviorism: From Watson to Skinner.
The Behavior Analyst, 10, 27-39.
Skinner, B. F. (1974). About behaviorism. New York: Knopf.

Links para videos:

https://www.youtube.com/watch?v=7VZUjncC_SY&t=307s (conferência de Skinner


para psiquiatras e psicólogos clínicos; em inglês)

31
3. Aprendizagem e Condicionamento – Skinner

QUESTÕES DE ESTUDO

1) Exponha, com suas próprias palavras e do modo como você a compreendeu, a concepção
behaviorista radical de Skinner sobre o comportamento humano. Ao expor a concepção de Skinner,
dê ênfase aos argumentos que a apóiam. Você pode acrescentar uma crítica (negativa ou positiva)
desta concepção.

2) Explique as diferenças entre o condicionamento operante, estudado por Skinner, e o condicionamento


clássico ou respondente, estudado por Pavlov.

3) Descreva resumidamente o método usado por Skinner no experimento sobre superstição em pombos.

4) Faça uma descrição sintética dos resultados obtidos por Skinner.

5) Quais as principais conclusões que Skinner tirou de seus resultados?

6) Sintetize, com suas próprias palavras, as críticas de Carl Rogers às concepções de Skinner.

7) Como, segundo o autor do texto, Skinner poderia se defender em relação às críticas dos psicólogos
humanistas?

8) Descreva o método e os resultados do estudo de Bruner e Revusky (1961) sobre comportamento


supersticioso em humanos. Você considera estes resultados suficientes para garantir a generalização
dos resultados com pombos para seres humanos?

9) Qual a diferença no comportamento supersticioso de meninos com e sem TDAH quando o


reforçamento não contingente foi descontinuado? Como isso foi explicado por Sagvolden et al.
(1998)?

10) Há diferenças entre as explicações para o comportamento dadas por Skinner e por Bouchard e
colaboradores (texto No. 3)? Compare as explicações destes cientistas e como elas se situam em
termos da controvérsia inato vs. aprendido (nature vs. nurture).

32
3. Aprendizagem e Condicionamento – Skinner

MATERIAL SUPLEMENTAR (Opcional)


O rato de bolsa gigante de Gambia (Cricetomys gambianus) é um roedor dócil e inteligente, que
pesa entre um quilo a um quilo e meio quando adulto. Uma ONG belga condiciona estes ratos para farejar
minas terrestres. Apesar de serem bem mais pesados do que ratos comuns, eles não são pesados o
suficiente para detonar as minas e o uso de ratos é o método mais rápido e seguro para esse fim.
Para treinar os ratos a ONG denominada APOPO usa condicionamento clássico e operante. O
condicionamento clássico começa quando eles têm 10 semanas de idade. Um treinador oferece comida
aos ratos e simultaneamente ativa um dispositivo que produz um clique bem distinto. Os ratos aprendem a
associar o clique com comida.
Na fase seguinte do treino, começa o condicionamento operante. Os ratos são expostos a filtros
para chá que contém uma amostra de TNT. Quando o rato toca um dos filtros, o treinador produz um
clique e dá comida ao rato. O rato aprende que tocar o objeto de metal (filtro de chá) produz uma
recompensa. No nível avançado, os ratos são expostos a vários filtros de chá, alguns contendo TNT e
outros não. Os ratos não recebem recompensa quando tocam um filtro de chá vazio mas são sempre
reforçados quando tocam os filtros com TNT. Ao final desta etapa os ratos aprenderam que nem todos os
objetos de metal são iguais: somente os que contém TNT produzem comida como recompensa. Tendo
progredido do condicionamento clássico ao operante, os ratos então praticam suas novas habilidades fora
do laboratório. Os treinadores enterram filtros de chá com TNT, o que faz com que os ratos tentem cavar
em volta. Esta escavação do chão torna-se o modo dos ratos alertarem seus treinadores da presença de
minas terrestres.

Rato de bolsa gigante recebendo uma banana como reforço pela detecção de explosivo

Minas terrestres abandonadas constituem uma ameaça tanto aos humanos quanto aos animais
selvagens. Os ratos são bem mais eficientes para localizar as minas, devido ao seu excepcional olfato e
por terem sido treinados a localizar apenas objetos contendo explosivos, enquanto um humano com um
detector de metal perde muito tempo com objetos de metal que não contém explosivos. Quando um rato
começa a escavar um local, isto indica a presença de explosivo, e então os treinadores do rato podem

33
3. Aprendizagem e Condicionamento – Skinner

marcar a área e chamar uma equipe especializada para desativar o explosivo. As minas não matam apenas
humanos, também matam ou mutilam animais selvagens. Quando uma área é liberada de minas, ela pode
ser devolvida à comunidade para cultivo ou preservada como habitat de animais selvagens.

Magawa, com sua Medalha de Ouro PDSA (mas provavelmente ele apreciava mais as bananas)

O mais famoso rato detector de minas foi Magawa (2013-2022), nascido na Tanzania e levado
para o Camboja depois de um ano de treino. Magawa era capaz de dar busca em uma área do tamanho de
uma quadra de tênis em apenas 20 minutos, algo que uma pessoa com um detector de metal levaria de 1 a
4 dias para fazer. Nos seus cinco anos de “carreira”, Magawa detectou 71 minas e 38 casos de outros
explosivos não detonados, limpando mais de 22,5 hectares. Magawa foi condecorado em 2020 com a
Medalha de Ouro PDSA, a mais prestigiosa condecoração para bravura animal. Até então, apenas cães
haviam recebido esta premiação. Depois de décadas de guerra civil, o Camboja é um dos países mais
minados do mundo, com a estimativa de 4 a 6 milhões de minas e outros explosivos ainda não detonados.
As minas mataram mais de 64.000 pessoas e causaram mais de 25.000 amputações. Grande parte das
vítimas têm sido crianças.
Os ratos de bolsa gigante não detectam apenas explosivos. Eles também têm sido condicionados
a detectar amostras de sangue positivas para tuberculoso. O procedimento de condicionamento para
detecção de tuberculose é semelhante ao usado para treinar detecção de explosivos.

34
3. Aprendizagem e Condicionamento – Bandura

VER AGRESSÃO ... AGREDIR


Bandura, A., Ross, D., & Ross, S. A. (1961). Transmission of
aggression through imitation of aggressive models. Journal of Abnormal and
Social Psychology, 63, 575-582.

Pode-se argumentar que a agressão, nas suas inúmeras formas, seja o grande problema
social com que se defronta nosso país8 e o mundo atual. Consequentemente, ela

8
“Nosso país” neste texto refere-se aos Estados Unidos, país do autor do livro, Roger Hock. Mas o
autor considera que o problema se estende para o “mundo atual”. (Nota do Tradutor)

35
3. Aprendizagem e Condicionamento – Bandura

também é um dos tópicos mais amplamente pesquisados na história da psicologia. Ao


longo dos anos, os cientistas comportamentais na linha de frente desta pesquisa têm
sido os psicólogos sociais, cujo foco é a interação humana. Uma meta dos psicólogos
sociais tem sido definir a agressão. Isto pode, à primeira vista, parecer uma tarefa
relativamente fácil, mas uma tal definição acaba por ser muito difícil de encontrar. Por
exemplo, quais dos seguintes comportamentos você definiria como agressivos: Uma
luta de boxe? Um gato matando um camundongo? Um soldado atirando em um
inimigo? Colocar ratoeiras no porão de sua casa? Uma tourada? A lista de
comportamentos que poderia ou não ser incluída em uma definição de agressão é
muito ampla. Como resultado, se você tivesse que consultar dez psicólogos sociais
diferentes, você obteria provavelmente dez definições diferentes de agressão.
Muitos pesquisadores têm ido além de tentar obter um acordo sobre uma
definição, para o processo mais importante de examinar as origens da agressão
humana. A questão que eles colocam é a seguinte: Por que as pessoas se engajam em
atos de agressão? Através da história da psicologia, muitas abordagens teóricas têm
sido propostas para explicar as causas da agressão. Algumas delas argumentam que
você está pré-programado biologicamente para a agressão, porque agressão, em certas
circunstâncias, foi um mecanismo evolutivo de sobrevivência. Outras teorias buscam,
como determinantes principais das respostas agressivas, fatores situacionais, tais
como a frustração repetida. Uma terceira visão, uma das mais amplamente aceitas, é a
de que a agressão é aprendida.
Um dos mais famosos e influentes dentre todos os experimentos já conduzidos
na história da psicologia demonstrou como as crianças aprendem a ser agressivas.
Este estudo, de Albert Bandura e suas associadas Dorothea Ross e Sheila Ross, foi
conduzido em 1961, na Universidade Stanford. Bandura é considerado um dos
fundadores de uma escola de pensamento psicológico denominada “teoria da
aprendizagem social”. Os teóricos da aprendizagem social acreditam que a
aprendizagem é o fator primário no desenvolvimento da personalidade, e que esta
aprendizagem ocorre através de interações com outras pessoas. Por exemplo, à
medida que você cresce, pessoas importantes como seus pais e professores reforçam
certos comportamentos e ignoram ou punem outros. Mesmo além dos reforçadores e
punições diretos, contudo, Bandura acreditava que o comportamento pode ser
modelado de modos importantes através da simples observação e imitação do
comportamento de outros, ou seja, pela modelação9.
Como você pode ver pelo título do estudo deste capítulo, Bandura, Ross e
Ross foram capazes de demonstrar este efeito de modelação para atos de agressão.
Esta pesquisa tornou-se conhecida no campo da psicologia como “o estudo do João
Bobo”, por razões que logo ficarão claras. O artigo começou com uma referência a
pesquisas anteriores demonstrando que crianças observavam e imitavam prontamente
o comportamento de modelos10 adultos quando estavam em presença do modelo. Uma
das coisas que Bandura queria verificar no novo estudo era se tal aprendizagem
imitativa se generalizaria para situações em que a criança estivesse separada do
modelo depois de ter observado o comportamento dele.

PROPOSIÇÕES TEÓRICAS

9
O termo modelação se refere a uma pessoa que desempenha um certo comportamento e que deste
modo serve como modelo para que outro imite este comportamento (NT).
10
Nos estudos sobre imitação, o indivíduo que é imitado é geralmente designado como modelo, porque
é ele que desempenha o comportamento a ser observado e imitado. (Nota do Tradutor)

36
3. Aprendizagem e Condicionamento – Bandura

Os pesquisadores propuseram expor crianças a modelos adultos que se comportassem


de maneiras agressivas ou não agressivas. As crianças seriam então testadas em uma
nova situação, com o modelo não mais presente, para determinar em que medida as
crianças imitariam os atos agressivos que elas tinham observado nos adultos. Com
base nesta manipulação experimental, Bandura e seus associados fizeram quatro
previsões:

1. Crianças que observassem modelos adultos realizando atos agressivos iriam


imitar o adulto e se engajariam em comportamentos agressivos similares
mesmo quando o modelo não estivesse mais presente. Além disso, esse
comportamento diferiria significativamente de crianças que observassem
modelos não agressivos ou que não observassem modelo algum.
2. Crianças que fossem expostas aos modelos não agressivos seriam não apenas
menos agressivas do que as que tivessem observado a agressão, mas também
significativamente menos agressivas do que um grupo controle de crianças que
não tivessem sido expostas a nenhum modelo. Em outras palavras, os modelos
não agressivos teriam um efeito de inibição da agressão.
3. Uma vez que as crianças tendem a se identificar com os pais e outros adultos
do mesmo sexo que elas, os participantes “imitariam o comportamento de
modelos do mesmo sexo em um grau maior do que modelos do sexo oposto”
(p. 575).
4. “Uma vez que a agressão é um comportamento de tipo altamente masculino na
sociedade, meninos estariam mais predispostos do que meninas a imitar a
agressão, sendo a diferença mais pronunciada para participantes expostos ao
modelo masculino” (p. 576).

MÉTODO
Este artigo delineou os métodos usados no experimento com grande organização e
clareza. Embora de forma algo sumarizada e simplificada, estes passos metodológicos
são focalizados aqui.

Participantes
Os pesquisadores obtiveram o auxílio do(a) diretor(a) e do(a) professor(a)-chefe da
Escola Maternal da Universidade Stanford, a fim de obter participantes para o estudo.
Um total de 36 meninos e 36 meninas, com idade variando de 3 anos a quase 6 anos,
participaram do estudo. A idade média das crianças foi de 4 anos e 4 meses.

Condições Experimentais
O grupo de controle, consistindo de 24 crianças, não seria exposto a modelo nenhum.
Os 48 participantes restantes foram divididos primeiro em dois grupos: um deles foi
exposto aos modelos agressivos e o outro foi exposto a modelos não agressivos. Estes
grupos foram divididos novamente em meninos e meninas. Finalmente, cada um
destes grupos foi dividido de tal modo que metade dos participantes foi exposta a
modelos do mesmo sexo e metade a modelos do sexo oposto. Isto criou um total de
oito grupos experimentais e um grupo de controle. A questão que você pode estar se
fazendo é a seguinte: E se algumas crianças de alguns grupos já fossem mais
agressivas do que outras? Bandura preveniu-se contra este problema potencial
obtendo avaliações do nível de agressividade de cada participante. As crianças foram
avaliadas, por um experimentador e um professor (ambos conheciam bem as

37
3. Aprendizagem e Condicionamento – Bandura

crianças), quanto a seus níveis de agressividade física, agressividade verbal e


agressividade para com objetos. Estas avaliações permitiram que os pesquisadores
igualassem todos os grupos em termos do nível médio de agressão.

O Procedimento Experimental
Cada criança foi exposta individualmente aos vários procedimentos experimentais.
Primeiro, o experimentador trouxe a criança para a sala de brinquedo. No caminho,
eles encontraram o modelo adulto, que foi convidado pelo experimentador para vir
também e participar do jogo. A criança sentou-se em um canto da sala de brinquedo,
a uma mesa contendo atividades altamente interessantes. Estas eram: carimbos de
batata (isto foi em 1961, de modo que, para vocês que cresceram na nossa era high
tech, um carimbo de batata era uma batata cortada ao meio e esculpida de modo a,
como um carimbo de borracha, reproduzir formas geométricas quando fosse
umedecida em uma almofada com tinta) e adesivos de animais e flores em colorido
brilhante que poderiam ser colados em um cartaz. Em seguida, o modelo adulto foi
levado para uma mesa em um canto diferente, contendo um brinquedo de
“monte-você-mesmo” com peças para armar, uma marreta11, e um João Bobo inflável
de 1,52 m de altura. O experimentador explicou que estes brinquedos eram para que o
modelo brincasse com eles, e então deixou a sala.

Tanto para a condição agressiva quanto para a não agressiva, o modelo


começou montando os brinquedos de “monte-você-mesmo”. Contudo, na condição
agressiva, depois de um minuto, o modelo atacou o João Bobo com violência. Para
todos os participantes na condição agressiva, a sequência de atos agressivos
desempenhados pelo modelo foi idêntica:
O modelo deitou o João Bobo de lado, sentou-se sobre ele, e deu socos repetidamente

no nariz dele. Então, o modelo levantou o João Bobo, pegou a marreta de borracha e

golpeou o João Bobo na cabeça. Seguindo-se à agressão com marreta, o modelo jogou

o boneco agressivamente para o ar e saiu chutando-o pela sala. Esta sequência de atos

fisicamente agressivos foi repetida três vezes, entremeada com respostas verbalmente

agressivas, tais como, “Soque o nariz dele…”, “Derrube-o” , “Jogue-o para cima”,

“Chute-o”, “Pá…”, e dois comentários não agressivos: “Ele continua voltando para

apanhar mais” e “Ele é mesmo durão.” (p. 576).

Tudo isto levou cerca de 10 minutos, depois dos quais o experimentador voltou para a

sala, disse adeus ao modelo, e levou a criança para uma outra sala de brinquedo.

11
O artigo original de Bandura et al. (1961), assim como o texto de Roger Hock, menciona apenas um
“mallet” (palavra que pode ser traduzida como marreta, martelo ou malho), sem indicação do tamanho
e material do qual o objeto era feito. Era, obviamente, um brinquedo inofensivo, como podemos ver em
vídeos originais do experimento, disponíveis no Youtube. Provavelmente era feito de plástico ou
borracha, para não danificar o João Bobo e nem representar risco para a criança.

38
3. Aprendizagem e Condicionamento – Bandura

Na condição não agressiva, o modelo apenas brincou calmamente com os

brinquedos de “monte-você-mesmo” por um período de 10 minutos e ignorou

completamente o João Bobo. Bandura e as colaboradoras dele foram muito

cuidadosos em assegurar que todos os fatores experimentais fossem idênticos para

todos os participantes, com exceção dos fatores que estavam sendo estudados: o

modelo agressivo versus não agressivo e o sexo do modelo.

Despertar de Raiva ou Frustração

Seguindo-se ao período de 10 minutos de brincadeiras, todos os participantes das

várias condições foram levados a uma outra sala que continha brinquedos muito

atraentes, tais como um carro de bombeiros, um avião de guerra a jato, um conjunto

completo de bonecas, incluindo guarda-roupa completo, uma carruagem de bonecas e

assim por diante. Os pesquisadores acreditavam que, a fim de testar os participantes

em relação às respostas agressivas, as crianças deveriam ser, de algum modo,

enraivecidas ou frustradas, o que tornaria mais provável a ocorrência de tais

comportamentos. Para conseguir isto, eles permitiram que os participantes ficassem

brincando com os brinquedos atraentes mas, depois de um curto período de tempo,

disseram a eles que os brinquedos daquela sala estavam reservados para outras

crianças. Eles disseram aos participantes, porém, que eles poderiam brincar com

outros brinquedos na sala ao lado.

Teste de Imitação da Agressão

A última sala experimental estava cheia de brinquedos, tanto agressivos quanto não

agressivos. Os brinquedos agressivos incluíam um João Bobo (obviamente), uma

39
3. Aprendizagem e Condicionamento – Bandura

marreta, dois revolveres de dardos e uma espirobol com uma face pintada nela. Os

brinquedos não agressivos incluíam um conjunto de chá, giz de cera e papel, uma

bola, duas bonecas, carros e caminhões, além de animais de fazenda feitos de plástico.

Cada participante teve permissão para brincar nesta sala por 20 minutos. Durante este

período, juízes situados atrás de um espelho de visão unidirecional avaliaram cada

comportamento da criança com base em diversas medidas de agressão.

Medidas de Agressão

Um total de oito respostas diferentes foi medido no comportamento dos participantes.

Por razões de clareza, apenas quatro das medidas mais reveladoras serão sumarizadas

aqui. Primeiro, foram registrados todos os atos que imitavam a agressão física

desempenhada pelo modelo. Estes incluíam sentar no João Bobo, dar-lhe socos no

nariz, golpeá-lo com a marreta, chutá-lo e jogá-lo no ar. Em segundo lugar, foi medida

a imitação da agressão verbal desempenhada pelo modelo, através da contagem de

repetições, por parte dos participantes, das expressões “Soque o nariz dele…”,

“Derrube-o” , “Pá…”, etc. Terceiro, foram registradas outras agressões com a marreta

(ou seja, golpear com a marreta outros objetos que não o João Bobo). Quarto, foi

documentada a agressão não imitativa, através da tabulação de todos os atos de

agressão física e verbal por parte dos participantes e que não haviam sido

desempenhados antes pelo modelo adulto.

RESULTADOS

Os resultados destas observações estão sumarizados na Tabela 12.1. Se você examinar

cuidadosamente estes resultados, descobrirá que eles apoiaram três das quatro

hipóteses apresentadas na introdução por Bandura, Ross e Ross.

40
3. Aprendizagem e Condicionamento – Bandura

As crianças que foram expostas a modelos violentos tenderam a imitar

exatamente os comportamentos violentos que elas observaram. Houve uma média de

38,2 ocorrências de agressão física imitativa para cada um dos participantes meninos,

e 12,7 para as participantes meninas, que haviam sido expostos aos modelos

agressivos. Além disto, os comportamentos verbalmente agressivos do modelo foram

imitados em média 17 vezes pelos meninos e 15,7 vezes pelas meninas. Estes atos

específicos de agressão física e verbal virtualmente nunca foram observados nos

participantes expostos aos modelos não agressivos ou nos participantes controle, que

não haviam sido expostos a qualquer modelo.

Como você lembra, Bandura e colaboradores tinham feito a previsão de que os

modelos não agressivos teriam um efeito inibidor da violência nas crianças. Para que

esta hipótese fosse apoiada, os resultados deveriam mostrar que os participantes da

condição não agressiva tinham significativamente menos ocorrências de violência do

que os participantes do grupo controle não exposto a modelo. Se você comparar, na

Tabela 12.1, as colunas correspondentes ao modelo não agressivo com aquelas

correspondentes às médias do grupo de controle, verá que os resultados foram mistos.

Por exemplo, meninos e meninas que observaram o homem não agressivo exibiram

muito menos agressão não imitativa com o malho do que os controles, mas os

meninos que observaram a mulher não agressiva agrediram muito mais com o malho

do que os meninos no grupo de controle. Como os autores admitiram prontamente,

estes resultados foram tão inconsistentes em relação ao efeito inibidor da

agressividade dos modelos não agressivos que acabaram por ser inconclusivos.

As diferenças de gênero previstas, contudo, foram fortemente amparadas pelos

dados da Tabela 12.1. Claramente, os comportamentos violentos dos meninos foram

mais influenciados pelo modelo agressivo homem do que pelo modelo agressivo

41
3. Aprendizagem e Condicionamento – Bandura

mulher. O número médio total de comportamentos agressivos por meninos foi 104

quando eles observaram um modelo agressivo homem, comparado com 48,4 quando

uma mulher serviu como modelo agressivo. As meninas, por outro lado, embora

tenham apresentado escores menos consistentes, mostraram uma média de 57,7

comportamentos violentos na condição de modelo agressivo feminino, em

comparação a 36,3 quando observaram o modelo masculino. Os autores apontaram

que nas condições agressivas de mesmo-sexo, meninas tiveram maior probabilidade

de imitar a agressão verbal, enquanto meninos estiveram mais inclinados a imitar a

violência física.

TABELA 12.1 Número médio de respostas para as crianças nas várias


condições de tratamento
TIPO DE MODELO
Tipo De Masculino Masculino Feminino Feminino Não Grupo
Agressão Agressivo Não Agressivo Agressivo Agressivo Controle
Agressão Física
Imitativa
Meninos 25,8 1,5 12,4 0,2 1,2
Meninas 7,2 0,0 5,5 2,5 2,0
Agressão Verbal
Imitativa
Meninos 12,7 0,0 4,3 1,1 1,7
Meninas 2,0 0,0 13,7 0,3 0,7
Agressão com a
marreta
Meninos 28,8 6,7 15,5 18,7 13,5
Meninas 18,7 0,5 17,2 0,5 13,1
Agressão Não
Imitativa
Meninos 36,7 22,3 16,2 26,2 24,6

42
3. Aprendizagem e Condicionamento – Bandura

Meninas 8,4 1,4 21,3 7,2 6,1


(Com base nos dados da p. 579)

Finalmente, os meninos foram significativamente mais agressivos fisicamente

do que as meninas em praticamente todas as condições. Se todas as ocorrências de

agressão da Tabela 12.1 forem computadas, houve 270 atos violentos por parte dos

meninos, em comparação com 128 por parte das meninas.

DISCUSSÃO

Bandura, Ross e Ross afirmam que demonstraram de que modo comportamentos

específicos, no caso os violentos, podem ser aprendidos através do processo de

observação e imitação, sem qualquer reforçamento fornecido seja para modelos ou

para observadores. Eles concluíram que a observação, pelas crianças, dos adultos

engajando-se nestes comportamentos, envia uma mensagem à criança de que esta

forma de violência é permissível, enfraquecendo, deste modo, as inibições da criança

contra a agressão. Eles argumentaram que a consequência desta violência observada

é uma probabilidade aumentada de que a criança vá responder com comportamento

agressivo a frustrações futuras.

Os pesquisadores também abordaram a questão do porquê a influência do

modelo agressivo masculino sobre os meninos foi tão mais forte do que a do modelo

agressivo feminino sobre as meninas. Eles explicaram que, na nossa cultura, como na

maioria das outras, a agressão é vista como mais típica dos homens do que das

mulheres. Em outras palavras, ela é um comportamento tipificado como masculino.

43
3. Aprendizagem e Condicionamento – Bandura

Assim, um homem servindo de modelo para um ato de agressão carrega com ele o

peso da aceitabilidade social, sendo, portanto, mais poderoso em sua capacidade de

influenciar o observador.

PESQUISA SUBSEQUENTE

Os pesquisadores, na época em que este experimento foi conduzido, provavelmente

não tinham ideia do quanto ele viria a se tornar influente. No início dos anos 1960, a

televisão havia se tornado uma poderosa força na cultura estadunidense e os

consumidores começavam a ficar preocupados com o efeito que a violência

transmitida pela TV poderia ter sobre as crianças. Esta questão tem sido e continua a

ser objeto de um aceso debate. Nos últimos 30 anos, houve nada menos do que três

investigações do Congresso12 sobre a questão da violência na televisão e o trabalho

de Bandura e de outros psicólogos foi incluído nestas investigações.

Estes mesmos três pesquisadores conduziram uma continuação deste estudo,

dois anos mais tarde, com a intenção de examinar o poder dos modelos agressivos

em filme, ou que nem mesmo sejam pessoas reais. Usando um método experimental

similar envolvendo a agressão a um João Bobo, Bandura, Ross e Ross planejaram um

experimento para comparar a influência de um modelo adulto ao vivo com o mesmo

modelo em filme, ou com uma versão em desenho animado da mesma modelação

agressiva. Os resultados demonstraram que o modelo ao vivo teve uma influência

maior do que o adulto filmado, sendo este, por sua vez, mais influente do que o

desenho animado. Contudo, todas as três formas de modelo agressivo produziram

12
Hock refere-se aqui ao Congresso dos EUA (nota do tradutor).

44
3. Aprendizagem e Condicionamento – Bandura

significativamente mais comportamentos violentos nas crianças do que foi verificado

em crianças expostas a modelos não agressivos ou participantes de controle

(Bandura, Ross e Ross, 1963).

Em um tom otimista, Bandura verificou, em estudo posterior, que o efeito da

modelação da violência poderia ser alterado sob certas condições. Você se lembra de

que, no estudo original, não houve recompensa dada para a agressão, tanto dos

modelos quanto dos participantes. Mas o que você supõe que aconteceria se o

modelo se comportasse violentamente e fosse então reforçado ou punido pelo

comportamento, enquanto a criança estivesse observando? Bandura (1965) testou

esta ideia e descobriu que as crianças imitavam mais a violência quando elas a viam

reforçada, mas significativamente menos quando o modelo era punido pelo

comportamento agressivo.

Críticos da pesquisa de Bandura acerca da agressão têm apontado que a

agressão dirigida a um boneco inflável não é a mesma coisa que atacar uma outra

pessoa, e que as crianças sabem a diferença. A partir dos fundamentos delineados

por Bandura e colegas, outros pesquisadores têm examinado o efeito da violência

modelada sobre a agressão real. Em um estudo usando o método do João Bobo,

introduzido por Bandura, crianças observaram um adulto violento como modelo e

foram então expostas a altos níveis de frustração (Hanratty, O’Neil, & Sulzer, 1972).

Quando isto ocorreu, elas frequentemente agrediram uma pessoa viva (vestida como

um palhaço), tenha ou não sido esta pessoa a fonte da frustração.

45
3. Aprendizagem e Condicionamento – Bandura

APLICAÇÕES RECENTES

A pesquisa de Bandura discutida neste capítulo, trouxe duas contribuições cruciais à

psicologia. Primeiro, ela demonstrou dramaticamente o quanto as crianças podem

adquirir novos comportamentos pela simples observação de adultos, mesmo quando

os adultos não estão fisicamente presentes. Os teóricos da aprendizagem social

acreditam que muito, se não a maior parte, dos comportamentos que constituem a

personalidade humana, são formados através deste processo de modelação.

Segundo, esta pesquisa estabeleceu as bases para centenas de estudos nos últimos

45 anos sobre os efeitos que a visão da violência, em pessoa ou na mídia, tem sobre

as crianças. Para um sumário da vida de Bandura e suas contribuições à psicologia,

veja Pajares, 2004). Menos de uma década atrás, o Congresso dos Estados Unidos

conduziu novas audiências sobre violência na mídia, focalizando os potenciais efeitos

negativos da exposição de crianças à violência na TV, em filmes, videogames, jogos

de computador e na internet. Empresas de comunicações e de multimídia, cada vez

mais pressionadas a responder a ataques do público e do legislativo, têm trabalhado

para reduzir a violência na mídia ou estabelecer sistemas de controle parental de

conteúdos particularmente violentos.

Talvez mais preocupante ainda seja a evidência científica demonstrando que

os efeitos da mídia violenta sobre as crianças podem continuar até a idade adulta

(e.g., Huesmann et al., 2003). Um estudo descobriu que “a exposição de crianças à

violência na mídia prediz comportamentos agressivos para jovens adultos, tanto

homens como mulheres. A identificação com personagens agressivos da TV e o

realismo percebido na violência televisiva também predizem agressão futura. Estas

46
3. Aprendizagem e Condicionamento – Bandura

relações persistem mesmo quando os efeitos de status socioeconômico, habilidade

intelectual e uma variedade de fatores de parentalidade são controlados” (p. 201).

CONCLUSÃO

À medida que as crianças têm acesso cada vez mais fácil a uma variedade crescente

de formatos de mídia, também aumenta a preocupação com a violência incorporada

a esta mídia. Provavelmente é impossível impedir o acesso das crianças a qualquer

mídia violenta, mas tem aumentado a pesquisa sobre estratégias para prevenir que a

violência na mídia se traduza em agressão na vida real pelas crianças. Estes esforços

têm aumentado consideravelmente na esteira dos mortíferos ataques a tiros por

estudantes em escolas em todos os Estados Unidos, e eles provavelmente

continuarão em muitas frentes de pesquisa no futuro. Recentemente, o legislativo da

California aprovou uma lei banindo a venda de videogames “ultraviolentos” para

crianças com menos de 18 anos de idade sem permissão parental, e impondo uma

multa de U$ 1.000,00 para vendedores que não cumprirem esta lei. Você perguntará:

O que é “ultraviolento”? De acordo com a lei, isto é definido como “mostrando

ferimentos sérios a seres humanos de maneiras que sejam especialmente

horripilantes, atrozes ou cruéis” (Going after video game violence, 2006). Se você

achar que esta definição é muito subjetiva, não estará sozinho. A indústria do

videogame está abrindo processo para derrubar a lei como inconstitucional, e você

pode apostar que a pesquisa de Bandura será parte desta batalha.

47
3. Aprendizagem e Condicionamento – Bandura

Bandura, A. (1965). Influence of models’ reinforcement contingencies on the acquisition of imitative


responses. Journal of Personality and Social Psychology, 1, 589-595.

Bandura, A., Ross, D., & Ross, S. (1963). Imitation of film mediated aggressive models. Journal of
Abnormal and Social Psychology, 66, 3-11.

Going after video game violence. (2006). State Legislatures, 32(1), 9.

Hanratty, M., O’Neil, E., & Sulzer, J. (1972). The effect of frustration on the imitation of aggression.
Journal of Personality and Social Psychology, 21, 30-34.

Huesman, L. R., Moise, J., Podolski, C. P., & Eron, L. D. (2003). Longitudinal relations between
childhood exposure to media violence and adult aggression and violence: 1977-1992).

Pajares, F. (2004). Albert Bandura: Biographical sketch. Recuperado em 10 de março de 2007 do site
da Divisão de Estudos Educacionais da Emory University:
http://des.emory/edu/mfp/bandurabio.html.

QUESTÕES DE ESTUDO
1) Quais foram os objetivos do experimento de Bandura e colaboradoras?
2) Quais foram as quatro hipóteses ou previsões feitas por Bandura e colaboradoras?
3) Como foram constituídos os grupos do estudo de Bandura e como cada um deles foi exposto a
modelos agressivos ou não?
4) Por que as crianças foram expostas a uma condição de frustração? Como isto foi feito?
5) Como foram feitas as medidas de agressão no estudo e o que foi medido?
6 Explique a Tabela 12.1, mostrando quais os resultados significativos encontrados pelos
pesquisadores.
7) Das previsões teóricas dos pesquisadores, quais foram confirmadas pelos resultados e quais não
foram? Justifique.
8) Como os pesquisadores explicaram o fato da influência de modelos masculinos agressivos sobre
meninos ter sido tão mais forte do que a de modelos agressivos femininos sobre as meninas?
9) Que resultados Bandura, Ross e Ross obtiveram quando, num estudo posterior, compararam
modelos ao vivo, em filme e em versão de desenho animado?
10) Em um estudo posterior, Bandura verificou a influência de reforço ou punição para um modelo
agressivo sobre o comportamento imitativo. Quais foram estes resultados?
11) As pesquisas posteriores têm confirmado que a exposição a cenas agressivas na mídia influencia o
comportamento de crianças? Resuma os resultados.

48

Você também pode gostar