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Revista Filosofia Capital


ISSN 1982 6613 Vol. 11, Edição 18, Ano 2016.

O TEMPO NA FILOSOFIA DE ARISTÓTELES,


PRIMEIRAS IMPRESSÕES

THE TIME IN ARISTÓTEL'S PHILOSOPHY, FIRST


IMPRESSIONS

BITENCOURT, Daniella1

RESUMO
Pretende-se nesse artigo abordar de forma sucinta os aspectos teóricos relacionados às
reflexões sobre o tempo, realizados por Aristóteles no seu Livro IV da Física. Indagações tais
como: o tempo existe? O que é? É possível conceituá-lo? Para que serve? É contado? O
tempo é relativo? Por que muitos percebem o tempo de forma diversa? Existe mais de um
tempo? É o mesmo em todos os lugares? A questão do tempo sempre foi objeto de
questionamentos, Aristóteles como pensador à frente de seu tempo tentou solucionar a
questão sobre o conceito de tempo. Afirma que no tempo existem instantes que não podem
coexistir, isto porque todo o instante é excludente de qualquer outro e o presente que não vira
passado chama-se eternidade. Contudo, eternidade é uma duração sem princípio nem fim.
Logo, podemos afirmar que no tempo coexistem tempos que nunca começaram e nunca
terminarão? Aristóteles afirma ainda que, apesar das aporias postas, o tempo é uma realidade
uniforme dotada de movimento, são os chamados “agoras”. Então, o tempo seria um conjunto
de “agoras”? Esse texto está dividido em duas partes: o agora e o movimento e seu objetivo é
apenas um panorama geral da problemática de modo a instigar o leitor sobre o tema.
Palavras-chave: Aristóteles. Tempo. Eternidade. Agoras.

ABSTRACT
In this article we will briefly discuss the theoretical aspects related to the reflections on time
made by Aristotle in his Book IV of Physics. Inquiries such as: does time exist? What is? Is it
possible to conceptualize it? What is it for? Is it counted? Is time relative? Why do many
perceive time differently? Is there more than one time? Is it the same everywhere? The
question of time has always been the subject of questioning, Aristotle as a thinker ahead of his
time tried to solve the question about the concept of time. He affirms that in time there are
moments that can not coexist, because all the moment is exclusive of any other and the
present that does not turn past is called eternity. However, eternity is a duration without
beginning or end. So we can say that in time coexist times that never began and never end?
Aristotle further states that, despite the aporias put, time is a uniform reality endowed with
movement, they are the so-called "agoras". So time would be a set of "now"? This text is
divided into two parts: the now and the movement and its objective is only an overview of the
problematic in order to instigate the reader on the subject.
Keywords: Aristotle. Time. Eternity. Now yes.
1
A autora é advogada e professora de Direito Tributário nas Faculdades Anhanguera, especialista em Direito
Tributário Geral pela Mackenzie/SP e em Impostos em Espécie pela UFRGS. O presente artigo é fruto de uma
cadeira de filosofia antiga do Mestrado na UFRGS, coordenada pelo Prof. Dr. José Carlos Baracat Júnior.
Professora de Direito Tributário e Ética na Universidade Anhanguera/RS. E-,mail:
daniellabitencourt4@gmail.com. CV Lattes: http://lattes.cnpq.br/3954341476725855.

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Introdução

O tempo na filosofia, primeiras Breve análise - Aristóteles e o tempo


impressões
Aristóteles ocupa-se principalmente
O tempo existe? O que é? É possível sobre o tempo no seu Livro IV da Física.
conceituá-lo? Para que serve? É contado? O Inicia a obra questionando se o tempo
tempo é relativo? Por que muitos percebem existe e qual sua natureza, ou se não
o tempo de forma diversa? Existe mais de subsiste por si próprio, já existiu e não mais
um tempo? É o mesmo em todos os vigora, ou existirá e ainda não existe.
lugares?
Diversas indagações sobre o tempo Em seguida ao que foi dito, tratemos
sempre fizeram parte da nossa realidade, destas questões sobre o tempo. Em
aliás, o assunto “tempo”, no sentido primeiro lugar, deve-se percorrer bem os
impasses sobre ele, e expor, por meio dos
meteorológico ou filosófico sempre fez
discursos exotéricos, se ele está entre as
parte do nosso cotidiano, em que pese o coisas que existem ou entre as que não
fato de que, muitas vezes, não tenhamos a existem e, então, saber qual é a sua
exata intelecção do assunto. natureza. Que o tempo, portanto, não
Não obstante, todos percebem o existe de modo absoluto ou que existe
tempo e seus efeitos. Ou será que apenas dificultosa e indistintamente, e
percebemos simplesmente algo que se poderia vir a ser suposto a partir disto:
convencionou chamar de tempo? por um lado ele já deixou de existir e não
Platão, Aristóteles, Santo Agostinho e existe mais, por outro ele, existirá, mas
Plotino igualmente se preocuparam com o ainda não existe. E disto é composto
tema, são referências no estudo em apreço, tanto o tempo ilimitado quanto o que se
apreende a cada vez. Mas, sendo
elaborando reflexões que são marco sobre o
composto dessas coisas que não existem,
assunto. Contudo, aqui nos ateremos a pareceria impossível que ele participasse
Aristóteles. da essência2.
Importante constar que o texto que se
segue trata-se apenas de reflexões iniciais Antes de responder o seu maior
sobre o tempo, impressões colhidas do questionamento – se o tempo existe, passa
Curso de Filosofia Antiga da UFRGS, primeiro a analisar o entorno que vige sobre
coordenado pelo Prof. Dr. José Carlos o tempo.
Baracat Júnior. Afirma que no tempo existem
Assim, não temos o objetivo de instantes que não podem coexistir, isto
aprofundar ou lecionar sobre a matéria, porque todo o instante é excludente de
talvez, quando muito, instigar o leitor que, qualquer outro. O que pode ser o presente
assim como nós, poderá apaixonar-se pelas que não vira passado? Eternidade 3.
ideias geniais desses filósofos em relação Contudo, eternidade é uma duração
ao tempo. sem princípio nem fim. Logo, podemos
Frisa-se, portanto, que a problemática
do tempo, em especial o seu estudo em 2
PUENTE, Fernando Rey e BARACAT, José Júnior
Aristóteles, é extremamente complexa e
(Organizadores). Tratados sobre o tempo,
exige, para uma análise aprofundada, o Aristóteles, Plotino e Agostinho. Belo Horizonte.
domínio de um verdadeiro vocabulário Ed. UFMG, 2014. P. 23.
3
próprio firmado pelos pensadores, e que BARROS, Clóvis Filho. Tempo e Temporalidade.
não é nosso objetivo nessa apresentação. Disponível em
<https://www.youtube.com/watch?v=RJ50aepQXT4
>. Acesso em 26.06.2016.

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afirmar que no tempo coexistem tempos outro agora, ele existiria então em
que nunca começaram e nunca terminarão? simultaneidade com os ilimitados agoras
O filósofo introduz a noção clara de intermediários, porém isto é impossível.
eternidade que não tem relação com o Ao contrário, tampouco é possível que o
tempo, é um modo do ser, daquilo que é. agora permaneça sempre o mesmo. Nada,
com efeito, que é dividido e limitado
Tudo o que se pode ser no mesmo possui um único limite, nem se for
momento, apreensão total do objeto de continuo em uma direção, nem se o for
conhecimento, algo que tem sua existência em mais de uma direção. O agora,
inabalável, sempre idêntica, sem nenhuma entretanto, é um limite e é possível
variação. Lembrando que essa noção não se apreender um tempo delimitado. Além
confunde com o conceito de perpetuidade. disso, se o ser simultâneo segundo o
tempo e não ser anterior ou posterior é
Agora existir no mesmo e único agora e, se as
coisas anteriores e posteriores existissem
Aristóteles menciona os instantes neste agora, então, os acontecimentos
ocorridos há 10 mil anos seriam
como agora. O agora seria responsável por
simultâneos aos hodiernos e nenhum
dividir o tempo (afirmando, portanto, que desses acontecimentos seria anterior,
ele é passível de divisão) sem ser parte do posterior ou distinto um do outro.4
tempo em si. Vejamos:
Aristóteles afirma ainda que, apesar
O agora, contudo, não é uma parte do das aporias postas, o tempo é uma realidade
tempo, porque a parte mede o todo e é
uniforme dotada de movimento.
preciso que este seja composto de suas
partes, mas o tempo não parece ser Nesse sentido, Platão, no diálogo que
composto de agoras. Além disso, não é desenvolveu entre Sócrates, Timeu,
fácil saber se o agora, que Hemócrátes e Crítias, denominado de
manifestamente determina o passado e o Timeu, influenciou dentre outros, também
futuro, permanece sempre um ou é a cada Aristóteles ao estabelecer o conceito de
vez distinto. Com efeito, se ele é a cada tempo:
vez diverso e de modo algum partes
distintas entre si podem ser simultâneas [...] Então, pensou em construir uma
no tempo (exceto se uma contém e a imagem móvel da eternidade, e, quando
outra for contida, como o tempo mais ordenou o céu, construiu, a partir da
breve é contido pelo mais longo) e se o eternidade que permanece uma unidade,
agora que não existe neste momento, mas uma imagem eterna que avança de
o que existiu antes deve necessariamente acordo com o número; é aquilo a que
ter se corrompido em um momento chamamos tempo5.
qualquer, então, tampouco os agoras
serão simultâneos entre si. Mas é O tempo, por conseguinte, refletiria
necessário que o agora anterior a cada imperfeitamente a ordem, seria o
vez já tenha se corrompido para que surja
movimento regular e contável do mundo
um outro. Um agora, certamente, não
pode se corromper em si mesmo, pois é inteligível. O tempo seria a nossa maneira
então que ele existe; tampouco é possível de perceber, em teoria, a harmonia do
que o agora anterior seja corrompido em mundo inteligível.
outro agora. Com efeito, é impossível Porém, Aristóteles questiona: de que
que as agoras sejam contíguos uns em maneira o tempo pode ser uma imagem
relação aos outros, como também é
impossível que um ponto o seja em 4
Idem ref. 2, p. 24/25.
relação ao outro ponto. Se é verdade, por 5
Lopes, Rodolfo (Tradução do Grego, introdução e
conseguinte, que o agora não é notas). Platão. Timeu-Critias. 3º Edição. Editora:
corrompido no agora sucessivo, mas em Imprensa da Universidade de Coimbra, 2013. P.109.

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móvel da eternidade uma vez que não posso [...] Sendo assim, é manifesto que não há
apreender o agora? tempo sem que haja movimento e
Desse modo, o que é presente? mudança. É evidente, portanto, que o
Quando ocorre o presente? Todo o presente tempo não é um momento, mas que
já é passado e todo futuro ainda não é, tampouco existe sem um movimento.
Porém, visto que investigamos o que é o
então será o tempo uma sucessão de tempo, deve-se apreender, principiando
agoras? daqui, o que ele é do movimento. Com
Assim, conforme bem esclarecido por efeito, percebemos simultaneamente
Rémi Brague (2006, p.15): “O Timeu, em movimento e tempo, e, de fato, se,
compensação, parece se abrir como um enquanto estiver escuro, nós não formos
refugio cômodo, devido ao seu estilo menos afetados por nada através do corpo, mas
especulativo e, sobretudo, porque ele tem se houver certo movimento na nossa
ao menos a vantagem de fornecer uma alma, imediata e simultaneamente
definição para esse conceito”. Todos a parece-nos que algo passou, isto é, um
conhecem e a citam: o tempo é, segundo tempo. Mas, na verdade, quando certo
tempo parecer ter passado,
uma fórmula que condensa os próprios
simultaneamente parece ter ocorrido
termos do diálogo, “imagem móvel da também certo movimento. Por
eternidade”. Essa definição, sem dúvida, conseguinte, o tempo seguramente é um
não é clara em si, e toda a tradição de movimento ou algo do movimento.
comentadores de Platão, até os nossos dias, Visto, portanto, que ele não é um
procurou elucidá-la. Contudo, embora seu movimento, é necessário que ele seja
sentido não seja óbvio, a definição foi algo do movimento.
forjada com suficiente clareza para que Dado que o movido se move desde algo
possa se apresentar como uma fórmula para algo e que toda grandeza é continua,
doxográfica. o momento segue a grandeza. Com
Aristóteles, como é sabido, não efeito, por causa de a grandeza ser
contínua, também o movimento é
compartilhava da noção da dualidade de
continuo e, por causa de o movimento o
mundos posta por Platão, embora os ser, também o tempo o é, pois sempre
pensamentos do seu mestre o tenham parece haver passado tanto tempo quanto
influenciado sobremaneira. o movimento ocorrido.
Desse modo, em suma, o agora exerce [...]
uma função essencial na explicação do Quando, portanto, nós percebemos o
tempo. Têm um papel específico de agora como um – e não como anterior e
delimitar os momentos, cada agora é posterior no movimento ou como o
diferente do outro, um antes e outro depois, mesmo de um anterior e também de certo
e assim se sucedem os agoras, inteiramente posterior – não parece haver passado
ligado ao movimento. nenhum tempo, porque tampouco parece
ter ocorrido algum movimento. Mas,
quando nós percebemos o anterior-
O movimento posterior, então nós falamos de tempo.
Com efeito, isto é o tempo: número de
A filosofia de Aristóteles sobre o um movimento segundo o anterior-
tempo está atrelada ao conceito de posterior.
movimento. Alega que não haveria tempo Logo, o tempo não é pura e simplesmente
sem que houvesse movimento, todavia, o movimento enquanto possuiu um
esclarece de forma contundente que o número. Um indício disto: nós
tempo não é o movimento, o tempo é o distinguimos o mais e o menos por meio
número do movimento, contém uma ação de um número; um movimento maior ou
que pode ser contada: menor, contudo, nós o distinguimos por
meio de um tempo. O tempo é, então,

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certo número. Dado que número se diz de permanece sem efetiva resposta sendo
dois modos (pois chamamos número objeto fundamental de estudo sobre a
tanto o numerado e o numerável quanto matéria.
aquele por meio do qual se numera), o
tempo, por conseguinte, é o numero
Conclusão
numerado e não aquele por meio do qual
numeramos. E o número por meio do
qual numeramos é diverso do número Feitas tais considerações, vê-se que o
numerado. tempo é o número do movimento segundo o
E assim como o movimento é a cada vez antes e o depois, ou seja, o tempo contém
distinto, assim também o tempo o é movimento, mas não o é. Isto porque
(simultaneamente, contudo, todo tempo é existem vários movimentos, uns mais lentos
o mesmo, pois agora, que ocorre em um outros mais rápidos, mas o tempo é um só
momento qualquer, é o mesmo, embora o em toda a parte.
ser seja diverso. Enquanto anterior- O tempo é delimitado por ágoras,
posterior o agora mede o tempo)6. porém o agora também não é o tempo.
O tempo é o número numerado cuja
Aristóteles afirma também que o existência depende da vida da alma.
tempo é um número, um número numerado, Logo, o tempo continua sendo um
algo que pode ser cortado e contado. Este grande mistério motivador do pensamento,
pode numerar várias coisas, inclusive o e trata-se de uma instigante aporia.
tempo.
Logo, o tempo acompanha o Referências
movimento que acompanha a grandeza do
móvel. BARROS, Clóvis Filho. Tempo e
O movimento existe independente da Temporalidade. Disponível em
alma, porém a alma que conta o tempo, não <https://www.youtube.com/watch?v=RJ50a
há tempo sem alma apesar de a alma não epQXT4>. Acesso em 26.06.2016.
estar no tempo.
Aristóteles, ao refletir sobre o tema, BRAGUE, Remi, O tempo em Platão e
tem êxito ao verbalizar a dificuldade lógica Aristóteles. Ed, Loyola, 1982.
de conceituação do tempo, problema que LOPES, Rodolfo (Tradução do Grego,
persiste até hoje sem solução satisfatória. introdução e notas). Platão. Timeu-Critias.
3º Edição. Editora: Imprensa da
Mas aquilo que, sim, é importante - e, Universidade de Coimbra, 2013.
por conseguinte de que é preciso tomar
bem consciência - é que, primeiro, só há PUENTE, Fernando Rey; BARACAT, José
tempo onde e quando houver movimento Júnior (Organizadores). Tratados sobre o
e, em seguida, que o próprio «antes e tempo, Aristóteles, Plotino e Agostinho.
depois» já pertence ao movimento e não Belo Horizonte. Ed. UFMG, 2014.
é por conseguinte a forma própria de um
tempo que se lhe acrescentaria7. REIS, José. Revista Filosófica de
Coimbra nº. 9. 1996.
Por fim, não concluiu se o tempo está
entre as coisas que existem, não obstante,
seus questionamentos são vitais para a
elucidação da problemática do tempo, que

6
Idem 1, p. 27 a 29.
7
REIS, José. Revista Filosófica de Coimbra nº. 9.
1996. p. 143.

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