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Escola Tomista – Apenas para uso dos alunos Página | 1

Escola Tomista
Professor Carlos Nougué
Aula 43
Bem-vindos à 43ª aula de nossa Escola Tomista. Estamos no Tratado das
Categorias XI se não me falha a memória.

Pois bem, hoje vamos estudar o interessantíssimo predicamento do


quando, quando, quando em latim. Escreve-se igualzinho ao português.

Pois bem, ainda mais que na aula passada, quando tratei o lugar, quando
tratei a ubiquação – perdão – esta aula se funda no curso de Física – chama-se
Curso de Física – do Padre Álvaro Calderón. Ele não a publicou, não o publicou.
Isso foi destinado apenas a alunos de certo curso que ele deu. Pois bem, então
fique dado o devido crédito ao Padre Calderón. Grande parte do que direi hoje
aqui se deverá a este belíssimo curso de Física seu.

Muito bem, assim como a ubiquação é aquela realidade acidental que afeta
uma coisa natural pelo fato de ocupar um lugar determinado, assim também o
quando de uma coisa é aquela realidade acidental que a afeta, que afeta esta
coisa, pelo fato de ocupar um instante determinado. Então compare-se, até
porque o quando e ubiquação têm estreita relação assim como a têm o tempo e
o lugar. Então, assim como a ubiquação é aquela realidade que afeta... é... assim
como a ubiquação de uma coisa é aquela realidade que a afeta pelo fato de
ocupar um lugar determinado, assim também o quando de uma coisa é uma... é
a realidade acidental que a afeta, que afeta essa coisa natural pelo fato de
ocupar um instante determinado.

Pois bem, outra vez um salto para a Física. Já disse que me fundarei no
Curso de Física do Padre Calderón. Pois bem, um salto para ela e, em particular,
para a Cosmologia.

Pois bem, para a Física Moderna, para a Física Moderna, cujo objetivo
exclusivo é reduzir toda a sua ciência ao método matemático, então, para a
Física Moderna, tanto o espaço como o tempo são parâmetros fundamentais.
Por quê? Justamente porque tanto o tempo como o espaço são imediatamente
numeráveis. Como a Física Moderna anseia reduzir tudo ao método matemático,
então o espaço e o tempo são parâmetros fundamentais, porque são
imediatamente numeráveis. E é tão assim na descrição numérica de quase todas
as noções ou leis estabelecidas pela Física. Veja, falei descrição numérica de
quase todas as suas noções e leis, não de... não falei de definição. Já vimos a
importância da definição desde a primeira aula nossa – ou segunda, perdão –,
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desde o início de nossa Escola Tomista, mas justamente a Física Moderna não
busca definição. Ela funda suas leis e noções em descrições e descrições
matemáticas. Pois bem, tudo isso voltará a tratar-se no devido, na devida altura.
Mas esta é de fato a principal falha desta nova ciência. Por quê? Porque, embora
a existência, a natureza do espaço seja evidente, mas de uma evidência não em
todos os seus aspectos, como veremos ao estudar a Cosmologia, não se dá o
mesmo, não se dá a mesma evidência com o tempo, cuja existência é
problemática. Todas as noções e leis físicas – da Física Moderna – pretendem
explicar, ser explicadas a partir de uma noção que não é clara de modo algum
como é a noção de tempo. Vimos certa dificuldade ao estudar o lugar. Veremos
agora a dificuldade maior de estudar constante e, na mesma medida, o tempo é
mais complexo do que o espaço.

Pois bem, devemos evitar, então, esta falha da Física e, desde o início,
devemos, então, por esclarecer, afirmar o que é o tempo. Assim como nós, na
aula passada, buscamos, antes de tudo, o que é o lugar, agora, antes de voltar
à categoria ou predicamento do quando, devemos entender o que é o tempo.
Assim como, na aula passada, respondemos à pergunta “o que é o lugar”.

Pois bem, comecemos por, pela questão an sit (a-n, s-i-t, duas palavras),
se existe, se é. Perguntemo-nos se o tempo existe. Há quem o negue! Há quem
diga que o tempo é uma realidade tão somente mental e psicológica. É o que
veremos na altura da nossa História da Filosofia.

Pois bem, o tempo parece ter três partes. Que partes são essas? Passado,
presente e futuro. Pois bem, o passado já foi, porque ele só existe nas
consequências que ele tem sobre o presente; o futuro ainda não é, razão porque
só existe em suas possibilidades no presente. Se assim é, só existe o presente.
Mas pode dizer-se, efetivamente, que o presente é parte do tempo? Vejam que
pergunta difícil! Parece, então, que..., parece não, só existe o presente! O
passado já foi, o futuro ainda não é. Então só é, só existe o presente. Mas a
pergunta é: pode-se considerar que o presente é parte do tempo?

Pois bem, vamos pensar juntos. Podemos falar das partes de um corpo:
cabeça, tronco, membros... E estas partes são verdadeiras partes. Por quê?
Porque são do mesmo gênero que o todo, ou seja, o gênero corpóreo. E isso se
vê por quê? Como? Se vê assim: se o corpo tem certo volume, também o tem
suas partes e o volume é próprio do corpóreo.

Pois bem, pensemos agora no tempo. Se o tempo se mede em anos – anos


– o passado é parte, porque durou, sabe-se lá, quatro mil anos ou quarenta
milhões de anos, mas durou certo tempo. E o futuro durará também certo tempo!
Quanto? Mil anos, um milhão de anos? E o presente? Quanto dura?! Quanto
dura o presente? Para responder precisamos entender o que é o instante.
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Antes de tudo, um instante não é um segundo. Às vezes dizemos assim:


“espere-me um instante”, “espere-me um segundo”, como se fossem sinônimos.
Mas, na verdade, instante e segundo não são a mesma coisa, não são
sinônimos. Só na linguagem mais corrente.

Pensemos no segundo. Se olharmos para o nosso relógio, vemos o


começo desse segundo, e depois o fim. Tic-tac, é o tic-tac. O tic é o começo do
segundo, o tac é o fim do segundo. Mas, se eu disse tic, tic-tac, eu tenho não
dois segundos, eu tenho um segundo, com seu início e seu fim, mas tenho dois
instantes: o tic e o tac. Então o que seria um instante? Seria algo como meio
segundo, metade de um segundo? Não, não é possível. Como diz o Padre
Calderón, uma boa máquina de fotos, de fotografias, pode tirar cem fotos em um
segundo e cada foto foi tirada num instante distinto, diferente. Pois bem,
devemos dizer que, em um segundo, cabem tantos instantes como cabem
pontos em um milímetro. Em um segundo cabem tantos instantes quanto em um
milímetro cabem pontos. E quantos pontos cabem em um milímetro? Infinitos,
infinitos pontos em um milímetro. Pois bem, isto se voltará a ver, é uma setinha.

Pois bem, o que sucede é que o instante não é propriamente uma parte do
tempo, mas é o termo ou limite do tempo, assim como o lugar é um termo ou
limite. E o que é um instante? É o termo ou limite que termina o tempo passado
e começa o tempo futuro.

Na aula passada, quando falamos de lugar, eu disse que a superfície é


termo do volume e não parte dele, porque o volume não é constituído, não se
constitui pela soma de superfície. Por quê? Pelo simples fato de que uma
superfície não tem volume, zero volume! E disse também que a linha é o termo
da superfície, não parte da superfície e que o ponto é o termo da linha e não
parte. Por quê? Porque tampouco se forma uma linha somando pontos, mas
somando comprimentos, e o ponto não tem comprimento. Desse modo, assim
podemos dizer de maneira semelhante que o instante não é propriamente uma
parte do tempo, que durasse nem que fosse um pouquinho, mas é o termo ou
limite do tempo, assim como o lugar é um termo ou limite.

Existe de fato um instante presente. Eis a resposta quanto à existência do


instante. É preciso, porém, conceder que que se trata de uma existência muito
imperfeita, muito imperfeita, porque ele se esvai. Uma existência muito
imperfeita, mas uma existência imperfeita não é sinônimo de inexistência. Se
representássemos o tempo no eixo horizontal, numerado segundo as horas, os
dias segundo as horas, os dias e os anos e, no eixo vertical, o que ocorreu, o
que aconteceu em cada tempo em qualquer lugar do universo, a existência
estaria representada por uma linha vertical que se movimenta, que se move à
velocidade constante, fazendo passar as coisas do futuro ao passado. Por quê?
Porque exatamente o instante é aquele termo ou limite entre o passado e o
futuro.
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Mas, afinal, existe um movimento? Porque acabei de falar em movimento.


Existe um movimento? Pois bem, quando vamos aqui os cariocas – não estou
no Rio –, mas quando os cariocas vão de sua cidade a Niterói, do Rio a Niterói,
percorreu, percorrem todo um trajeto. Do Rio a Niterói há todo um trajeto e, no
entanto, aquele que percorreu esse trajeto nunca esteve senão em um só ponto!
Cada vez ele esteve em um só ponto durante toda a extensão do percurso! Por
quê? Quando ele se movia para outro, deixava o anterior e ainda não estava no
próximo. Eis a realidade do movimento. Em cada instante ele está num ponto e,
quando passa o instante, ele está em outro ponto. Pois bem, isso é o movimento.

Pois bem, se assim é, a existência do tempo é tão imperfeita como a


existência do movimento. Nem o tempo, nem o movimento existem como um
todo, mas só momento a momento, instante a instante, ponto a ponto.

Pois bem, esta é a primeira seta para entender o que é o tempo. O tempo
tem que ver, relaciona-se intimamente com o movimento. Portanto devemos
estudar agora a relação entre tempo e movimento.

Pois bem, alguns antigos, entre eles Aristóteles, disseram que o tempo era
um movimento do céu. Não, Aristóteles não. Perdão! Alguns antigos disseram
que o tempo era o movimento do céu. Aristóteles foi mais refinado, mas, mas
participou disso de alguma maneira. Alguns antigos disseram que o tempo era o
movimento do céu e o dia é uma revo... seria uma revolução completa da esfera
celeste. E hoje, como respondemos a isso? Como respondemos à pergunta “o
que é o dia?”. O dia corresponde a dois giros completos da agulha grande do
relógio, das agulhas do relógio.

Pois bem, o tempo não é o movimento, mas, se tirássemos, se


suprimíssemos o movimento, desapareceria ipso facto, imediatamente o tempo.
Se tudo se congelasse, se tudo se detivesse, se suspendesse o movimento de
repente já não teria o menor sentido em falar de tempo.

Pois bem, se assim é, há que dizer que o tempo é algo do movimento. E


como se vê que o tempo é algo do movimento? Em primeiro lugar é preciso
deixar fincado que o tempo não é uma percepção do movimento. É bem verdade
que poderia parecer às vezes que cada pessoa tem seu tempo. Isso é bem da
filosofia moderna como veremos, de certa filosofia moderna como veremos na
História da Filosofia. Então poderia parecer que cada pessoa tem seu tempo.
Com efeito, há pessoas mais lentas para as quais uma hora são como quatro da
pessoa normal e há pessoas rápidas para as quais a hora passa em dez minutos.
Mas para todos, às vezes, o tempo passa correndo, voando e, outras vezes,
temos a sensação de que não passa nunca. Esta é a percepção psicológica do
movimento. Tudo isto, porém, como acabo de dizer, é uma questão psicológica
e o fato é que o tempo real não depende nem do temperamento da pessoa, nem
do estado de humor da pessoa. Não depende, isto em primeiro lugar. Em
segundo lugar, o tempo não é uma propriedade de cada movimento particular. É
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aqui que lhes peço a máxima atenção, porque aqui sim é uma baita antecipação
da Física, da Cosmologia. O tempo não é uma propriedade de cada movimento
particular. Por quê? Porque, se o fosse, haveria tantos tempos quantos
movimentos particulares houvesse. O tempo da esfera celeste, para os antigos,
o tempo da agulha, do ponteiro do relógio, o tempo do ônibus que vai do Rio a
Niterói. Ao contrário, o tempo é o que permite comparar os movimentos e dizer
se eles são rápidos ou lentos. O tempo, portanto, tem de ser algo próprio de um
movimento primeiro que, de algum modo, esteja na origem e regule todos os
demais movimentos. Repita-se isso que é preciso ficar bem fixado: não há tantos
tempos quanto movimentos: o tempo da esfera celeste para os antigos, o tempo
do ponteiro do relógio, o tempo da viagem de ônibus do Rio a Niterói; ao
contrário, é um tempo que permite comparar os movimentos para dizer se são
rápidos ou lentos. O tempo, portanto, tem de ser algo próprio do movimento
primeiro, de um movimento primeiro que, de algum modo, esteja na origem de
todos os movimentos e regule todos estes movimentos. Se não fosse assim, não
se poderia falar de um único tempo para todos os movimentos.

Pois bem, como se verá na Cosmologia – estamos antecipando muito – o


movimento, o tipo de movimento que está na origem de todos os demais
movimentos é o movimento local – ir daqui a ali. O difícil é determinar o que
podemos chamar primeiro movimento local.

Pois bem, o movimento – como veremos, repita-se e repita-se, na


Cosmologia – é resultado da ação de um motor sobre um móvel. Não há
movimento se um móvel – aquilo que é movido – não é movido por outro, que é
um motor ou movente. A tudo que se move, é movido por outro. Tenha-se desde
já este axioma físico: tudo o que se move, é movido por outro.

Pois bem, para Aristóteles o primeiro movimento era o da primeira esfera.


Para Aristóteles havia várias esferas celestes. Então o primeiro movimento era
o da primeira esfera celeste que era movida imediatamente pelo primeiro motor
imóvel. E o que é o primeiro motor imóvel? DEUS. E era isso que explicava que
seu movimento fosse – da esfera, da primeira esfera – perpetuamente constante
e que fosse, ao mesmo tempo, o motor das demais esferas. Eram esferas
concêntricas, celestes concêntricas que, para Aristóteles, excetuada a primeira
que era movida pelo primeiro motor imóvel ou Deus, as demais tinham também
por motores as substâncias separadas, o que hoje chamaríamos assim, sem...
Santo Tomás ainda compartirá, por exemplo, em suas questões disputadas
sobre as criaturas espirituais, isto de que anjos se unem aos corpos celestes
como motores. Hoje não é possível repetir.

Pois bem, diga-se, porém, que parece que não há esferas. Hoje não é
possível sustentar que haja esferas. Tudo isso se verá porque mais adiante no
ponto em que se estudará tudo isto. O primeiro móvel aqui, a primeira coisa
movida não parece ser a primeira esfera celeste. Parece ser o corpo mássico
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que se move, o corpo que tem massa, que se move com respeito a um espaço
vazio de massa. Repita-se: o primeiro móvel parece ser o corpo mássico, o corpo
com massa, que se move com respeito ao espaço vazio. Vazio de quê? De
massa.

Já antecipei na aula passada o que é o espaço, mas tudo isso tem de ser
discutido mais à frente.

Pois bem, e este espaço vazio de massa é que é imóvel. O primeiro móvel
é um corpo com massa que se move no espaço despojado de massa e é este
mesmo espaço o que é o primeiro imóvel.

Pois bem, vejam uma baita seta agora, hein! O primeiro movimento parece
ser inercial gravitatório do que não tem influência exterior e que, em sua primeira
origem, não pode ter sido dado senão pelo primeiro motor imóvel ou Deus. Este
é assunto a demonstrar-se (não é opinativo), a demonstrar-se na Física
inicialmente e, finalmente, na Metafísica. Santo Tomás o trata na Teologia
Sagrada, mas ele é radicalmente físico-metafísico.

Pois bem, então repita-se: o movimento inercial é o que faz com que os
astros fiquem (...), para que se entenda, é a inércia, é o movimento que perdura,
o movimento dos astros é inercial. Este é um nome complicado, porque inércia
nos faz lembrar não movimento, e, no entanto, chamamos o movimento dos
astros movimento inercial. Mas parece, então, como veremos na Cosmologia, a
inércia, o movimento inercial e a gravitação são duas faces de um mesmo
fenômeno. Mas tá, o primeiro movimento parece ser inercial gravitatório e tem
de ter tido em sua primeira origem o primeiro motor imóvel ou Deus.

Pois bem, mas, mesmo sem demonstrar que Deus é o primeiro motor
imóvel, deste primeiro movimento inercial gravitatório, o fato é que o movimento
inercial gravitatório parece responder aos princípios do movimento primeiro, dos
movimentos, aos princípios do movimento primeiro. Esses princípios são
dependentes mais imediatamente da massa, da massa, que é uma primeira
qualidade. Pois bem, repita-se que voltarei a isto na Cosmologia.

É verdade que, para determinar exatamente o movimento inercial


gravitatório dos corpos, haveria que considerar o universo como um todo do qual
efetivamente cada corpo é uma parte. Seria só desse modo que estaríamos
certos, que estaríamos seguros de que não há influência exterior, mas isto
claramente escapa à nossa possibilidade. Nós não podemos conhecer, nunca
conheceremos o universo como um todo. Ele é imenso, ele é imensurável,
conquanto não seja infinito como disse na aula passada.

Pois bem, diz o Padre Calderón – agora é completamente do Padre


Calderón – não nos resta senão considerar o tempo como algo do movimento do
sistema solar, supondo, supondo que a influência do restante da galáxia sobre
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nosso sistema seja desprezível. Bom, isso se voltará a discutir na Cosmologia,


não é necessário entendê-lo agora completamente.

Pois bem, se já determinamos que o tempo é algo do movimento local,


resta dizer em último lugar segundo que aspecto se refere o tempo ao
movimento. O movimento local é determinado segundo a magnitude percorrida
de um lugar a outro, de lugar em lugar de maneira contínua, contínua, de um
lugar a outro. Lembrem-se do lugar definido na aula passada. Entre um começo,
como disse na aula passada, a quo, um termo a quo – que é um começo – e um
termo ou término ad quem – que é o final – entre o termo ou começo a quo e um
termo ou término ad quem. Pois bem, como a magnitude percorrida é quantidade
contínua, contínua, não há interrupção, é quantidade contínua que tem, e se é
quantidade contínua tem se... as suas partes se ordenam justamente entre esses
dois termos a quo e ad quem, o movimento local adquire certa maneira de
continuidade, ele mesmo, o próprio movimento, segundo a ordem de anterior e
posterior. Vejam, se eu estou aqui, eu tive o anterior e terei um posterior e assim
vamos na medida em que um móvel passa de um lugar a outro lugar segundo o
comprimento ou extensão em que se dá este movimento.

Pois bem, como o tempo também é algo contínuo, é evidente que se refere
ao movimento local segundo a ordem de anterioridade e posterioridade de suas
partes. É daí que o movimento toma sua continuidade. Pois bem, como é óbvio,
não se percebe o tempo se não se considera o movimento segundo a noção ou
razão de anterior e posterior, segundo um antes e um depois. Isso é puro
Aristóteles.

Vocês verão que, quando definirmos na Física, na Cosmologia o


movimento como o ato do que está em potência segundo ou enquanto está em
potência, o movimento é o ato do que está em potência enquanto está em
potência, porque, quando eu saio daqui eu estou em potência para o ato de me
mover. Pois bem, consideramos o movimento, quando estudarmos isto,
consideraremos o movimento em seu estado atual, pontual, não considerando a
duração em que ele dura, mas apenas em um instante. Neste instante em que
se dá um movimento. Vejam, vamos supor que um movimento seja de meu dedo,
neste instante – ele veio aqui – neste instante ele está em potência para
atualizar-se num instante seguinte como movimento. Então ele se considera
neste instante em potência, enquanto está em potência para o ato, que é mudar.

Pois bem, é assim que o movimento, que o tempo se refere ao movimento,


não como ato do que está em potência, mas segundo a sucessão de um antes
e de um depois segundo o próprio transcurso. Daí que a definição do tempo seja
o número do movimento segundo um antes e um depois. Isto é o tempo. É o
número do movimento segundo um antes e um depois. Esta é uma primeira
maneira de dizer, de dar a definição do tempo. Mas, pra precisá-lo, diga-se: o
tempo refere-se ao movimento segundo um antes e um depois, segundo o
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anterior e o posterior que o movimento adquire com relação à quantidade


contínua que é percorrido e refere-se propriamente ao primeiro movimento local
– voltamos àquele primeiro movimento – e, por meio dele, se refere aos demais.

Lembrem-se, é preciso um primeiro motor imóvel, um primeiro movimento


segundo o qual se medirão todos os movimentos que se lhe seguirão.

Pois bem, como vimos na quantidade, assim como a magnitude pode


numerar-se por comparação com certa unidade, assim também o primeiro
movimento local, enquanto percorre a magnitude segundo certa ordem de
anterior e de posterior, pode numerar-se por comparação com certo período ou
com certo movimento unitário. E isto é o que dá o primeiro movimento. Este
número é exatamente o que chamamos “tempo”. Então repita-se: o tempo é o
número do movimento segundo um antes e um depois, segundo o antes e o
depois, segundo o anterior e o posterior.

Pois bem, exemplificando: quando falamos de seis horas, ou de oito dias,


numeramos o movimento da Terra no espaço vazio de massa em relação a uma
unidade. Que unidade é essa? É o giro completo ou dia. Se falamos de seis
meses, de oito anos, agora fazemos, o fazemos com respeito ao movimento da
Terra em torno do Sol. Pois bem, acabamos de ver que o tempo é a numeração
do primeiro movimento segundo a sequência de anterior a posterior, considerada
com respeito a certa magnitude, a giros, a certos giros.

Pois bem, quando falamos de uma viagem que durou vinte minutos do Rio
a Niterói, por exemplo, comparamos o movimento do ônibus com o movimento
da Terra numerada pelo tempo. Dessa maneira, por comparação, a numeração
do primeiro movimento pode transferir-se para todo o outro movimento. Então
repita-se: assim como, ao dizer que durou vinte minutos a viagem do Rio a Niterói
de ônibus, quando fazemos nós comparamos o movimento do ônibus com o
movimento da Terra, que é numerado pelo tempo. Por isso é que, por
comparação, a numeração do primeiro movimento, aquele que é movido pelo
primeiro motor imóvel, pode transferir-se para todo e qualquer outro movimento.

Pois bem, agora sim, depois desse algo árduo percurso pela Cosmologia,
podemos voltar ao nosso predicamento ou categoria do quando.

Pois bem, assim como distinguimos o espaço – o lugar – e o estar das


coisas no lugar ou ubiquação (ubiquação é o estar das coisas no lugar), convém
agora distinguir o tempo como duração, um instante ou lugar temporal para se
entender o que é um instante – chame-se lugar temporal – e a temporalidade
mesma das coisas ou quando (este é que é o acidente ou predicamento do
quando, é a temporalidade mesma das coisas; lembremos que os acidentes,
que... sim... que os acidentes são na coisa e são reais e se distinguem realmente
na coisa, da coisa; se assim é, não só a quantidade e a qualidade são na coisa,
mas também o são a ubiquação e o quando).
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Tanto o lugar como a ubiquação entendem-se em relação, em referência à


magnitude ou extensão das coisas e não tem sentido distingui-los em razão do
movimento, do movimento ou mudança local. Mas, como acabamos de ver, o
tempo e o quando entendem-se com referência, em razão do movimento local e,
por meio do movimento local, a magnitude contínua ou extensão, quantidade
contínua. Pois bem, daí decorre que o tempo e o espaço têm íntima relação, seja
(hão de ter ouvido falar da tese de Einstein do espaço-tempo, mas isso não
vamos tratá-lo aqui, não é no mesmo sentido em que se fala aqui, isso se tratará
na Cosmologia), pois bem, diga-se, então que o tempo e o espaço têm estreita
relação. E o que é que os vincula? Exatamente a noção de movimento local.
Temos, assim, uma tríade: espaço-movimento-tempo, espaço-movimento-
tempo, e é nesta ordem que devemos entendê-los: espaço-movimento-tempo.
Por quê? Porque é assim que vamos do mais claro ao mais obscuro que é o
nosso método desde o início da Escola Tomista. Víamos no início desta aula que
o espaço é mais claro que o tempo e que o movimento também o é, mas é menos
claro que o espaço; então vamos do mais claro que é o espaço para o movimento
e, depois, para o tempo.

É evidente a continuidade do espaço. Ninguém o nega. É só olhar pra ele


e, de apreender essa evidência da continuidade do espaço, entendemos a
continuidade do movimento local – olha, do movimento local – e, entendendo a
continuidade do movimento local, podemos entender a continuidade do próprio
tempo. Não é que a continuidade do tempo e a continuidade do movimento sejam
destituídas de evidência: não são destituídas, mas são menos evidentes que a
continuidade do espaço, são menos evidentes. E por quê? Porque as partes do
espaço, as partes da quantidade espacial existem todas ao mesmo tempo, todas.
Olhamos aqui no espaço e vemos todas as partes ou quantidades do espaço
coexistindo ao mesmo tempo, simultaneamente, mas as partes do movimento
não. Vejam, quando eu faço isso, já não existe isso, isso aqui deixou de existir e
isto está em potência para o próximo. Logo, não existem ao mesmo tempo. E o
tempo é a mesma coisa. Só existe, como veremos, um instante. Só existe um
movimento, só existe o momento, este momento do movimento e um instante do
tempo. É só isto que existe! Enquanto o espaço não, ele existe num contínuo
diante dos nossos próprios olhos.

Pois bem, como diz o Padre Calderón, é isto mesmo o que fazem os físicos
modernos: embaralhar-se, confundir-se quando partem do espaço e do tempo
como noções primeiras e a partir dos quais pretendem descrever, não definir, o
movimento. Definem o movimento a partir do tempo quando deveriam fazer ao
contrário: definir o tempo a partir do movimento e este a partir do espaço:
espaço-movimento-tempo. Eles fazem ao contrário: tempo-movimento-espaço.

Pois bem, o tempo como duração. Estudemos isto agora.


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Do mesmo modo como o espaço pode ser entendido como o conjunto


universal de lugares – o espaço é o conjunto universal de todos os lugares –,
abstrair das coisas que ocupam cada lugar, cada lugar, do mesmo modo o
tempo, entendido como duração, é a sucessão numerada de todos os instantes
do movimento local primeiro. Isto é o tempo. É a sucessão numerada de todos
os instantes do movimento local primeiro. Pois bem, o espaço, como eu disse na
aula anterior, não pode ser infinito, não pode. Isso, a razão disso – perdão – a
veremos mais adiante, mas ele não pode ser infinito. Se ele o fosse implicaria
uma indeterminação ontológica das coisas naturais que o constitui, mas isso
ainda é assunto demasiado complexo para o que é apenas uma seta. Mas, se o
espaço não pode ser infinito – agora sim já há que entender o que eu vou dizer
–, se o espaço não pode ser infinito, o tempo sim pode ser infinito. Vou fazer uma
senhora seta. Um dos meus cavalos de batalha, uma das minhas batalhas
prediletas é defender a posição de Santo Tomás quando ele diz que, se Deus
tivesse querido, poderia ter criado o mundo que sempre tivesse existido. Por
quê? Justamente por isto aqui: porque o tempo, ao contrário do espaço, poderia
ser infinito e infinito tanto com respeito ao passado como com respeito ao futuro.
E por quê? Justamente porque, diferentemente do espaço que é o conjunto, que
é a universalidade dos lugares e que existem concomitantemente, ao mesmo
tempo, o passado e o futuro não existem ao mesmo tempo. Por isso é que eles
podem ser infinitos. Ao mesmo tempo só é infinito só Deus. Só Deus é infinito ao
mesmo tempo. Já o veremos. O tempo pode ser infinito segundo sucessão,
enquanto o espaço não pode ser infinito porque ele já é o conjunto dos lugares
que o compõem.

Pois bem, o tempo pode ser infinito justamente porque não existe todo ao
mesmo tempo. Insista-se: só existe o instante presente das coisas móveis. Só
isso existe. Só existe o instante presente das coisas móveis e, se assim é, não
há nenhuma contradição, como dizia Santo Tomás de Aquino contra, por
exemplo, São Boaventura, não há nenhuma contradição em pensar que sempre
haja pra trás o instante anterior e sempre haja pra frente um instante posterior.

Outra seta, agora para a Teologia Sagrada. A fé, nossa fé, a fé cristã revela
– isso é uma revelação que Deus nos dá – que houve um instante inicial do
mundo no qual começou o tempo e é assim que começa o Gênesis: no princípio
Deus criou o céu e a terra. Gênesis 1,1. No princípio Deus criou o céu e a terra.
E nos revelou também que haverá um limite para o tempo quando Nosso Senhor
Jesus Cristo voltar em sua segunda vinda ou parusia a julgar os vivos e os
mortos. Mas estas não são verdades físicas. Que o tempo tenha começado em
certa altura e não tenha sido infinito para trás e que vá terminar em certa altura
e não seja infinito pra frente são verdades reveladas. A Física não tem por que
saber disso. Na Física há a possibilidade – não a certeza de que tenha sido
assim, ou seja, assim –, mas há a possibilidade, como afirmava Santo Tomás de
Aquino, de que o tempo seja infinito para trás e seja infinito para a frente. Era o
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que dizia Aristóteles, com uma diferença: Aristóteles se enganava ao pôr que
necessariamente o tempo tinha de ser infinito para trás e infinito para frente, ao
passo que Santo Tomás, já sabedor da revelação, demonstra, como veremos na
Física, demonstra que não é necessário que o tempo seja infinito para trás ou
infinito para a frente, apenas que é possível. Mas estamos no âmbito da Física
e não no da Teologia Sagrada.

Pois bem, assim como o tempo não tem máximo, tampouco tem mínimo.
Isso é assim porque, embora o número como tal, tenha um mínimo, ou seja, a
unidade, o tempo é número aplicado a uma realidade contínua, que é um
movimento local, referido à quantidade contínua, a magnitude.

Pois bem, o espaço se divide e se distingue segundo os lugares. O tempo,


em contrapartida, não. Se divide e se distingue segundo sucessão, segundo um
antes e um depois. O espaço não. O tempo se distingue... o espaço ele é todo
concomitante; o tempo, ele se distingue segundo um antes e um depois. Só
existe o instante, segundo um antes e segundo um depois.

Mas como o tempo se define segundo o primeiro movimento local que


regula todos os demais movimentos, não há, como já dito aqui hoje mesmo, não
há tempos diversos para os diversos móveis, para os vários móveis. Ao contrário,
todos os demais movimentos que existem ao mesmo tempo estão no mesmo e
único tempo. Vejam a contradição disso com Einstein quem conhece. Mas se
todos os móveis que existe ao mesmo tempo estão no mesmo e único tempo, o
ano anterior e o ano seguinte, ainda que durem o mesmo, são tempos diferentes.
Pois bem, assim como não é a mesma coisa passar do quilômetro oito ao nove
numa estrada que passar do quilômetro seis ao sete, ainda que em ambos os
casos percorramos a mesma distância... Por quê? Porque não se está à mesma
distância do término. Ir do quilômetro cinco ao seis não é o mesmo que ir do
quilômetro sete ao oito. Porque, conquanto durem o mesmo tempo, estão a
alturas diferentes do término da nossa viagem. E é a mesma coisa que se passa
com o tempo. Pois bem, se se considera, então, o tempo como duração, ele pode
ser maior ou menor como os números, os números são maiores ou menores,
mas não pode, como duração, ser mais lento ou mais rápido. O que é mais lento
ou mais rápido é o movimento dentro de um tempo que não é mais lento ou mais
rápido se se considera como duração. Os movimentos podem ser mais lentos ou
mais rápidos, mas o número, o tempo é o número do movimento segundo um
antes e um depois e isso nada tem que ver com rapidez, com velocidade, com
lentidão.

Pois bem, já podemos dar, já posso dar as três propriedades do tempo. O


tempo não tem máximo nem mínimo. O tempo – essa é a primeira propriedade
– o tempo não tem máximo nem mínimo. A segunda propriedade: o tempo é
exatamente o mesmo para os movimentos coexistentes ao mesmo tempo e
diferente, distinto para os movimentos sucessivos anteriores e posteriores. E a
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terceira propriedade: o tempo é maior ou menor, mas nem é rápido, nem é lento.
Isto são as, estas três são as propriedades do tempo.

Vamos estudar agora o instante.

Pois bem, como decorre de todo o dito até agora, o instante está para o
tempo assim como o lugar está para o espaço. O instante está para o tempo
assim – isso é uma analogia – assim como o lugar está para o espaço. Com
efeito, assim como o lugar determina o espaço ocupado por um corpo, mas não
é parte e porção do espaço, mas sim termo ou limite do espaço, assim também
o instante não é parte do tempo, mas termo ou limite do tempo. Repita-se para
que se fixe isto: do mesmo modo como o lugar determina o espaço ocupado por
um corpo, mas não é parte de espaço, senão que é limite ou termo do espaço,
assim também o tempo não é parte... o instante – perdão – não é parte do tempo,
senão que é limite ou termo do tempo. Isso é assim porque assim como o espaço
de um corpo é determinado por sua superfície envolvente que é o lugar – já o
vimos na aula passada – assim também o tempo de uma coisa ou de um
processo – é natural – é determinado pelo instante inicial e pelo instante final,
mas lugar e instante têm uma profunda, uma radical diferença. Não se
confundam as similitudes, a analogia possível com identidade, com igualdade. O
lugar e o instante têm uma profunda, uma radical diferença. Por quê? Porque o
lugar é o termo continente imóvel primeiro do corpo natural. Lugar é o termo
continente imóvel primeiro do corpo natural e o corpo natural é móvel e, por isto
mesmo, é que há descontinuidade entre o lugar e a superfície envolvente do
próprio corpo. Isso é o que vimos na aula passada. Por seu lado o instante,
diferentemente, e o instante, como visto, é o fim do tempo passado e o começo
ou início do tempo futuro, é termo contínuo, ao contrário do lugar que pertence
a ambas as partes do tempo, passado e futuro. Então, o tempo, ele na verdade
é passado e futuro e o instante só impropriamente pode dizer-se presente. Bom,
é presente, mas ele não é parte do tempo, ele é o termo tanto do passado como
do futuro. É como se fosse o termo a quo do tempo e ad quem do futuro. Ele
mesmo, ele está, é ele que liga as duas coisas do passado e o futuro. Se não
fosse assim, não se poderia pensar no tempo como algo contínuo.

Pois bem, assim como dei três propriedades para o tempo, agora devo dar
três propriedades do instante.

Em verdade, em verdade do tempo só existe o instante, em verdade, em


verdade, mas o instante não é parte do tempo. Por quê? Já dissemos. Porque o
tempo tem uma existência imperfeita e a terceira propriedade: o instante divide
as partes do tempo, mas as continua. Repitamo-lo: do tempo só existe o instante
(primeira propriedade). Segunda propriedade: o instante, porém, não é parte do
tempo. Terceira propriedade: o instante divide as partes do tempo, mas
continuando-as, dando-lhes continuidade.
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Pois bem, vejamos agora o que é a temporalidade mesma das coisas, e o


que é a temporalidade mesma das coisas? É o acidente ou predicamento
quando. Todo esse percurso que fizemos em torno do tempo e do instante,
comparando analogicamente ao espaço, foi para que chegássemos aqui agora:
a temporalidade das coisas mesmas, ou seja, ao quando que é um predicamento
ou categoria das coisas naturais.

Então, pode fazer-se outra analogia: o quando está para o instante assim
como a ubiquação está para o lugar, o quando está para o instante assim como
a ubiquação está para o lugar. Assim como a ubiquação é a realidade acidental
que se dá no corpo natural pelo fato de estar em tal lugar e não em outro lugar,
assim também o quando ou situação temporal é a realidade acidental que se dá
na coisa pelo fato de estar em um tempo. E que quer dizer estar em um tempo?
Existir em tal ou qual instante, mas existir neste instante e não em outro. Isto é
o quando.

Pois bem, porque o que é afetado pelo quando, pelo predicamento quando,
é aquilo que está no tempo, a coisa natural que está no tempo, é preciso ver o
que significa estar no tempo, o que nos leva a distinguir três coisas. Vejam que
aqui já vamos dar uma seta imensa. Então repita-se, né? Como o que é afetado
pela, pelo predicamento quando é aquilo que está no tempo, devemos então
saber o que significa estar no tempo e isto nos leva a distinguir três coisas, três
tipos, três classes de coisas: aquelas coisas que estão por si mesmas no tempo;
as que permanecem no tempo; e as que estão com o tempo, mas não nele.
Repitam-se as três classes de coisas: as que estão por si mesmas no tempo; as
que permanecem no tempo; e as que estão com o tempo, mas não nele.

Com efeito, porque o tempo é o número do movimento segundo um antes


e um depois, o que está propriamente por si mesmo no tempo e é temporal pode
dizer-se, deve dizer-se temporal, é o que muda e se move. Pois bem, é temporal
a magnitude das coisas que diminuem e crescem. São temporais as qualidades
das coisas que se alteram. É temporal o lugar que as coisas vão ocupando. Tudo
isso está de certa maneira medido pelo tempo. Tudo isto! Tudo! Aumento,
diminuição, alteração das qualidades, movimento local... Tudo isto, de algum
modo, está medido pelo tempo. Por quê? Porque dependem, de algum modo,
do primeiro movimento local, aquele que é primeiro e, segundo o qual, se medem
todos os demais movimentos e, de todas estas coisas que se movem ou mudam
ou se alteram, pode determinar-se certa velocidade de mudança. Por exemplo:
a velocidade de aumento, a velocidade de diminuição, a velocidade de
esfriamento e de aquecimento, a velocidade de translação ou de rotação como
no caso da Terra.

Pois bem, as coisas naturais – todos nós, tudo isto que nós vemos aqui –
se se toma em consideração seu ser substancial – já vimos que elas são, antes
de tudo, substâncias e são substâncias de dado tipo, substância humana,
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substância bruta, substância canina, substância vegetal, etc. – as coisas


naturais, portanto – desculpem-me –, quanto ao ser substancial, quanto a seu
ser substancial, não estão propriamente por si mesmas no tempo. Entenda-se
isso claramente: o ser substancial do gato, o gato, este gato que me fica
perturbando aqui, o ser substancial do gato não muda enquanto gato é gato.
Enquanto ele existe como gato, o ser gato, o ser substancial do gato não muda.
Ele é gato desde o início até o fim, desde sua geração até sua morte ou
corrupção. Mas pode dizer-se que as substâncias naturais estão no tempo de
dois modos: enquanto são sujeitos de movimentos, pois aquilo que acresce, que
muda, que altera ou se move é o gato, ou enquanto permanecem no tempo,
sendo medidas pelo tempo. Como? Porque houve um instante em que
começaram a ser, houve um instante em que o gato começou a ser e vai haver
um instante que ele vai deixar de ser. É a geração e a corrupção. Então, são
aquelas duas primeiras maneiras que eu disse: o que está propriamente e por si
mesmo no tempo e as que permanecem no tempo. O que está propriamente por
si mesmo no tempo é o gato enquanto sujeito de mudanças, alterações e
movimentos, mas permanece no tempo o mesmo gato enquanto gato
inalteravelmente, desde o instante em que é gerado até o instante em que se
corromperá ou morrerá.

Uma seta: se houvesse coisas cujo modo de ser substancial fosse


incorruptível, ainda que sujeitas a movimento local, como pensavam os antigos
com respeito aos corpos celestes, estariam no tempo enquanto sujeitos de um
movimento, mas não enquanto permanência no ser. Para os antigos, como
voltaremos a ver no momento adequado, os corpos celestes eram incorruptíveis.
A única alteração que eles tinham, a única mudança que eles tinham era de
movimento local. Eles eram incorruptíveis. Isto começa a cair a partir de Galileu,
mas hoje não se pode aceitar. Eu sei que há alguns que insistem nessas coisas.
Isso é um desserviço não só à ciência, mas à própria fé. Pois bem, então não há
corpos incorruptíveis. Não há. Não os há. Não há nada que seja substância
corpórea que seja incorruptível.

Pois bem, as coisas que são incorruptíveis mesmas são duas: os anjos e
Deus. São as coisas incorruptíveis. Vejam que já dei aqui um imenso salto. É
uma seta. Mas nem Deus, nem os anjos estão no tempo, no tempo. Para os
antigos os corpos celestes estavam no tempo, mas eram incorruptíveis. A única
alteração que tinham era de movimento local. Mas, como hoje sabemos que isso
não é verdade, temos que só Deus e os anjos são incorruptíveis e não estão de
maneira alguma no tempo, enquanto os corpos celestes, para os antigos,
estavam tempo. Claro, se há movimento local, é porque estão no tempo.

Pois bem, quanto aos anjos, porém, pode dizer-se – esta é a terceira
maneira com respeito ao tempo – pode dizer-se que os anjos estão com o tempo.
Vejam que esta é uma baita seta! Pode dizer-se que os anjos estão com o tempo.
Por quê? Porque são, porque existem enquanto são e existem as coisas
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temporais e podem agir sobre elas em diversas instâncias, diversas instâncias,


mas pros anjos o tempo não passa. Por quê? Porque o tempo não os afeta de
maneira alguma. Nenhuma mudança temporal afeta o anjo. Seus atos têm – isso
nós vamos entender perfeitamente na Teologia Sagrada; lembrem-se que Santo
Tomás é o doutor angélico exatamente pelo estudo profundíssimo dos anjos.
Pois bem, os atos dos anjos têm um antes e um depois que não é medido, porém,
pelo tempo, mas pelo que os teólogos chamam “evo” (e-v-o, e-v-o). É uma
espécie de tempo angélico simultâneo, não contínuo. Muito difícil. Muito difícil
hoje, depois será mais fácil. Mas de Deus não pode dizer-se nem sequer que
está com o tempo, assim como dizemos que os anjos estão com o tempo, mas
não no tempo, nem permanece no tempo; eles estão com o tempo. De Deus não
se pode dizer nem sequer que está com o tempo. Por quê? Porque sua
imutabilidade é absoluta e está presente e age em todo o instante ao mesmo
tempo, não hora em um instante, não hora em outro. Em Deus, só em Deus não
pode dar-se, de maneira alguma, um antes e um depois.

Muito bem, feita essa longa digressão, esse longo excurso (excurso com
“x” de excursão), esse longo excurso, voltemos e digamos que o tempo, repita-
se, é o número do movimento segundo o antes e o depois e é por isso que a
temporalidade ou quando, o predicamento quando das coisas, o predicamento
das coisas chamado quando ou temporalidade, é aquilo que as afeta em relação
com o antecedente e em relação com o consequente, com o que se segue, com
o que vem. Pois bem, assim como a ubiquação das coisas naturais tem
importância porque o lugar é a superfície de contato pela qual a coisa interage
com tudo o que a rodeia, com seu habitat, com seu ambiente, assim também o
quando ou temporalidade das coisas naturais tem importância porque o instante
que a coisa ocupa, assim como ocupa o lugar ela ocupa o instante, na sucessão
temporal explica, dá a razão da sua interação com o que antecede e com o que
se segue.

Pois bem, vimos algumas propriedades do lugar e podem dizer-se também,


podem pôr-se, podem assinalar-se algumas propriedades da situação temporal.
Pois bem, pode dizer-se que o tempo contém as coisas temporais. O tempo
contém as coisas temporais. Por quê? Porque sempre se pode pensar em um
tempo anterior aos instantes do início de cada coisa e um tempo posterior ao
instante final desta coisa, assim como com o gato que se gera e se corrompe.
Mas também pode dizer-se que cada coisa tem seu tempo. Por quê? Porque em
seu ser e em seu fazer-se as coisas podem ser medidas pelo tempo.

Mas o mais importante é dizer que, assim como cada coisa tem seu lugar
próprio ou natural – se lembram, o lugar próprio ou natural do homem é a Terra
e não Vênus? –, então assim como se há de dizer que cada coisa tem seu lugar
próprio ou natural onde se encontra em equilíbrio e com... e em harmonia com
as demais coisas que a rodeiam, assim também cada coisa tem seu tempo
próprio ou natural. Assim como cada coisa natural tem seu lugar próprio ou
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natural, assim também cada coisa natural tem seu tempo próprio ou natural. A
criança nasce com nove meses e não com trinta. E por que a criança nasce com
nove meses, o filhote de outros animais nasce depois de outros meses? Porque
uma coisa não pode vir depois de qualquer outra coisa e toda geração tem seu
processo com seus tempos próprios. Assim como o lugar – a Terra é o lugar
natural ou próprio do homem –, assim também a criança nasce em seu tempo
próprio aos nove meses, a criança humana, bebê humano, o filhote humano. E
se é assim, pense-se na maturidade. A maturidade pressupõe o quê? A
adolescência. E a adolescência pressupõe o quê? E a infância. E a infância
pressupõe o quê? O estado de embrião.

Pois bem, quanto mais vemos essas coisas, mais nos lembramos do
Eclesiastes, o livro da Bíblia. Vou ver se minha memória me permite citá-lo
quanto ao que nos interessa: “tudo tem seu tempo determinado e há tempo ou
propósito para tudo sob o céu, debaixo do céu. Há tempo de nascer e há tempo
de morrer; há tempo de plantar e tempo de colher o que plantou, o que se
plantou; há o tempo de matar e há o tempo de curar; há o tempo de derrubar e
há o tempo de construir, edificar; há o tempo de chorar, há o tempo de rir; há o
tempo de prantear e há o tempo de dançar; há o tempo de espalhar pedras e há
o tempo de reunir pedras; há o tempo de abraçar e há o tempo de afastar-se de
abraçar; há tempo de buscar e há o tempo de perder; há o tempo de guardar e
o tempo de jogar fora, de atirar fora; há o tempo de rasgar e há o tempo de cozer;
há o tempo de calar-se e há o tempo de falar; há o tempo de amar e há o tempo
de odiar; há o tempo de guerra e há tempo de paz. Que proveito tira o trabalhador
daquilo em que trabalha? Tenho visto trabalho que Deus deu a seus filhos, aos
filhos dos homens, para com ele os exercitar. Deus tudo fez belo em seu tempo
e também pôs o mundo no coração do homem sem que o homem possa
descobrir a obra de Deus, a obra que Deus fez desde o princípio e que vai até o
fim”. Eclesiastes 3, 1-11.

Termino aqui a nossa aula de hoje e deixo, por fim, uma seta. Quanto
dissemos contraria essencialmente a Teoria da Relatividade de Albert Einstein?

Muito obrigado pela atenção. Até nossa próxima aula.

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