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Escola Tomista – Apenas para uso dos alunos Página | 1

Escola Tomista
Professor Carlos Nougué
Aula 44
Bem-vindos à 44ª aula da Escola Tomista. Estamos no Tratado das
Categorias XII, salvo engano.

Pois bem, estamos marchando para o fim do Tratado das Categorias. Ainda
falta alguma coisa, mas estamos marchando para lá. O próximo passo será o
Peri Hermeneias ou sobre a interpretação de Aristóteles. Será nosso passo.
Aliás, a tradução do comentário de Santo Tomás ao Peri Hermeneias de
Aristóteles, um comentário incompleto, mas preciosíssimo já que se trata de
todos os textos de Aristóteles, talvez o mais obscuro, será lançado com tradução
de Renato Romano. Será lançado ainda neste 2018. Será uma obra
indispensável. Eu farei a revisão e a apresentação da obra. Pois bem, a tradução
é muito boa, Renato é um grande tradutor.

Pois bem, hoje vamos terminar os predicamentos ou categorias em sentido


estrito e começaremos os chamados pós-predicamentos.

Pois bem, Aristóteles salta, em seu opúsculo “As categorias” ou, pelo
menos, nos chegou faltando esta parte, chegou, nos chegou faltando esta parte,
salta o situs, a posição ou situação, o habitus ou posse, a ubiquação e o quando.
Pois bem, vamos tratar rapidamente, rapidamente essas duas categorias ou
predicamentos. A posição ou situação em primeiro lugar.

O situs deem-se exemplos: vai armado, está agasalhado, vem calçado...


isso são exemplos de situs. Aliás, desculpem-me, desculpem-me, errei, errei.
Exemplos de situs: está deitado, está de pé, etc. Pois bem, notem que isto é de
situs – posição –, o outro é habitus, é o hábito ou posse.

Pois bem, notem que, quanto à posição, de pé e deitado, estas duas


posições, elas são relativas, elas são relativas, mas estar de pé ou estar deitado,
ou estar sentado já não são relativos. É neste caso que se dá a categoria do
situs ou posição. Situs (s-i-t-u-s) não requer maiores explicações e, com efeito,
os comentadores de Aristóteles tampouco se de... os demais, né, tampouco se
detiveram aí. Então fiquemos com isso, com situs, sempre insistindo, porém,
que, por mais que não pareça, as categorias que não pareçam, as categorias ou
predicamentos são algo efetivamente na coisa natural, na substância, são algo
efetivamente, incluindo a posição. Não é o mesmo estar sentado ou estar de pé,
estar deitado ou estar de pé, não é o mesmo, não são a mesma coisa. Isso
implica diferenças no próprio sujeito que está de pé ou que está sentado. Então
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nunca nos esqueçamos disso: todos os predicamentos, os nove predicamentos


que são realidades acidentais são algo realmente na substância e, mais que isso,
conquanto só se deem nela, conquanto só sejam nela, conquanto só existam
nela – na substância – distinguem-se dela não com distinção de razão, mas com
distinção real, distinção real, assim como há distinção real entre corpo e alma,
assim como há distinção real, como veremos na Metafísica, entre essência e ser,
ou ato de ser. Essência e ser ou ato de ser têm, distinguem-se realmente, há
uma distinção real aí e este é o fundamento principal, o principal alicerce do
edifício tomista da doutrina de Santo Tomás de Aquino.

Pois bem, então fiquemos com o situs ou posição assim. Quanto ao habitus
ou posse, é esse: ou vai armado, vai vestido, está agasalhado, andou calçado...
São posses, é posse.

Pois bem, este ainda parece mais estranho que seja algo real na
substância, mas o é. Tanto é que a nossa própria linguagem, a nossa própria
linguagem contempla-o de certo modo. Quando eu digo “tenho um livro” (é uma
posse), “tenho certo livro”, eu dou a este ter um caráter de ação, sem que o seja
efetivamente. Dou à posse verbalmente um caráter de ação e isto é assim
porque o ter, o possuir, o hábito é algo no indivíduo, se não eu não poderia
interpretá-lo gramaticalmente como se fosse uma ação, como se fosse uma
ação. Falo disso na Suma Gramatical da Língua Portuguesa. Então, quem tiver
curiosidade e estiver com o livro, vá ao capítulo da morfologia ou tratado da
forma das palavras. Ali eu explico que o ato, o ter, possuir é entendido por nós
comumente, pré-filosoficamente como uma ação. Isso só é possível porque o ter
é algo efetivo, o possuir, a posse, o hábito é algo efetivo, algo efetivo no sujeito,
em nós mesmos. Isso é próprio de nós.

Pois bem, e temos, enfim, as duas últimas categorias que são a ação e a
paixão que Aristóteles tratou, mas muito brevemente. Por isso é que não
devemos dar por assentado que houve realmente um salto de Aristóteles, que
ele tratou e se perdeu esta parte de seu tratado relativa ao situs, ao habitus, ao
quando e à ubiquação ou ubi. Pode ser que não, pode ser que não lhe tenha
interessado fazer. Tanto é assim que, quando ele trata, ou seja, as categorias ab
extrínseco, que são ab extrínseco, parece, é possível que não lhe tenha
interessado muito a esta altura da sua produção, ao produzir as suas Categorias.
Então ele trata muito brevemente essas duas categorias da ação e da paixão,
muito brevemente. Ele repete o que disse desde o início: serrar (quem serra a
madeira) é uma ação e ser serrado é uma paixão, é uma paixão. O exemplo que
ele dá: a água esquentar e esfriar. Algo a esquenta e isto é uma ação. Ela é
esquentada pelo fogo: isto é uma paixão. Algo a esfria e este algo procede a
uma ação. Ela é esfriada e este esfriamento que ela padece é uma paixão.
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Pois bem, e ele dá brevemente – Aristóteles – duas propriedades tanto da


ação como da paixão: primeiro o admitir contrários, o ter contrários. Com efeito,
esfriar e esquentar são contrários.

Mas há outra propriedade que é também admitir o mais e o menos, o mais


e o menos. Com efeito, pode-se esquentar mais ou menos, pode-se esfriar mais
ou menos, pode-se ser esfriado mais ou menos, pode-se ser esquentado mais
ou menos. Então temos estas duas propriedades para as categorias ou
predicamentos da paixão e da ação. E, com isso, ele encerra seu tratamento.

É bem verdade que Minio-Paluello que é um (como se escreve isso: Minio,


Minio, põe um hífen, Paluello, Paluello, é em espanhol, Paluello, é Mínio, Minio
sem acento, Minio-Paluello), segundo Minio-Paluello há também aqui outro salto
e haveria aqui outro salto e uma emenda que se dá como sendo de outrem e
não de Aristóteles que seria uma forma de fazer a ligação com os pós-
predicamentos. Vou ler o trechinho que se atribui Minio-Paluello, Paluello atribui
a outra mão. Então, “assim, pois, isto é tudo o que se pode dizer sobre estas
coisas. Ao tratar sobre do ad aliquid se disse também, se disse também sobre o
achar-se situado que se diz paronimamente a partir das posições; sobre o
restante, a saber o quando, a ubiquação e a situação, por serem óbvios não se
diz nada mais do que aquilo que se disse no início, a saber que a situação, não,
que a posse ou hábito significa ir calçado, ir armado; o onde, por exemplo, no
Liceu, e quantas outras coisas se disseram sobre isso”.

Bom, atribui-se isso a uma mão que não a de Aristóteles. Não estou seguro.
Não me convenço totalmente, não me convenço totalmente, eles dão como
exemplo, como justificativa pra dizer que é mão de outrem o uso de certa palavra
“hiper”, ou seja, “sobre” o que Aristóteles não usaria. Isso não me convence
completamente, mas tá! Não nos interessa grandemente agora.

Pois bem, o que se segue é o que se convencionou chamar pós-


predicamentos, pós-predicamentos. É importantíssimo. Alguns atribuem – aliás,
Minio-Paluello também – atribuem a inserção de todos os chamados pós-
predicamentos a outra mão, não teria sido, alguém pegou de outra obra de
Aristóteles e pôs aqui como final das categorias estes pós-predicamentos.
Tampouco me interessa muito. Digo apenas que, se foi assim, se foi alguém que
o fez e não o próprio Aristóteles, fê-lo muito bem, porque é muito pertinente que
os chamados pós-predicamentos venham após os predicamentos, assim como
no início nós tivemos os ante-predicamentos. Ante-predicamentos,
predicamentos, pós-predicamentos. Ante-categorias, categorias, pós-
categorias. Isso está perfeitamente coerente com o pensamento de Aristóteles.
Então, sem nos interessar aqui a questão histórica que, me parece, sempre
atrapalha mais que ajuda, é preferível tomar como a tradição bimilenar entendeu
as obras de Aristóteles e isso nos é suficiente. O resto são questiúnculas que
nada contribuem para a doutrina em si.
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Pois bem, os pós predicamentos se dividem em seis partes


importantíssimas: os opostos, os contrários, o anterior, o movimento... o
simultâneo, o movimento e o ter. Repita-se: os opostos, os contrários, o anterior,
o simultâneo, o movimento e o ter.

Pois bem, ao terminar o estudo dos pós-predicamentos ou pós-categorias


então teremos terminado o Tratado das Categorias.

Pois bem, eu vou fazer hoje, com relação ao primeiro dos pós-
predicamentos (os opostos) vou fazer o mesmo que fiz com o ad aliquid, vou –
ad aliquid – vou primeiro ler o texto mesmo de Aristóteles comentando – será
uma lectio, uma leitura comentada – para, na próxima aula, então, concluir o
assunto de forma mais sistemática que a que pôs Aristóteles quanto aos opostos,
que são demasiado importantes para todo o restante de nosso percurso. Então,
por isso, vou deter-me no assunto por duas aulas, porque realmente é muito
necessário que o façamos.

Pois bem, vou ler lentamente comentando. Não sei se termino hoje, é um
pouquinho grande. Se não terminar hoje, termino na aula que vem e passo, enfim
à sistematização dele. Diferentemente de como pôs Aristóteles a sua parte
relativa à relação ou ad aliquid, em que, como mostrei, ele estava ainda no
campo do dialético, aqui parece que ele já conclui com suficiência. Então
vejamos, isto ainda está por ver-se.

Vamos lá. Começa. Os opostos das categorias começam com um trecho


que, em geral, os estudiosos atribuem a outra mão. Não me interessa.

Pois bem, é assim: assim, pois, sobre os gêneros propostos é suficiente o


já dito. Os gêneros são os predicamentos ou categorias. Em contrapartida, sobre
os opostos há que dizer de quantas maneiras costumam opor-se. Peço-lhes
atenção esta aula, porque realmente é de grande importância. De quatro
maneiras disse que uma coisa se opõe a outra, de quatro maneiras: ou como ad
aliquid, ou como os contrários, ou como contrários, ou como privação e
possessão, posse – mas aí já não se trata do hábito, da posse das categorias,
aqui é outra coisa –, ou como privação e possessão ou posse e, por fim, como
ou como afirmação e negação. Então são quatro os modos como podem opor-
se as coisas entre si: ou como ad aliquid, ou como contrárias, ou como posse,
como posse, privação e posse, ou como afirmação e negação.

Pois bem, para mostrá-lo com exemplo, cada uma das coisas destes tipos
se opõe ou como ad aliquid (por exemplo, o dobro e a metade, isto é uma
oposição, o dobro se opõe à metade assim como a metade se opõe ao dobro),
ou como contrários (por exemplo, o bom e o mau, o mau e o bom, o mau é o
contrário do bom e o bom é o contrário do mau – mau com “u”; transcritores, mau
com “u” – bom. O mal com ele é o oposto, o contrário de “bem”. Bem-mal, bom-
mau com “u”), como privação e possessão (a cegueira e a visão: a visão é uma
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possessão, a cegueira é uma privação, de quê? Da visão) e, finalmente, como


afirmação e negação (está sentado, não está sentado). Isso – afirmação e
negação – já vimos quando? Quando estudamos a segunda operação do
intelecto – o juízo – ou composição e divisão. A composição é estar sentado; a
divisão ou negação é não estar sentado. Isso já o vimos, é mera repetição, mas
é uma oposição entre a afirmação e a negação.

Pois bem, assim, pois, todas as coisas que se opõem como o ad aliquid,
dizem-se, aquilo que elas mesmas são – essa é a definição de Aristóteles original
para o ad aliquid – aquilo que elas mesmas são dizem-se de seus opostos.
Aquilo que é ser o dobro, diz-se, por oposição, àquilo que é ser metade ou se
relacionam de alguma outra maneira como estas. É a mesma coisa. O dobro,
aquilo que o dobro é em si mesmo chama-se dobro da metade. Claro! E a metade
do dobro. E o conhecimento se opõe ao cognoscível como o ad aliquid e que o
conhecimento é em si mesmo diz-se do cognoscível. Também o cognoscível –
aquilo que ele é em si mesmo – diz com respeito ao conhecimento como a seu
oposto, pois o cognoscível se chama cognoscível para algum conhecimento,
enquanto o conhecimento se chama conhecimento de algum cognoscível.
Lembrem-se de que o ad aliquid usa ou “de” (a preposição “de”), ou a preposição
“a” ou “para”. Está certo?

Pois bem, assim todas as coisas que se opõem como o ad aliquid dizem-
se aquilo que elas são, elas mesmas em si mesmas, seus opostos, ou se
relacionam de alguma outra maneira umas com as outras. Em contrapartida, as
que se opõem como contrárias de nenhum modo se dizem aquilo que elas são
em si mesmas uma com respeito à outra. Vocês já entenderão pelos exemplos
muito bons. No entanto se chamam contrárias uma de outra. Com efeito, nem o
bom se chama bom do mau, mas contrário do mau – o bom é o contrário do mau
– nem o branco se diz branco do negro, mas contrário do negro, de modo que
essas oposições diferem entre si.

Naturalmente há uma relação aí: o contrário com relação ao contrário,


assim como o desigual com respeito ao desigual, o igual com respeito ao igual.
São de certa maneira... são de certa maneira não, são ad aliquid o contrário de
outro contrário, mas não os contrários concretos. Não, o bom não é ad aliquid do
mau, é o contrário do mau. A palavra, em geral, “o contrário”, só pode ser
contrário de algo e isto é ad aliquid, mas, ou seja, só pode ser com respeito a
seu contrário, mas, enquanto é um contrário concreto, não se diz ad aliquid, e
sim como exatamente como contrário, exatamente como contrário. O bom é o
contrário do mau. Não se diz que o bom é o bom do mau, assim como se diz que
o tio é o tio do sobrinho. Não se diz que o mau é o mau do bom, assim como se
diz que o sobrinho é o sobrinho do tio! Então não é ad aliquid, senão que são
contrários. Esta segunda maneira de ser opostos.
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Pois bem, em todos aqueles contrários tais que um deles necessariamente


se há de dar naquelas coisas em que surgem por natureza, ou das quais se
predicam ditos contrários, não há nenhum intermediário entre eles. Por exemplo:
a doença e a saúde surge por natureza no corpo do animal. A doença e a saúde
surgem por natureza no corpo do animal e é necessário que uma e outra se
deem no corpo do animal, tanto a doença como a saúde. Igualmente o par e o
ímpar se predicam do número e é necessário que tanto um como outro – o par
e o ímpar – se deem no número, tanto o par como o ímpar. Não é possível que
o par ou o ímpar se deem senão no número, não é possível que a doença e a
saúde se deem senão no corpo do animal. E não há nenhum intermediário entre
eles, nem entre a enfermidade e a saúde, nem entre o ímpar e o par. Com efeito,
o que haveria de intermediário entre o par e o ímpar? Nada! O que haveria de
intermediário entre a saúde e a doença? Nada! Nada! Em contrapartida, porém,
naqueles em que não é necessário que se dê um ou outro, há um intermediário
entre eles. Por exemplo: o negro e o branco surgem por natureza no corpo, o
negro e o branco surgem por natureza no corpo e não é necessário que um deles
se dê no corpo. Com efeito, nem tudo é branco ou negro.

Vejam, os números: todo número é par ou ímpar. O corpo: todo corpo tem
saúde ou doença. Mas nem todo corpo é branco ou negro.

E o desonesto e o honesto se predicam não só do homem, mas de muitas


outras coisas (um livro honesto, um livro desonesto...) e não é necessário que
um ou outro se dê naquilo do que se predica, pois nem tudo é desonesto ou
honesto. E há algum intermediário entre eles. Por exemplo: do branco e do
negro, entre o branco e o negro há o cinza e o pálido e todas as demais cores
(amarelo, azul, verde, etc.), estão entre o branco e o negro. E entre o desonesto
e o honesto, o que não é nem desonesto, nem honesto. Assim, portanto, em
alguns casos há nomes para os intermediários, como o cinza e o pálido entre o
branco e o negro. Em outros casos não é fácil expressar o intermediário com um
nome e o intermediário se define como a negação de ambos os extremos, o que
não é nem bom nem mau e o que não é justo nem injusto. Então não há nome
para aquilo que está entre o bom e o mau; não há nome para aquilo que há, está
entre o justo e o injusto senão que há que dizer, há que chamar a isto que está
entre eles aquilo que não é bom nem mau ou aquilo que não é justo nem injusto.
Não há nomes como cinza e pálido, ou verde, ou azul que estão entre o negro e
o branco.

Pois bem, a privação e a possessão ou posse dizem-se acerca da mesma


coisa. Por exemplo, a visão e a cegueira dizem-se a respeito de quê? Da mesma
coisa que é o olho. Para dizer em geral, cada uma delas se diz acerca daquilo
em que surge por natureza a posse. Por natureza o animal tem visão, tem a
posse da visão. Então ambas se dão naquilo, se dizem daquilo em que surge
por natureza a posse.
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Dizemos, então, que cada coisa está privada das cosas susceptíveis de
posse, quando estas não se dão de nenhum modo naquilo em que é natural que
se deem e quando é natural que se deem. Com efeito, chamamos desdentados
aos que não têm dentes, mas que, por natureza, têm dentes. E cego não ao que
não tem visão, mas ao que não a tem quando é natural que a tenha, pois algumas
coisas carecem, desde o nascimento, de visão e de dentes, mas não se chamam
desdentadas nem cegas.

Não chamamos uma pedra desdentada nem cega; não chamamos uma
planta desdentada nem cega; não chamamos o animal naturalmente destituído
de visão de cego; não chamamos ao animal naturalmente destituído de dentes
de desdentado. Então, para que seja, haja cegueira e desdentamento é preciso
que naturalmente o ente tenha visão e dentes. Se não tiver naturalmente não se
lhe aplica o par de opostos privação e possessão, só se o ente tiver naturalmente
a posse daquilo a que nos referimos, no caso a visão e os dentes.

Pois bem, o estar privado e o possuir um estado não é privação e


possessão. Com efeito, possessão da visão, priva... possessão é a visão,
privação é a cegueira, mas o ter visão não é a visão, nem o ser cego é a cegueira,
pois a cegueira é uma privação e o ser cego é estar privado, não uma privação.
Além disso, se a cegueira fosse o mesmo que ser cego, as duas coisas se
predicariam do mesmo. Em contrapartida, o homem se chama cego, mas de
nenhum modo se chama cegueira.

Vejam que a grande perspicácia, a grande agudeza de Aristóteles!

Também estas coisas – o estar privado e o possuir algo – parece opor-se


como privação e posse, pois o tipo de oposição é o mesmo. Com efeito, assim
como a cegueira se opõe à visão, assim também o ser cego se opõe ao ter vista,
ao ter visão.

Muito bem, isto quanto à oposição, privação, possessão ou posse. Agora


vejamos o relativo a oposição, afirmação e negação.

O que cai sob a afirmação e a negação não é afirmação nem negação, pois
a afirmação é um enunciado afirmativo e a negação um enunciado negativo,
enquanto nada do que cai sob afirmação e a negação é um enunciado.

Perfeito! É a diferença entre a primeira e a segunda operação do intelecto.

Contudo, disse que também estas coisas se opõem reciprocamente como


uma afirmação e uma negação, pois também nestas o tipo de oposição é o
mesmo. Com efeito, assim como, às vezes, a afirmação se opõe com respeito à
negação – estar sentado, não estar sentado –, assim também se opõe o fato de
que há sob cada uma delas, a saber, o estar sentado, o não estar sentado. Pois
bem, que a privação e a posse não se opõem como o ad aliquid é manifesto.
Com efeito, aquilo que é cada uma em si mesma, ou seja, a privação e a posse,
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não se diz da oposta, pois a visão não é a visão da cegueira, nem se diz com
respeito a ela de nenhuma outra maneira. Do mesmo modo, tampouco a
cegueira se chamará cegueira da visão, senão que a cegueira se chama
privação da visão.

Então não é relativo. Ele tá insistindo em que não há relação tampouco aqui
quanto à privação e posse.

Ademais, todo ad aliquid se diz com respeito a coisas recíprocas. Isso já o


vimos. Esta é uma propriedade de todo ad aliquid: a reciprocidade. De modo que
também a cegueira, se fosse de ad aliquid, seria recíproca de aquilo com respeito
ao qual se diz, mas não é recíproca, pois a visão não se chama visão da
cegueira. Assim como o tio se chama tio do sobrinho, assim como o sobrinho se
chama sobrinho do tio, assim como o senhor se chama senhor do escravo, assim
como o escravo se chama escravo do senhor, ou o dobro da metade, a metade
do dobro.

Pois bem, que tampouco se opõem como, ou seja, não se opõem como ad
aliquid, mas tampouco, como veremos agora, se opõem como contrários. Então,
que tampouco se opõem como os contrários às coisas que se dizem segundo
privação e possessão, é evidente a partir do que se segue, do seguinte. Com
efeito, dos contrários nos quais não há nenhum intermediário, é necessário que
um e outro se deem, se um ou outro se dê sempre naquelas coisas em que surge
por natureza ou das quais se predica.

Já o vimos. Cegueira e visão: por natureza, a visão se dá naquilo que se


predica a própria cegueira. Desdentamento e dentamento: os dentes se dão
naturalmente naquilo que se pode predicar o desdentamento.

Pois bem, com efeito não há nenhum intermediário entre aqueles dos quais
um e outro, ou outro é necessário que se dê na coisa que capaz de admiti-los,
como no caso da doença e da saúde e do ímpar e do par. Em contrapartida,
daqueles entre os quais há um intermediário, nunca é necessário que um ou
outro se deem em cada coisa. Negro e branco: não é necessário que aquilo em
que naturalmente se dão o negro e o branco – que é o corpo – seja negro ou
branco. Ele pode ser cinza, ele pode ser pálido, ele pode ser verde, ele pode ser
azul.

Com efeito, não é necessário que toda coisa que pode ser, sê-lo, seja
branca ou negra – é isso que eu acabo de dizer – nem quente ou fria – pode ser
morna – pois nada impede que, entre esses, haja um intermediário. Ademais, há
um intermediário entre aqueles dos quais não é necessário que um ou outro se
dê na coisa capaz de admiti-los, a não ser naquelas coisas nas quais se dá por
natureza só um (está mal escrito, é um texto complicado de Aristóteles). Por
exemplo: no fogo, ser quente, e, na neve, o ser branca. Nestes casos, é
necessário que um dos dois se dê de maneira definida, e não qualquer deles ao
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acaso, porque a neve é sempre branca e o fogo é sempre quente. Não é possível
que o fogo seja frio, nem que a neve seja negra. Pois o fogo não admite o ser
frio nem a neve admite o ser negra, de maneira que não é necessário que um ou
outro se dê naquela coisa capaz de admiti-los, mas só naquelas em que, por
natureza, se dá um só e, então, se dá um de maneira definida e não de qualquer
maneira ao acaso.

Novamente, o fogo é quente e não pode ser frio. O fogo é quente e não
pode não ser quente. O fogo tem que ser quente e nunca frio. A neve não pode
não ser branca e nunca pode ser negra.

Pois bem, em contrapartida, no caso da privação e da possessão, nada


disso é verdade. Com efeito, nem é necessário que uma delas se dê sempre na
coisa capaz de admiti-la, pois ao não dotado naturalmente de ter visão não se
pode chamar-se cego nem com visão, de modo que essas coisas não serão
daquele tipo de contrários nos quais não há nenhum intermediário.

Não está bem posto por Aristóteles, ao meu ver, vamos sistematizar melhor
na aula seguinte.

Nem tampouco são dos que têm intermediário, pois é necessário que, em
toda coisa capaz de admiti-lo, se dê em determinado momento um deles: ou a
cegueira, ou a visão. Com efeito, quando houver algo dotado por natureza para
ter visão, então se chamará ou cego ou com visão e não uma das duas coisas
de maneira definida, mas qualquer delas segundo seja de fato – se seja de fato
cego, ou se seja de fato com visão. Com efeito, não é necessário que seja cego
ou com visão, mas qualquer das duas coisas segundo seja de fato: cego ou com
visão. Em contrapartida, no caso dos contrários – branco e negro – entre os quais
há um intermediário – cinza, pálido, verde, azul – nunca é necessário que se dê
um ou outro em cada coisa, mas só em algumas coisas e, então, um só e de
maneira definida. Se alguém é branco, será branco e não negro; se alguém é
negro, será negro enquanto é negro e não branco; mas pode não ser negro, nem
branco, senão que pode ser cinza ou pálido, ou amarelo, ou azul.

Assim, é evidente que de nenhum modo se opõe como contrário às coisas


opostas segundo a privação e a possessão. Além disso, no caso dos contrários,
havendo uma coisa capaz de admiti-las – branco e negro, bom ou mau – é
possível que se produza uma mudança recíproca, a não ser em algo no qual se
dê por natureza um só, como no fogo o ser quente. Isso já o vimos. Aí não pode
haver mudança recíproca. Com efeito, também o saudável, o são, o sadio pode
adoecer e o branco pode tornar-se negro e o frio pode tornar-se quente – menos
no fogo que não pode não ser quente e na neve que não pode não ser fria – e
do honesto pode surgir o desonesto e, do desonesto, o honesto. Com efeito, o
desonesto, dirigido para uma das formas de vida e uns juízos melhores, quando
se dirige para umas formas de vida e uns juízos melhores, progredirá, por pouco
que seja, na direção de ser melhor e, se alguma vez, faz um progresso, por
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pequeno que seja, está claro, é claro que ou poderia acabar mudando, ou
poderia fazer um grande progresso, pois cada vez se move com mais facilidade
para a virtude – este que progride do desonesto para o honesto vai progredindo
cada vez mais para a virtude – seja qual for o progresso realizado desde o
princípio, de modo que é verossímil que faça cada vez mais progresso. É
verossímil. E, sempre que isto se produz, acaba devolvendo a pessoa ao estado
contrário se o tempo não o impede. A pessoa está progredindo da desonestidade
para a honestidade, do desonesto para o honesto, do desonesto para a virtude
e, de repente, falece. Então o tempo impediu o progresso.

Em contrapartida, no caso da privação e da possessão, é impossível que


se produza uma mudança recíproca. Bom, com efeito, da possessão à privação,
para a privação produz-se mudança, mas da privação à possessão é impossível.
Com efeito, da possessão à privação se produz mudança, mas da privação à
possessão é impossível. Bom, está mal escrito, obviamente. Ah, não, está
correto. Desculpem-me. Com efeito, da possessão à privação se produz
mudança – com efeito, quem tem visão pode tornar-se cego, quem tem dentes
pode tornar-se desdentado –, mas da privação à possessão, é impossível – ou
seja, da cegueira para a visão, do desdentamento para o dentamento –, pois
nem a pessoa que tivesse ficado cega voltaria a ver, nem o que fosse careca
voltaria a ter cabelo, nem o desdentado lhe sairiam dentes.

É, hoje, claro, excetuado no caso da cegueira e da visão, o milagre, né?


Excetuados sempre os milagres que Deus pode fazer, mas obviamente, hoje,
quando se põe implantes, isso não quer dizer que ele voltou a ser dentado. Ele
simplesmente tem dentes postiços. Não lhe nasceram dentes. Quanto à
cegueira, que eu saiba a cegueira absoluta, que eu saiba, a medicina ainda não
conseguiu devolver a visão a alguém. Posso estar enganado. No caso, bom, e
quanto à careca, à calvície, à carequice dizem que há produtos que fazem nascer
cabelos. Então há que relativizar algo nesta afirmação de Aristóteles, se é que
faz mesmo. Eu nunca testei porque não importa. Como se diz em espanhol,
repepino que eu seja careca ou não careca.

Pois bem, tudo o que se opõe – passemos – tudo o que se opõe com
afirmação e negação é manifesto que não se opõe de nenhum dos modos
mencionados anteriormente, pois só nestes casos é sempre necessário que um
seja verdadeiro e o outro falso. Lembrem-se que a verdade e a falsidade entra
em jogo apenas na segunda operação do intelecto ou da razão, ou seja, na
composição ou divisão. Com efeito, nem os contrários, nem nos contrários é
sempre necessário que um seja verdadeiro e o outro falso, porque será
verdadeiro que um seja branco ou negro, ou seja, não tem sentido isto – branco
e negro estão na primeira operação do intelecto em que ainda não intervém a
falsidade e a verdade – nem no ad aliquid, nem na posse e privação. Por
exemplo: a saúde e a doença são contrários e nenhuma das duas é verdadeira
nem falsa. Vejam agora a validade daquilo que dissemos ao estudar as três
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operações do intelecto. Do mesmo modo, também o dobro e a metade se opõem


como ad aliquid e nenhum deles é verdadeiro nem falso. Como o dobro ou a
metade seriam verdadeiros ou falsos? Nem o que é segundo privação e
possessão. Por exemplo: a visão e a cegueira. Não é falso nem verdadeiro. É a
visão e a cegueira! Em resumo, nada do que se diz sem composição nenhuma
é verdadeiro nem falso e todo mencionado se diz sem composição.

Tudo quanto se diz sem composição ou divisão, ou seja, na segunda


operação do intelecto ou juízo, em nada do que se diz que não esteja aí se diz
segundo verdade e falsidade.

Tal coisa, no entanto, poderia parecer que acontece sobretudo nos


contrários que se dizem em composição. Com efeito, que Sócrates esteja
saudável é o contrário de que Sócrates esteja enfermo. Mas vejam que entrou o
verbo. Ao entrar o verbo, tem-se o juízo. Sempre que entra um verbo, qualquer
verbo. Como mostro na Suma Gramatical, todos os verbos se reduzem ao verbo
ser que é o verbo de ligação ou de cópula. Então, este que é o verbo próprio do
juízo, da composição e divisão, ser e não ser, todos os verbos se reduzem a ele,
razão porque, em todo e qualquer lugar onde haja verbo, qualquer que seja ter-
se-á composição ou divisão e estar-se-á na segunda operação do intelecto, ou,
no caso do raciocínio, quando se dá a argumentação, que se tem três
proposições, então cada uma delas será uma proposição: uma negação, ou
afirmação, uma composição ou divisão cada uma delas.

Mas tampouco nesses casos é necessário que sempre uma das duas
coisas seja a verdadeira e a outra falsa, pois, existindo Sócrates, será verdadeiro
um e falso o outro, mas, não existindo, as duas coisas serão falsas. Se eu digo
que Sócrates está doente ou que Sócrates está são, sadio, saudável, ambas
serão falsas se Sócrates não existir.

Muito bem, com efeito, nem que Sócrates esteja doente, nem que esteja
são, sadio, saudável, são verdade em si se, definitivamente, não existe Sócrates,
o próprio Sócrates.

No caso da privação e da posse, em contrapartida, se não existe Sócrates


nenhuma das coisas é verdadeira, mas, existindo Sócrates, nem sempre é
verdadeira uma das duas coisas. Com efeito, que Sócrates tenha visão se opõe
a que Sócrates seja cego, como privação e possessão, e, existindo Sócrates,
não necessariamente há de ser uma de ambas as coisas verdadeira ou falsa,
pois, em caso de que não tenha de modo algum a capacidade natural, ambas
serão falsas e, não existindo Sócrates, também serão falsas ambas as coisas,
ou seja, que tenha visão e que seja cego.

Este exemplo de Aristóteles é horroroso! Quando ele diz, repita-se – vocês


verão aí pela transcrição ou pela audição como melhor –, não necessariamente
há de ser uma de ambas as coisas verdadeira ou falsa, pois, em caso de que
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não tenha de modo algum a capacidade natural... (Mas como? Se Sócrates


existe tem a capacidade natural na visão. Ele confundiu aqui Sócrates com uma
pedra. Então o exemplo de Aristóteles é horroroso, é horroroso! Não se aplica.
Isso se aplica à pedra. A pedra não tem, naturalmente, visão, logo não se pode
dizer que ela tem privação de visão ou cegueira, não se pode dizer que uma
pedra é cega, mas sempre Sócrates, ou seja, todo e qualquer homem, todo e
qualquer ser humano terá a capacidade natural de visão, razão porque é sujeito,
é capaz da privação da visão ou cegueira). Mal exemplo de Aristóteles, vê-se a
dificuldade do texto aristotélico. Tudo isso reforça o que fossem esses opúsculos
certas anotações de Aristóteles, que isso é o que nos chegou. Não creio que o
Aristóteles, quando lançasse um livro, exotérico, para fora, que ele errasse
nessas coisas. Cícero dizia que ele tinha sido um grandíssimo escritor e, no
entanto, nada do que nos chegou dele é grandíssima escrita. Como diz Santo
Tomás, muitas vezes é obscuríssimo como no caso do Peri Hermeneias, às
vezes é obscuro como no caso dos segundos analíticos, e etc., etc. Os primeiros
analíticos, quem já tentou sem a ajuda de um mestre penetrá-los, sabe a
dificuldade imensa que implica a leitura dos Primeiros Analíticos ou Analíticos
Anteriores. A do segundo é tremenda! É tão difícil, são tão difíceis os Segundos
Analíticos que até Santo Tomás – que eu saiba, posso estar enganado – que eu
saiba nunca ninguém havia feito um comentário. Posso estar enganado. Pode
ser um baita engano meu, mas, que eu saiba, é Santo Tomás o primeiro a
enfrentar aquela selva tremenda que são os segundos analíticos. Pois bem, e o
faz de uma maneira tão preciosa! Quando estudarmos, veremos que o texto de
Santo Tomás se nos torna definitivo. Ele é definitivo para nós, é ele o que nos
ajuda a saber o que é ciência e, quando escrevamos um livro, o façamos
cientificamente. É claro que isso já estava em Aristóteles, mas de uma maneira
tão obscura que só Santo Tomás para extrair-lhe o sentido

Pois bem, no caso, em contrapartida, da afirmação e da negação, tanto se


existe como se não existe Sócrates – claro –, sempre um é verdadeiro e o outro
falso. Com efeito, entre que Sócrates esteja doente e que Sócrates não esteja
doente – se ele existe, Sócrates – está, é claro que uma das duas coisas será
verdadeira ou falsa e, de maneira semelhante, se não existe, pois, que ele esteja
doente, se não existe, é falso e, em contrapartida, que não esteja doente é
verdadeiro. Pessimamente escrito. De modo que só destas coisas será próprio
que sempre uma delas seja verdadeira ou falsa, a saber, tudo o que se opõe
como afirmação ou negação.

Pois bem, como ainda temos um tempinho, vou alterar meus planos e vou
ler também o próximo pós-predicamento, que são os contrários, um dos pares
de opostos. Vimos que os opostos são ad aliquid ou contrários, ou privação e
possessão, ou afirmação e negação.

Agora vamos especificamente aos contrários que, de todos estes, é o mais


importante. Os mais importantes são os contrários de todos os opostos.
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Pois bem, escreve Aristóteles: o contrário do bom é necessariamente mau.


Isto é evidente mediante a comprovação em casos, nos casos singulares. Da
saúde o contrário é a doença; e da justiça o contrário é a justiça; e da valentia o
contrário é a covardia; e de maneira semelhante nos outros casos.

Em contrapartida, em contrapartida, o contrário do mau umas vezes é bom


e outras vezes mau. Com efeito, da deficiência que é um mal o contrário é o
excesso, que também é um mal. Vejam que interessante! Deficiência de
coragem, excesso de coragem que é a temeridade, que também é um mal. Isso
nós veremos especialmente na Ética. Em efeito, da deficiência, da falta, do
defeito – defeito, em sentido etimológico quer dizer isso, não mal funcionamento;
é defeito, antes de tudo, falta, carência, deficiência – da deficiência, que é um
mal – um mal agora com ele, um mal – o contrário é o excesso que também é
um mal. De modo semelhante, o termo médio que é um bem é contrário de
ambos.

Qual é o termo médio da covardia e da temeridade? A coragem é o termo


médio, é o justo meio como veremos mais adiante.

Tal coisa, no entanto, se verá em poucos casos, enquanto, na maioria, o


contrário do mau é o bom. Isso precisa sistematização! Além disso nos contrários
não é necessário que, se existe um dos dois, exista também o outro. Com efeito,
estando todos sadios, existirá a saúde e não existirá a doença. De modo
semelhante, sendo tudo branco, existirá a brancura e não a negrura. Além disso,
se que Sócrates esteja saudável, sadio é o contrário de que Sócrates esteja
doente, não cabe a possibilidade de que as duas coisas se deem ao mesmo
tempo no mesmo. Isso seria ferir o princípio da contradição: o ente é e não pode
não ser ao mesmo tempo e pelo mesmo aspecto. Algo não é e não pode não ser
ao mesmo tempo e pelo mesmo aspecto. E não poderia ser que, existindo um
dos contrários, existisse também o outro, o restante, pois, sendo verdade que
Sócrates está são, sadio, não será verdade que Sócrates está doente. Este é
uma aplicação do princípio de contradição que é o princípio evidentíssimo, é o
primeiro dos primeiríssimos princípios evidentes da razão especulativa.
Voltaremos a isto.

É evidente que os contrários surgem por natureza em torno de uma coisa


idêntica, ou em espécie ou em gênero. Com efeito, a doença e a saúde surgem
no corpo do animal e a brancura e a negrura no corpo simplesmente (qualquer
corpo, a brancura ou a negrura, o que não quer dizer que surjam – relembre-se
– não quer dizer que um corpo seja sempre ou branco ou negro, ele pode ser
vários intermediários, mas entre a saúde e a doença, não há intermediário: ou
se é doente, ou se tem saúde).

Então, vamos lá? Em efeito, com efeito, a doença e a saúde surgem no


corpo do animal; a brancura e a negrura no corpo simplesmente, a justiça e a
injustiça na alma humana. E é necessário que todos os contrários estejam ou no
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mesmo gênero, ou em gêneros contrários, ou que sejam gêneros eles mesmos.


Com efeito, o branco e o negro estão no mesmo gênero, pois seu gênero é a
cor, enquanto a justiça e a injustiça estão em gêneros contrários, pois o gênero
daquela – da justiça – é a virtude, enquanto o gênero desta – a injustiça – é o
vício, e o bom e o mau – agora com “u” – não estão em um gênero, senão que
são eles mesmos gêneros de algumas coisas.

Pois bem, fico hoje por aqui, não vou sobrecarregá-los. Na próxima aula
ainda estudaremos o anterior, o simultâneo, o movimento e o ter os outros pós-
predicamentos e, depois de fazê-lo então, é que eu sistematizarei o conjunto dos
pós-predicamentos. Em princípio pretendo fazê-lo – pensando agora – pretendo
fazê-lo na próxima aula integralmente se não for sobrecarregá-los demasiado.
Mas hoje uma aulinha um pouco mais curta para compensar a aula mais árdua
passada, passada e muito obrigado pela atenção. Até nossa próxima aula.

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