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Estudos Jurídicos Críticos (CLS) e coerência

das decisões

Roberto Freitas Filho

Sumário
1. Introdução. 2. Uma palavra sobre o con-
ceito de Accoutability. 3. Os Critical Legal Studies.
4. CLS e coerência da perspectiva interna. 5.
Coerência da perspectiva interna. 6. Compa-
tibilidade da perspectiva interna de coerência
com a teoria crítica. 7. As palavras avaliatórias
e sua dimensão política. 8. Um caso exemplar.
9. Conclusões.

1. Introdução
O argumento do presente artigo consiste
na possibilidade de otimização, por meio de
um instrumento teórico-analítico, da teoria
jurídica crítica denominada Critical Legal
Studies (CLS). A despeito de sua especifici-
dade teórico-jurídica, o referido argumento
insere-se em um espectro mais amplo de
pretensão: a idéia de transformação do esta-
do de coisas. O presente trabalho inspira-se
no âmbito do macroprojeto transformador
progressista de esquerda, afirmação inicial
que justifica a utilização do movimento
teórico-político CLS.
É possível, por meio de um instrumento
como a lógica formal, denunciar relações de
poder presentes na atuação do poder judi-
ciário? É possível avançar num projeto de
radicalização da democracia participativa,
ampliando a accountability do poder judici-
ário, revelando inconsistências no processo
decisório que limitam a possibilidade de
Roberto Freitas Filho é Mestre/Doutor
– USP. Professor de Direito do Centro de Ensino conhecimento das razões decisórias? É pos-
Universitário de Brasília – UNICEUB. sível fazê-lo por meio de um instrumento

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analítico? Essas são as perguntas que deli- no exercício do poder deve ser passível de
neiam o escopo do presente trabalho. conhecimento coletivo e de crítica.
Partindo-se da idéia de que, de for- Embora o conceito de accountability
ma geral, há um déficit de participação tenha origem relacionada com o Poder
democrática nas instituições, e de forma Legislativo, sua aplicabilidade ao Poder
específica tal déficit ocorre com relação à Judiciário é amplamente reconhecida. Ac-
atuação do poder judiciário, o que interes- countability é um dos requisitos do Estado
sa, neste momento, é o trabalho dos juízes; de Direito segundo o qual ocupantes de
como se dá o processo decisório visto de cargos públicos devem responder pelas
uma perspectiva crítica. Se a transformação suas ações segundo regras jurídicas prees-
acontece por meio da conscientização e a tabelecidas e segundo as previsões legais
conscientização tem caráter emancipatório que determinam o limite do exercício do
(TRUBEK, 1984, p. 608), o sentido geral que poder pelos órgãos do Estado (DOMINGO,
anima e subjaz como pano-de-fundo do 1999, p. 151). O Judiciário é uma instituição
presente trabalho é, portanto, a tentativa central no que diz respeito à accountability
de demonstrar como as decisões são pro- dos demais poderes já que ele próprio exer-
duzidas e qual a repercussão do processo ce sobre os demais poderes o controle de
de elaboração de decisões na manutenção legalidade do exercício do poder. O próprio
do estado de diferenciação e de exclusão Judiciário, entretanto, deve também res-
sociais, de alocação social desigual de re- ponder por suas decisões de forma pública,
cursos materiais, sociais, políticos, culturais tendo em vista que exerce poder em nome
e simbólicos (SANTOS; RODRIGUES- da sociedade como um todo, devendo agir
GRAVARITO, 2005, p. 29). Essas questões com transparência e responsabilidade.
dão sentido ao argumento embora não Espera-se de um judiciário democrático
apareçam diretamente. e independente que seja imparcial e que
as decisões proferidas observem o critério
2. Uma palavra sobre o conceito de da racionalidade de suas fundamentações.
Accountability Assim, um mesmo tribunal não deve pro-
ferir decisões conflitantes ou sem sentido2.
A importância da aplicação do conceito O judiciário não pode exercer seu poder
de coerência às decisões judiciais diz res- de forma a decidir conflitos jurídicos em
peito à possibilidade de exercício crítico desrespeito à lógica, em inobservância de
em relação a elas. A apreciação pública dos fatos relevantes nem distorcendo fatos.
motivos constantes das decisões jurídicas A noção de accountability é, portanto,
é uma das formas mais eficazes de interação um antídoto em relação ao arbítrio e tem
entre os juízes e a sociedade. É para que haja como pressuposto o fato de que o judiciário
possibilidade de conhecimento dos motivos possui um enorme poder e deve ser publica-
que levam os juízes a julgar de determinada mente responsável (no sentido de responsi-
forma que as decisões devem necessaria- vo, ­accountable) (PERES-PERDOMO, 2005,
mente ser fundamentadas publicamente. A p. 130) pela forma como o utiliza (ROSSEN,
publicidade das decisões permite, portanto, 1987, p. 6). Vários são os meios pelos quais
o controle social do poder decisório, e o de- a responsabilidade pública do judiciário
ver que os decision-makers têm de atender pode ser instrumentalizada, como a fiscali-
ao princípio da coerência é estreitamente zação por instâncias superiores, por outros
relacionado com as idéias de transparên- setores do Estado externos ao judiciário ou
cia e de accountability1 dos atos dos que pela sociedade civil. No presente artigo,
detêm poder delegado pela sociedade. O o que nos interessa particularmente é a
que os juízes e os agentes políticos fazem possibilidade de que a sociedade conheça

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e critique as decisões, o que pressupõe uma movimento não teve por objetivo a apre-
fundamentação adequada (GARDEN, 1980, sentação de um novo modelo pronto de
p. 122). arranjo social e jurídico, mas pugnava pela
vigilância crítica com relação ao que os tri-
3. Os Critical Legal Studies bunais fazem com o direito. Nesse sentido
pode-se dizer que o projeto revolucionário
O exercício da crítica das decisões do ju- dos CLS é de natureza processual.
diciário somente é possível de forma plena Os CLS podem ser entendidos sob qua-
se as decisões são suficientemente claras. tro perspectivas diversas: a) o movimento
Criticar um projeto político que é veiculado chamado “CLS”; b) uma escola denomina-
por meio de uma decisão demanda que a da “CLS”; c) uma teoria jurídica chamada
decisão seja adequada e suficientemente “CLS” e d) um factóide midiático denomi-
motivada. Meu argumento no presente ar- nado “CLS” (KENNEDY, 1997, p.9). O que
tigo consiste na proposta de que a crítica às me interessa aqui são as perspectivas do
decisões judiciais feita pelos CLS pode ser movimento e da teoria jurídica chamados
potencializada se admitida a utilidade do de CLS. O movimento, pelo seu sentido
conceito de coerência na utilização da lin- de ação coletiva com uma determinada
guagem. O uso informativo da linguagem3 intencionalidade de reforma do status quo,
pressupõe um mínimo de racionalidade, e e a teoria, pelo conjunto das idéias que pres-
a coerência serve como um critério de aferi- supõe uma determinada explicação para o
ção de sentido racional de um discurso. fenômeno da aplicação das normas, e pela
Penso ser possível, nesta medida, uti- demarcação de um conjunto identificável
lizar uma ferramenta teórica analítica em de propostas, que faz com que haja um
prol dos Critical Legal Studies. O movimento discurso dos CLS e um discurso contra os
CLS, gestado nos EUA no fim da década CLS (KENNEDY, 1997, p. 10).
de sessenta e início da década de setenta Um dos objetivos principais do movi-
(GORDON, 1987, p. 196), no ambiente de mento é a denúncia das relações de poder
contracultura então vigente, tomou corpo a que subjazem às normas e à prática jurídica
partir de um evento acadêmico, engendra- e, embora a tradição dos CLS tenha sido
do por David Trubek e Duncan Kennedy, bem-sucedida em demonstrar as discrepân-
realizado na Universidade de Wisconsin, cias de poder entre atores sociais que estão
em Madison em maio de 1977, e tem como refletidas no direito em suas dimensões
idéias centrais a crítica ao liberalismo e normativa, cultural e institucional, a esta di-
ao positivismo formalista (GODOY, 2005, mensão crítica pode ser acrescida uma ou-
p. 9; UNGER, 1986, p. 1). O ataque teve tra analítica, de caráter instrumental, com
duas linhas distintas: a crítica à alienação objetivo propositivo6. Decorre daí a idéia de
produzida pela doutrina jurídica e a crítica que a teoria da linguagem e os princípios
desconstrutivista apoiada no realismo nor- da lógica formal podem ser instrumentos
te-americano, que pode ser sintetizada na úteis para mostrar as inconsistências argu-
idéia de “indeterminação” (GABEL, 2004, mentativas em decisões judiciais, cobrando
p. 48). O que torna os CLS importantes ­accountability do judiciário.
para a presente análise é que não apenas
se apresentou como um movimento teóri- 4. CLS e coerência da
co mas também assumidamente como um perspectiva externa
movimento político4, com uma agenda de
transformação da percepção de consciência Há duas formas possíveis de apreciação
individual e social5, o que confere pretensão de um determinado juízo: uma substan-
politicamente emancipatória ao mesmo. O tiva e outra formal. Fazer um juízo sobre

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a correção do conteúdo de determinada critiva, segundo a tradição interpretativista,
opinião é algo altamente problemático já aí entendidos autores como Robert Alexy,
que para isso teríamos de admitir algumas Ronald Dworkin e Neil MacCormick, por
regras morais substantivas. Uma aprecia- exemplo, a coerência tem papel central. Por
ção formal, diferentemente, pressupõe outro lado, sob uma perspectiva crítica, ex-
alguns princípios aplicáveis à linguagem, terna, a coerência é vista como um recurso
sem os quais não há inteligibilidade na discursivo de legitimação decisória10.
comunicação7. Dois princípios que dão Não utilizo o conceito de coerência da
sentido à comunicação entre sujeitos e que mesma forma em que ele é utilizado pelos
são constitutivos da linguagem como meio autores citados, na medida em que esses
de interação informativa são o princípio da propõem uma determinada metodologia
não-contradição e o princípio da identida- para a produção de decisões que pressupõe
de (ARISTÓTELES, 2004). O princípio da algum grau de objetividade de sentido nas
não-contradição determina que um mes- normas. Alexy (2001) trabalha com uma
mo sujeito não pode dizer sobre o mesmo série de normas de controle do método
objeto coisas distintas e conflitantes entre de produção de decisões que, embora
si, sob pena de comprometer a coerência formal, pressupõe o compromisso ético
da própria linguagem. O da identidade do julgador com um mínimo universal,
diz respeito ao fato de que um objeto pode como, por exemplo, a pressuposição de
apenas sê-lo e não algo distinto de si pró- boa-fé ao julgar, o que é incompatível com
prio. Assim, a coerência é um princípio da a proposta crítica dos CLS. Dworkin (2002)
linguagem prescritiva, tipo de linguagem imagina um mínimo valorativo, expresso
na qual o direito é inserto8. no compromisso de integridade, que deve
A transparência das decisões judiciais ser aceito como condição prévia para que
pressupõe a publicidade dos motivos se obtenha uma decisão correta. Por fim,
que levam o juiz a optar por uma deter- MacCormick (2003) trabalha com um mé-
minada decisão e, assim, a racionalidade todo descritivo do processo decisório que,
das decisões é passível de ser apreciada. embora formal, enseja a discussão sobre a
Tal racionalidade diz respeito a plausibi- correção material da decisão. Os CLS re-
lidade do argumento do ponto de vista jeitam completamente qualquer discussão
da utilização de uma forma inteligível e sobre correção de decisões, o que torna as
adequada, bem como de razões aceitas perspectivas teóricas antagônicas neste sen-
como aptas a justificar uma determinada tido. A utilização do conceito de coerência
decisão. O conceito de coerência, aplicado interna que faço não tem relação com a
à apreciação da plausibilidade do discurso idéia de decisão correta e não diz respeito
de fundamentação da decisão, permite a a nenhum conteúdo valorativo mínimo
verificação da racionalidade do discurso. ou qualquer correção material da decisão.
“Coerência”, entretanto, é um conceito que Minha utilização do conceito é relativa às
pode ser aplicado em mais de um sentido condições de intelegibilidade da linguagem,
e, portanto, é necessário esclarecer em qual em um nível bem mais básico do que se vê
sentido utilizo-o. na análise dos autores mencionados.
Em termos de análise do resultado da A crítica ao conceito de coerência feita
decisão do ponto de vista do seu conteúdo, pelos CLS não é endereçada aos princípios
e portanto da adequação de sentido da de- da utilização conseqüente da linguagem, o
cisão a um “sistema normativo”, o conceito que torna possível compatibilizar em um
de coerência pode ser encarado de duas nível fundamental o conceito de coerência
diferentes perspectivas: interna e externa9. com uma abordagem crítica, aceitando o
Em uma perspectiva interna, portanto pres- princípio da indeterminação.

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O conceito de coerência que é criticado o sistema jurídico é um sistema lógico auto-
pelos CLS é aquele que decorre do desen- referente em que sempre há uma resposta
volvimento da chamada “ciência do direi- certa para um problema decisório qualquer;
to” pela teoria alemã do século dezenove. b) do ponto de vista da teoria da linguagem
Segundo essa concepção de coerência, da moral, sob a perspectiva lógico-formal,
haveria princípios gerais no direito que a coerência é um conceito que supõe a
poderiam ser conhecidos por meio dos aplicação dos princípios de identidade e
métodos da ciência (indução e dedução) não contradição ao discurso de um emissor
e que conseqüentemente seriam codifica- qualquer. O primeiro sentido do conceito
dos, de forma tal que o direito poderia ser de coerência pode ser entendido a partir
expresso por meio de códigos sistemáticos da perspectiva externa de aplicação, e, no
e coerentes. Essa idéia de coerência está segundo, pode-se falar em coerência da
relacionada com o ideal de um sistema perspectiva interna.
coerente de normas, as mais fundamentais Na perspectiva dos CLS, a crítica à
sendo mais gerais e as mais específicas coerência pressupõe o primeiro sentido
sendo mais precisas. A teoria tem como do termo. Segundo essa visão12, as contra-
objetivo fornecer um método para que as dições da doutrina jurídica predominante,
decisões sejam produzidas de forma “cor- que advoga a existência de uma coerên-
reta”, possibilidade radicalmente negada cia lógica e de um “sistema” normativo,
pelos CLS, além de circunscrever o direito resultam necessariamente na idéia de
às normas positivadas pelo Estado. Tem-se, “indeterminação”. Assim, não existe uma
assim, um método e um objeto próprios da resposta certa ou uma decisão certa para um
ciência jurídica. problema jurídico. O conceito de Rule of
É de notar que uma concepção “cien- Law13, segundo os CLS, não existe na forma
tífica” de direito é alheia à tradição norte- em que a doutrina dominante entende. O
americana embora tenha influenciado o que existe é um ­Estado Político, no sentido
ensino jurídico do país no fim do século de que todas as decisões são essencialmente
dezenove e início do século vinte11. Para os políticas. Na medida em que é utilizado
estadunidenses, a “ciência jurídica” é algo como recurso de legitimação do modo de
distante de sua realidade, já que no modelo decidir aceito como válido, o conceito de
norte-americano a figura protagonista no Rule of Law serve à legitimação de um esta-
direito é o juiz, que é um solucionador de do de opressão e dominação. Outro ponto
problemas, e não um teórico. Ciência do de ataque dos CLS é relativo à capacidade
direito, ênfase na criação de um sistema da lei de constranger o exercício do poder.
jurídico, formalismo, limites à aplicação A idéia de que o poder pode ser limitado
da equidade são todos fatores que em tese pelo direito é um fetiche, pois o direito não
limitam a atividade do juiz como solucio- seria criado para limitar o poder daqueles
nador de problemas. O realismo norte- mesmos que o criaram. A idéia de Rule of
americano, do qual os CLS são tributários, Law serve para retirar poder dos indivíduos
surge no contexto do combate a tais idéias e como tal deve ser atacada (ALTMAN,
(MERRIMAN, 1985, p. 79). 1993, p. 15-16).
Nos limites do presente argumento, O projeto crítico-teórico dos CLS foi
portanto, desconsiderada a utilização de construído sobre quatro princípios: inde-
autores como os que chamei de interpreta- terminação (indeterminacy), antiformalismo
tivistas, o conceito de “coerência” pode ser (antiformalism), contradição (contradiction)
entendido de duas formas distintas: a) do e marginalidade (marginality) (TRUBEK,
ponto de vista dos CLS, a coerência é um 1984). O principio da indeterminação é
mito que serve a dar suporte à idéia de que aquele segundo o qual o direito não é sis-

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temático e não provê respostas normativas A “coerência” é criticada pelos CLS no
para todas as situações. Há um grau de sentido de que é inverídica e mistificadora a
indeterminação nas normas jurídicas que afirmação de que um sistema jurídico pode
tem necessariamente de ser suprido pela ser coerente, e que essa coerência estaria
subjetividade do julgador14. O princípio relacionada com a possibilidade de que
do antiformalismo diz respeito à negação uma dada decisão seja tida como “correta”
de uma pretensa neutralidade racional do (=coerente) (TRUSHNET, 2001, p. 100)17.
processo decisório. Formalismo é entendi- A afirmação de que as decisões jurídicas
do como um método decisório, segundo são a expressão de opções políticas tem,
o qual é possível decidir por meio de para os CLS, um caráter de denúncia, de
dedução lógico-formal15. O princípio da explicitação de uma estratégia de mistifi-
contradição significa que o direito reflete cação do discurso jurídico, na medida em
a luta ideológica na tentativa de prevalên- que pretende enfatizar o fato de que as
cia de um determinado modo de ver as decisões jurídicas são o produto da vontade
relações humanas. Por fim o princípio da do julgador e, assim sendo, a idéia de que
marginalidade significa que o direito não há um descompromisso com o resultado do
é visto como decisivo para a determinação processo decisório é falsa. Os CLS utilizam
do comportamento social. o conceito de coerência como instrumento
O princípio que interessa analisar es- retórico para mostrar discrepâncias na
pecificamente é o da indeterminação, já teoria jurídica predominante18. A teoria
que é fundamentalmente dele que decorre crítica, assim, analisa o direito de uma
a proposição de que as decisões não são perspectiva externa correlacionando-o com
controláveis e é com esse princípio que a a ação social.
coerência deve-se compatibilizar para que Do ponto de vista teórico, os CLS cri-
minha proposta neste trabalho faça senti- ticam o projeto liberal norte-americano e
do. Um dos argumentos centrais dos CLS afirmam que a doutrina jurídica aceita e
para a crítica da coerência no direito é o de reproduzida modelarmente – chamada de
que as normas jurídicas são expressas em “doutrina dominante” – cumpre uma fun-
linguagem natural, portanto em linguagem ção de alienação tanto dos próprios prati-
polissêmica, imprecisa, inerentemente cantes quanto dos indivíduos. A “doutrina
indeterminada. Quando alguma norma dominante” funciona instrumentalmente
tem de ser aplicada, o processo decisório a impedir seletivamente a discussão de
por meio do qual isso é feito nunca é um certos temas e de esquemas sociais diversos
processo puramente racional e, portanto, é daquele que é estabelecido. Para os CLS,
ideologicamente condicionado16. Se as pala- faz-se necessário o questionamento dessa
vras são, em certa medida, indeterminadas, forma dominante de pensamento e prática
assim também as leis o são. Dessa afirmação jurídicos19.
segue que não existe possibilidade de que Do ponto de vista político, o projeto
uma decisão qualquer para um problema dos CLS visa à afirmação de um contra-
jurídico qualquer seja logicamente correta programa social de transformação, e para
e assim chega-se à conclusão de que as tanto propõe a desmistificação do discurso
decisões jurídicas são o produto de uma jurídico como algo que não é puramente
escolha pessoal daquele que julga. Se não racional (ato de conhecimento) e que fun-
há como determinar a “correção” de uma ciona como o veículo legitimador de um
determinada decisão, e se as decisões ju- modo de decidir que, em última análise,
rídicas são sempre a expressão da opção tem a função política de manter o estado de
pessoal daquele que julga, a decisão será dominação de um grupo social (aqueles que
sempre o resultado de uma opção política. detêm poder) sobre outro (aqueles que não

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o detêm). Uma das constantes afirmações decisório, na medida em que, ao proceder
dos chamados “crits”20 é que o direito e as a uma decisão, o julgador inexoravelmente
“ciências políticas” (policy sciences) não têm impregna sua ideologia no resultado do tra-
um conjunto de técnicas e instituições que balho. Essa alternativa à doutrina dominan-
possam resolver o problema social da do- te é chamada de “doutrina desviacionista”
minação. Sustentam também que o discurso (deviationist doctrine), que visa à afirmação
jurídico predominante, que se baseia nos emancipatória dos que não detêm o poder
conceitos de racionalidade técnica, efici- jurídico (UNGER, 1983, p. 15-42).
ência e inexorabilidade da ordem política A indeterminação pode ser também ex-
e econômica como posta, é um discurso de plicada pela afirmação de que a predicação,
poder, pois, além de ser imposto por meio o ato de julgar, é sempre uma ação estraté-
de uma estrutura institucional que permite gica, não importando se busca um sentido
o uso da força, seu campo de atuação é prer- normativo dentro de um quadro (frame) de
rogativa daqueles que conhecem e operam possíveis significações (KELSEN, 1991) ou
tal discurso, o que o torna excludente e em uma área de penumbra (HART, 1996).
instrumental21. Resultado da influência do A questão da previsibilidade das decisões
realismo norte-americano no projeto dos não é fundamental para o projeto crítico,
CLS é a critica ao formalismo (SINGER, mas sim a idéia de que o direito é uma
1988), entendido como o método segundo arena de lutas políticas em que diferentes
o qual as questões jurídicas podem ser ideologias competem. O trabalho de defi-
resolvidas por meio de dedução, excluídas nição do sentido normativo de uma norma
as considerações relativas a políticas, a não qualquer é um trabalho político e assim
ser que alguma norma assim determine. deve ser explicado. Negar essa dimensão
A aplicação do método dedutivo na pers- do fenômeno jurídico é mistificá-lo, e assu-
pectiva do formalismo jurídico resulta no mir o ato de julgar como um ato neutro é
encobrimento das reais razões segundo negar a conflituosidade política inerente ao
as quais uma questão é decidida. Há uma direito, o que é eticamente inaceitável. Não
inexorabilidade de que sejam feitas consi- somente as normas, mas o próprio direito
derações políticas no processo decisório, é, assim, indeterminado, pois os significa-
o que permite introduzir considerações dos normativos e a ideologia de quem os
ideológicas e preferências pessoais na de- determinam também o são (KENNEDY,
cisão, considerações estas que ficam “mas- 2005; 1990, p. 805).
caradas” sob a aparência de uma decisão Embora os CLS tenham atacado firme-
neutra (KENNEDY, 1997, p. 111). mente o formalismo jurídico, a crítica à
O projeto teórico que acompanha o pro- idéia de coerência independe do tipo de
jeto político se apóia na noção de “indeter- raciocínio aplicável à decisão, e é feita ao
minação” e na necessária inter-relação entre argumento posto tanto na forma dedutiva
o intérprete e a norma, o que poderia apro- quanto na forma de adequação a políticas.
ximá-lo de uma perspectiva hermenêutica. A idéia de que a existência de uma “respos-
Todavia, a afirmação da complexidade da ta certa” é possível é combatida com base
relação entre intérprete e texto não é vista no fato de que as decisões são a expressão
como uma questão a ser investigada na de um projeto político e não de um ato
perspectiva da previsão do resultado de tal de puro conhecimento. O argumento de
interação, nem como um ponto de partida política, em oposição ao argumento deduti-
para a investigação sobre a descrição de um vista, é aquele que se processa por meio da
método decisório22. O conceito de indeter- consideração de certas conseqüências que
minação funciona, portanto, como veículo provavelmente advirão do resultado da de-
denunciador da inerente politização do ato cisão. Se tais conseqüências realizam uma

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determinada finalidade de política pública, deduções, ou como o conjunto de normas
então a “resposta certa” foi encontrada. No que expressam direitos e políticas a serem
argumento de política, a dedução a partir atingidos. Embora seja procedente a crítica
de uma determinada norma não resolve dos CLS ao conceito de coerência em tal for-
satisfatoriamente a questão a ser decidida, matação, não é esse conceito que utilizarei
devendo necessariamente entrar em jogo em minha proposta crítica.
no processo decisório a consideração de A coerência, no sentido até aqui descrito,
razões não dedutivas, standards e objetivos constitui um recurso retórico de legitimação
coletivos a serem atingidos. Dworkin, por ideológica que se expressa nas decisões judi-
exemplo, propõe um método de decisão ciais e na doutrina dominante. O chamado
que é severamente criticado pelos CLS na “mito” da coerência dá suporte às seguintes
medida em que implica a idéia de uma idéias: a) que o direito é um sistema lógico
“resposta certa”23. A figura do juiz Hercules completo e coerente; b) que julgar é um pro-
é criticada pelos CLS, pois entendida como cesso lógico dedutivo no qual as premissas
uma ferramenta inadequada para explicar não são problemáticas; c) que o responsável
o processo decisório já que, na verdade, as pelo resultado concreto de um julgamento
decisões sobre o melhor resultado não são qualquer não é aquele que julga, mas aquele
exclusivamente produto de considerações que fez a lei. Seguida essa lógica, se o resul-
racionais, mas expressão de preferências po- tado do julgamento for, por hipótese, desas-
líticas idiossincráticas24. Assim sendo, tanto troso, não há que se culpar quem decidiu
em um argumento dedutivista quanto em daquela forma, mas sim quem fez a lei tal
um argumento de políticas haveria a falsa como ela é. Assim, a lei é responsável pelo
assunção de uma ontologia implícita. É con- resultado, não o juiz. A idéia de que o direito
tra essa idéia, de que há uma essencialidade é um sistema de regras com sentido auto-
no conceito de “correção” das decisões, que evidente e que estas podem ser aplicadas
se manifestam os CLS. Não é combatida a mediante o processo lógico-dedutivo, em
afirmação de que o raciocínio jurídico segue que a premissa maior (a norma) possui um
a forma dedutiva, mas sim a idéia de que sentido objetivo único, encobre a realidade
existe uma coerência sistemática no direito política do julgamento.
que pode ser apreciada no resultado do A crítica dos CLS me parece correta, mas
processo decisório (KENNEDY, 1997). é importante sublinhar que ela não implica
O sentido do conceito de coerência utili- uma radical negação da possilibidade de ra-
zado pelos CLS é, portanto, relativo a idéia cionalidade nas decisões. Os CLS adotam a
de que um pretenso sistema jurídico pro- descrença metódica na possibilidade empí-
porcionaria decisões “corretas” se conside- rica de “correção” das decisões judiciais ou
rados os aspectos “corretos” envolvidos em num tipo de universalismo de valores, mas
uma determinada questão a ser decidida. não propõem o ceticismo radical. Embora a
A coerência é, nesse sentido, um conceito postura crítica pressuponha a constante ten-
relativo a um sistema de normas que possui tativa de desmistificação do discurso e da
um sentido coeso e que deve ser observado, prática jurídicos, a idéia de que as decisões
se aplicado o método correto. sobre conflitos devam ser tomadas pelo ju-
Em tal perspectiva, a coerência é rela- diciário ainda parece ser institucionalmente
cionada à idéia de que há uma correção a alternativa menos imperfeita25.
objetiva de uma determinada resposta cujo Se a aplicação de normas jurídicas é um
critério de avaliação é o seu cotejo com o ato político, é possível cobrar do judiciário
sentido das normas e do sistema normativo, algum tipo de coerência em nome da expec-
seja o sistema considerado como o conjunto tativa de racionalidade e previsibilidade do
ordenado de normas aplicáveis por meio de sentido normativo das decisões? Aceitar a

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indeterminação é aceitar a impossibilida- A coerência interna é, assim, aquela que
de de qualquer controle sobre as decisões se espera de um sujeito emissor que profere
judiciais? Se as respostas a essas perguntas mensagens e que quer ser entendido de
forem as de que não há possibilidade de forma satisfatória. Para tanto, quanto mais
qualquer controle ou apreciação racional precisa for a utilização das palavras, quanto
sobre as decisões judiciais e que não é pos- mais correta a organização gramatical da
sível cobrar racionalidade do judiciário, mensagem e quanto mais agradável for o
então o projeto dos CLS ter-se-á esgotado estilo, maior será a chance de sucesso da
em seu próprio limite de denunciar o status comunicação. Por exemplo, quem diz que
quo26. Penso que não seja esse o caso. algo é um livro não pode simultaneamente
dizer que o mesmo objeto é um copo sem
5. Coerência da perspectiva interna que apareça desde logo a incoerência da
mensagem. Haverá, evidentemente, casos
Penso haver três possíveis respostas em que o conceito será passível de debate
para a pergunta sobre a existência de ou a própria inserção do objeto em uma ou
racionalidade nas decisões jurídicas: 1) outra classe de objetos será um procedi-
As decisões são totalmente controláveis e mento altamente questionável e dependerá,
racionalmente fundamentadas; 2) As deci- em grande parte, do sistema geral constru-
sões são absolutamente irracionais e são os ído por uma determinada comunidade de
produtos da mera preferência pessoal dos indivíduos comunicantes.
juízes; 3) As decisões são produzidas com De forma bastante sintética, quem
algumas constrições à total irracionalidade afirma que um determinado objeto é x não
na medida em que as normas permitem al- pode ao mesmo tempo afirmar que o tal
guma previsibilidade e são fundamentadas objeto é não-x ou que é um terceiro obje-
com argumentos racionais. to qualquer. Proferimentos simultâneos
A terceira resposta explica de forma contraditórios são incoerentes e rompem
mais precisa o que ocorre em uma decisão o sentido da comunicação, conforme deter-
judicial. Há como verificar a racionali- mina o princípio lógico da não-contradição.
dade das decisões jurídicas, embora elas O mesmo ocorre quando algum sujeito
não sejam somente o produto de atos de afirma que um determinado objeto, em
conhecimento racionais. Uma segunda uma determinada situação, deve receber
perspectiva de conceituação de coerência um determinado predicado, e, ao mesmo
é aquela voltada para as condições de tempo, afirma que tal objeto não deve re-
racionalidade do uso da linguagem. A lin- ceber o mesmo predicado. Isso somente faz
guagem utilizada no sentido informativo sentido em uma situação em que alguma
(não se trata, portanto, do uso poético) tem (ou algumas) condição considerada em tal
na coerência um princípio que constitui a predicação tenha-se alterado, o que deve
possibilidade de interação intersubjetiva ser informado para que haja possibilidade
bem-sucedida. Quem afirma algo (o emis- de inteligibilidade da mensagem. A coerên-
sor) tem em mente que aquele que recebe cia interna do uso da linguagem é, portanto,
a mensagem (o receptor) entende o que condição de possibilidade de inteligibilida-
está sendo dito, pois compartilha de forma de do discurso informativo.
geral do mesmo conhecimento de sentido
relativo às palavras que são utilizadas em 6. Compatibilidade da perspectiva interna
uma determinada mensagem (semântica) e de coerência com a teoria crítica
também compartilha do conhecimento de
como as palavras são utilizadas naquela Qual o benefício da utilização do con-
linguagem (gramática)27. ceito de coerência interna no âmbito de

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uma teoria crítica como os CLS? Qual a das relações de poder e conseqüentemente
importância da diferença dos conceitos de discussão sobre a alocação desse poder.
coerência externa e de coerência interna Uma das práticas que resulta no encobri-
para tal teoria? mento das opções políticas de determinado
O conceito de coerência, visto da pers- julgador é decidir utilizando conceitos
pectiva interna da linguagem, é perfeita- avaliatórios (prescritivos) como se fossem
mente compatível com a teoria crítica, na descritivos, o que permite a esquiva do
medida em que, sendo um conceito formal, dever de fundamentação das decisões com
que serve como critério de apreciação lógica a simples menção a um conceito avaliatório
do discurso jurídico, não é incompatível presente em uma norma, como se tal concei-
com a crítica à idéia de correção de resul- to tenha sentido descritivo auto-evidente,
tados das decisões. A coerência interna partindo daí para a conclusão.
diz respeito a um nível de racionalidade Um exemplo do uso cotidiano da lin-
da linguagem que está em posição meta- guagem que ilustra tal procedimento é
crítica em relação à crítica da coerência alguém dizer que um jogador de futebol
normativa sistêmica, objeto de ataque dos é um “bom jogador”. Se todos nós, na
CLS. A coerência interna, além de não ser qualidade de receptores de tal mensagem,
incompatível com o projeto crítico, pode ser tivermos o direito de conhecer os critérios
um poderoso instrumento revelador das que determinaram avaliação envolvida no
práticas políticas dos julgadores, na medida juízo sobre o jogador, o que acontece no
em que possibilita a análise do sentido do caso das decisões judiciais, o emissor de tal
discurso de justificação das decisões. juízo deve dizer quais os critérios descriti-
A crescente complexidade das formas vos determinaram tal afirmação. A razão
pelas quais as relações sociais se expressam pela qual não é admissível a utilização de
implica a utilização, também crescente, um conceito avaliatório para justificar uma
de conceitos semanticamente abertos que determinada decisão é que o emissor estará
permitam ao aplicador da norma, no caso incorrendo em uma petição de princípio,
concreto, sua adaptação às circunstâncias dizendo, para continuar a ilustrar com nos-
fáticas. Sendo a linguagem imprecisa e a so exemplo, que um jogador de futebol x é
lei indeterminada, é impossível determinar um bom jogador porque ele “dribla bem”.
um sentido unívoco para as palavras com Mas, afinal, o que significa driblar “bem”?
as quais as normas são redigidas. É por essa Alguém que queira verificar a coerência
razão (e não apesar dela) que o conceito de da avaliação feita por um crítico de futebol
coerência interna é útil para uma teoria sobre dois jogadores tem de saber quais
que busca denunciar as relações de poder critérios foram utilizados para se chegar
expressas nas decisões jurídicas, na medi- a tal conclusão, e tais critérios têm de ser
da em que, ao dar sentido à norma, o juiz descritivos, sob pena de que a avaliação
expressará suas preferências. fique sujeita à consideração de elementos
Os CLS defendem a idéia de que, se as não completamente revelados.
contradições e incoerências teóricas e polí- O emissor terá o dever de dizer que o
ticas embutidas nos discursos daqueles que jogador é um bom jogador porque, por
detêm o poder forem demonstradas, “trazi- exemplo, a) é mais veloz do que os demais;
das à luz”, isso poderá colaborar com pro- b) joga em mais jogos do que os demais
cesso de transformação social em direção a (portanto se contunde menos); c) acerta
um estado de coisas mais justo em termos mais vezes os chutes em gol do que os
de distribuição de poder, de recursos so- demais; d) acerta mais passes para os com-
ciais e de participação democrática. Isso se panheiros do que os demais jogadores etc28.
dará à medida que houver conscientização Somente com a explicitação dos critérios

50 Revista de Informação Legislativa

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descritivos sobre aquele que está sob análi- funcionamento da linguagem prescritiva,
se, é possível verificar se um outro jogador, especialmente diferenciando dois tipos de
submetido ao mesmo tipo de julgamento, palavras e seus significados lógicos: pala-
está sendo julgado imparcialmente, ou vras descritivas e palavras avaliatórias. O
seja, isonomicamente. Caso contrário, nada ponto central da teoria diz respeito aos mo-
impede que um determinado comentarista tivos que fundamentam a ação humana e a
de futebol, que não é simpático a um deter- investigação do papel da razão nos juízos
minado jogador, diga que o mesmo não é valorativos30.
um “bom jogador”, mesmo que este tenha A linguagem da moral é prescritiva,
resultados similares àquele jogador que assim como também o é a linguagem
inicialmente havia sido avaliado como um jurídica. O modo imperativo, próprio da
“bom jogador”. linguagem prescritiva, é expresso na forma
O fato de o julgamento ser um ato de comandos e tal característica aproxima,
político e de o processo decisório estar portanto, a linguagem da moral à lingua-
sujeito a influências políticas, econômicas e gem jurídica. A utilidade da teoria de Hare
idiossincráticas pode levar aquele que lida para os fins deste trabalho é que, por meio
com o direito a tornar-se cético e lançá-lo dela, é possível identificar o problema
ao imobilismo, no sentido de que, se o jul- da complexidade da fundamentação de
gamento é meramente um ato de vontade decisões, especialmente no que concerne a
sem nenhum tipo de controle racional, expressões com alta margem de imprecisão
nada há a fazer a não ser jogar a “loteria” em seu sentido avaliatório.
das decisões do Judiciário ou abster-se de Ponto central no prescritivismo uni-
ter contato com este mundo de resultados versal é que o significado das palavras
de representações pessoais dos julgadores. está ligado a como elas são utilizadas no
Por outro lado, uma ferramenta teórica de discurso prescritivo. O significado não é
otimização (ao menos do ponto de vista somente a adequação de um sentido ao qual
formal) do direito pode ser utilizada de a palavra é referente (relação significante
forma combativa, teoricamente potente, – significado), mas é também determinado
politicamente engajada. pelas regras que regulam o seu uso.
O que sustento é, portanto, a possibili- Na linguagem natural, as palavras 31
dade de unir uma abordagem analítica com possuem uma “textura aberta” e a aplicação
uma outra, de natureza crítica (os CLS), de normas jurídicas revela toda a comple-
tendo como objetivo propor um modo de xidade decorrente dessa característica. As
otimização do direito em resposta à crítica regras de utilização das palavras dão con-
feita ao movimento de que não há aplica- sistência ao seu uso prático, o que permite
bilidade prática decorrente de seu projeto inteligibilidade entre os falantes (HARE,
teórico de denúncia das relações de poder 1963, p. 5)32. A questão que discuto não
que subjazem as decisões jurídicas. diz respeito ao problema da aplicação de
normas inerente a esse tipo de indetermi-
7. As palavras avaliatórias e nação, decorrente da natural polissemia
sua dimensão política das palavras, mas diz respeito a um tipo
de palavra que tem uma função específica
Apresento a teoria da linguagem moral no discurso prescritivo: a chamada “pa-
com a qual eu penso ser possível avançar lavra avaliatória”33. Julgar é um processo
no projeto crítico dos CLS: o Prescritivismo extremamente complexo devido a várias
Universal. Essa teoria foi desenvolvida por razões, inclusive aquelas apresentadas
Richard Hare29, na segunda metade do sé- pelos CLS relativamente à indeterminação.
culo vinte, e tem como objetivo explicar o A complexidade do processo de elaboração

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de juízos é aumentada quando as normas à coerência no uso da linguagem. Todas
a serem aplicadas são expressas por meio as coisas que forem de tal cor, tendo cha-
de palavras que têm função avaliatória. mado a tal cor de um determinado nome,
Em julgamentos realizados com base em deverão, em nome da coerência lógica e da
normas expressas por meio de palavras não-contradição, merecer a mesma qualifi-
avaliatórias, aparecem com maior clareza cação universalmente. Ao afirmar algo, o
os posicionamentos políticos dos julgado- sujeito falante se compromete com a futura
res, já que, ao dar sentido a tais palavras, utilização da palavra (HARE, 1963, p. 12).
aquele que o faz deve optar por certos prin- As palavras34 avaliatórias são aquelas cujo
cípios relativos a conceitos como “justiça”, significado é relativo à qualificação de um
“mercado”, “mérito” etc. Por outro lado, determinado objeto e não à descrição de
se o julgador não explicita adequadamente um objeto. O significado é dado, portanto,
suas opções valorativas ao aplicar normas em relação a sua função lógico-semântica
com palavras avaliatórias, verifica-se um no discurso.
déficit de fundamentação na decisão. Em A complexidade do uso de palavras ava-
outras palavras, dizer, por exemplo, o que liatórias em discursos se revela na medida
vem a ser uma “cláusula contratual de con- em que, sendo qualificadoras de outros ob-
sumo de acordo com a boa-fé” pressupõe jetos, seu sentido é sempre referente a uma
a explicitação de um tipo de conceito de situação. Tal característica importa em que
mercado, de consumidor e de expectativa a utilização de palavras avaliatórias é mais
de comportamento das partes no contrato. complexa do que a de palavras descritivas,
Um juiz mais liberal (no sentido econômico cujo sentido é verificado por meio de uma
do termo) julgará diferentemente de outro relação de adequação entre o significante e
com visão mais protetiva do consumidor e significado, sendo que nesta a denomina-
essa distinção ficará mais clara quanto mais ção do objeto é puramente convencional35.
se puder ter acesso às razões que determi- Considerando que a aplicação do conceito
naram o julgamento. de universalidade dos juízos tem relação
A análise da coerência das decisões com o princípio lógico da não-contradição
supõe a idéia de universalidade dos juí- e sendo o significado das palavras avaliató-
zos. Aquele que diz algo em determinada rias situacional, a dificuldade de apreciação
situação deve, por dever de coerência, as- de coerência em um discurso em que são
sumir a mesma posição, dada uma situação utilizadas palavras avaliatórias é maior do
semelhante. O conceito de universalidade que em palavras descritivas. O problema é
dos juízos é central para a compreensão relativo à utilização dos princípios da lógica
do prescritivismo universal. Os juízos formal aplicados à linguagem (HARE, 1996,
que fazemos sobre as coisas podem ser de p. 26). As palavras avaliatórias têm por
natureza descritiva, e os predicados em tal função qualificar algum objeto aprecian-
juízo serão descritivos (HARE, 1963, p. 10). do positiva ou negativamente o mesmo.
Da mesma forma como acontece nos juízos São palavras como “bom”, “excessivo”,
morais, os juízos descritivos têm como “bonito”, “adequado” e expressões como
característica serem universalizáveis. Há “boa-fé”, “excessivamente oneroso”, “valor
uma característica lógica das afirmações razoável”, “negócio justo” etc.
tanto morais quanto factuais, que lhes é A prescritividade é, por sua vez, um
comum. Por exemplo, se alguém diz que princípio regulador da ação do sujeito, ou
um determinado objeto é de cor azul, outro seja, ela expressa o caráter de compromisso
objeto que possua a mesma característica do individual com um determinado juízo pro-
anterior, no aspecto relevante “coloração”, ferido. O caráter lógico da prescritividade
deverá ser chamado de azul, em respeito está no fato de que aquele que profere um

52 Revista de Informação Legislativa

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juízo sincero deve estar comprometido que determinam o significado da palavra
com a adoção das conseqüências da ação bom utilizada em conjunto com o objeto au-
realizada, estando o agente em qualquer tomóvel. A implicação desse fato no direito
posição, mesmo a daquele que venha por- consiste em que as decisões jurídicas devem
ventura a sofrer conseqüências negativas necessariamente ser fundamentadas de
(HARE, 1996). forma que os critérios para a utilização de
As palavras de valor não se distinguem palavras avaliatórias sejam publicamente
das palavras descritivas pelo fato de serem explicitados, na ratio decidendi, de forma
imprecisas. Por oposto, uma similaridade descritiva. Caso a decisão não seja funda-
entre as palavras descritivas e as palavras mentada por meio de critérios descritivos
de valor consiste no fato de que tanto pa- aplicáveis a palavras avaliatórias, ter-se-á,
lavras como, por exemplo, “vermelho”, como dito anteriormente, uma “petição de
que tem um sentido descritivo, quanto princípio”, como por exemplo a fundamen-
“bom”, usada para descrever um “bom tação da afirmação de que um automóvel
automóvel”, são imprecisas em seu uso é “bom” porque tem um “bom” motor. O
(ULLMANN, 1964). A polissemia (assim problema da fundamentação sobre o que é
como a vagueza ou a imprecisão) não é um carro bom apenas foi transferido para
uma característica que diferencie as pa- um aspecto do carro, conceito que per-
lavras descritivas das palavras de valor manece impermeável. Afinal, o que é um
(ULLMANN, 1964, p. 123). O padrão para “bom” motor? Aí se encontra o risco de que
se determinar o que é a cor vermelha ou o a ideologia seja escamoteada na decisão.
que é um bom automóvel é normalmente O resultado prático dessa distinção e a
impreciso. Tal fato é importante, pois uma sua relevância para a presente discussão
das diferenças entre as normas formuladas deve-se ao fato de que uma das formas de se
por meio de palavras descritivas e as for- exigir transparência nas decisões judiciais é
muladas por meio de palavras avaliatórias36 cobrar dos juízes que explicitem na funda-
apontada de forma recorrente é a vagueza mentação das decisões quais os elementos
ou imprecisão semântica dos textos nor- descritivos que conformam os critérios para
mativos que as compõem. Dizer, portanto, a utilização de palavras avaliatórias.
que normas escritas com palavras de valor Vejamos um exemplo de aplicação de
são mais imprecisas não descreve adequa- normas expressas com palavras avaliatórias
damente o aspecto mais importante para a e como é possível cobrar do judiciário que
diferenciação de tais tipos de normas, já que as decisões sejam proferidas em observân-
em ambas a linguagem é polissêmica, vaga cia à coerência interna.
e imprecisa. O que diferenciará as normas O artigo 6o, V, segunda parte, do Códi-
formuladas com palavras descritivas das go de Defesa do Consumidor (Lei Federal
formuladas com palavras avaliatórias é a 8.078/90) é formulado por meio de uma
função lógica das palavras que as compõem expressão avaliatória que enseja as dificul-
(BASTOS, 2002, p. 124). dades e os riscos apontados.
A complexidade em julgar aplicando “Art. 6o São direitos básicos do
normas formuladas por meio de palavras consumidor:
avaliatórias está no fato de que, como seu ...
significado não expressa algo que se ma- V – a modificação das cláusulas
nifesta no mundo fenomênico, os critérios contratuais que estabeleçam presta-
para determinar seu significado são muito ções desproporcionais ou sua revisão
variáveis. Assim, quem diz que um auto- em razão de fatos supervenientes que as
móvel é um bom automóvel tem implícito tornem excessivamente onerosas;” (grifo
a essa afirmação um conjunto de critérios nosso)

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Expressa em forma lógica e completada A idéia de coerência liga-se, como
com os termos que dariam um sentido em visto, à de isonomia, princípio de justiça
acordo com o microssistema de defesa do segundo o qual sujeitos com características
consumidor, a sentença imperativa seria: semelhantes e em situações semelhantes
Se: em um contrato de fornecimento devem merecer tratamento semelhante.
de produto ou serviço houver uma cláu- Esse é também um princípio característi-
sula contratual excessivamente onerosa co da linguagem da moral que permite a
para o consumidor que assim venha a apreciação lógica dos juízos. Embora não
ser considerada por ter origem de fato haja um conteúdo único possível e deter-
superveniente ao momento da realização minado para um juízo moral ou jurídico, a
do contrato lógica não permite que se adotem padrões
Então: haverá revisão judicial de seu inconsistentes e que se realizem juízos dis-
conteúdo para que se restaure o equilíbrio crepantes para situações semelhantes37.
anteriormente existente O significado das palavras de valor é
É importante notar que a conduta deter- prescritivo e, de acordo com esse signifi-
minada pela norma ao fornecedor aqui não cado, não é aceitável, dos pontos de vista
aparece totalmente revelada, na medida em ético e lógico, que um mesmo sujeito profira
que seu dever é, ocorrida a mudança das juízos diferentes para situações idênticas sem
condições com a conseqüente onerosidade que se perca a idéia de isonomia e, portanto,
excessiva, alterar o conteúdo da cláusula a coerência moral ou jurídica do juízo. Um
para que seja preservado o equilíbrio juízo lógico deve ser sempre universal, ou
contratual. Por ora, é importante verificar seja, um mesmo tipo de decisão deve ser
que, nessa máxima imperativa, existe uma proferida para um mesmo tipo de problema,
expressão problemática do ponto de vista ceteris paribus38.
hermenêutico, justamente porque não
possui a natureza de uma palavra descri- 8. Um caso exemplar
tiva: “cláusula contratual excessivamente
onerosa”. O problema está em que não Há um julgado que exemplifica a com-
há como proceder a uma estabilização plexidade da apliação de normas abertas
semântica prévia à aplicação de tal norma e no qual se materializa o problema a ser
relativamente aos termos que funcionam tratado, o caso do leasing, o qual passo a des-
como palavras de valor, como é o caso de crever. Após um período hiperinflacionário
“onerosidade excessiva”. e de inúmeras tentativas de resolver tal
No processo de aplicação da norma, o problema, o Brasil, em meados da década
juiz terá de demonstrar, em termos descri- de noventa, finalmente conseguiu controlar
tivos, os critérios utilizados para formular o a inflação. A eleição de Fernando Henrique
juízo de que uma determinada situação do Cardoso decorreu, em grande parte, do
consumidor é considerada excessivamente reconhecimento do sucesso de medidas
onerosa. No momento da fundamentação antiinflacionárias que resultaram em um
apresentada pelo juiz para embasar a deci- ambiente propiciador, no mercado, de um
são, ele revelará suas preferências pessoais, grau razoável de previsibilidade econô-
seus valores, seu modo de ver o mundo mica, levando ao aumento do consumo
de forma mais explícita, ao demonstrar de bens de valor alto, para os quais era
efetivamente tais critérios. Quanto mais necessária a obtenção de crédito.
justificada for a decisão, mais clara ficará a Nesse ambiente político e econômico,
opção política do juiz e mais visíveis ficarão surgiu a possibilidade de os consumidores
as eventuais incoerências entre diversas adquirirem veículos por meio de leasing fi-
decisões de tal juiz. nanceiro. Os consumidores, nos anos que se

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seguiram à implementação bem-sucedida Com todo o cenário desenhado, o governo
do Plano Real, adquiriram veículos fazendo já tinha em mente promover uma desvalo-
uso de contratos de leasing39. rização do Real em relação ao Dólar. Além
Um dos atrativos dos contratos de lea- de razões de convicção técnica, outras de
sing para a compra de veículos era o fato de ordem política indicaram o caminho da
que o valor da parcela a ser paga era menor desvalorização gradual.
do que na modalidade contratual de crédito O ano de 1998 era eleitoral e o governo,
ao consumidor, devido basicamente a duas em nome de não colocar em risco a reeleição
razões: ao regime tributário do leasing e à de Fernando Henrique Cardoso, optou por
possibilidade de captação dos recursos no não aumentar o ritmo de desvalorização
exterior em Dólares norte-americanos a do Real que já se implementava de forma
custo mais baixo do que o dinheiro custava paulatina, algo que se chamou de “gradua-
dentro do Brasil. Havia, portanto, o leasing lismo”. O rumo da política cambial acabou
indexado em Dólar e o indexado pelos índi- tendo de ser alterado por conta de uma crise
ces de correção monetária governamentais. que teve seu ápice em janeiro de 199940,
A modalidade de contrato que aqui nos quando o sistema de controle cambial en-
importa é a primeira, a qual posteriormente trou em colapso causado pela fragilidade
veio causar prejuízos aos consumidores. da moeda nacional a ataques especulativos
No período de aproximados quatro e pela instalação de uma crise decorrente
anos anteriores a janeiro de 1999, ou seja, de uma “profecia auto-realizável”. O valor
desde 6 de março de 1995, o mercado do Dólar subiu vertiginosamente afetando
cambial brasileiro vinha funcionando sob o os contratos de leasing41.
denominado “sistema de bandas”, segundo A Tabela 1 a seguir mostra a variação
o qual o valor da moeda estrangeira variava percentual anual da inflação e do Dólar no
dentro de bandas preestabelecidas pela triênio 95/97 e a Tabela 2 mostra a varia-
autoridade monetária. Até o período do ção do Dólar em relação ao Real no início
trimestre anterior ao mês de janeiro de 1999, de 1999:
o Banco Central conseguiu determinar o
comportamento da taxa de câmbio a partir
da utilização da chamada “âncora cambial” Tabela 1
(MORAES, 2001).
A partir do início do mês de janeiro, Ano 1995 1996 1997
fatos de ordem econômica e política causa- Inflação 21,98 9,12 4,34
ram insegurança no mercado sinalizando Dólar 14,98 6,88 7,40
mudanças na política cambial até o mo- (Fonte: COSER, 1999)
mento vigente. Especulações sobre uma
revisão do acordo então firmado com o
Fundo Monetário Internacional – FMI –, Tabela 2
queda das reservas cambiais e a declaração Variação do valor do Dólar em
de moratória do Estado de Minas Gerais são relação ao Real no bimestre
apontados como elementos cruciais para a janeiro/fevereiro de 1999
determinação de um clima de nervosismo
Valor do Dólar
no mercado. Ainda, houve especulação Dia
em Reais
sobre a modificação da presidência do
12/01/1999 1,21
Banco Central e do Ministério da Fazenda;
13/01/1999 1,32
quedas acentuadas do índice BOVESPA,
29/01/1999 2,10
queda de preço dos títulos do Brasil e,
19/02/1999 1,94
enfim, redução na credibilidade do País.

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Milhares de ações foram propostas Outro ponto incosistente nas decisões
contra as empresas de leasing por consu- é a caracterização do consumidor que
midores que se viram prejudicados pela mereceu proteção contra os efeitos da one-
mudança no valor do Dólar e o caso foi à rosidade excessiva. Sobre o consumidor do
decisão no âmbito do STJ42. leasing em dólar, entendeu-se que era o de
O argumento dos consumidores era, em parcos recursos para gerir seu orçamento
síntese, a pretensão de serem aliviados da doméstico. Entretanto os bens adquiridos
onerosidade excessiva que decorria da im- pelos consumidores eram automóveis,
portante mudança no valor do Dólar, com grande parte deles novos, e, como se veri-
fundamento no artigo 6o, V, segunda parte, ficou em um dos Acórdãos, um automóvel
do Código de Defesa do Consumidor. O de alto valor45. Por outro lado, verificou-se
referido artigo dispõe ser direito básico a existência de pessoas jurídicas com fim de
do consumidor a revisão das cláusulas lucro na qualidade de consumidoras, o que
contratuais que, em razão de fatos superve- também é problemático dada a premissa
nientes, tornem as prestações devidas pelos posta pela Ministra.
consumidores43 excessivamente onerosas. As circunstâncias política e econômica
O caso foi ao Superior Tribunal de Jus- que eram centrais para o deslinde do caso
tiça – STJ – que decidiu, em um primeiro foram tratadas de forma superficial, na
momento, que o consumidor havia de ser medida em que não se discutiu abertamente
aliviado do aumento excessivo do valor da o papel do Governo Federal ao informar
parcela a ser paga para as empresas de lea- ao mercado e ao consumidor que haveria
sing. Em um momento posterior, já agora no mudança na política cambial. Admitindo-
âmbito da Segunda Seção do Tribunal, em se que o Governo não pudesse fazê-lo, a
sede de uniformização de entendimento, discussão teria de abordar a questão da
foi decidido que a diferença entre o que o capacidade fática das partes para prever a
consumidor pagava e o que veio a pagar de- mudança da situação da política cambial.
pois do aumento deveria ser suportada pelo Embora tenha havido menção ao fato de
consumidor na proporção de 50%, decisão que o consumidor poderia ter ciência da
que teve fundamento na “equidade”. eventual mudança cambial, essa afirmação
Em trabalho anteriormente realizado, não é confirmada pela análise das notícias
investiguei as 27 decisões que estiveram di- que eram então veiculadas na mídia.
retamente relacionadas com a decisão final Ao final, o consumidor teve de dividir
do caso44. Ao analisar os julgados, procurei o prejuízo com o fornecedor em decisão
verificar qual o sentido dado pelo Tribunal em que se aplicaram princípios de inter-
à expressão “onerosidade excessiva” e à pa- pretação contratual de inspiração liberal,
lavra “equidade” (FREITAS FILHO, 2006). mas com fundamento em regra de direito
O conceito de onerosidade excessiva do consumidor, de inspiração claramente
apareceu nas decisões como algo auto- protetiva. A meu ver, esse nível da dis-
evidente. Há menção, em alguns julgados, cussão não foi feito nos julgados de forma
da necessidade de se estabelecer uma efetiva, o que impede que em um próximo
quantificação do prejuízo, o seu dimen- caso seja feito o cotejo crítico com a decisão
sionamento, para a determinação da ocor- anteriormente dada.
rência da onerosidade excessiva. Embora Minha conclusão foi que o Tribunal, ao
haja tal necessidade, não se estabelece, em preencher de sentido as expressões ava-
nenhum julgado estudado, uma indicação liatórias presentes na norma, não apontou
quantitativa do aumento da parcela a ser claramente os critérios utilizados para
paga como requisito para a determinação determinar o motivo da consideração de
da onerosidade excessiva. que o aumento havia sido excessivamente

56 Revista de Informação Legislativa

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oneroso, nem qual a justificativa fática para a possibilidade de crítica das decisões fica
a conclusão de que, por equidade, cinqüenta seriamente afetada46. O Tribunal, ao aplicar
por cento do total do aumento representa o CDC, construiu uma solução que não es-
um valor que não é excessivamente oneroso tava determinada na norma, e a evidência
para o consumidor. de que foi criada uma regra para o caso (e,
Ao final da análise dos casos, concluí portanto, legislou-se) nos remete à crítica
que os julgadores haviam decidido confor- de indeterminação do sentido das normas,
me lhes parecia mais adequado, considera- feita pelos representantes dos Critical Legal
das as conseqüências políticas e econômicas Studies ao pensamento formalista. O grau
que adviriam daquele julgamento, e que de indeterminação da lei permitiu ao Tri-
de fato aquele era um modo de colocar fim bunal formular a regra, que poderia ter sido
ao conflito da forma menos “traumática”. formulada de maneira bastante diferente.
Se à primeira vista uma solução baseada Assumindo a idéia de indeterminação
em equidade e com apelo a um conceito das normas, o que nos cabe fazer é cobrar
(ainda que não revelado) de justiça parece do judiciário que as opções valorativas
interessante, o fato é que, na forma como presentes no momento da decisão sejam
a solução foi dada, nada impede que, em explicitadas da forma mais plena possível.
um caso futuro semelhante, a decisão seja Podemos, assim, cobrar dos juízes algum
completamente diferente sem que se possa tipo de coerência, ao menos lingüística,
dizer que o Tribunal esteja sendo contradi- mesmo admitindo a indeterminação de
tório, em vista da falta de explicitação dos sentido das normas.
critérios fáticos que determinaram aquele
entendimento. 9. Conclusões
O Tribunal dissera que a onerosidade
excessiva era evidente, mas que seria injus- As palavras e expressões avaliatórias
to que o fornecedor arcasse com o “preju- são relativas a juízos que devem ser feitos
ízo” integralmente, já que não havia dado sobre situações concretas e não são defi-
causa ao mesmo. Portanto, por equidade, níveis aprioristicamente. São palavras e
determinou-se que o consumidor arcasse expressões que necessitam ser preenchidas
com 50% do prejuízo, sem uma justificativa de significado no momento do julgamento,
suficiente para a determinação desse valor e, por conta de sua alta carga valorativa,
percentual. permitem ao julgador imprimir suas con-
Na forma como restou decidido o caso, vicções pessoais, seus valores, suas crenças,
poder-se-ia indagar, por exemplo, por que sua visão de mundo, enfim sua ideologia.
não 30%, 70% ou outro valor qualquer do O requisito da fundamentação das
prejuízo deveria ser arcado pelo consu- decisões deve permitir idealmente ao
midor. O que, afinal, é “excessivamente destinatário de uma determinada decisão
oneroso”? Os julgadores certamente conhecer não somente a descrição do pro-
impregnaram a decisão com seus pontos cesso dedutivo realizado pelo julgador mas
de vista políticos, seus valores, suas pre- também as opções valorativas realizadas,
ferências, suas visões de mundo e consi- o que deve aparecer nas razões de decidir.
derações conseqüencialistas. Ocorre que, Se na ratio decidendi não se encontram os
como na fundamentação da decisão, esses elementos descritivos que permitem iden-
aspectos não aparecem de forma clara, tificar com clareza os motivos que levaram
os destinatários da decisão (a sociedade) os juízes a decidir, não será possível ana-
não podem criticá-la. Se os julgadores não lisar adequadamente o mérito da decisão.
explicitam as razões que os levam a dar Esse procedimento tem, a meu ver, duas
sentido às normas em um ou outro sentido, conseqüências diversas, mas relacionadas.

Brasília a. 44 n. 175 jul./set. 2007 57

Ril175.indb 57 25/10/2007 09:25:52


Ao não fundamentar completamente a razão pela qual o Tribunal entendeu que
decisão indicando os elementos descritivos o significado da expressão “onerosidade
que servem de critério para determinar o excessiva” implicaria a distribuição, entre
sentido de tais palavras e expressões, (1) consumidor e fornecedor, de prejuízos
os juízes ficam aparentemente livres do contratuais sofridos pela desvalorização da
dever de enfrentar a difícil situação de fun- moeda brasileira perante o Dólar. A deci-
damentar distintamente um entendimento são foi tomada em nome de uma nebulosa
futuro diferente do existente e (2) os juízes noção de “equidade”, como se o recurso à
expõem apenas parcial e indiretamente equidade desobrigasse a fundamentação
suas preferências ideológicas. racional da decisão e legitimasse a discri-
A primeira conseqüência resulta do fato cionariedade decisória.
de que, se alguém não determina o sentido Os exemplos são inúmeros e suceder-se-
de uma expressão avaliatória indicando o iam indefinidamente. O propósito de elen-
seu sentido descritivo, nunca se saberá ao car algumas normas expressas por palavras
certo qual o verdadeiro sentido da expressão. avaliatórias é tentar mostrar a alta proble-
Assim, se alguém diz apenas que um sujei- maticidade da determinação do seu sentido
to age com boa-fé sem justificar o que isso e chamar atenção para a possibilidade de
significa, em um momento seguinte poderá um déficit de fundamentação das decisões.
dizer o oposto sem que necessite contrariar Isso acarreta um déficit de accountability dos
os critérios utilizados para o primeiro juízo. tribunais do ponto de vista da cobrança de
A segunda conseqüência ocorre na coerência interna de decisões e dificulta
medida em que, ao definir uma palavra a identificação das posições políticas dos
ou expressão avaliatória adequadamente, juízes, assim como sua crítica.
o julgador explicitará sua visão de mundo, O importante legado dos CLS é a idéia
suas convicções sobre a melhor forma de de indeterminação, o combate ao forma-
organização social, etc. Se não o fizer, não lismo e a tentativa de desmistificação do
se comprometerá com qualquer posição discurso jurídico revelando seu conteúdo
ideológica, reforçando o mito da neutra- inerentemente político.
lidade e da possibilidade de que as deci- Esse legado, apesar de poderoso critica-
sões possam ser produzidas segundo um mente, vê seu limite na relação entre a assun-
método exclusivamente formal-dedutivo. ção radical da indeterminação das normas
Por exemplo, ao dizer o que entende por e a impossibilidade de qualquer proposta
“excessivamente oneroso” ou por “agir otimizadora do direito. Embora o processo
conforme a boa-fé” em um contrato de decisório seja realmente incontrolável em-
consumo, o julgador terá necessariamente piricamente, isso não quer dizer que as de-
de expor suas preferências por um projeto cisões sejam totalmente irracionais. A idéia
de sociedade e de mercado mais liberal ou de que as leis são expressas em linguagem
mais protetivo do consumidor. natural pressupõe sua aplicação como um
Penso que é possível generalizar a afir- discurso que deve ter, para que faça algum
mação de que a aplicação de um modelo de sentido, um mínimo de racionalidade.
julgamento em que as expressões avaliató- Os CLS não propõem nenhum projeto
rias eram tomadas em grande parte como se concreto de direito que possa ser adotado
o seus significados fossem objetivos e não em lugar do que é criticado – o modelo
necessitassem de um grande esforço her- legal-liberal de direito –, na medida em
menêutico é algo que pode ser encontrado que qualquer projeto objetivo será o refle-
comumente nos tribunais brasileiros. Com xo de um modelo de sociedade imposto a
isso, por exemplo, não foi possível identi- quem não detém poder. O potencial dos
ficar descritivamente, no caso narrado, a CLS está, assim, em sua capacidade crítica

58 Revista de Informação Legislativa

Ril175.indb 58 25/10/2007 09:25:53


e denunciadora e uma pergunta como “O 2
Isto não significa que um determinado tribunal
que colocar no lugar do que está aí?” feita nunca possa mudar de posicionamento em relação
a determinado problema jurídico. Um determinado
aos representantes do movimento não faz tribunal pode mudar de posição, mas tal mudança
sentido, já que seu projeto não inclui um tem de vir acompanhada de razões demonstradas que
conteúdo para o direito. dêem suporte ao que foi decidido.
O reconhecimento da angustiante inse- 3
O uso informativo da linguagem distingue-se do
gurança resultante da indeterminação das uso poético.
4
… “ nós somos unidos pelo fato de que gosta-
normas pode ter o efeito perverso de uma ríamos de trabalhar, tanto o quanto possível, para
postura niilista ou radicalmente cética, o colaborar de foma modesta para a realização do po-
que me parece contrário aos propósitos tencial que cremos existir para transformar as práticas
assumidamente transformadores dos do sistema jurídico para que esta seja uma sociedade
CLS. A saída para essa armadilha lógica mais decente, igual, solidária – menos intensivamente
organizada por hierarquias de classes, status, ‘mérito’,
é a adoção de uma postura moral cética raça e gênero – mais descentralizada, democrática e
combinada com a crítica fundada na lógica participativa tanto na sua própria forma de vida social
formal (portanto, sem a assunção de qual- quanto na forma que ela promove em outros países.”
quer conteúdo moral mínimo), bem como (GORDON, 1987, p. 197, tradução do autor).
a adoção de um instrumento teórico que
5
“O projeto dos CLS é bastante diferente: Além
dos pensadores dos Estudos Jurídicos Críticos bus-
permita algum tipo de avanço propositivo carem mostrar as relações entre as visões de mundo
a partir do potencial crítico dos CLS. embutidas na consciência jurídica moderna e a
O Prescritivismo Universal pode ser dominação na sociedade capitalista, eles também
esse instrumento, já que permite a crítica querem modificar essa consciência e estas relações.
dos discursos de aplicação das normas. Um Esta é a dimensão Crítica do conhecimento jurídico
Crítico. Nesta tradição de conhecimento, a análise
mínimo de coerência interna do discurso da consciência jurídica é parte de uma política de
é desejável e o Prescritivismo Universal transformação. Isto é o que distingue CLS da ciência
permite identificar o tipo de palavras por social tradicional.” (TRUBEK, 1984, p. 591, tradução
meio das quais a mistitificação do discurso do autor).
jurídico como discurso dedutivo é mais
6
Talvez o motivo pelo qual os CLS não tenham
tido a repercussão que seus representantes esperavam
intensamente perpetrada: as palavras tenha sido a falta de um aparato teórico instrumental
avaliatórias. Os julgamentos, nos quais para lidar com a dimensão concreta das decisões
tais tipos de palavras são utilizados como judiciais. “CLS no ha eleborado un nuevo programa
se tivessem sentidos pré-determinados e politico y no ha influido ni en la vida politica ameri-
semanticamente estabilizados, deixam de cana ni en la vida interna de la profesion juridica.”
(KENNEDY, 1992, p. 287). Outra explicação pode ser
revelar os critérios fáticos com os quais simplesmente o fato de que, na disputa ideológica,
se decidem os casos e, dessa forma, impe- os representante dos CLS tenham sido derrotados.
dem a identificação clara das preferências “Nascidos dos movimentos sociais da década de 1960,
ideológicas dos julgadores, limitando por os Estudos Jurídicos Críticos lançaram uma crítica
conseqüência a possibilidade de crítica poderosa ao direito e ao ensino jurídico como insti-
tuições que, em realidade, legitimavam as injustiças
das decisões e impedindo a apreciação da da sociedade americana. Entretanto, como muitas
accountability dos tribunais. tentativas radicais daquele tempo, foi grandemente
derrotado pelas forças conservadoras cujas idéias
hoje dominam o direito e a sociedade de forma geral.”
Notas (GABEL, 2004, p. 43, tradução do autor).
7
Tal método não pressupõe nenhum conteúdo
1
Accountability consiste n“O requisito de que os substantivo de regras morais universais.
representantes devem responder aos representados 8
Um ponto importante a ser destacado é a im-
ao disporem de seus poderes e deveres, atuar sob a possibilidade de que qualquer método de apreciação
possibilidade de crítica ou em consideração às críticas das decisões, no qual sejam adotados princípios
que lhes são feitas, bem como aceitar (em algum grau) universais, seja utilizado em combinação com uma
responsabilidade por falha, incompetência ou erro.” pespectiva crítica, já que esta nega qualquer possibi-
(MCLEAN; MCMILLAN, 2003, tradução do autor). lidade de universalidade dos valores.

Brasília a. 44 n. 175 jul./set. 2007 59

Ril175.indb 59 25/10/2007 09:25:53


9
Hart (1996) propõe que o direito possui uma tes de uma discussão mais aprofundada, estes termos
dimensão interna segundo a qual o indivíduo tem uma devem ser definidos. O raciocínio legal é formalista
percepção de dever relativo à existência da ordem nor- quando a mera invocação de normas e a dedução
mativa jurídica. Essa perspectiva interna é, segundo o de conclusões delas são tidas como suficientes para
autor, constitutiva do direito e distintiva em relação a sustentar a autoridade de uma dada escolha jurídica.
outras ordens normativas. A utilização do conceito de É orientado a políticas quando a decisão sobre como
“coerência interna” não é aqui referente ao conceito aplicar uma norma depende de um julgamento sobre
de Hart (1996), mas sim à perspectiva de um falante como atingir mais efetivamente os objetivos determi-
no discurso prescritivo. Não é, portanto, um conceito nados pela norma. A diferença entre esses dois tipos
sociológico, mas sim um conceito lógico-lingüístico. de raciocínio jurídico dá-se entre o critério tido como
10
Os CLS podem ser qualificados como uma teoria apropriado para uma justificação ou crítica pública
cética, na medida em que sua proposta teórica é des- das decisões oficiais; não finge descrever as causas
construtivista e denunciadora de um estado de coisas e motivos reais da decisão.” (UNGER, 1977, p. 194,
sem, entretanto, propor uma forma de otimização da tradução do autor).
aplicação das normas. Nesse sentido, de alguma for- 16
Um exemplo interessante e atual do conceito
ma, há algo que opõe os CLS à tradição hermenêutica de indeterminação é o comentário de Mark Tushnet
ou mesmo à analítica. (2001, p. 113) à decisão Bush v. Gore.
11
A adoção do método de solução de casos é fruto 17
Embora essa seja uma visão que possa ser cri-
dessa influência. “A introdução do método de caso ticada como reducionista da pretensão dos CLS, ela
na instrução na Faculdade de Direito de Harvard foi disseminada de tal forma que hoje esse princípio
durante a década de 1870 foi parcialmente embasada teórico lhes identifica.
em assunções da ciência jurídica.” (MERRIMAN, 18
Trubek (2006, p. 594) cita o exemplo de Mensh
1985, p. 79). (The History of Mainstream Legal Thought, in The
12
Andrew Altman (1993) sustenta que há duas Politics of Law: A Progressive Critique – D. Kairys
tendências dentro dos CLS, uma radical e uma e. 1982).
moderada. Segundo o autor, a tendência radical é 19
A doutrina dominante conforma o paradigma,
associada ao desconstrutivismo e advoga que não nos termos de Khun (1962).
há uma estrutura objetiva no direito ou em qualquer 20
Abreviatura de “critics”, noção associada à pos-
instituição social. O direito seria um conjunto de tura política de contestação e teórica de desconstrução
palavras vazias de significado nas quais o indivíduo dos valores e argumentos liberais, respectivamente.
pode colocar qualquer significado lhe pareça mais 21
O conceito de poder simbólico em Bourdieu
conveniente. A tendência moderada rejeita a afirma- (1962) expressa o segundo tipo de poder referido.
ção da teoria radical de que não há uma estrutura 22
Não há similaridade entre a proposta dos CLS
de realidade objetiva no direito e na sociedade. Essa e uma proposta hermenêutica, como por exemplo a
tendência afirma que as palavras têm um sentido de Gadamer (1997).
nuclear, mas que as interpretações dadas às palavras 23
As idéias de Dworkin estão sintetizadas em
são condicionadas pelas crenças morais e políticas. No suas três obras mais conhecidas: DWORKIN, 2002;
presente artigo, a distinção não tem maior repercus- DWORKIN, 2001; DWORKIN, 1999.
são, na medida em que os princípios que unem as duas 24
O projeto de Dworkin é inspirado pela mesma
tendências são suficientes para identificá-las como um orientação emancipatória do projeto dos CLS, e parece
único movimento teórico. Parece-me, entretanto, que equivocado pensar que há uma oposição simplista
a corrente moderada é mais adequada à descrição do entre os objetivos de ambos. A forma mais difundida
fenômeno jurídico. da oposição entre os dois projetos é que Dworkin
13
A expressão “Rule of Law” não tem tradução pensa que é possível sempre se obter uma resposta
exata para o português. Seu significado mais próxi- certa, e os CLS pensam que uma tal resposta certa
mo no sentido em que aqui é utilizado é “Estado de nunca é possível. Embora inserido no campo do que
Direito”. os CLS chamam de teoria legal liberal, Dworkin pre-
14
A idéia de que os juízes fazem a lei e não mera- ocupa-se com a possibilidade de ataque aos direitos
mente aplicam a lei, para os CLS, tem raiz no realismo individuais dos sujeitos de direito. (Cf. KENNEDY,
jurídico norte-americano. Partem da pressuposição de 1997, p. 129).
que a dedução ao estilo matemático é um mito que 25
Kennedy (2002, p. 1992, tradução do autor)
tem por função legitimar um modelo de atuação dos expressa esta idéia: “Eu penso que minha própria
juízes (TRUBEK, 2006, p. 5). crença inicial no raciocínio jurídico é algo como a
15
“O Segundo maior impacto do Welfare State no religião para os intelectuais do século dezoito que
direito é a mudança do estilo de raciocínio jurídico do acreditavam que havia bons motivos racionais para
formalismo para o raciocínio orientado à realização de pensar que havia um Deus, que a existência de um
políticas e de considerações de justiça formal para um Deus justificava todos os tipos de visões de esperança
interesse em justiça procedimental e substantiva. An- sobre o mundo, e que a crença popular em Deus trazia

60 Revista de Informação Legislativa

Ril175.indb 60 25/10/2007 09:25:53


grandes consequências sociais benéficas. Mas eles sentido próprio”. A expressão “conceito normativo”
também tinham experiências confirmatórias que eram tem dois possíveis sentidos: a) um sentido impróprio:
distintas, decorrentes da demonstração racional.” conceito normativo no sentido de ser referente a um
Em um trabalho anterior, entretanto, Kennedy (2004, objeto perceptível pelos sentidos, mas que recebe uma
p. 41) parece pensar de forma diversa. Isso pode ser “roupagem” institucional jurídica. Como exemplos
possivelmente explicado pelo fato de que tal artigo teríamos: “casamento”, “funcionário público” e “me-
era mais um manifesto do que um trabalho teórico. nor”. Outro sentido de utilização do conceito seria
Em suas palavras: o b) sentido próprio: conceito normativo que sempre
“Os resultados da luta não são preordenados por necessita de uma valoração para que seja aplicado em
qualquer aspecto da totalidade social, e os resultados, um caso concreto. Diz o autor: “Se alguém é casado
dentro do direito, não têm qualquer ‘lógica inerente’ ou é menor, isso pode ser ‘estabelecido’ através de
que possa permitir alguém predizê-los cientifica- critérios descritivos. Ao contrário, se uma predisposi-
mente, ou rejeitar previamente tentativas específicas ção caractereológica é ‘indigna’, se um motivo é ‘vil’,
de juízes e advogados de lidar com transformações se um escrito é ‘pornográfico’, se uma representação
limitadas do sistema.” é ‘blasfema’, – pense-se a este propósito no célebre
26
Há críticos dos CLS que cobram do movimento quadro de George Grosz, representando Cristo na
a resposta à pergunta sobre o que eles colocariam no cruz com a máscara de gás na face e botas de soldado
lugar de um sistema que criticam. A pergunta, como nos pés (sobre o caso, RGerST. 64, p. 121 et seq.) –, isso
apontou Fischl (1992), não faz sentido, pois o projeto é só poderá ser decidido com base numa valoração. Os
crítico e não aponta um conteúdo moral ou um plano conceitos normativos desta espécie chamam-se concei-
pronto de ordem social a substituir o existente. tos ‘carecidos de um preenchimento valorativo’. Com
27
Evidentemente haverá sempre situações-limite essa horrorosa expressão quer-se dizer que o volume
em que utilizar um determinado nome para falar sobre normativo destes conceitos tem de ser preenchido caso
algum objeto não será tão simples. Alguém pode ter a caso, através de actos de valoração.” Os conceitos
dificuldade em chamar um relógio de parede e um jurídicos indeterminados normativos são os que o
relógio de pulso pelo mesmo nome. Em verdade, em autor diz o serem em sentido próprio. São esses que
algumas línguas, há palavras diferentes para expressar propriamente se distinguem dos conceitos descritivos
objetos semelhantes como, por exemplo, as palavras e que trazem uma problematicidade específica ao ato
em inglês: watch (relógio de pulso) e clock (relógio de de interpretação/aplicação dos textos normativos.
parede). De qualquer forma, o que é importante enfati- 34
Utilizo as expressões: “palavras avaliatórias”,
zar é que a linguagem pressupõe a coerência como um “expressões avaliatórias” e “termos avaliatórios” em
requisito essencial a sua utilização bem-sucedida. alternância indicando a mesma idéia de distinção entre
28
Os critérios utilizados para tal avaliação serão, “avaliatório” e “descritivo”.
em certa medida, arbitrários e uma forma de ques- 35
No caso das onomatopéias, põe-se a interessante
tioná-los é a discussão ideológica sobre qual projeto questão de que tal não seja uma mera convenção, mas
de bom jogador pode ser entedido como correto. O tenha relação com uma característica física do objeto
que a coerência na perspectiva interna nos garante descrito e, portanto, tenha algo a ver com a descrição
é a possibilidade de verificar a racionalidade do uso de uma essência. “Dificilmente se encontrará outro
da linguagem por um emissor quando predica sobre aspecto da semântica que tenha despertado tanto
objetos em situações similares. interesse como a onomatopéia. A vasta literatura a
29
Os quatro livros nos quais Hare contrói e desen- este respeito vai desde as caprichosas fantasias sobre
volve sua teoria são: HARE (1963; 1981; 1966; 2003). a cor dos sons da fala até às experiências realizadas em
30
“A Metaética investiga a origem dos nossos condições laboratoriais.” (ULLMANN, 1964, p. 178).
princípios éticos e o que eles significam. São eles Segundo o autor, as onomatopéias têm os seguintes
meramente invenções sociais? Eles envolvem mais pontos de interesse semântico: 1) há semelhança
do que expressões de nossas expressõe individuais? intrínseca entre o nome e o sentido, de tal forma
Respostas metaéticas a estas questões dirigem-se às que as onomatopéias são semelhantes em diversas
questões de verdades universais, a vontade de Deus, línguas; 2) a motivação fonética se dá na condição da
o papel da razão nos julgamentos éticos e o próprio existência entre nome e sentido. Os sons se ajustam
sentido das palavras éticas.” (FIESER, [199-?], tradução ao significado do objeto; 3) mesmo quando o som é
do autor). adequado à expressão do significado, a onomatopéia
31
Faço aqui distinção entre a linguagem natural e entrará em jogo se o contexto lhe for favorável; 4) a
a linguagem simbólica. palavra é onomatopaica se é sentida como tal. Sobre
32
Aqui aparece a influência do Segundo Witt- a busca de motivação fonética para a relação entre a
genstein em Hare. palavra e o sentido do objeto, diz o autor: “Essa busca
33
As palavras e expressões avaliatórias são identi- de motivação estendeu-se mesmo até à palavra escrita.
ficadas por Karl Engish (2001, p. 203) com o nome de Alguns escritores dizem sentir uma analogia entre o
“conceitos jurídicos indeterminados normativos em significado de certas palavras e a sua forma visual. O

Brasília a. 44 n. 175 jul./set. 2007 61

Ril175.indb 61 25/10/2007 09:25:54


poeta Lecomte de Lisle disse uma vez que se a palavra Como a linguagem é fonte de imprecisões, é neces-
francesa para a idéia de ‘pavão’ paon (pronunciada sário que os discursos que fundamentam decisões e a
pã), se viesse a escrever sem o o, não veria mais a ave proposição de medidas sejam submetidos à exaustiva
abrindo a cauda. Indo talvez mais longe, Paul Claudel crítica como forma de revelar os valores, as pré-con-
descobre nos dois tt da palavra francesa toit ‘telhado’ cepções e as intenções daqueles que são responsáveis
as duas empenas de uma casa, e apercebe-se da cal- por tais decisões. Tratados internacionais, leis, deci-
deira e das rodas na palavra locomotive ‘locomotiva’. sões judiciais e discursos políticos são expressos em
Estas extravagâncias parecem remontar a uma forma linguagem natural, fonte portanto de potencial pluris-
primitiva de escrita em que os símbolos visuais eram significação das mensagens. Por exemplo, em artigo
directamente representativos das coisas que desig- sobre desenvolvimento sustentável e o terrorismo,
navam e ainda não estavam subordinados à palavra Atapattu (2006) mostra a incoerência discursiva dos
falada.” (ULLMANN, 1964, p. 190). decision-makers em âmbito global, mostrando como o
36
A doutrina jurídica faz menção à distinção entre recurso retórico ao “risco do terrorismo internacional”
“princípios”, “cláusulas gerais” e “regras” com base serve ao propósito de justificação de enormes gastos
neste critério. Por exemplo, Barroso, (2001 p. 149); com seguranca enquanto grande parte da população
Bastos, (2002 p. 108). mundial sofre com desnutrição e falta de saneamento
37
O caso Bush x Gore decidido pela Suprema básico, causadores de enorme número de mortes, além
Corte Norte-americana coloca a questão da exceção de mínimo gasto comparativo em proteção ambiental.
da excepcionalidade da aplicação de uma determi- Ironicamente vários tratados internacionais, incluindo
nada norma. Mesmo nesse caso, a excepcionalidade a própria Convenção de Genebra, tratam da preocu-
transforma-se em regra na medida em que, se forem pação com a integridade do meio ambiente.
verificadas, em outros casos posteriores, as mesmas 39
O jornal Gazeta Mercantil publicou, no dia 26
características do primeiro, por dever de coerência, o de agosto de 1997, matéria intitulada “Leasing supera
tribunal terá de aplicar a mesma solução. O trecho da crediário nas vendas de veículos – aumento do IOF no
decisão que sugere a exceção ao princípio da univer- crédito ao consumidor é causa da mudança.” O jornal
salizabilidade é: “The recount process, in its features O Estado de São Paulo publicou manchete em matéria
here described, is inconsistent with the minimum pro- de 8 de setembro de 1997 da seguinte forma: “Leasing
cedures necessary to protect the fundamental right of é opção barata para parcelar a compra de carro.” A
each voter in the special instance of a statewide recount Revista Exame saiu, na edição no 661, de 6 de maio de
under the authority of a single state judicial officer. Our 1998, com reportagem intitulada “O meu papagaio
consideration is limited to the present circumstances, for the preferido – por que nove entre 10 brasileiros que com-
problem of equal protection in election processes gene- pram carro a prazo estão escolhendo o leasing em vez
rally presents many complexities.” (SUPREME COURT de uma operação de financiamento comum”.
OF THE UNITED STATES, 2000, grifo nosso). 40
“O caminho escolhido foi o do gradualismo.
38
O uso de recursos retóricos que mascaram as Quando se comparam os dados de 1998 com os de
intenções e as razões políticas de determinada decisão 1997, nota-se que houve tanto uma melhora do resul-
pode estar presente tanto na esfera jurídica quanto na tado fiscal primário, como uma desvalorização real
esfera política. A teoria política chama atenção para do R$. Os ajustes, porém, ficaram muito aquém do
a questão da accountability dos detentores do poder que depois se viu que teriam sido requeridos, à luz
político que não agem de acordo com o discurso que das circunstâncias efetivas que vigoraram, especial-
apresentam. Embora a política seja distinta do direito mente no segundo semestre de 1998. Utilizando uma
em muitos aspectos, o conceito de coerência pode ser metáfora mencionada freqüentemente, pode-se dizer
aplicado aos dois campos de práticas sociais na medi- que o Brasil mudou a rota do Titanic, mas que essa
da em que são tratadas questões de interesse público e mudança, tendo sido lenta e tardia, não foi suficiente
envolvem delegação de poder pela sociedade. para evitar que o “navio” colidisse com o iceberg – no
A discricionariedade na política é muito mais caso, a crise externa. A opção pelo gradualismo e não
visível do que no direito pela própria característica por uma estratégia de choque é uma questão em aber-
do exercício do poder político. Na política, a luta to, mas cuja resposta envolve certamente a combinação
pelo acesso ao poder marca as disputas públicas em de três elementos: i) uma certa dose de confiança das
que discursos são proferidos sem a preocupação com autoridades na reversão dos efeitos da crise asiática,
a coerência, mas sim com vistas ao que mais produz de forma similar ao que acontecera em 1995 após a
simpatia naquelas pessoas que recebem a mensagem. crise mexicana, prontamente esquecida pelo mercado
É fato bastante comum que um político em campanha internacional; ii) o medo de um desastre que uma
afirme algo que após a posse não mais seja confirmado eventual desvalorização mais intensa poderia causar
pelo próprio. De toda forma, é possível verificar em no plano de estabilização – o caso mexicano de 1995,
algum grau o respeito que um determinado governo quando a inflação deu um salto para 50%, dava certo
tem por seus eleitores se as promessas de campanha se fundamento a este temor; e iii) a realização de eleições
tornam atos (ao menos tentativos) de governo. gerais em outubro de 1998: Governo nenhum, em lugar

62 Revista de Informação Legislativa

Ril175.indb 62 25/10/2007 09:25:54


nenhum, gosta de adotar um tratamento de choque em ano ajuizou ação civil pública em Minas Gerais com o
eleitoral.” (GIAMBIAGI; AVERBUG, 2000). mesmo objetivo. (23a Vara cível de Belo Horizonte
41
Uma explicação “canônica” para o conceito de – MG, processo 024.99.005.622). O Ministério Público
crise cambial é a de que há uma inconsistência básica também ajuizou ação com o objetivo de proteger o
entre políticas domésticas, com a emissão de moeda consumidor (BRASIL, 2003, p. 000308).
financiando os déficits fiscais, e a tentativa de manu- 43
A redundância faz-se necessária para que fique
tenção de uma taxa de câmbio fixa. Ou seja, o problema claro que o direito garantido pelo CDC é apenas dos
resultou de taxas de câmbio fixas ou relativamente consumidores e não alcança os fornecedores.
fixas, em um contexto de déficits crescentes da conta 44
Os julgados estão disponíveis em <http://www.
corrente, e o governo dispondo de estoque limitado stf.gov.br>.
de reservas para mantê-las. “Os modelos canônicos 45
No caso, o consumidor adquiriu um veículo
– desenvolvidos, entre outros, por Krugman (1979) bastante valioso, um automóvel Volvo modelo S40,
e Flood e Garber (1984) – são a primeira geração dos cujo valor do modelo mais simples, novo, custava em
modelos de crise cambial. Segundo estes modelos, a crise março de 2005, R$ 154.600,00. Essa informação denota
cambial, em uma economia com perfeita mobilidade que não seria obviamente o caso de o consumidor
de capitais, resulta de uma inconsistência básica entre deter parcos recursos. O julgado é o Recurso Especial
políticas domésticas – tipicamente a existência de 299.501 – MG, Relatora Ministra Nancy Andrighi,
déficits fiscais financiados por emissão de moeda – e Terceira Turma – STJ
a tentativa de manutenção de uma taxa de câmbio 46
O dever de fundamentação é tratado pela doutri-
fixa, visto que o governo, por hipótese, dispõe apenas na processualista como o “princípio da motivação das
de um estoque limitado de reservas para mantê-la. O decisões judiciais” e tem como objetivo garantir o con-
financiamento da dívida por meio da criação de base trole popular sobre o exercício da função jurisdicional
monetária acarreta um crescimento do preço sombra (CINTRA; GRINOVER; DINAMARCO, 2003. p. 68). O
da divisa, produzindo uma redução progressiva e princípio da motivação das decisões judiciais cumpre
gradual das reservas em moeda estrangeira. No mo- uma função política, na medida em que se pode aferir
mento em que o preço sombra se torna mais elevado em concreto a imparcialidade do juiz e a legalidade e
do que o valor da taxa de câmbio defendido pelo justiça das decisões. O artigo 93, IX, da Constituição
governo, os especuladores iniciarão um ataque ao Federal guarda ainda o princípio da publicidade, que
estoque de reservas cambiais. Mais especificamente, constitui a garantia de possibilidade de fiscalização da
a origem da crise externa encontra-se no desequilíbrio sociedade sobre os atos daqueles envolvidos nos pro-
do setor público que, ao monetizar um déficit fiscal cessos judiciais. É na presença do povo que se devem
persistente, acaba produzindo um ataque especula- dar as decisões, princípio que se encontra plasmado
tivo que resulta em uma fuga de capitais, revelando na Declaração Universal dos Direitos do Homem, em
a inconsistência da política cambial do governo e a seu artigo 10 (CINTRA; GRINOVER, DINAMARCO,
tentativa dos investidores de anteciparem um colapso 2003, p. 69).
inevitável no câmbio (ou seja, antes que as reservas
atinjam um limite inferior), precipitando, assim, a
crise do balanço de pagamentos e a desvalorização do
câmbio. Portanto, nos modelos de primeira geração, a Referências
deterioração dos fundamentos é condição necessária
e suficiente para a ocorrência de um ataque especu- ALEXY, Robert. Teoria da argumentação jurídica. São
lativo.” Para a descrição e o conceito, consultei: Alves Paulo: Landy, 2001.
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no Brasil teve componentes de primeira e segunda
gerações já que houve um papel importante das cha- ALVES JÚNIOR, Antonio José; FERRARI FILHO,
madas “profecias auto-realizáveis” na composição da Fernando; PAULA, Luiz Fernando Rodrigues de.
dinâmica da crise. Lembram, entretanto, que a crise Crise cambial, instabilidade financeira e reforma do
ocorreu de forma clássica, “de livro-texto”, isto é, pre- sistema monetário internacional: uma abordagem pós-
dominantemente de primeira geração (GIAMBIAGI; keynesiana. Rio de Janeiro: Intitulo de Economia da
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