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0 II CURSO LATO SENSU (ESPECIALIZAÇÃO) EM PROCESSO CIVIL

CONTEMPORÂNEO

ALOPOIESE DO SISTEMA PROCESSUAL FACE AO DEVER DE


COOPERAÇÃO E SUA COMPATIBILIZAÇÃO COM UM MODELO
DISPOSITIVO DE PROCESSO

Kaio Cesar Damasceno de Albuquerque

Recife | 2019
1
KAIO CESAR DAMASCENO DE ALBUQUERQUE

ALOPOIESE DO SISTEMA PROCESSUAL FACE AO DEVER DE


COOPERAÇÃO E SUA COMPATIBILIZAÇÃO COM UM MODELO
DISPOSITIVO DE PROCESSO

Trabalho de Conclusão do Curso apresentado


pelo discente Kaio Cesar Damasceno de
Albuquerque, com vistas à obtenção da
aprovação no II Curso Lato Senso
(Especialização) em Processo Civil
Contemporâneo, do Programa de Pós-Graduação
em Direito da FDR/UFPE.

Orientador: Prof. Dr. Mateus Costa Pereira

Recife | 2019
2
ALOPOIESE DO SISTEMA PROCESSUAL FACE AO DEVER DE
COOPERAÇÃO E SUA COMPATIBILIZAÇÃO COM UM MODELO
DISPOSITIVO DE PROCESSO

Kaio Cesar Damasceno de Albuquerque1

Resumo: Apesar de demonstrar interesse na manutenção de um sistema processual harmônico


com as garantias de um Estado Democrático de Direito, o CPC/2015, ora se utilizando do
modelo constitucional de processo, ora reafirmando posturas publicistas, dá azo a
incongruências ideológicas, que, por seu turno, obstruem a autopoiese do sistema processual.
Dentre os institutos que dificultam a harmonização ideológica do sistema processual
brasileiro, destaca-se a introdução do Princípio da Cooperação, cuja aplicação impacta,
diretamente, na divisão do trabalho entre o juiz e as partes. Nesse cenário, o presente estudo
pretende analisar o dever de cooperação processual e sua compatibilização com um modelo
dispositivo de processo, com destaque para a distribuição dos papéis desempenhados pelas
partes e juiz na gestão de provas, sob a ótica do Garantismo Processual. Trata-se de estudo
exploratório, que possibilita uma primeira aproximação com o fato e/ou fenômeno analisado,
sem pretensão de esgotamento dos temas, fundado em revisão narrativa de literatura e análise
documental (jurisprudências e notícias veiculadas sítios eletrônicos dos tribunais). Em razão
do tema, elegeu-se como método a abordagem interdisciplinar, com destaque para a utilização
de conceitos e teorias da sociologia para interpretação da realidade estudada, propondo-se,
assim, uma intersecção entre o direito processual e a sociologia do direito. A pesquisa
possibilitou constatar que o dever de colaboração, da forma como vem sendo posto em
prática, atenta contra a estrutura dialética e dualista inerente as lides, transmutando o julgador
à condição de contraditor e as partes, principais interessadas na solução do litígio, em meros
instrumentos a serviço do juiz a serviço da busca pela justiça. De instituição de garantia, o
processo passa a representar expressão do arbítrio judicial, perdendo de vista seus objetivos
numa ordem democrática.
Palavras-chave: Teoria Geral do Processo. Ideologia. Dever de cooperação. Autopoiese.
Garantismo Processual.

1
Mestrando em Gestão para o Desenvolvimento Local Sustentável pela Universidade de Pernambuco – UPE.
Especialista em Direito Empresarial pela Universidade Cândido Mendes – UCAM. Pós-graduando em Processo
Civil Contemporâneo pela Universidade Federal de Pernambuco – UFPE. Bacharel em Direito pela Universidade
Federal de Pernambuco – UFPE. Advogado e Administrador Judicial.
3

Abstract: Despite demonstrating interest in the maintenance of a procedural compass system


with the guarantee of a Democratic Rule of Law, the CPC / 2015, sometimes use of
theconstitutional process model, sometimes reaffirmation of publicity postures, are the
ideological incongruities that, due to its in turn, obstruct the autopoiesis of the procedural
system. Among the institutes that hinder the ideological harmonization of the Brazilian
procedural system, the introduction of the Principle of Cooperation, whose application, has a
direct impact on the division of labor between the judge and the parties. In this scenario, the
present study intends to analyze the process co-operation duty and its compatibility with an
adversarial process model, with emphasis on the distribution of the roles played by the parties
and judge in the management of evidence, from the point of view of procedural guaranty. This
is an exploratory study, which makes possible a first approximation with the fact and / or
phenomenon analyzed, without pretension of exhaustion of the themes, based on literature
narrative review and documentary analysis (jurisprudence and news transmitted electronically
from the courts). Due to the theme, the interdisciplinary approach was chosen as a method,
with emphasis on the use of concepts and theories of sociology to interpret the reality studied,
thus proposing an intersection between procedural law and sociology of law. The research
made it possible to verify that the duty of collaboration, in the way it has been put into
practice, undermines the dialectic and dualist structure inherent to fights, transmuting the
judge to the condition of contraditor and the parties, interested in solving the litigation, in
mere instruments at the service of the judge in the service of the search for justice. As an
institution of guarantee, the process becomes an expression of judicial arbitrariness, losing
sight of its objectives in a democratic order.

Keywords: General theory of the process. Ideology. Duty of cooperation. Autopoiesis


Procedural guarantees.
4

Sumário: 1. Introdução 2. Ideologia e Processo: da


necessária harmonização entre o Estatuto Processual e a
Constituição Federal. 3. As regras do jogo processual
frente ao Dever de Cooperação. 4. Alopoiese do sistema
processual e os perigos da moralização do processo
ante ao Dever de Cooperação das partes na gestão de
provas 5. Considerações Finais. Referências.

1. Introdução

“Um sistema processual civil que não proporcione à sociedade o


reconhecimento e a realização dos direitos, ameaçados ou violados,
que têm cada um dos jurisdicionados, não se harmoniza com as
garantias constitucionais de um Estado Democrático de Direito”2.

Dos mais caros temas relativos à Teoria Geral do Processo, a análise do sistema
processual brasileiro, a partir das correntes ideológicas que influenciaram a criação do Código
de Processo Civil vigente e as legislações anteriores, constitui tarefa de extrema importância
para a compreensão do Direito Processual, ao permitir o afastamento do tecnicismo puro para
dar azo à investigação acerca da razão de ser de determinados institutos e/ou procedimentos.
Não à toa, quando se busca realizar o estudo do Direito Processual a partir de sua
conformação sistêmica, é possível constatar evidente deficiência na doutrina a respeito das
matrizes ideológicas que deram suporte à atual configuração do processo civil no Brasil, seja
pela recalcitrância em conceber o processo como fenômeno político (que confronta com o
cientificismo processual 3), ou pela dificuldade em reconhecer o “relevantíssimo papel
deontológico do sistema processual e de sua complexa missão perante a sociedade e o
Estado, e não só em face da ordem jurídico-material”4.
Ao negligenciar o estudo dos sistemas processuais, perde-se significativas
contribuições no processo legislativo, “pois, antes de esboçar um passo adiante, é preciso ter

2
Exposição de motivos do Código de Processo Civil.
3
Com o advento do processualíssimo científico, ocorrera a transmutação da postura do processualista no século
XIX, que abandona o conhecimento do processo a partir da praxe e das formas como as leis o regulam para
tomar como ponto de partida o estudo do próprio processo, segundo a sua natureza jurídica e, assim, todos os
institutos básicos do direito processual (ALVIM, José Eduardo Carreira. Teoria Geral do Processo. 20. ed. Rio
de Janeiro: Forense, 2017. p. 29). Acontece que, como herança dessa fase revisionista, na atualidade ainda é
possível constatar a preocupação doutrinária com o estudo dos institutos processuais a partir de rigorosos
critérios (cientificismo), que condicionam a negação de influências ideológicas no processo civil brasileiro.
4
CINTRA, Antônio Carlos de Araújo; GRINOVER, Ada Pellegrini; DINAMARCO, Cândido Rangel. Teoria
Geral do Processo. 31. ed. São Paulo: Malheiros, 2015. p. 52-53.
5

em mente o caminho percorrido pelos antecessores e que, decerto, não foi inútil, nem mesmo
quando representou uma deformação ideológica”5. Afinal, as ideologias jurídicas subjacentes
à constituição do conjunto de normas processuais refletem a visão do legislador acerca dos
problemas que surgem quando o homem pensa, em abstrato, sobre o Direito Processual.
Ocorre que os problemas identificados pelo legislador representam a realidade
prática do processo, por diversas vezes dissociada da necessária compreensão da razão de ser
do Direito Processual, que dá ensejo as dificuldades relacionados à coerência ideológica que
se espera encontrar em determinado sistema de normas.
Logo, se a divisão do trabalho entre o juiz e as partes é o cerne da conformação
ideológica-cultural do processo, “o caminho para corrigir as distorções das ideologias
começa no exame não do que o homem pensa sobre o Direito, mas do que juridicamente ele
faz”6.
Assim, de acordo com a posição adotada pelos litigantes na instauração,
desenvolvimento e conclusão da ação, costuma-se identificar dois modelos clássicos de
estruturação do processo, quais sejam: adversarial e inquisitorial.
A origem desses modelos se confunde com a própria história da humanidade,
sendo certo que as tensões sociopolíticas existentes no apogeu do desenvolvimento das
ideologias processuais influenciaram, sobremaneira, as legislações daqueles períodos
históricos, inclusive as atuais, como aponta Juan Montero Aroca7.
Ao final do século XIX, por exemplo, emerge na Espanha, a partir do trabalho de
Mansera, a “Ley de Enjuiciamiento Civil” (1881), cuja essência expressava concepção
político-liberal, segundo a qual os juízes, através do processo, atuam como garantes últimos
dos direitos subjetivos das partes. Em seu prólogo, a lei espanhola era clara ao estabelecer:
“La mejor ley de procedimentos es la que deja menos campo al arbítrio judicial dadas las
circunstáncias de la sociedade em que vivimos: de outro modo no serviria de garantia y
salvaguardia de los derechos civiles”8.
No mesmo período histórico, Franz Klein, então Ministro da Justiça, aprovou o
Código de Processo Civil austríaco (1895), que até os dias atuais é tido como exemplo de
legislação inspirada por ideais ultraconservadores, sendo um marco de expansão da
concepção publicista e autoritária do processo. Para Klein, “el juez no se limita a juzgar, es el

5
LYRA FILHO, Roberto. O que é Direito. 11. ed. São Paulo: Brasiliense, 1982. p. 16.
6
Op. Cit.. p. 29
7
AROCA, Juan Montero. Los modelos procesales del siglo XXI: entre el garantismo y el totalitarismo. In:
Revista Brasileira de Direito Processual. Belo Horizonte, ano 25, n. 100, p. 191-211, out/dez, 2017. 8 Op. cit.
p. 191.
6

gestor (administrador) del processo, dotado de grandes poderes discrecionales, que han de
estar al servicio de garantizar, no sólo los derechos de las partes, sino principalmente los
valores e interesses de la sociedade”9.
Tem-se, portanto, que a tensão estabelecida entre acepções liberal ou publicista de
processo demarcam a tessitura das legislações processuais durante o século XX, com destaque
para a influência exercida pelo código austríaco.
Segundo Glauco Gumerato Ramos10, o código austríaco influenciou a criação do
Código de Processo Civil alemão, do Código de Processo Civil italiano de 1940 (auge do
nazifascismo naquele país), do Código de Processo Civil brasileiro de 1939 e de seu sucessor
de 1973. Para o autor, no contexto brasileiro, a afirmação do modelo inquisitorial de processo
incentivou a produção de uma doutrina fortemente influenciada por esses valores 11, ao ponto
de reproduzirem grande parte dessa ideologia no projeto de Código de Processo Civil
brasileiro, que tramitou no congresso na última década, vindo a ser aprovado em 2015.
Fato é que, apesar de demonstrar interesse na criação de um sistema processual
harmônico com as garantias de um Estado Democrático de Direito, o projeto aprovado, ora se
utilizando do modelo dispositivo (acepção contemporânea do Princípio do Contraditório, com
garantia de influência na decisão e não surpresa), ora reafirmando posturas publicistas
(manutenção da figura do juiz na condução do processo, com amplos poderes, inclusive para
fins de produção de provas), dá azo a incongruências ideológicas, que, por seu turno,
obstruem a autopoiese do sistema processual12.

9
Op. cit. p. 192.
10
RAMOS, Glauco Gumerato. Poderes del Juez: Activismo (=Autoritarismo) o Garantismo (=Libertad) en el
Proyecto de nuevo CPC de Brasil. In: Revista Panameña de Política. - N° 14, Julio- Diciembre 2012. p. 109. 11
Acredita-se que, no Brasil, a negligenciada análise das matrizes ideológicas do processo civil exerceu decisivo
papel na manutenção do estado das coisas em matéria processual. Conforme aponta Mateus Pereira, “o estudioso
brasileiro segue órfão de trabalhos em que as pretensas “instituições técnicas” (processuais) sejam
escrutinadas e problematizadas nas duas dimensões ideológicas. A falta de trabalhos imbuídos dessa reflexão
empobrece o debate, dado que uma importante faceta do “objeto” é deixada à sombra. A título de ilustração, foi
o que ocorreu com a instrumentalidade (fase metodológica), não refletindo (conscientemente) o processo em
qualquer das dimensões ideológicas suso descritas, a despeito de seu nítido compromisso com o poder (“seiva”
de todos os ramos processuais, tal como defendido por Dinamarco). Aqui e acolá, a “técnica” é utilizada como
sentinela avançado do discurso contraideológico. Em certa medida, também foi o que sucedeu com o
formalismo-valorativo (cooperação) e o processualismo jurisdicional democrático, cujos modelos processuais,
na esteira do paradigma científico hegemônico, reclamam o homo sapiens sapiens”. (PEREIRA, Mateus Costa.
Processo e ideologia (em sentido amplo e estrito): um novo horizonte à compreensão do fenômeno processual.
In: Revista Brasileira de Direito Processual, Belo Horizonte, ano 26, n. 103, p. 283-296, jul./set. 2018. p.
286/287)
12
Embora instransponível o modelo luhmanniano da autopoiese à realidade brasileira, conforme concluiu
Marcelo Neves, as sobreposições dos códigos político e econômico às questões jurídicas impossibilitam a
construção da identidade do sistema jurídico (NEVES, Marcelo. Luhmann, Habermas e o Estado de Direito. In:
Lua Nova. 1996, n.37, pp.93-106). Tais considerações, transpostas à realidade do Direito Processual,
possibilitam concluir que a alopoiese resulta não da simbiose entre os dois modelos de organização do processo,
mas de um emaranhado de normas processuais, misturando-se de tal forma que o processo de construção da
7

Dentre os institutos que dificultam a harmonização ideológica do sistema


processual brasileiro se destaca a introdução, no CPC/2015, do Princípio da Cooperação, cuja
aplicação impacta, diretamente, na divisão do trabalho entre o juiz e as partes.
Conforme se extrai do art. 6º do CPC: “Todos os sujeitos do processo devem
cooperar entre si para que se obtenha, em tempo razoável, decisão de mérito justa e efetiva”.
Acontece que o sistema de normas processuais no Brasil é um ambiente no qual prevalecem
interesses não cooperativos de todos os sujeitos processuais, ao passo que a inovação
legislativa prestigia a figura do “bom litigante”, aquele que não está preocupado em vencer a
lide, mas, sim, cooperar para a obtenção de uma solução justa e superior 13, realidades
incompatíveis e inconciliáveis entre si.
Nesse cenário, o presente estudo pretende analisar o dever de cooperação
processual e sua compatibilização com um modelo dispositivo de processo, com destaque
para a distribuição dos papéis desempenhados pelas partes e juiz na gestão de provas, sob a
ótica do Garantismo Processual.
Trata-se de estudo exploratório, que possibilita uma primeira aproximação com o
fato e/ou fenômeno analisado, sem pretensão de esgotamento dos temas, fundado em revisão
narrativa de literatura e análise documental (jurisprudências e notícias veiculadas sítios
eletrônicos dos Tribunais). Em razão do tema, elegeu-se como método a abordagem
interdisciplinar, com destaque para a utilização de conceitos e teorias da sociologia para
interpretação da realidade estudada, propondo-se, assim, uma intersecção entre o direito
processual e a sociologia do direito.
O artigo está estruturado em três seções.
Na primeira parte busca-se conceituar ideologias jurídicas e a necessária
harmonização entre as conotações ideológicas e a Constituição Federal de 1988. Em seguida,
a investigação se concentra na (in)compatibilização do Regime Democrático Constitucional
com o Dever de Cooperação atribuído às partes pelo Código de Processo Civil de 2015, sob a
ótica do Garantismo Processual. Alfim, será examinada a aplicação do Dever de Cooperação
sob a égide do CPC/2015, com destaque para a atuação do Juiz na produção de provas.

identidade e reprodução da autonomia do novo sistema processual estaria seriamente comprometido, diluindo-se
paulatinamente.
13
DELFINO, Lúcio. Cooperação Processual: inconstitucionalidades e excessos argumentativos – Trafegando na
contramão da doutrina. In: Revista Brasileira de Direito Processual. Belo Horizonte, ano 24, n. 93, p. 149-166,
jan../mar., 2016. p. 151.
8

2. Ideologia e Processo: da necessária harmonização entre o estatuto processual e a


Constituição Federal

No Brasil, notáveis estudiosos da Teoria Geral do Processo, a exemplo de


Cândido Dinamarco, Ada Pellegrini e Antônio Cintra14, consideram que o reconhecimento das
conotações ideológicas do processo constitui um dos avanços mais expressivos da doutrina
processual contemporânea. De acordo com os autores, essa mudança de paradigma se fez
necessária para que o processo possa efetivamente se aproximar dos legítimos objetivos que
justificam a sua existência.
15
Todavia, destaca Mateus Pereira , a pretexto de considerar as conotações
ideológicas do processo, significativa parcela da doutrina se dedicou ao estudo da ideologia
em “sentido amplo”, estritamente imbricada ao “paradigma racionalista”, que reforça o
tecnicismo processual, em detrimento das investigações a respeito da “ideologia em sentido
estrito”, vinculada ao sistema de crenças políticas16.
Tal postura, difundida entre os processualistas ocidentais, conduziu ao alheamento
dos teóricos que efetivamente se dedicaram ao estudo da ideologia em sentido estrito, ao
argumento de que se trata de uma tentativa de politizar o direito processual. Como afirmou
Juan Montero Aroca em Ideología y Proceso:
Después de casi un siglo en el que se ha pretendido que el derecho procesal civil es
una ciencia partidista, que “sirve para la construcción del comunismo”, en que se
han escrito varios libros con títulos en los que se hacen coincidir las palabras
proceso e ideología, en el que se ha afirmado paladinamente que el proceso no es
“neutro” en sus técnicas internas con relación a las orientaciones políticas de la

14
CINTRA, Antônio Carlos de Araújo; GRINOVER, Ada Pellegrini; DINAMARCO, Cândido Rangel. Teoria
Geral do Processo. 31. ed. São Paulo: Malheiros, 2015. p. 54
15
PEREIRA, Mateus Costa. Processo e ideologia (em sentido amplo e estrito): um novo horizonte à
compreensão do fenômeno processual. In: Revista Brasileira de Direito Processual, Belo Horizonte, ano 26, n.
103, p. 283-296, jul./set. 2018. p. 288
16
Segundo Noberto Bobbio, “tanto na linguagem política prática, como na linguagem filosófica, sociológica e
político-científica, não existe talvez nenhuma outra palavra que possa ser comparada à Ideologia pela
freqüência com a qual é empregada e, sobretudo, pela gama de significados diferentes que lhe são atribuídos.
No intrincado e múltiplo uso do termo, pode-se delinear, entretanto, duas tendências gerais ou dois tipos gerais
de significado que Norberto Bobbio se propôs a chamar de "significado fraco" e de "significado forte" da
Ideologia. No seu significado fraco, Ideologia designa o genus, ou a species diversamente definida, dos sistemas
de crenças políticas: um conjunto de idéias e de valores respeitantes à ordem pública e tendo como função
orientar os comportamentos políticos coletivos. O significado forte tem origem no conceito de Ideologia de
Marx, entendido como falsa consciência das relações de domínio entre as classes, e se diferencia claramente do
primeiro porque mantém, no próprio centro, diversamente modificada, corrigida ou alterada pelos vários
autores, a noção da falsidade: a Ideologia é uma crença falsa”. (BOBBIO, Noberto. Dicionário de política.
Brasília: Universidade de Brasília, 1998. p. 585.
9

sociedad en que se opera, después de todo esto va resultar que somos llamados
“revisionistas” los que estamos politizando el derecho procesal 17.
Na prática, a recalcitrância em conceber a ideologia como fenômeno político, a
contrario sensu, atua como instrumento de dominação social, ao negar o caráter cultural
inerente a toda expressão humana, que reforça os discursos dominantes dos “donos do
poder”18.
Assim, admitir a existência do caráter ideológico do processo, em sentido amplo e
estrito, significa reconhecer que
[...] ninguém raciocina com absoluta perfeição e há sempre uma boa margem de
deformações, a que não escapam as próprias ciências. Queremos dizer que também
nestas se intromete certo grau de ideologia, afetando as premissas (princípios que
servem de base a um raciocínio) e as conclusões a que chegam os cientistas19.
A cisão entre o estudo da ideologia em sentido estrito e em sentido amplo, dessa
forma, obstaculiza a superação da ideologia vigente, pois se constrói um sistema processual a
partir dela, sem a devida reflexão sobre ela, de sorte que considerá-la como objeto de reflexão
é o ponto de partida para a sua superação.
Mãos à obra!
As principais codificações ocidentais acerca do processo civil, dentre as quais se
inclui a brasileira, tomam por base um processo que se regula e desenvolve na perspectiva do
juiz, que presta a tutela judicial, e não dos cidadãos, que solicitam a intervenção do Judiciário.
Ocorre que no contexto brasileiro, cuja atual codificação pretende o
reconhecimento e a realização dos direitos através do processo, estruturar o procedimento a
partir da figura do juiz vai de encontro às garantias constitucionais de um Estado Democrático
de Direito, ao aproximar-se de um modelo autoritário (socialista) de processo, de modo que os
poderes do juiz serão tão maiores quanto mais se encha de conteúdo o primado da justiça,
devendo reconhecer-se que por essa via se pode acabar outorgando ao magistrado poderes
correlatos ao âmbito da prestação jurisdicional que deveriam permanecer no monopólio

17
AROCA, Juan Montero. Ideología y Proceso Civil. Su reflejo en la “buena fe procesal”. In: AROCA, Juan
Montero (Coord.). Proceso civil e ideología: un prefacio, una sentencia, dos cartas y quince ensayos. Valencia:
Tirant lo Blanch, 2006. p. 191/292.
18
No dizer de Roberto Lyra Filho, “a ideologia é cegueira parcial da inteligência entorpecida pela propaganda
dos que a forjaram. O “discurso competente”, em que a ciência se corrompe a fim de servir à dominação,
mantém ligação inextrincável com o discurso conveniente, mediante o qual as classes privilegiadas substituem a
realidade pela imagem que lhes é mais favorável, e tratam de impô-la aos demais, com todos os recursos de que
dispõem (órgãos de comunicação de massas, ensino, instrumentos especiais de controle social de que
participam e, é claro, com forma destacada, as próprias leis). (LYRA FILHO, Roberto. O que é Direito. 11. ed.
São Paulo: Brasiliense, 1982. p. 09/10).
19
Op. Cit. p. 8.
10

exclusivo das partes20– o que evidencia potencial digressão entre o sistema processual e as
Garantias Constitucionais, notadamente no plano das liberdades individuais, asseguradas pelo
art. (5º da CF/88).
A superação do paradigma instrumentalista, portanto, pressupõe sopesar qual a
melhor forma de regular o processo para que, por um lado, as partes possam alcançar a
efetividade na prestação da tutela de seus direitos, sem que, para isso, faça-se necessária
manutenção de um juiz dirigente, que concentra uma gama de poderes 21, ao ponto de imiscuir-
se em papéis cuja natureza adversarial do conflito naturalmente atribuiria as partes. Busca-se,
com isso, estruturar a figura de um juiz que possa cumprir sua função de garante último do
direito das partes, mantendo-se a impartialidade22.
Num processo de matriz adversarial, o protagonismo na condução do
procedimento é atribuído às partes, que, conforme adiantado, desenvolvem o processo como
um conflito entre dois adversários diante do órgão jurisdicional relativamente passivo, cuja
principal função é a de decidir23.
O sistema dispositivo é o que mais se aproxima da concepção liberal do processo,
na medida que o fenômeno se desenvolve e estrutura a partir de uma sequência de atos
encadeados, que tendem a um ato final – a sentença. Mas essa sequência de atos, adverte Luis
Correia de Mendonça, se estabelece a partir da iniciativa das partes (Princípio do
Dispositivo24), cumprindo ao julgador atuar como garante último dos direitos e interesses

20
AROCA, Juan Montero. El proceso civil llamado social como instrumento de justicia autoritaria. In: AROCA,
Juan Montero (Coord.). Proceso civil e ideología: un prefacio, una sentencia, dos cartas y quince ensayos.
Valencia: Tirant lo Blanch, 2006. p. 139.
21
A opção pela ideologia publicista, presente no Código de Processo Civil italiano (cujo modelo foi adotado no
Brasil), nas palavras de Franco Cipriani, provocou o caos vivenciado no campo processual, ao substituir o vetor
natural do processo civil, que era a representação do desejo de justiça das partes, por um motor artificial, que é a
representação do juiz e seu ritmo burocrático. Para o autor: “Ne possiamo dedurre che, dando poteri al giudice
per far andar anvanti d'imperio le cause civili, si sfonda una porta aperta nelle cause che anche le parti
vogliano veder decise e si assoggettano alla trattazione forzata le cause che, altimenti, dormirebbero e, semmai,
non arriverebbero mai a sentenza. Com la consequenza che, anziché mandare avanti tutte le cause, se finisce
coll’obbligare tutte le cause a stare sul rolo di udienza, col gonfiare artificiosamente i ruoli dei giudici,
coll’allungare l’intervello tra um’udienza e l’altra, e col rendere ingovernabile la giusticia”. (CIPRIANI,
Franco. Il processo civile italiano tra efficienza e garanzie. In: Rivista trimestrale di diritto e procedura civile.
Milano, Ano LVI, nº 4, Dez-2002. p. 1248/1249)
22
AROCA, Juan Montero. El Derecho Procesal en la Encricujada de los Siglos XX y XXI. Tres ensayos: uno
general y dos especiales. Lima: Fondo Editorial de la Academia de la Magistratura, 2016. 23 DIDIER JUNIOR,
Fredie. Os três modelos de direito processual: inquisitivo, dispositivo e cooperativo. In: In: DIDIER JUNIOR,
Fredie; NALINI, José Renato; RAMOS, Glauco Gumerato; LEVY, Wilson. (Orgs.). Ativismo Judicial e
Garantismo Processual..Salvador: Juspodivm, 2013, , p. 207-217.
24
Para Didier, quando o legislador atribui às partes as principais tarefas relacionadas à condução e instrução do
processo, diz-se que se está respeitando o denominado princípio dispositivo; tanto mais poderes forem atribuídos
ao magistrado, mais condizente com o princípio inquisitivo o processo será. A dicotomia princípio inquisitivo
princípio dispositivo está intimamente relacionada à atribuição de poderes ao juiz: sempre que o legislador
atribuir um poder ao magistrado, independentemente da vontade das partes, vê-se manifestação de
11

discutidos em Juízo, não sendo aceitável que essa tutela seja exercida sem fazer uso do
processo, “o qual, na perspectiva do juiz, é garantia de acerto e, na das partes, motivo de
segurança e de previsibilidade”25. Para o autor,
Num processo liberal, o contraditório é o principal instrumento de comunicação entre
as partes, permitindo a cada uma delas, em posição de igualdade, conhecer as razões
invocadas pela outra e neutralizar as suas acções. O juiz encontra-se afastado da
contenda, coloca-se super partes, não é obrigado a dialogar com os outros sujeitos
processuais e só se torna realmente activo, para proferir sentença, quando o material
da decisão está preparado para a sua intervenção 26.
Como adiantado, apesar da recente reforma operada no Processo Civil Brasileiro,
a pretexto de promover um novo modelo de direito processual, cooperativo, manteve-se a
estrutura autoritária de processo, que toma por base uma relação jurídico-processual centrada
na figura de um juiz, de modo que as partes participam na condição de coadjuvantes para
formação do produto final do processo: a decisão.
O artigo 139 do Código de Processo Civil é elucidativo ao estabelecer como
encargo dos juízes a direção do processo, situação claramente dissonante da perspectiva
democrática, na qual as partes assumem preponderante papel na condução do processo.
Não só isso: são vários os exemplos que denotam inquisitividade no sistema
processual brasileiro. O artigo 63, §3º do CPC autoriza a decretação, de ofício, da ineficácia
da cláusula de eleição de foro, quando o juiz a considere abusiva; o artigo 370, por seu turno,
lhe concede amplos poderes instrutórios, atuando o magistrado como verdadeiro gestor das
provas; no cumprimento de sentença que reconheça a exigibilidade de obrigação de fazer ou
não fazer, o juiz poderá de ofício determinar as medidas necessárias à satisfação do exequente
(art. 536); dentre outros.
Tais disposições normativas, , “transforma(ra)m nossa codificação em uma
miscelânea ideológica”27, a recomendar depurada análise acerca de institutos que continuam
impingindo de autoritarismo o Processo Civil na contemporaneidade. Afinal de contas,
disposição e inquisição são posições que geram sistemas de processamento incompatíveis em
sua essência, daí a dificuldade em conceber, racionalmente, um sistema misto28.
Do mesmo modo, afigura-se de difícil compreensão a proposta adotada pelo
CPC/2015 de um processo cooperativo, fincado no diálogo entre as partes e o juiz acerca dos

“inquisitividade”; sempre que se deixe ao alvedrio dos litigantes a opção, aparece a “dispositividade”. (Op. Cit.
p. 208/209).
25
MENDONÇA, Luis Correia de. Vírus Autoritário e Processo Civil. In: Julgar. - Coimbra. - N.º 1 (Jan. Abr.
2007), p. 67-98.
26
MENDONÇA, Luis Correia de. Op. Cit.. p. 84
27
PEREIRA, Mateus Costa. A paridade de armas sob a óptica do garantismo processual. In: Revista Brasileira
de Direito Processual. Belo Horizonte, ano 25, n. 98, p. 247-265, abr./jun., 2017. p. 248 28 VELLOSO, Adolfo
Alvarado. Op. Cit. p. 60
12

rumos a serem tomados no processo, quando, em sua essência, há a reprodução da estrutura de


um jogo processual marcado pelo protagonismo judicial na condução da situação jurídica,
como se observa na doutrina de Ângela Spíndola e Igor Raatz:
Embora o juiz dirija o processo de forma ativa, passa a fazê-lo sob uma perspectiva
comparticipativa, policêntrica e interdependente entre os atores sociais que
participam da formação das decisões. De outro modo, trata-se de uma atuação
jurisdicional “dialogal, colhendo a impressão das partes a respeito dos eventuais
rumos a serem tomados no processo, possibilitando que essas dele participem,
influenciando-o a respeito de suas possíveis decisões”, dando relevância ao
contraditório e à estrutura comparticipativa processual. Deixa de ser meio de luta
egoística, passando a significar, nesse ambiente de cooperação, um pressuposto do
próprio julgamento no cenário democrático, fornecendo um aspecto discursivo ao
processo e criando um mandamento constitucional do diálogo entre as partes e o
órgão julgador para a formação do juízo29.
Sob este prisma, como compreender a proposta adotada pelo CPC/2015 de um
modelo de processo cooperativo, quando o órgão julgador atua ativamente na condução do
processo, ao ponto de dinamizar os ônus, determinar os pontos sob os quais recairá a
iniciativa probatória, ordenar meios para efetivação das obrigações de fazer ou não fazer etc.?
O Princípio da Cooperação vem de algum modo restringir a passividade do juiz,
afastando-se claramente da configuração adversarial de processo, desenvolvido em
procedimento dialético entre as partes e arbitrado pelo órgão julgador. Com isso, um sistema
processual historicamente marcado pelo protagonismo judicial recepciona o Princípio da
Cooperação para compensar o aumento do ativismo judicial, consagrando, assim a
comunidade de trabalho de todos os sujeitos processuais30.
Mas essa comunidade de trabalho, da forma como vem sendo tratada, não erradica
do processo o viés autoritário herdado do protagonismo judicial e culmina na submissão das
partes ao arbítrio do julgador, cuja atividade reclama uma “condição onisciente” 31.

3. As regras do jogo processual frente ao dever de Cooperação

Segundo a clássica definição doutrinária, o modelo adversarial (dispositivo)


desenvolve-se como uma forma de conflito ou de disputa entre dois adversários perante um

29
ESPINDOLA, Angela Araújo da Silveira; SANTOS, Igor Raatz dos. O processo civil no Estado Democrático
de Direito e a releitura das garantias constitucionais: entre a passividade e o protagonismo. Novos Estudos
Jurídicos (Online), v. 16, p. 150-169, 2011. p. 160.
30
MENDONÇA, Luis Correia de. Op. Cit.
31
PEREIRA, Mateus Costa. A paridade de armas sob a óptica do garantismo processual. In: Revista Brasileira
de Direito Processual. Belo Horizonte, ano 25, n. 98, p. 247-265, abr./jun., 2017. p. 250
13

órgão jurisdicional teoricamente passivo, que tem como principal papel tomar decisões, mas
são as partes que desenvolvem a maior parte da atividade processual32..
Por seu turno, num sistema de base inquisitiva, o órgão jurisdicional assume o
protagonismo na condução do processo, tendo por marca a amplitude de poderes conferidos
ao magistrado, de modo que os poderes do juiz serão tão maiores quanto mais se encha de
conteúdo o primado da justiça.
Constata-se, portanto, que essa dicotomia está relacionada à distribuição do
trabalho entre as partes e o juiz: sempre que o legislador concentrar poderes na figura do
magistrado, independentemente da vontade das partes, vê-se manifestação de
“inquisitividade”; ao passo que ao deixar ao alvedrio dos litigantes a opção, aparece a
“dispositividade”33.
Assim, na realidade brasileira, considerando que o processo começa por iniciativa
da parte e se desenvolve por impulso oficial (art. 2º do CPC), desde quando foi concebida a
contemporânea codificação, é possível estabelecer uma relação simbiótica entre o
estabelecimento de um processo dialógico, de matriz dialética, cuja decisão se pretende ver
proferida a partir do debate entravado entre os litigantes, e a manutenção da figura do juiz na
“presidência” do processo, dotado de inúmeros poderes.
Da conjugação desses modelos de organização, exsurge no sistema processual o
Princípio da Cooperação, frequentemente relacionado à “comunidade de trabalho” entre as
partes e o tribunal para a realização da função processual. Parte-se da ideia que o processo
deverá se orientar pelo diálogo entre os sujeitos processuais, privilegiando tais aspectos em
detrimento do natural enfoque estratégico ou duelista34.
Lucio Grassi de Gouveia35, ao abordar a questão, informa que o Dever de
Cooperação se filia a Ordenação Processual Austríaca de 1895 e seus posteriores
desdobramentos, afirmando-se como um processo civil assistencial, a partir do abandono da
estreita perspectiva de uma liberdade de acordo com um senso individualístico, alcançado
através da superação da postura não intervencionista do órgão jurisdicional, que causava
evidente prejuízo as partes de classes sociais menos favorecidas. De tal modo, o Princípio da
Cooperação pressupõe a existência de um o novo juiz e partícipe da relação processual,

32
DIDIER JUNIOR, Fredie. Os três modelos de direito processual: inquisitivo, dispositivo e cooperativo. In:
In: DIDIER JUNIOR, Fredie; NALINI, José Renato; RAMOS, Glauco Gumerato; LEVY, Wilson. (Orgs.).
Ativismo Judicial e Garantismo Processual..Salvador: Juspodivm, 2013.
33
Op. Cit.
34
GOUVEIA, Lúcio Grassi de. A função legitimadora do princípio da cooperação intersubjetiva no processo
civil brasileiro. In: Revista de Processo, v. 172, p. 32-53, 2009.
35
Op. Cit. p. 38
14

ocupando a posição central de órgão público interessado em fornecer justiça de modo melhor
e mais rápido (ativa e assistencial).
Todavia, a pretexto de democratizar a relação estabelecida entre as partes e o juiz,
quando da edição do Código de Processo Civil brasileiro, o legislador reacendeu o socialismo
processual que marcou grande parte das codificações ocidentais durante o século passado, que
“flertam com uma postura autoritária deletéria à autonomia do direito e ao desenvolvimento
do devido processo constitucional, com resultados daninhos particularmente aos litigantes e
seus advogados”36.
Sobre o tema, em trabalho conjunto, Lênio Streck, Lúcio Delfino, Rafael Barba e
Ziel Lopes lecionam:
Não se nega utilidade social à cooperação nem se instiga aqui a litigiosidade. Mas,
até onde pode avançar o juiz, em seu diálogo com as partes, alicerçado em seu dever
de cooperar? Qual o limite a ser respeitado por ele a fim de que não se torne também
um contraditor? Acredita-se que as intervenções do juiz, até para que o devido
processo legal permaneça incólume, devem se pautar pela discrição, pois: i) cumpre
lhe o dever de esclarecimento; ii) compete-lhe prevenir as partes do perigo de
frustração de seus pedidos pelo uso inadequado do processo (dever de prevenção);
iii) é dever do órgão jurisdicional consultar as partes antes de decidir sobre qualquer
questão, ainda que de ordem pública, assegurando a influência de suas
manifestações na formação dos provimentos (dever de consulta); e iv) por fim, é seu
papel auxiliar as partes na superação de dificuldades que as impeçam de exercer
direitos e faculdades ou de cumprir ônus ou deveres processuais (dever de auxílio).
Afora isso, é enorme o risco que se corre de transmudar o juiz em um contraditor,
com prejuízo às próprias bases fundadoras do Estado Democrático de Direito37.

Logo, a principal tarefa relacionada à introdução do dever de cooperação no


contexto brasileiro, guarda relação com a criação de uma base normativa que induza um
comportamento de diálogo, sem que isso represente o expurgo dos interesses não
cooperativos, haja vista que o direito não é capaz de aniquilar totalmente a ação estratégica de
seu interior – daí a proposta apresentada por Humberto Theodoro Junior, Dierle Nunes,
Alexandre Bahia e Flávio Pedron, de releitura democrática normativa da cooperação em perfil
comparticipativo, fincada no contraditório como garantia de influência na decisão e não
surpresa e inibir aqueles atos praticados em má-fé processual.38
Para os autores,
Uma das bases da perspectiva democrática, trazida pelo Novo CPC, reside na
manutenção da tensão entre perspectivas liberais e sociais, impondo que a

36
DELFINO, Lúcio. Cooperação Processual: inconstitucionalidades e excessos argumentativos – trafegando na
contramão da doutrina. In: Revista Brasileira de Direito Processual. Belo Horizonte, ano 23, n. 93, p. 149-158,
jan./mar., 2016. p. 150
37
STRECK, Lenio Luiz; DELFINO, Lúcio; BARBA, Rafael Giorgio; LOPES, Ziel Ferreira. O 'bom litigantes' -
Riscos da moralização do processo pelo dever de cooperação do Novo CPC. In: Revista Brasileira de Direito
Processual, Belo Horizonte v. 90, p. 340-354, 2015. p. 342
38
THEODORO JUNIOR, Humberto; NUNES, Dierle; BAHIA, Alexandre Melo Franco; PEDRON, Flávio
Quinaud. Novo CPC: fundamentos e sistematização. 2. Ed. Rio de Janeiro: forense, 2015. p. 70-71.
15

comunidade de trabalho deva ser revista em perspectiva policêntrica e


comparticipativa, afastando qualquer protagonismo e se estruturando a partir do
modelo constitucional de processo, induzindo a convivência de poderes diretivos e
gerenciais do juiz com uma renovada autonomia privada das partes e dos advogados
(como v.g., na cláusula de negociação processual – art. 190), mediante as balizas do
contraditório como garantia d e influência (art. 10) e na fundamentação estruturada
(art. 489) que fomentarão o melhor debate de formação decisória e poderá permitir a
diminuição das taxas de recursos, além de impor a diminuição do retrabalho
processual na medida em que todos deverão exercer na primeira vez sua atividade
com alta responsabilidade. [...] Tl percepção técnica embasada pelo “modelo
constitucional de processo” em sua acepção dinâmica, visa a implementação de
39
garantias concretas, autônomas e inovadoras do contexto normativo .

É precisamente essa a perspectiva que mais se aproxima de um processo


dispositivo, diante da nítida adoção do sistema cooperativo em nosso ordenamento jurídico,
sob pena de transmudar o juiz em contraditor, além de conduzir as partes, num contexto de
moralização do processo, a condição de “bons litigantes”40, que encerra a estrutura adversarial
sob a qual as lides se desenvolvem.
Cooperação, nesse sentido, designaria o fomento ao diálogo, à participação, ao
debate instrutório, à formulação de teses fundamentadas contra as afirmações e
provas trazidas e contra seus interesses, de maneira que as partes colaborem com
uma efetiva participação na defesa de seus interesses com as melhores armas que
tiverem em prol da construção da decisão influenciando a convicção do julgador,
que, por sua vez, utilizará seus poderes para fomentar o debate entre as partes e a
participação delas, sem condutas autoritárias [...]41
Resta saber se após longa tradição autoritária, a aplicação prática do dever de
cooperação assegurará a atuação do julgador como garante último dos direitos e interesses das
partes, não sendo aceitável que essa tutela seja exercida sem fazer uso do processo, “o qual,
na perspectiva do juiz, é garantia de acerto e, na das partes, motivo de segurança e de
previsibilidade”42.

4. Alopoiese do sistema processual e os perigos da moralização do processo ante ao


dever de cooperação das partes na gestão de provas

Exemplo claro de que o modelo cooperativo não expurga resquícios autoritários


presentes no Processo Civil Contemporâneo é o caso da determinação oficiosa de provas, na
qual se verifica verdadeira usurpação de função própria das partes envolvidas no jogo

39
Op. Cit. p. 80-81.
40
STRECK, Lenio Luiz; DELFINO, Lúcio; BARBA, Rafael Giorgio; LOPES, Ziel Ferreira. O 'bom litigantes' -
Riscos da moralização do processo pelo dever de cooperação do Novo CPC. In: Revista Brasileira de Direito
Processual, Belo Horizonte v. 90, p. 340-354, 2015.
41
TORRES, Amanda Lobão. Garantismo, Ativismo, Cooperação e(m) Crise, 250f. Dissertação (Mestrado em
Direito) –Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, 2016. p. 156.
42
MENDONÇA, Luis Correia de. Vírus Autoritário e Processo Civil. In: Julgar. - Coimbra. - N.º 1, Jan/Abr, p.
67-98, 2007.
16

processual, qual seja: gerenciar a produção das provas, apresentando as melhores armas que
tiverem em prol da construção da decisão e influenciando a convicção do julgador. Encarado o
processo como situação jurídica, a partir da sucessão de atos brotam chances, que, se bem
aproveitadas, permitem que as partes se liberem de seu ônus (probatório) e caminhem em
direção favorável. Portanto, afigura-se impertinente que o magistrado, alterando as regras do
jogo, determine a produção oficiosa de uma prova, quando não requerida pelas partes, sob
pena de desnaturar as expectativas criadas a partir das ações ou omissões preexistentes.
Num jogo justo, firmado entre partes em situação de igualdade, as regras
concernentes à gestão das provas imputam ao autor o encargo de comprovação dos fatos
constitutivos do seu direito e ao réu o ônus da prova quanto aos fatos impeditivos,
modificativos ou extintivos do direito do autor (art. 373, I e II, do CPC).
Logo, tratando-se de regra de julgamento que impõe a sucumbência a parte que
não se desincumbir do seu ônus, oportunizada a produção de provas, se esse momento
processual não for bem aproveitado por qualquer das partes, a atuação oficiosa vulnera a
estrutura dialética sob a qual o processo deveria se desenvolver, pondo em cheque a
partialidade do julgador, que ao determinar a produção de uma prova “exerce o contraditório
como se parte fosse, ou melhor, superparte, pois traz ao feito elementos voltados a conformar
o seu próprio convencimento, o que nenhuma parte tem o poder de fazer”43.
Acontece que, mesmo após a edição do atual Código de Processo Civil, restou
incólume a possibilidade de determinação oficiosa de produção de provas, circunstância que
dificulta o desenvolvimento autônomo de um processo empiricamente adversarial – daí falar
se em alopoiese do sistema processual em razão do dever de cooperação.44.

43
SOUSA, Daniel Crevelin. Segurando o juiz contraditor pela impartialidade: de como a ordenação de provas de
ofício é incompatível com as funções judicantes. In: Revista Brasileira de Direito Processual. Belo Horizonte,
ano 24, n. 96, p. 49-78, out../dez., 2016. p. 62.
44
De acordo com a Teoria dos Sistemas, de Niklas Lhumann, os sistemas sociais são autorreferenciais, pois são
capazes de operar com base em suas próprias operações constituintes. Transpondo essa teoria as questões
processuais, considera-se autopoiético um sistema que consegue se reproduzir sem influência de outros modelos.
Como o sistema é sempre fechado do ponto de vista de suas operações internas, ele se diferencia de tudo mais
que não seja ele próprio, definindo-se a partir de sua diferença em relação ao entorno, mesmo quando "diferentes
tipos de sistemas coexistem em uma mesma dimensão espaço-temporal", como ocorre nos sistemas processuais
mistos. Considerando que "sistemas sociais e consciências (ideologias) estão em estado de interpenetração, ou
seja, cada um desses sistemas é condição de possibilidade do outro", é impossível defender a existência de um
sistema autopoiético, na realidade brasileira. (RODRIGUES, Leo Peixoto; NEVES, Fabrício Monteiro. Niklas
Luhmann: a sociedade como sistema. Porto Alegre: Edipucrs, 2012.). Dessa maneira, a alopoiese do sistema
processual resulta não da simbiose entre dois modelos de organização do processo, mas de um emaranhado de
normas processuais, misturando-se de tal forma que o processo de construção da identidade e reprodução da
autonomia do novo sistema processual estaria seriamente comprometido, diluindo-se paulatinamente.
17

O tema tem sido objeto de fecundo debate na ciência processual desde longa data,
tendo Barbosa Moreira45 considerado que o uso de faculdades instrutórias legais não é
incompatível com a preservação da imparcialidade do juiz. Para o autor, bem compreendida, a
expressão não exclui no órgão judicial a vontade de decidir com justiça, dando ganho de causa
àquela que tem razão. Deste modo, a realização da prova pode ajudar a descobrir qual das
partes tem razão, e esse resultado não pode ser mal visto pelo Direito.
Na mesma senda, Matheus Rezende46 considera o poder instrutório do juiz não
como um substitutivo da iniciativa das partes na gestão de provas, senão o exercício de um
poder concorrente, que se desenvolve na mesma direção e se fundamenta na busca pela
verdade para a garantia de uma tutela jurisdicional efetiva, daí se falar na figura de um juiz
ativo, agindo em conjunto com as partes para alcançar uma solução adequada para o conflito.
Como se vê, em matéria de provas, a doutrina nacional prestigia o ativismo
judicial, defendendo uma postura mais contundente do juiz na condução do processo. Por esta
razão, tendo a proposição encontrado guarida, inclusive, na jurisprudência dos Tribunais
Superiores, que entendem caber ao juiz assegurar, de ofício ou a requerimento das partes, a
produção das provas necessárias à instrução do processo, bem como apreciá-las livremente
para a formação de seu convencimento (STJ - AgInt no AREsp: 1036075 PE 2016/0334107- 2,
Relator: Ministro GURGEL DE FARIA, Data de Julgamento: 28/11/2017, T1 -
PRIMEIRA TURMA, Data de Publicação: DJe 05/02/2018).
A questão ganha ainda mais destaque quando utilizado o Princípio da Cooperação
para justificar o exercício de atividade típica das partes (produção de provas) pelo órgão
judicante, ao argumento que o papel do juiz no processo civil moderno não se coaduna com a
prolação de qualquer decisão, independentemente de seu conteúdo. Como explica Lúcio
Grassi Gouveia, a exigência constitucional de motivação das decisões sugere que não se deve
economizar esforços no sentido de que elas espelhem a verdade real47.
A propagada busca pela verdade real tem se traduzido em situações que vão de
encontro a institutos basilares do direito processual, como ocorreu no Tribunal de Justiça da
Paraíba, por ocasião do julgamento apelação cível nº 0000629-76.2015.815.0001. Em sede de
ação proposta por servidores municipais, com vistas à obtenção de progressão funcional,
45
MOREIRA, José Carlos Barbosa. Os Poderes do juiz na direção e na instrução do processo. In: Revista de
Direito Comparado Luso-Brasileiro. Ano III, Nº 4, Janeiro/1984, p. 107-113.
46 REZENDE, Matheus Ribeiro. A iniciativa instrutória do Juiz: reflexões em torno da definição de sua
natureza jurídica. 176f. Dissertação (Mestrado em Direito) – Universidade Federal de Pernambuco, Recife, 2011.
p. 63.
47
GOUVEIA, Lúcio Grassi de. Cognição processual civil: atividade dialética e cooperação intersubjetiva na
busca da verdade real. In: DIDIER JUNIOR, Fredie (Org.). Leituras Complementares de Processo Civil.
9ed.Salvador-BA: Juspodivm, 2011, v. 1, p. 371-385.
18

citado o Município não apresentou defesa, sendo declarada a revelia do ente público. Todavia,
por considerar que os autores não fizeram prova dos fatos constitutivos de seu direito, o
pedido foi julgado improcedente.
Acontece que em sede recursal, a sentença foi anulada de ofício por decisão
monocrática do Relator, por considerar que a causa não se encontrava madura para
julgamento. A decisão monocrática tomou por base o Princípio da Cooperação, tendo firmado
entendimento no sentido que a municipalidade, mesmo revel, deveria cooperar para o
descobrimento da verdade real, invertendo-se o ônus da prova para que o revel produzisse as
provas necessárias à comprovação dos fatos reclamados pelos autores.
Do inteiro teor da decisão, destaca-se:
Em se tratando de matéria de direito, bem como sendo mais fácil a apresentação da
prova pela edilidade, é de se prestigiar o princípio da cooperação, verdade real,
celeridade e efetividade da prestação jurisdicional, a fim de colher-se os elementos
necessários para o deslinde meritório da lide.
(TJ-PB 00006297620158150091 PB, Relator: DES. JOSÉ RICARDO PORTO, Data
de Julgamento: 28/11/2018)
A conclusão adotada evidencia a alopoiese do sistema processual vigente, não só
por atentar contra a clássica divisão do trabalho processual, como também por negligenciar
diversos institutos (revelia, livre convencimento motivado, inércia da jurisdição etc.) a fim de
que seja alcançada a “verdade real”48.
Os efeitos deletérios da adoção do Princípio da Cooperação no sistema processual
brasileiro, para além de contribuir para a formação de uma cultura judicial cooperativista que
reforça vieses autoritários do processo civil – afinal, o julgador raciocina a partir das
ideologias, mas quase nunca acerca delas, criticamente –, é possível constatar a criação de
uma “nova principiologia”, pretensamente fundada na cooperação processual, que almeja, em
última análise, o alcance da verdade real.
Acerca do tema, Lênio Streck49, na coluna Senso Incomum, relatara em meados
de 2015 notícia veiculada no site do Tribunal Regional do Trabalho da 13ª Região, dando

48
No dizer que Leonard Schmitz, a cognição exauriente, exercida pelo julgador após a fase instrutória suficiente,
conduziria a uma certeza judicialmente aceita. Ou bem, não certeza no sentido inequívoco, mas a um grau
elevadíssimo de proximidade à realidade, graças justamente à correta análise do conjunto probatório farto. Até
aí, a ideia parece de todo acertada. O risco de ruptura sistêmica surge quando a comunidade jurídica (em especial
a jurisprudência consolidada) confere à figura subjetiva do intérprete/juiz o papel de dizer se as provas dos autos
conduzem à "certeza" que legitima o próprio procedimento. Quer dizer, é o juiz que, não se sentindo
"convencido" do que está provado, assume a função de investigar os fatos para se certificar de como eles
"realmente" ocorreram. E aí, sai em busca da "verdade real", que seria tradutora da "justiça" da decisão.
(SCHMITZ, Leonard Ziesemer. Entre produzir provas e confirmar hipóteses: o risco do argumento da busca da
verdade real na instrução e fundamentação das decisões. In: Revista de Processo, v. 250, p. 91-117, 2015. p. 92)
49
STRECK, Lenio Luiz. Graças ao princípio da conexão, encomendarei um kit de (tecno)verdade. (2015).
In: Revista Consultor Jurídico. Disponível em: <https://www.conjur.com.br/2015-jun-18/senso-incomum-gracas
principio-conexao-encomendarei-kit-tecnoverdade> Acesso em 09/02/2019.
19

conta do nascimento de uma “nova principiologia” (sic) construída e aplicada pelo aludido
tribunal a partir das grandes transformações advindas da utilização da rede mundial de
computadores — internet — ao processo judicial eletrônico.
A proposta idealizada pelo TRT13 consiste na utilização do novel Princípio da
Conexão, que autoriza a participação ativa dos magistrados na busca de informações
necessários ao alcance da verdade real através de mecanismos de busca disponibilizados na
internet. Extrai-se do texto disponibilizado no sítio eletrônico do TRT13 que
Com advento das novas tecnologias de comunicação e informação e as
possibilidades ampliadas de conectividade por elas proporcionadas, rompe-se,
finalmente, com a separação rígida entre o mundo do processo e o das relações
sociais, porquanto o link permite a aproximação entre os autos e a verdade (real
e virtual) contida na rede. O princípio da conexão torna naturalmente, por
outro lado, o processo mais inquisitivo. A virtualidade da conexão altera
profundamente os limites da busca da prova. As denominadas TICS passam,
portanto, a ter profunda inflexão sobre a principiologia da ciência processual e
redesenham a teoria geral tradicional do processo, a partir desse novo primado da
conexão50.
Como se constata, a introdução do Princípio da Cooperação, em tempos de
redefinição democrática, no lugar de reforçar a estrutura dialética do processo, em efetiva
comparticipação das atores processuais na constituição, desenvolvimento e decisão da lide,
apenas reforçou a marca inquisitorial que insiste permear da processualística contemporânea.
Para Glauco Gumerato Ramos51, isso se deve em função dos operadores do direito
não enxergarem que um sistema no qual se permite ao mesmo juiz conceder tutela de
urgência, dirigir a fase probatória inquisitivamente e, ao final, proferir decisão de mérito sobre
a lide, é um sistema perverso que viabiliza a figura de um super juiz autorizado a decretar um
ato de poder na medida do seu arbítrio.
Todavia, deve-se advertir que
El juez es un esclavo de la ley y un siervo de la Constitución. Cuando eso es dejado
de lado se invierte la lógica de los engranajes por los cuales opera el Estado
Democrático de Derecho. Al juez corresponde interpretar y aplicar la ley creada por
el legislador, y no sustituirse a este para hacer de este o de aquel proceso el palco
para la realización de la “justicia” que en ese momento se revela como la más
adecuada a su propia cabeza, a la cabeza de este o de aquel juez. Eso no es proceso;
¡es arbitrio! No existe seguridad jurídica que resista a esta dinámica. Y por más bien
intencionado que sea el juez arbitrario, la Constitución no le autoriza y no le permite
ejercer la función jurisdiccional fuera de los límites establecidos por la ley y –
sobretodo – garantizados por la Constitución. El análisis del derecho en general, y
del proceso en especial, desde la perspectiva de la Constitución, es un importante
postulado dogmático que heredamos después de la 2ª Guerra Mundial. Por eso no se

50
TRIBUNAL REGIONAL DO TRABALHO DA 13ª REGIÃO. Princípio da conexão liga o processo ao
mundo de informações virtuais. (2015). Disponível em: < http://as1.trt3.jus.br/noticias/no_noticias.Exibe_
Noticia?p_cod_noticia=12476&p_cod_area_noticia=ACS&p_cod_tipo_noticia=1> Acesso em 09/02/2019. 51
RAMOS, Glauco Gumerato. Repensando a Prova de Ofício. In: VILLARREAL, Gabriel Hernández.
Actualidade u Futuro del Derecho Procesal: Principios, reglas y pruebas. Bogotá: Editorial Universidad del
Rosario, 2010. p. 144
20

puede permitir que el juez escape de los confines establecidos por el debido
52
proceso .
Propugnamos que nas demandas que versam sobre direitos disponíveis, a atuação
do órgão judicante na iniciativa probatória só deve ser admitida em situações excepcionais, se
comprovada a sua necessidade e pertinência, e apenas quando se destinarem a esclarecer
pontos e questões surgidas de fatos e circunstâncias apurados na instrução – ou seja, a partir
dos elementos de prova já apresentados pelos litigantes.
Isto porque,
[...] parte-se do princípio de que o juiz, quando determina a produção de provas sem
prévio requerimento da parte interessada em provar determinado fato, estaria, ainda
que sutilmente, tomando partido a favor dessa parte de modo a romper a igualdade e
a imparcialidade que a Constituição também lhe exige. E o juiz, assim agindo,
romperá com a estrutura dialética básica que orienta todo o processo. Ou seja,
dois sujeitos parciais (=demandante e demandado) buscando a tutela de seus
respectivos direitos em atividade isonomicamente dialética, diante de um terceiro
imparcial (=juiz). Nota-se aí a importância que é dada para a categoria fundamental
processo (=devido processo), que se violado fulminaria a própria legitimidade do
53
exercício da jurisdição (=tutela jurisdicional) .

Em dissonância, os autores que sustentam inexistir prejuízo à imparcialidade do


magistrado por ocasião da produção de uma prova oficiosa, a exemplo de Barbosa Moreira,
salientam que quando o juiz determina uma diligência não é possível adivinhar-lhe o
desfecho, que tanto poderá aproveitar a um litigante, quanto a outro. Ademais, levado a efeito
a impossibilidade de produção de prova oficiosa, a postura omissa do órgão judicante
igualmente poderá ser taxada de parcialidade, pois acabará por favorecer uma das partes54.
Contudo, num processo dispositivo de base democrática, interferências do
julgador na gestão de provas – um dos principais encargos atribuídos aos jogadores –, põe em
cheque toda a estrutura dialética em que se baseia o procedimento, ao perpetuar resquícios
autoritários no processo civil.
Afinal,
A independência do juiz não constitui por si um objectivo, antes supõe a
subordinação exclusiva à lei. A condição do juiz como terceiro (terzietá), isto é,
como sujeito «à parte», estranho aos factos e ao objecto do processo, é
incompatível com a possibilidade de assumir funções que são próprias das partes
(iniciar o processo, determinar ou alterar o seu objecto, tomar em consideração
factos não alegados, decidir a produção de prova dos factos alegados, etc.)55.

Esse distanciamento exigido para o exercício da função jurisdicional guarda


relação com a garantia de imparcialidade e partialidade do julgador já que a prova de ofício
52
RAMOS, Glauco Gumerato. Poderes del Juez: Activismo (=Autoritarismo) o Garantismo (=Libertad) en el
Proyecto de nuevo CPC de Brasil. In: Revista Panameña de Política. - N° 14, Julio- Diciembre 2012. p. 113. 53
RAMOS, Glauco Gumerato. Ativismo e garantismo no processo civil: apresentação do debate. Revista
brasileira de direito processual, v. 70, p. 40-50, 2010.
54
MOREIRA, José Carlos Barbosa. Op. Cit. P. 110.
55
MENDONÇA, Luis Correia de. Op. Cit.
21

rompe com a lógica dialética do processo que necessariamente se fundamente no debate entre
dois sujeitos antagônicos, perante um terceiro imparcial, os quais têm seus poderes e
faculdades vinculados à clausula do devido processo constitucional56.
Assim sendo, conclui Mateus Costa Pereira, a busca pela verdade para a garantia
de uma tutela jurisdicional efetiva não pode desvirtuar as demais garantias constitucionais,
como é a exigência de terceiridade (impartialidade), principalmente quando estudos de
psicologia cognitiva revelam as propensões causadas por determinados comportamentos
adotados pelo juiz, conducentes à produção de decisões enviesadas57.

5. Considerações finais

A principal tarefa relacionada a introdução do dever de cooperação no contexto brasileiro,


guarda relação com a criação de uma base normativa que induza um comportamento de diálogo, sem
que isso represente o expurgo dos interesses não cooperativos.
Da forma como vem sendo posto em prática, o Dever de Cooperação atenta contra
a estrutura dialética e dualista inerente às lides, transmutando o julgador à condição de
contraditor e as partes, principais interessadas na solução do litígio, em meros instrumentos a
serviço do juiz a serviço da busca pela justiça.
De instituição de garantia, o processo passa a representar expressão do arbítrio
judicial, perdendo de vista seus objetivos numa ordem democrática, daí falar-se em alopoiese
do sistema processual, pois seu produto não resulta da simbiose entre dois modelos de
organização do processo, mas de um emaranhado de normas processuais, misturando-se de tal
forma que o processo de construção da identidade e reprodução da autonomia do novo sistema
processual estaria seriamente comprometido, diluindo-se paulatinamente.

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57
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